Agora Eu Sou A Lei
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Agora Eu Sou A Lei - Sérgio Toffoletto
AGORA EU SOU A LEI
Autor: Sérgio Toffoletto
Sumário
AGORA EU SOU A LEI .................................................................. 1
Autor: Sérgio Toffoletto .................................................................... 1
AGORA EU SOU A LEI .................................................................. 3
Primeira parte .............................................................................. 3
Segunda parte ............................................................................. 11
Terceira parte.............................................................................. 36
Quarta parte ................................................................................ 52
Quinta parte ................................................................................ 71
Sexta parte .................................................................................. 89
Sétima parte .............................................................................. 103
Oitava parte .............................................................................. 123
Nona parte ................................................................................ 132
Décima parte ............................................................................ 157
Décima primeira parte............................................................... 169
Décima segunda parte ............................................................... 182
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AGORA EU SOU A LEI
Primeira parte
Eram cinco montanhas enfileiradas, uma pequena cordilheira;
em uma dessas montanhas, a menor, e que estava numa das
pontas, no sopé da mesma, havia um buraco, mais ou menos
largo, escavado, de feitio informe, chamado de entrada por
quem conhecia o lugar, e eram poucos os que o conheciam, e
esses poucos se referiam ao lugar como a mina, pois ali em
tempos anteriores havia tido uma mina do precioso metal
chamado ouro, mas que agora esse ouro, pelo jeito, devia ter-se
exaurido, dando ao lugar um aspecto de abandono, mas havia
uma pessoa que acreditava que ali naquela mina ainda houvesse
ouro; era um fazendeiro, cujas terras se limitavam próximas à
essa montanha onde ficava a mina, e tanto a montanha como a
mina situavam-se em terras pertencentes ao governo, que nem
cogitava haver ali uma mina e muito menos ouro, por isso esse
fazendeiro se apossara da mesma, e designara quatro de seus
empregados para a explorarem, e três deles saiam no momento
de lá de dentro, e vinham conversando; eram ainda jovens, e já
há algum tempo estavam trabalhando lá, escavando, raspando,
verificando, à cata de algum indício de ouro, mas tudo em vão, o
ouro que devia ter sido em boa quantidade, dele não existia nem
vestígio.
-Eu acho que o nosso trabalho está terminado, definitivamente aí
dentro não tem mais ouro algum! disse um deles, um loiro.
-É, o patrão pode desistir e deixar de gastar dinheiro à-toa! disse
um outro, um ruivo.
-E o Aristeu? ele ficou lá dentro fazendo o quê? disse o loiro.
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-Não sei, ele sabe que não tem mais ouro aí, talvez esteja se
despedindo da mina! disse um outro, um baixinho.
-Oi, Aristeu! como é que é, você vem ou não vem? gritou o
ruivo.
-Só mais um minutinho, e eu já vou sair! falou lá de dentro, o tal
de Aristeu.
-Você já sabe onde nos encontrar, não é? no bar Mirante, vamos
refrescar a goela! disse o baixinho.
Eles foram até onde tinham deixado os cavalos, montaram e
seguiram em direção à cidade, que ficava localizada mais
adiante, uma cidade igual a muitas outras do centro-oeste, bem
no meio de um extenso vale, que se estendia por muitos
quilômetros, era constituída por uma rua principal, onde
funcionava uma agência bancária, duas barbearias, duas
estrebarias, casas de comércio que vendiam quase de tudo, e
algumas outras lojas; essa rua ía de um extremo a outro da
cidade, com algumas ruas transversais, que em épocas de chuvas
se transformavam num grande lamaçal, e em épocas de seca
num tremendo poeirão; as calçadas das vielas eram de terra, e
nivelavam-se com as ruas; na rua principal eram de madeira, e
ficavam um pouco acima do nível da rua; numa das vielas ficava
a delegacia, num prédio térreo, com quatro celas e uma saleta,
onde ficava a mesa do delegado, um homem de seus cinqüenta e
poucos anos, e que encarava a sua profissão com muita
seriedade e muito rigor, mas que quase não precisava pôr em
prática essa seriedade e esse rigor, pois não tinha muito o que
fazer quanto às transgressões da lei e da ordem, os cidadãos em
sua maioria eram pacíficos, gente de paz, a não ser alguns
bêbados, alguns desordeiros, e de vez em quando uma troca de
tiros, um duelo entre dois que se desentendiam num jogo de
cartas ou por causa de alguma mulher, geralmente um deles
acabava morto, e o delegado não tinha outra coisa a fazer a não
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ser mandar que seus auxiliares, dois rapazes fortes, musculosos,
altos, recolhessem o corpo e o levassem para ser enterrado;
quanto ao que matara, era dispensado sem maiores
conseqüências, visto que tudo tinha acontecido diante de
testemunhas, e que fora um caso, pode-se dizer, matar ou
morrer, ou então em legítima defesa, e se ao invés de morrer um
deles ficasse apenas ferido, o delegado solicitava a presença do
médico, havia um na cidade, para ver o que era possível fazer.
