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Parada Portos: A história de Ernst e Maria
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Parada Portos: A história de Ernst e Maria
E-book385 páginas4 horas

Parada Portos: A história de Ernst e Maria

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Sobre este e-book

No dia 28 de abril de 1933, Ernst Rochol deixava a Alemanha e imigrava, com um primo, para o Brasil. Seu destino era Porto Novo, onde chegou no dia 26 de maio do mesmo ano. Estava com 30 anos, no auge de sua existência. Ninguém imaginava, muito menos ele, que este seria só um dos tantos capítulos de sua movimentada vida.
Para comemorar esse feito, estamos lançando "Parada Portos – A História de Ernst e Maria". Trata-se de uma coletânea de cartas, relatos, fotos e comentários que contam, de forma quase íntima, a história de Ernst e de sua família no período de 1933 a 1974.
A base da crônica são cartas escritas com espontaneidade, amor e dedicação. Todas percorreram longas e demoradas distâncias, sempre cortando o Atlântico. Uma delas estava num avião que caiu no trajeto do Rio de Janeiro a Natal. Apesar disso, chegou ao seu destino e enriquece a coletânea.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de jun. de 2017
ISBN9788583383581
Parada Portos: A história de Ernst e Maria

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    Pré-visualização do livro

    Parada Portos - Arno Rochol

    © Arno Rochol 2017

    Produção editorial: Vanessa Pedroso

    Revisão: Alexandre Medeiros Martins

    Capa: Arno Rochol

    Editoração: Cristiano Marques

    Produção de ePub: Cumbuca Studio

    CIP-Brasil, Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros

    R584p

    Rochol, Arno

    Parada portos [recurso eletrônico] : a história de Ernst e Maria / Arno Rochol. - 1. ed. - Porto Alegre, RS : Buqui, 2017.

    recurso digital

    Formato: ebook

    Requisitos do sistema: adobe digital editions

    Modo de acesso: world wide web

    ISBN: 9788583383581 (recurso eletrônico)

    1. Alemães - Brasil - Biografia. 2. Imigrantes - Brasil - Biografia. 3. Imigrantes - Correspondência. 4. Livros eletrônicos. I. Título.

    17-42180 | CDD: 920.71 | CDU: 929-055.1

    30/05/2017 | 31/05/2017

    Todos os direitos desta edição reservados à

    Buqui Comércio de Livros Digitais Ltda.

    Rua Dr Timóteo, 475 sala 102

    Porto Alegre | RS | Brasil

    Fone: +55 51 3508.3991

    www.buqui.com.br

    www.editorabuqui.com.br

    www.facebook.com/buquistore

    As próximas páginas são destinadas...

    A todas e a todos navegantes

    dos sete mares

    dos cinco continentes

    de todas as castas, classes

    sexos, raças e religiões.

    A todas e todos náufragos e sobreviventes

    dos mundos destruídos

    dos credos falidos

    dos Estados arruinados

    e dos sonhos espezinhados.

    A todas e a todos os Ernst e Marias da vida,

    que com coragem e destemor

    tecem suas utopias

    teimando em acreditar

    num futuro melhor.

    Que sigam a se inspirar... crendo,

    Sempre!

    "Portos são muito mais que pontos

    de chegadas ou de partidas,

    muito mais que substantivos

    que aceitam quaisquer adjetivos.

    Portos são a oficina onde se juntam

    os estilhaços da travessia,

    renovam-se o sonho e o espanto,

    onde recuperamos

    todo aquele mundo que trouxemos

    na bagagem

    e agora devemos aprender

    a encaixá-lo em outro mundo.

    Portos são faróis a brilhar na neblina,

    são a prova irrefutável de que a distância

    é mera distração que separa cada

    pequena parada nesta grande aventura."

    Alexandre Medeiros Martins

    Sumário

    À memória de Maria e Ernst Rochol

    Bem-vindos!

    Primeira Parte – De 1933 a 1938

    Segunda Parte – De 1939 a 1966

    Terceira Parte – De 1967 a 1974

    Adendos

    Às vezes, nem eu mesmo sei como foi acontecer, de ter abandonado a minha velha profissão (a eletrotécnica); mas apesar disso, hoje estou contente, porque o destino assim o quis.

    Se tivesse uma mulher por aqui, acredito que após dois dias de bons cuidados já teria me recuperado. Este é o ponto nevrálgico: por todas as partes falta a querida, boa, fiel e cuidadosa mulher.

