Incentivos fiscais no Estado de Goiás: tênue divisão entre política pública eficiente e renúncia fiscal nos programas Produzir e Fomentar
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Incentivos fiscais no Estado de Goiás - Mateus Rocha de Lisbôa
CAPÍTULO I INCENTIVOS FISCAIS E FINANCEIROS: INSTRUMENTO DE POLÍTICA PÚBLICA PARA EFETIVIDADE DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
A relação entre tributação e efetivação de direitos vem se construindo com elevado grau de intensidade nos últimos séculos, em especial a partir do momento em que emerge a ideia de Estado Fiscal, em um contexto em que a prestação de serviços públicos passa a ser cada vez função assumida pelo ente estatal.
Nesse cenário, o surgimento do Estado Social de Direito, caracterizada pela atuação ativa do ente público na efetivação de direitos, em contraposição à postura absenteísta que marcou o Estado Liberal, corroborou para a construção de um aparato estatal que assume progressivamente mais serviços públicos visando à efetividade dos direitos constitucionalmente previstos e assegurados aos cidadãos.
Dessa maneira, o Estado Fiscal se torna o mecanismo necessário para o sustento desse cenário sinteticamente acima exposto. Por meio da tributação o ente público logra recursos que serão destinados aos mais diversos serviços públicos, em sentido amplo, por ele assumidos, tais como educação, saúde, saneamento básico e transporte público.
Ocorre que o aumento da complexidade estatal, manifestada pelo crescente incremento de posturas e atividades assumidas por essa entidade, demanda uma atuação casuística e centrada nas especificidades de cada setor abrangido por suas fronteiras, sob pena de assunção de modelos incompatíveis com certas realidades em específico.
Justamente em razão de fatores casuísticos inerentes às desigualdades socioeconômicas vivenciadas entre os Estados brasileiros tem-se vivenciado um novo cenário para a tributação: no lugar do aumento da carga tributária para o financiamento de políticas públicas sociais constata-se a utilização do tributo como instrumento indutor voltado para a efetividade e concretização de valores constitucionais.
Assim, ao longo do século XX, em especial no período posterior à Constituição de 1988, com a maior descentralização política e o aumento da autonomia dos entes federados, observa-se no Brasil o fenômeno intitulado de incentivo fiscal, instrumento assumido pelos Estados membros para a atração de maiores investimentos em seus territórios, diante de notórias desigualdades regionais que marcam o Estado brasileiro.
Nessa perspectiva, o presente estudo apresenta como objetivo prioritário a compreensão dos incentivos fiscais no contexto do Constitucionalismo Contemporâneo. Para tanto, três perspectivas teóricas se manifestam: a relativa aos direitos fundamentais e tributação, a análise consequencialista do Direito e o estudo das políticas públicas.
Desse modo, este estudo recorrer-se-á à revisão da literatura, de modo a tornar compreendidos os conceitos centrais da pesquisa, utilizando método dedutivo, partindo-se da análise conceitual geral a aferição particular e casuística dos incentivos fiscais no contexto do Constitucionalismo Contemporâneo.
Observa-se a crescente relevância do problema acima exposto, tendo em vista o conflito que surge entre os dois polos gerados pelos incentivos fiscais: de um lado, renúncia de receita em um Estado com consideráveis responsabilidades sociais; de outro, o incremento na economia que tais incentivos podem trazer. Assim, constata-se a relevância desta pesquisa, diante da necessidade de se lograr cada vez mais eficiência com os gastos públicos e efetividade na concretização de direitos fundamentais.
1.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E TRIBUTAÇÃO
O estudo dos incentivos fiscais de ICMS concedidos pelos Estados membros brasileiros, em especial a partir da Constituição Federal de 1988, momento no qual a autonomia dos entes federados foi ampliada e consagrada, apresenta intrínseca relação entre dois campos jurídicos que, em seus primórdios, apresentavam-se como aspectos prioritariamente antagônicos: a tributação e os direitos fundamentais.
No período greco-romano clássico (MOREIRA; MACHADO, 2019, p. 152), os tributos eram instituídos como manifestação do poder de império do Estado, sendo cobrados, praticamente de maneira exclusiva, dos povos subjugados para o financiamento das despesas estatais. Ao longo do período medieval (MOREIRA; MACHADO, 2019, p. 153), o tributo passa a ter outra conotação, contextualizada em um Estado Absolutista Patrimonialista: a cobrança ocorria por parte dos senhores feudais em face de seus servos, não havendo publicização ou contrapartida social em tal pagamento.
Assim sendo, foi somente com as revoluções burguesas iniciadas ao longo do período da Baixa Idade Média que o tributo passa a ter o caráter e a funcionalidade que se compreende nos dias atuais.
O Estado Tributário Liberal não institui mais impostos ou taxas como mecanismo de subjugo de povos vencidos, tampouco como instrumento de enriquecimento particular da nobreza feudal. Ao contrário, o tributo passa a ser visto como o preço que se paga para exercer a própria liberdade (TORRES, 2005, p. 98), como instrumento para financiamento das despesas estatais, as quais deverão ser suportadas por todos os cidadãos, quem são os destinatários das funções estatais de garantia de liberdade individual.
Portanto, destaca-se, sobremaneira, a legitimidade democrática que a tributação passa a apresentar, tendo em vista que não se admite mais a cobrança de impostos ou taxas sem a devida representatividade do povo – no taxation without representation, em um contexto claramente marcado pelos ideais burgueses de autotributação e legalidade.
Essa nova perspectiva do tributo é enriquecida a partir do século XX, com o surgimento do Estado Social de Direito. Nesse contexto, com a crescente prestação de serviços públicos em sentido lato pelo Estado (saúde, educação, previdência), as despesas públicas sofrem natural e paulatino aumento, de modo que os tributos passam a ser de fundamental importância para a garantia do dito Estado Social (MOREIRA; MACHADO, 2019, p. 155).
Constata-se, assim, que é justamente ao longo do século XX que a tributação e os direitos fundamentais passam a se relacionar de maneira intrínseca e coadunada. Se milênios ou até mesmo séculos passados o tributo era simples manifestação do poder de império estatal, sendo utilizado como forma de dominação de povos ou classes inferiorizadas, com o advento do Estado burguês, primeiramente o Liberal, mas, primordialmente, o Social, a tributação se torne veículo promotor de garantias e direitos, em especial da liberdade individual em face do poder público (no contexto de autotributação e legalidade) e da efetivação de políticas sociais assumidas pelo Estado Fiscal.
No entanto, a intrínseca relação entre tributação e direitos fundamentais não se limita a garantias individuais e financiamento de políticas sociais. Com o paulatino desenvolvimento da complexidade jurídica, emerge uma terceira interface entre os referidos campos jurídicos: a extrafiscalidade como mecanismo de efetividade de direitos fundamentais.
Em suma, a relação entre tributação e direitos fundamentais pode apresentar três interfaces prioritárias (CORREIA NETO, 2019, p. 182), a saber: (i) direitos fundamentais como limite à cobrança de tributos, (ii) tributação como fonte de financiamento de políticas públicas implementadoras de direitos fundamentais e (iii) normas tributárias extrafiscais como mecanismo de efetividade de direitos fundamentais.
Compreendidos os aspectos introdutórios atinentes à relação supradestacada, cabe agora adentrar no contexto atual do constitucionalismo, em especial a função assumida pelo Estado no Constitucionalismo Contemporâneo e a consagração dos direitos fundamentais como categoria central do atual momento