Algumas vezes o tiroteio acontecia dentro do bar, e os motivos
eram quase sempre os mesmos, num jogo de cartas ou por causa
de uma mulher, ou então entre vaqueiros pertencentes a
fazendas diferentes, que discutiam por qualquer besteira; nos
arredores da cidade havia algumas fazendas que se dedicavam
principalmente à criação de gado, e sítios com produção
agrícola; o bar situava-se no primeiro quarteirão da rua
principal, que fazia esquina com a viela onde se encontrava a
delegacia, constava de dois pavimentos, o térreo amplo,
espaçoso, onde funcionava o serviço de bar, um salão extenso,
com muitas mesas, um balcão comprido aonde eram servidas as
bebidas, e para quem quisesse, também um tira-gosto; na parte
da frente que dava para a rua principal havia uma larga porta de
entrada; o segundo pavimento continha vários quartos
destinados a algum ou alguns eventuais hóspedes, e que também
serviam de alojamento para dez mulheres, jovens, contratadas
para darem entretenimento aos freqüentadores do bar; nesse
segundo pavimento havia uma sacada de frente para a rua; o
nome desse estabelecimento era Bar e Hotel Mirante, seu
proprietário chamava-se Miroslavo, mas todos o tratavam por
Miro, onde justamente nesse instante entravam os três que
vinham da tal mina no sopé da pequena montanha, e um deles, o
ruivo dizia:
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-O Aristeu é teimoso mesmo, não sei o que ele fica fazendo
naquela mina, procurando o que não tem!
-Ele é um sonhador, talvez pense que de repente vai brotar ouro
aos montes! disse o loiro, rindo.
-Oi, Mao Chang, põe uísque e cerveja ai pra nós! pediu o
baixinho.
Esse Mao Chang era um chinês que servia no balcão, era o
único chinês da cidade, ninguém sabia de que parte da China ele
tinha vindo, e como viera parar ali, quase nunca falava e quando
o fazia, se limitava a apenas, non shabê
mas ria muito, ou
melhor, sorria com muitas mesuras, e usava sempre uma roupa
que todos diziam parecer um pijamão, mas era o vestuário
característico dos chineses, porém ele não tinha o tradicional
rabicho.
Os três amigos tomaram as bebidas e iam se retirando quando
ouviram o som de um piano e vozes femininas entoando uma
cançoneta que dizia, "nós somos mulheres aptas, para o amor e
o labor
nós somos mulheres aptas, servimos e divertimos";
eram as mulheres do bar, que em volta do piano, manuseado por
um negro, jovem e risonho, cantavam esses versinhos antes de
iniciarem o atendimento aos fregueses, eram dez mulheres,
todas ainda novas, bonitas, com exceção de uma, que também
era bonita, mas não tão nova, que se intitulava a chefa,
responsável pelas outras, três loiras, quatro morenas, e duas
ruivas, que tinham chegado à cidade sob o comando da chefa,
que era amiga do Miroslavo, contratadas para servirem e
entreterem os freqüentadores do bar, mas sob um rigoroso
limite, porquanto o Miroslavo tinha uma ambigüidade, ele
achava que as mulheres podiam entreter os homens, mas não
podiam se expor à intimidades, isto é, ele admitia o
comportamento material, a matéria, mas abominava o não
espiritual, o pecado, e quem devia zelar para que assim fosse,
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era a chefa, o que não era nada fácil, ainda mais num bar, com
mulheres tão bonitas e com freqüentadores como vaqueiros e
empregados das fazendas e sítios, os fazendeiros, os sitiantes,
que só queriam saber de se divertirem, beberem e desfrutarem
da companhia de tão lindas mulheres, pouco ligando para essa
crença ambígua do Miro, entre pecado ou não pecado, por que
pecado mesmo era não se envolverem com mulheres tão bonitas,
mas tinha um porém, isso era somente dentro do bar, fora dali as
crenças do Miro, só eram seguidas por aqueles que como ele
pensavam, por que para os outros de nada valiam e tudo era
permitido.