    Ernst

    Uma viagem de núpcias normalmente se realiza após as cerimônias de casamento e da festa costumeira. Mas comigo não aconteceu assim. Minha viagem de núpcias já começou quatro semanas antes do casamento propriamente dito.

    Não é possível, pensei...

    Este, então, deve ser Ernst Rochol, o meu futuro marido!?

    Um foi ao encontro do outro e... daí? Aí aconteceu a coisa mais simples, que poderia ocorrer:

    Guten Tag, Ernst. (Bom dia, Ernst.)

    Guten Tag, Maria. (Bom dia, Maria.)

    Aí houve um pequeno abraço, uma furtiva troca de olhares e a verificação contente de que estava tudo em ordem nos dois."

    Maria

    À memória de Maria e Ernst Rochol

    "Agora quero relatar as últimas daqui sem maiores rodeios. Certamente que lhes interessa saber como aconteceu tudo e por isso quero contar-lhes como fiquei conhecendo a minha querida mulher e todos os demais detalhes, pois vale a pena que isso se conserve para a posteridade." (Carta de 15/11/1935)

    "Façam como eu: quando algo começa a ficar pesado em volta do coração, recordem os belos tempos de outrora, pois tudo poderão nos levar, menos a lembrança." (Carta de 19/9/1935.)

    Com muito sangue, com muitas lágrimas, aprendemos que o tempo da história não é o nosso tempo. Que a história é uma senhora lenta, caprichosa, às vezes louca, muito difícil, muito complicada, muito misteriosa. Muito mais misteriosa do que nós cremos que seja. E que não nos dá a mínima bola. Que não nos obedece, porque o tempo dela é um tempo infinitamente maior que o tempo de cada um de nós.

    Eduardo Galeano¹


    1 No documentário Utopia e Barbárie, de Sílvio Tendler (2009).

    Bem-vindos!

    No dia 28 de abril de 1933, Ernst Rochol deixava a Alemanha e imigrava, com um primo, para o Brasil. Seu destino era Porto Novo, onde chegou no dia 26 de maio do mesmo ano. Estava com 30 anos, no auge de sua existência. Ninguém imaginava, muito menos ele, que este seria só um dos tantos capítulos de sua movimentada vida.

    Para comemorar esse feito, estamos lançando Parada Portos – A História de Ernst e Maria. Trata-se de uma coletânea de cartas, relatos, fotos e comentários que contam, de forma quase íntima, a história de Ernst e de sua família no período de 1933 a 1974.

    A base da crônica são cartas escritas com espontaneidade, amor e dedicação. Todas percorreram longas e demoradas distâncias, sempre cortando o Atlântico. Uma delas estava num avião que caiu no trajeto do Rio de Janeiro a Natal. Apesar disso, chegou ao seu destino e enriquece a coletânea.

    Uma carta é um documento precioso, ainda mais se levarmos em conta a época atual, de chat, twitter, torpedos e e-mails. Por trás de uma missiva há quem escreve e, do outro lado, quem a recebe. E ainda há os que a leem, todos construindo e cultivando um tempo que hoje parece fadado à extinção.

    Diários e cartas, aliás, são como um espelho e uma lupa, pois refletem e focam. Criam imagens, assentam marcos, fixam pontos de referência. Podem sensibilizar-nos, emocionar-nos e, sobretudo, fazem-nos recordar! Além disso, lembram-nos de que somos parte de um todo, mas que somos passageiros do tempo e no tempo. E que sempre deixamos testemunhos e vestígios para as futuras gerações.

    - Como as cartas foram parar nas minhas mãos?

    Sou o caçula dos cinco filhos de Ernst e um dia fiz o caminho inverso: deixei Porto Alegre e fui para a Alemanha. Fui só para conhecer a terra natal, mas acabei ficando. Isso foi em 1971. Aí, numa festa de aniversário, conheci Elisabeth Schwerbrock, uma prima materna de papai.

    Lisbeth, como era chamada, e Ernst se gostavam. Distantes um do outro, mantiveram uma longa e preciosa correspondência. Lisbeth guardou todas as cartas dele com muito carinho. Quando nos vimos, na dita festa, seus olhos brilharam; seu coração sorriu. E ela me prometeu enviar as cartas de papai um dia. E o fez.

