Diferentes olhares sobre a formação profissional em educação física
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Diferentes olhares sobre a formação profissional em educação física - Kleber Silva Rocha
Diferentes olhares sobre
a formação profissional
em Educação Física
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2022 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Manoel dos Santos Gomes
Kleber Silva Rocha
(org.)
Diferentes olhares sobre
a formação profissional
em Educação Física
Sumário
INTRODUÇÃO
FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA: CRÍTICA ONTOLÓGICA AO PROCESSO DE INSERÇÃO ACADÊMICA
Manoel dos Santos Gomes
INICIAÇÃO À PRÁTICA PROFISSIONAL: O PAPEL DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO NO CONSTRUTO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA UESB E O PIBID
Kleber Silva Rocha
FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: ESTADO DA ARTE
Mateus Ribeiro Campos
Alan Lopes Gonçalves
A ATUAÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DESPORTIVA: NECESSIDADE DE UM MODELO?
Juraci Reis Filho
(Richard Lindgard)
(Juraci Reis Filho)
(Jorge Olímpio Bento)
(Antony Robbins)
EDUCAÇÃO FÍSICA E SAÚDE NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA ANÁLISE DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DE UMA INSTITUIÇÃO DO INTERIOR DA BAHIA
Rafaela Gomes dos Santos
Lúcia Midori Damaceno Tonosaki
Victor José Machado de Oliveira
FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA: AS PERSPECTIVAS DOS ESTUDANTES SOBRE O COMPONENTE CURRICULAR EDUCAÇÃO FÍSICA
Tiago Carvalho dos Santos
A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR: ELEMENTOS PARA PENSAR O CRESCIMENTO DOS CURSOS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA NA BAHIA
Itamar Silva de Sousa
O LAZER COMO OBJETO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA: UM PROJETO DE CONFORMAÇÃO SOCIAL?
Yago Santos Pereira Gomes
(Karl Marx, em Salário, preço e lucro)
FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA: UMA ANÁLISE DOS OBJETOS DE ESTUDO NO CURRÍCULO
Daniel Ferreira Campos
FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A ATUAÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Aloisio Pereira Gonçalves Neto
SOBRE OS AUTORES
INTRODUÇÃO
O Centro de Estudos e Pesquisas sobre a Práxis e a Formação Docente (CEPPFD) é um grupo da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) criado em 2019 e registrado no CNPq com o objetivo de se tornar um espaço de trabalho calcado não só em elaborar conhecimento, mas também para contribuir na formação de pesquisadores e, por extensão, na sua divulgação e produção. Em sua estrutura atual, conta com quatro linhas de pesquisas: Educação e Saúde, Ensino e Pesquisa em Educação Física, Formação Profissional e Identidade Docente e Trabalho e Educação. Essas linhas estão articuladas, ainda que atuem a partir de perspectivas diferentes, isso se materializa a partir dos seus projetos, dentre eles destaca-se a publicação bianual de uma coletânea divulgando a produção do seu coletivo, composto não só de pesquisadores vinculados à Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, mas também de egressos, assim como de investigadores de outras IES.
Neste primeiro volume, Diferentes olhares sobre a formação profissional em Educação Física, apresentamos as inquietações que afligem diretamente os que militam na área/no campo da Educação Física, especificamente voltados para a questão da formação em Educação Física de forma ampla, isto é, as diversas perspectivas de atuação oferecidas aos graduandos. A intenção da obra foi trazer à baila as problemáticas que têm marcado a Educação Física e seus interlocutores, nessa direção, uma das muitas que envolvem a área/o campo e que corta todo o livro é justamente a da identidade da área/campo, observe-se que há polarização logo no estabelecimento do que somos e para onde apontamos. Para alguns uma área, para outros um campo de conhecimento, não há consenso de qual é o lugar do nosso
estatuto epistemológico, se estamos simultaneamente
nas ciências da natureza ou nas ciências humanas ou, como costumamos dizer, nas ciências da vida, da cinesiologia, do movimento humano, entre outras nomenclaturas. A leitura do livro possibilita uma compreensão da nossa crise identitária e de como vivemos com ela sem nenhum constrangimento aparente.
No texto Formação profissional em educação física: crítica ontológica ao processo de inserção acadêmica
, tendo por referente a formação docente, Manoel dos Santos Gomes apresenta o debate sobre a crise
de identidade da Educação Física, o autor argumenta que a incessante busca por uma identidade acadêmica levou a área/o campo de Educação Física a caminhos eivados de ambiguidades, contradições e paradoxos, afirma ainda que as proposições analisadas apontam para as mais diversas direções, levando a Educação Física a não se reconhecer nem como pesquisa disciplinar nem como práxis de intervenção ou outra perspectiva qualquer, embora haja tentativas em todas as direções apontadas.