Os três amigos pararam e ficaram ouvindo as mulheres cantarem
aquela musiqueta, e o loiro falou:
-Que diacho de música mais esquisita!
-Eu até agora não entendi o quê quer dizer esse tal de labor e
apta, que troço será isso? disse o baixinho.
-E onde será que elas aprenderam o raio dessa música, e dessa
letra? falou o ruivo.
-Essa música, se é que se pode chamar isso de música, foi um
camarada metido a poeta e a músico que ensinou para elas, e
disse que ficaria muito mais gracioso, foi essa a palavra que ele
usou, gracioso, se elas cantassem antes de começarem o
trabalho! falou um sujeito que estava ali perto.
-E você sabe o quê quer dizer apta e labor? perguntou o
baixinho.
-Conforme esse metido a poeta explicou, apta significa hábil,
capaz, dedicada, e labor significa trabalho! falou o sujeito.
-E quem é esse camarada, você o conhece? perguntou o loiro.
-Eu não o conheço, ele ensinou essa musiquinha para a
mulherada e depois foi embora, naturalmente foi para outras
cidades ensinar outras mulheres a cantarem a musiquinha! falou
o sujeito.
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-O delegado devia tê-lo prendido, isto sim! disse o ruivo.
-A verdade é que a música é uma droga, mas as mulheres têm
voz bonita e são lindas, vocês não acham? disse o loiro.
-Principalmente aquela morena de vestido vermelho, tem umas
belas pernas, é a mais bonita! disse o ruivo.
-Eu prefiro a ruiva de vestido amarelo, eu até casaria com ela!
disse o loiro.
As nove mulheres, como já foi dito, eram mesmo bonitas,
inclusive a chefa, usavam vestidos de cores variadas, que
vinham até a altura dos joelhos, um pouco acima, deixando à
mostra pernas muito bonitas, bem torneadas, usavam sapatos
com saltos quadrados, que faziam com que rebolassem
suavemente quando andavam, atraindo os olhares cobiçosos dos
homens, que as contemplavam embevecidos, como se
estivessem hipnotizados, e quando a morena de vestido
vermelho passou perto do ruivo, ele disse:
-Oi, lindeza, como é que é, vamos fazer um bebê?
Ela olhou para ele, mediu-o de alto a baixo, deu uma risada e
falou:
-Sai pra lá vaqueiro, bebê só pra quem tem muito dinheiro!
-Ah! é assim, só pra quem tem muito dinheiro? um dia eu vou
ter, então vou vir procurar você, viu? ele disse.
-Aí quem sabe né? se eu ainda estiver bonita e disponível, pode
ser! ela falou, rindo.
-Tá vendo cara, você não tem dinheiro, ela não quer nada com
você! disse o baixinho.
-E muito menos com você baixinho! disse o ruivo.
-Tudo bem, enquanto não chegar o dia em que vocês vão ter
dinheiro, vamos tratar de voltarmos para a fazenda, antes que o
patrão nos mande embora! falou o loiro.
-É isso mesmo, eu não quero perder o emprego, disse o
baixinho.
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-E o Aristeu hein! será que ainda está na mina? falou o loiro.
-Se está ou não está isso é problema dele, ele sabe se cuidar,
quanto a nós, é melhor voltarmos para a fazenda! disse o
baixinho.
Montaram nos cavalos e seguiram em direção à fazenda, lá
chegando viram o cavalo do Aristeu amarrado junto à porta de
entrada da casa do fazendeiro.
-Ué! olha só, o cavalo do Aristeu, ele deve estar conversando
com o patrão, o que será hein? falou o ruivo.
Dali a pouco saíram de dentro da casa o Aristeu e o fazendeiro,
e este dizia:
-Quando você me trouxer o dinheiro, eu lhe passo a concessão
da mina!
-Tudo bem patrão, assim que eu conseguir, lhe trago o dinheiro!
disse o Aristeu.
Ele foi para onde tinha deixado o cavalo e lá encontrou os
amigos, que o olhavam admirados, e o ruivo falou:
-Nós estávamos esperando você aparecer no bar, e você estava
aqui tratando de negócios com o patrão?