    Com o tempo, acabei recebendo outras missivas antigas. Achei, então, que a coletânea era por demais valiosa para deixá-la amarelar numa gaveta. Aí surgiu a ideia de repassar as cartas aos demais familiares. E agora elas estão aqui, para serem apreciadas por um público maior. Antes disso, porém, gostaria de abordar alguns detalhes para facilitar a sua leitura.

    Motivação

    Há pessoas que não gostam de falar do passado; outras há que até se negam a tocar em temas delicados de outrora. Eu, contudo, acredito que, sem conhecermos o lugar de onde viemos, mal saberemos quem somos. Por isso a minha curiosidade em descobrir quem eram e como viveram os nossos pais. Afinal, ninguém negará que temos raízes e genes, que somos e fazemos história, que temos uma cultura e identidade. Ou, pelo menos, que as deveríamos ter.

    Se soubermos quem foram os nossos pais, como viveram, com certeza poderemos entendê-los melhor. E dessa forma, descobrir, quem sabe, por que agiram assim e não de outra maneira. Poderemos vê-los por outros ângulos, traçar paralelos conosco e, com isso, posicioná-los melhor em nossas vidas. Poderemos sentir-nos mais ligados a eles, ao microcosmo familiar e ao macrocosmo social.

    Do mesmo modo realço que este livro não trata de julgar pessoas ou épocas. Muito menos de condená-las ou de redimi-las. Ninguém tapa o sol com uma peneira; e é bom abrir as janelas do tempo, de vez em quando, para oxigenar o nosso agora; para que o astro rei ilumine alguns ângulos de nossa vida e realidade. Espero que, com isso, possamos viver o presente um tiquinho mais conscientes.

    Saiba mais sobre o tema:

    Imigração Alemã no Brasil, http://www.brasilalemanha.com.br, de Sílvio A. Rockenbach. (Ótima página web!)

    Porto Feliz, die Geschichte einer Siedlung am Rio Uruguay, de Arno Koelln. Herausgeber: Federação dos Centros Culturais 25 de Julho, 1976

    Imigração alemã no Brasil, Valdir Gregory, Cadernos Adenauer http://www.kas.de/wf/doc/10985-1442-5-30.pdf

    Projeto imigração alemã: http://rootsweb.ancestry.com/~brawgw/alemanha/Projeto_imigracao_alema.htm

    Quem foi Ernst

    Papai nasceu no dia 4 de julho de 1902. Foi o quarto de nove filhos de um casal de comerciantes da cidade de Herne, na Vestfália; a região pertenceu ao Reino da Prússia até 1918. Apesar do relativo bem-estar dos pais, que possuíam uma loja no próprio prédio em que moravam, a situação socioeconômica, no início do século XX, não era boa.

    A Grande Depressão ou Crise de 1929, que abalou a economia mundial, também atingiu a jovem república alemã com dureza. Houve agitações, recessão e a maior inflação do século. Foi nesse contexto crítico dos anos 20 que papai tentou dar os seus primeiros passos como adulto.

    Dos nove filhos, Ernst foi o único a fazer um curso superior, formando-se em Engenharia Elétrica, em 1927. O diploma, contudo, não o salvou da escassez de vagas e do desemprego. A saída que encontrou foi imigrar para o Brasil, como colono, junto com um primo. E os dois foram parar em Porto Novo, em plena selva do oeste catarinense, na região da chamada Guerra do Contestado.

    O conflito histórico ocorreu de 1912 a 1916. Seu nome se deve ao fato de os agricultores locais contestarem a doação de terras que o governo brasileiro fez a madeireiros e a uma companhia de colonização norte-americana.

    Outras causas da guerra foram o baixo índice da qualidade de vida da população e a disputa entre paranaenses e catarinenses pela posse da região, rica em madeira.

    Em quatro anos de lutas, foram mortas 20 mil pessoas e queimadas cerca de nove mil casas. Apesar da assinatura do acordo, que incorporava a região definitivamente ao Estado de Santa Catharyna, as batalhas prosseguiram. O governo brasileiro decidiu, então, ocupar melhor o espaço, convidando sobretudo alemães para o colonizarem.

    Mapa baseado em um esboço de Richard Brüggemann. Em: Porto Feliz, de Arno Koelln, Federação dos Centros Culturais 25 de Julho, 1976, p. 89.

    A primeira colonia alemã fundada com esse fim data de 1919. A colônia de Porto Novo foi criada no dia 26 de janeiro de 1926. Quando papai e Walter chegaram, em 1933, a colonização já havia avançado bastante pela margem do Rio Uruguai. Aqueles foram tempos duros, difíceis, sacrificados, mas também foi uma época incrivelmente rica em episódios e personagens.

    Quadro histórico

    Sempre que você quiser viajar com as próximas páginas, interrompa suas atividades e esqueça o seu espaço físico por alguns momentos. E vá até a parada de um ônibus do tempo. Com ele você irá, então, ao período que vai de 1900 a 1975. - Como viviam as pessoas daquelas décadas? Como eram? Que acontecimentos os marcaram?

    No início do século XX, os impérios e reinos europeus dominavam o mundo; a maior parte das pessoas vivia no campo; as normas e os costumes eram austeros. A opressão fermentou revoltas, que mudariam o cenário político do novo século; delas destacam-se as revoluções russas de 1905 e de 1917, e a revolução chinesa de Mao Tsé-Tung, de 1949.

    Surgiram utopias como o Socialismo, com seus ideais de liberdade e solidariedade, e o Capitalismo baseado no modelo norte-americano. Ambos impelidos por um novo e poderoso meio, a publicidade de massa. E ocorreram duas guerras mundiais! Após a segunda, em 1945, a industrialização gerou grandes centros urbanos e registrou-se um progresso acelerado em todas as áreas.

    Você sabe, por acaso, como eram os meios de comunicação de antanho? Havia o telégrafo elétrico, o código Morse e os telegramas; as cartas demoravam semanas; a primeira transmissão de rádio no Brasil ocorreu no dia 7 de setembro de 1922. A estreia da televisão ocorreu no dia 28 de setembro de 1948. O telefone, no início, era um raro artigo de luxo.

    Outras áreas também desenvolveram-se devagarinho. A penicilina foi descoberta apenas em 1928. E o que dizer dos meios e das vias de transporte daquela época? Primeiro foram as Marias-Fumaças. A partir de 1908, carros em série começaram a ser produzidos. As viagens eram desconfortáveis e longas. Aí vieram as autoestradas, a eletrificação, os bondes etc.

    Imagino que não foi fácil viver naquele período irrequieto. Eram tantas as reviravoltas, descobertas e avanços! E claro que as pessoas tentaram assimilar aquele turbilhão de feitos como podiam. Cada um procurava responder aos desafios da melhor maneira possível. Como Ernst, outrora; como nós, hoje.

    Foram esses aspectos, contextuais, históricos e pessoais, que me atraíram, deslumbraram e seduziram. E achei que valeria o prazer de acompanhar a vida de Ernst, de sua família, - e de sua época! - através das cartas. Sim, porque a história dele, em parte, também é a história de todos nós.

    Garanto que as próximas páginas vão cativar você. Mais até: aposto que você não se arrependerá de fazer uma parada, e regressar no tempo, para acompanhar os episódios dessa aventura ímpar.

    As missivas

    Nós todos somos curiosos por natureza. Ler o diário ou uma carta de alguém é como penetrar num templo sagrado. Se o fazemos com permissão, como no nosso caso, não há o que temer. Há, entretanto, muito a observar! Já vimos, brevemente, a questão do quadro histórico e social das cartas. Agora, vejamos mais alguns detalhes.

    Quem nunca redigiu uma missiva poderá ter dificuldades de se situar no papel de quem a escreve, mas houve uma época em que essa forma de comunicação era regular e intensamente cultivada. Para entender essa cultura epistolar, convém saber um pouco do contexto que envolvia esse recurso antiquado.

    Papai e seus irmãos foram educados com severidade. Os principais valores eram disciplina, aplicação e obediência incondicional aos pais e às autoridades. Impunha-se o medo a eles através da prepotência, travestida de respeito. As relações interpessoais eram reservadas e distantes. Os filhos tratavam seus pais por senhor e senhora. Mostrar carinho não fazia parte dos costumes vigentes.

    Um exemplo desse tipo de educação, e da sua respectiva expressão na cultura epistolar alemã, eram as cartas de Ano-Novo que os filhos escreviam a seus pais.

    Como esta carta, de August, papai de Ernst, escrita no dia 1º de janeiro de 1877.

    Ele tinha 11 anos:

    "Caríssimos pais!