-É, na última hora eu resolvi vir falar com o patrão! ele disse.
-E por acaso nós podemos saber do que se trata? perguntou o
loiro.
-Podem sim, é que eu resolvi ficar com a mina, falei com o
patrão, acertamos o preço, e eu agora vou ver se consigo todo o
dinheiro, é só isso! ele disse.
-Ora! vejam só! você por acaso achou ouro ou acha que vai
achar, e quer ficar com a mina só para você? falou o baixinho.
-Não, não é nada disso, eu não achei ouro nenhum, mas eu
quero ficar com a mina, porque para alguma coisa ela deve
servir! falou o Aristeu.
-E o que é que você acha que a mina serve para quê? perguntou
o loiro.
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-Ainda não sei, mas vou pensar, agora o que eu preciso é
arrumar o dinheiro! ele respondeu.
-E para quem você vai pedir? no Banco eu sei que não é, por
que você não tem garantia, para nós muito menos, porque nós
não temos, então para quem? perguntou o baixinho.
-Eu estou pensando em pedir para os meus primos, não sei se
eles têm, mas não custa tentar, não é? ele respondeu.
Nisso eles ouviram alguém gritar:
-Ei vocês aí, parem de prosear e vão trabalhar, por que tem
muito serviço para fazer!
Era o capataz da fazenda quem assim falava, era um sujeito de
estatura mediana, fisicamente avantajado, braços musculosos,
rosto quadrado, que ele fazia questão de trazer sempre bem
escanhoado, olhos pretos, que pareciam estar constantemente
vigilantes, um revólver colt de seis balas pendia um pouco
abaixo de sua cintura, pronto para ser sacado, se necessário, e
ele era bom nisso; seu nome era Santo, mas como muitos dos
que o conheciam, diziam veladamente, à boca pequena, "de
santo só tem o nome, por que no resto, é um verdadeiro diabo";
além de capataz, ele atuava também como guarda-costas do
fazendeiro, e um detalhe, não usava chapéu, desses que
geralmente todo vaqueiro usa; para cobrir a cabeça ele usava
boné, tinha cinco deles, três de couro, pretos, e dois de pano,
cinzas.
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Segunda parte
O fazendeiro, de nome Dalmo, era um homem já passando da
meia idade, estatura um pouco mais alta do que a mediana,
magro, rosto até que simpático, mas pelos contornos da boca e
pelo jeito de olhar fixamente seu interlocutor, podia-se deduzir
claramente que era de índole enérgica e decidida, que perguntou
para o capataz:
-O Douglas já se levantou?
-Acho que ainda não, ontem ele veio para casa um pouco mais
tarde!
-Esse um pouco mais tarde, você quer dizer de madrugada, não
é? disse o Dalmo.
-A que horas exatamente não sei, mas acho que passava um
pouco mais de meia noite! falou o Santo, tentando amenizar.
-Tudo bem, ele ainda é jovem, precisa aproveitar a vida, mas
precisa também se dedicar mais aos negócios da fazenda, afinal
de contas isto tudo algum dia vai ser dele, e ele vai ter que estar
preparado para assumir! disse o Dalmo.
-Eu espero ainda estar por aqui, se ele precisar de minha ajuda!
falou o Santo.
-E o Edgard, já se levantou? perguntou o Dalmo.
-Ah! com esse o senhor não precisa se preocupar, é um dos
primeiros a pular da cama! respondeu o Santo, rindo.
-Interessante como é a natureza, os dois são meus filhos, têm a
mesma procedência, o mesmo sangue, e no entanto têm
temperamentos completamente diferentes, o Douglas é
estourado, impaciente, não tem muito discernimento, brigão, o
Edgard pelo contrário, é calmo, pensa bem antes de agir, não
gosta de brigas, apesar de procederem da mesma mãe e do
mesmo pai! falou o Dalmo.
11
-É verdade patrão, a dona Regina era uma mulher maravilhosa,
ponderada, muito calma, todos aqui gostavam muito dela, eu a
admirava muito! disse o Santo.
-Foi uma pena ela ter morrido assim tão nova, eu sinto muita
falta dela, e os rapazes também, mas vamos fazer o quê, não é
mesmo? esta vida é assim mesmo, um dia estamos aqui, noutro
dia não estamos mais! falou o Dalmo.
Quem escutasse os dois, o patrão e o capataz, conversando
assim sobre assuntos de família, poderia pensar tratar-se de
pessoas sensíveis,