    Hoje iniciamos mais um ano novo. Com gratidão me lembro do bem que os Senhores me concedestes no ano que passou. Que os Céus vos abençoem por isso. No novo ano quero proporcionar-vos muita alegria. Se vos magoei, perdoai minhas más-criações.

    Vosso agradecido filho August."

    Dez anos depois, com 21 anos, ele redigiu a seguinte carta:

    Berlim, 1º de janeiro de 1887.

    Queridos Pais!

    Os mais cordiais votos de felicidade e bênçãos pelo Ano-Novo lhes envia vosso fiel filho através destas linhas. Que o querido Deus ainda vos permita viver este dia por muitos anos com saúde e satisfação.

    Este é o desejo mais íntimo de vosso filho fiel

    August.

    A carta original de 1º de janeiro de 1887

    Essa tradição foi passada aos filhos, como mostra a carta de Ano-Novo, de Gertrud², a primogênita de August e Adelheid³, irmã mais velha de papai; ela tinha quase 11 anos quando a escreveu, no dia 1º de janeiro de 1909:

    Carta original de Gertrud

    "Queridos Pais!

    No início do novo ano, desejo-vos muitas felicidades e bênçãos. Que o querido Deus vos mantenha com saúde ainda por muitos e muitos anos. Quero esforçar-me com afinco, aplicação e obediência para proporcionar-lhes muita alegria. Peço-vos que me perdoem por tudo o que vos possa ter magoado. Mais uma vez desejos cordiais.

    Vossa agradecida filha

    Gertrud."

    Ernst, portanto, também foi educado nesse ambiente e com esses ingredientes formais. Para entendermos melhor as cartas, entretanto, ainda há outros aspectos que merecem ser observados: o lado emocional, religioso e econômico de papai. E um fator banal, à primeira vista: o clima bem diferente do Brasil em relação ao da Alemanha.

    A questão emocional se manifesta obviamente em todas as linhas e entrelinhas de papai, principalmente quando retorna ao Brasil, em 1949. Depois de batalhar muito para garantir a sobrevivência dos cinco filhos, começa a sobrar-lhe mais tempo para sentir a tristeza da solidão, por viver longe dos familiares e da pátria.

    A época natalina era a que deixava Ernst mais sentimental e nostálgico, sobretudo pelo clima totalmente oposto: aqui, verão; lá, inverno. E o espírito do Natal, para ele, só podia ser plenamente sentido com frio e neve. Aliás, a menção do tempo quase sempre ocupou uma parte infalível de suas cartas.

    Outros dois destaques da personalidade de Ernst são a sua grande religiosidade e o medo de não dispor de recursos financeiros suficientes para levar a vida como gostaria. Você observará ainda que papai foi um incansável batalhador; que reagiu com muita flexibilidade aos desafios, e que tinha uma aptidão incrível para diversas atividades. Ele soube estudar com disciplina e trabalhar a terra como colono. Foi pedreiro de muros e paredes, consertou sapatos e aparelhos e construiu casas, mesas, camas, janelas, persianas, carrinhos e brinquedos.

    Enquanto vivo, confesso que nunca tive um relacionamento íntimo ou de amizade com papai. Ele foi um estranho para mim, por uma série de razões que agora não vêm ao caso. Isso mudou quando ele faleceu. Na ocasião, fizemos as pazes, e isso permanece. Hoje, contudo, depois de trabalhar as cartas, minha ligação com papai mudou totalmente. Agora, eu o amo e admiro e tornei-me seu grande fã⁴. Ri muito e também chorei ao transcrever suas linhas. Talvez você sinta emoções semelhantes ao lê-las.

    Por fim, devo mencionar alguns detalhes do estilo epistolar bem pessoal de Ernst. Ele usava as formas alemãs correntes de tratamento e tinha uma caligrafia bonita, clara, caída para a direita, arredondada. Além disso, era bem econômico: para poupar papel e selo, quase não usava parágrafo novo. A maior parte dos parágrafos foram introduzidos por mim, para amenizar o fluxo da leitura.

    Na hora de traduzir as cartas, procurei ser o mais fiel possível ao estilo de papai, mesmo que isso, às vezes, soasse um pouco estranho. Tentei ressalvar inclusive o seu humor seco e os seus cacoetes idiomáticos, como na hora de enviar saudações. Vater, aliás, era um bom comunicador, breve e direto, que gostava de usar expressões populares. E ele escrevia, acima de tudo, como vivia: com autenticidade.

    Com certeza, Ernst nunca imaginou que, um dia, suas cartas seriam publicadas. Mas garanto que, agora, deve estar bem feliz com a sua obra, sorrindo em algum cantinho do céu, junto com Maria, Klaus, parentes e amigos.

    Arno Rochol

    Carnaval de 1908. Karl, à esquerda, papai e Paul, à direita. Era costume da época as crianças passarem pelas casas, sobretudo de conhecidos e amigos, para ganhar guloseimas ou frutas, que eram, então, colocadas nos cestos.

    Ernst sentadinho. De pé, sua irmã Gertrud, e seu irmão Paul. Foto de fins de 1902.

    Ernst, com 18 anos.

    Créditos das fotos: arquivo familiar, com exceção dos cartões-postais do navio Almirante Alexandrino, que são do acervo de L. J. Giraud.

    Primeira Comunhão das irmãs de papai Berta e Adelheid, e do primo Waldemar, em 27.4.1919. Ernst é o primeiro, à esquerda, em cima.

    Festa de Carnaval com a mamãe de Ernst, Adelheid, à esquerda, no início do séc. XX.

    August Rochol, de pé, à esquerda, Moritz e Emil Temme. Sentadas: Ria Temme e Adelheid Rochol, à direita, em 17.11.1925.

    Papai (à direita!) como trabalhador, cerca de 1932.

    Casa da família Rochol em Herne, 1904.

    Papai antes de embarcar, em 1933.

    Papai com Marlies, à esquerda, e Helmuth.

    Na despedida dos irmãos – 1933.

    Papai na fazenda Herzebrock em 1933. Da esquerda, Max, Lisbeth, com Marlies, Ernst e Helmuth


    2 Pronuncia-se Guér-trud!

    3 Adelheid, pronuncia-se Adel-háid. Esposa de August, mãe de Ernst.

    4 Para se inspirar, uma sugestão: ouça Naquela Mesa, com Nélson Gonçalves, ou com Zélia Duncan, Nilze Carvalho e Hamilton de Holanda.(Estão disponíveis no Youtube).

    Primeira Parte

    De 1933 a 1938

    Nota do Autor

    Após formar-se em Engenharia Elétrica, como vimos, papai não conseguiu emprego condizente com a sua profissão, apenas trabalhos temporários em algumas firmas do ramo, como na Dynamowerk, de Wanne-Eickel, vizinha de sua cidade natal, Herne. Cansado pela situação, procurou alternativas.

    Vimos também que o governo brasileiro e algumas empresas de colonização ofereciam boas condições de trabalho na agricultura, em Santa Catarina. Ernst e seu primo Walter se candidatam a um desses projetos, e o nome deles é aprovado.

    Tomada a decisão de imigrar para o Brasil, Ernst foi fazer um estágio na fazenda que sua prima, Elisabeth Schwerbrock, e o marido, Max, tinham arrendado em Herzebrock, perto de Münster, Vestfália. Lá passou quase um ano, de 1930 a 1931, aprendendo as lides do campo. Seu interesse concentrou-se sobretudo na parte administrativa da fazenda.

    Para entendermos aquele período, devemos examinar um pouco a delicada situação sociopolítica da Alemanha. Não foi só a Grande Depressão que afetou seriamente os alemães. Os países vencedores da Primeira Guerra Mundial exigiam grandes reparações da Alemanha. Os franceses, inclusive, chegaram a ocupar a região do Ruhr para levar o que podiam, sobretudo carvão.

    Aliás, Karl, um irmão mais novo de papai, relatou o seguinte episódio desse tempo em suas memórias. Ele estava caminhando com um amigo pelas ruas de Herne, quando por eles passaram dois soldados franceses, que distribuíam folhetos de propaganda. O amigo aceita um, ao que Karl grita:

    - Larga isso, que só serve mesmo pra papel higiênico!

    Um dos soldados se vira rápido e, como Karl conta com seu humor típico, lhe dá um pontapé daqueles, bem no traseiro.

    Retornando, o Império Alemão havia dado lugar à República de Weimar (1918-1933), que tentou superar os anos de crise, mas com pouco sucesso. O Partido Nacional Socialista Alemão dos Trabalhadores, criado em 1920 e liderado por Hitler a partir de 1921, aproveita-se da situação. E rapidamente atrai e conquista as massas com promessas de emprego, justiça e de dias melhores. Seu slogan era Acorda Alemanha"Erwache

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