O texto intitulado Iniciação à prática profissional: o papel do estágio supervisionado no construto da identidade profissional do professor de Educação Física da Uesb e o Pibid
, de autoria de Kleber Silva Rocha, foca no fato de que as instituições de ensino superior devem encontrar respostas para os problemas inerentes à formação docente e, por isso, investigar questões pedagógicas, organização escolar, currículos, planejamentos e avaliações são fundamentais para o processo de formação e atuação do professor.
Alan Lopes Gonçalves e Mateus Ribeiro Campos apresentam um texto intitulado Formação continuada dos professores de Educação Física: estado da arte
, que aborda o papel da formação continuada enquanto elemento essencial para o desenvolvimento profissional do professor. Fundamenta-se em uma análise de 11 artigos em um corte temporal entre 2014-2020. Os autores desenvolvem uma reflexão sobre a formação continuada e que esta, quando se trata da educação, restringe-se aos conhecimentos biológicos e principalmente teóricos, o que ocasiona um hiato no objeto da formação, ou seja, a formação continuada não aborda conhecimentos sobre o ambiente escolar.
A atuação do professor de educação física no processo de formação desportiva: necessidade de um modelo?
, de autoria de Juraci Reis Filho, reflete sobre a necessidade ou não da modulação dos processos de formação esportivas pelos professores de Educação Física nas series iniciais e no ensino fundamental.
Em Educação física e saúde no contexto da formação de professores: uma análise do projeto político-pedagógico de uma instituição do interior da Bahia
, Rafaela Gomes dos Santos, Lúcia Midori D. Tonosaki e Victor José M. de Oliveira tematizam a saúde no processo de formação de professores, ao analisar o currículo, sugerem que a saúde enquanto elemento sociocultural se faz necessária na formação profissional da Educação Física. Ainda que o currículo esteja voltado para a formação de professores, argumenta-se que o professor que atua na escola não pode desvincular a saúde do contexto escolar.
Tiago Carvalho dos Santos apresenta o texto Formação profissional em Educação Física: as perspectivas dos estudantes sobre o componente curricular Educação Física
e nele aborda a percepção dos estudantes sobre as aulas de Educação Física escolar. Nesse sentido, os resultados apontam um dimensionamento da Educação Física como eminentemente prática, as aulas resumem-se ao esporte e aos exercícios físicos. Portanto, o autor compreende que a Educação Física, enquanto componente curricular, deve ser repensada no sentido de que se faz necessário ampliar os conteúdos abordados por essa disciplina, visto que a cultura corporal engloba outros conhecimentos necessários à formação dos estudantes da educação básica.
No texto com o título A expansão do ensino superior: elementos para pensar o crescimento dos cursos de formação profissional em Educação Física na Bahia
, Itamar Sousa problematiza a expansão das instituições de ensino superior, em particular as privadas-mercantis, afirmando que, na esteira desse crescimento, as instituições privadas se beneficiaram. Assim, a expansão dos cursos de Educação Física, notadamente nas instituições particulares, transformou o direito público à educação em mercadoria.
Yago Santos Pereira Gomes, no texto intitulado O lazer como objeto de formação profissional em Educação Física: um projeto de conformação social?
, debruça-se sobre as contradições no processo de formação do profissional de Educação Física no que tange o lazer enquanto objeto de formação. Baseado no referencial do materialismo histórico, o autor entende que o lazer, enquanto fenômeno social, não está dissociado das contradições e conflitos inerentes à sociedade e, principalmente, no que se refere ao interesse de classes.
Daniel Ferreira Campos é autor do texto Formação profissional em Educação Física: uma análise dos objetos de estudo no currículo
e neste analisa o currículo de Educação Física da Uesb. À luz do materialismo histórico-dialético, o autor aflora um debate sobre a perspectiva de formação profissional, no qual afirma que o curso da instituição não se sustenta em uma única base epistemológica, mas que o currículo de Educação Física da Uesb aponta para diversos objetos, os quais impossibilitam compreender em qual perspectiva se encontra a formação desse currículo.
No texto Formação profissional em Educação Física: considerações sobre atuação docente na educação infantil
, Aloisio Pereira Gonçalves Neto discute, por meio de análise de legislação, a obrigatoriedade da disciplina Educação Física na educação infantil e entende que os currículos dos cursos de licenciatura em Educação Física devem propor componentes curriculares que abordem a temática de forma mais efetiva.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA: CRÍTICA ONTOLÓGICA AO PROCESSO DE INSERÇÃO ACADÊMICA
Manoel dos Santos Gomes
INTRODUÇÃO
Quando em 1996, num desses debates recorrentes de congressos, encontros e afins, dissemos que a Educação Física estava morta, ainda não tínhamos consciência de como ela parecia girar em torno do seu próprio eixo. Naquela oportunidade, o tal presságio
não era uma afirmação consciente do estágio de padecimento da falta de identidade teórico-epistemológica que lhe é inerente, longe disso, era uma simples provocação, ironicamente, uma crítica àquilo em que estávamos sendo formados, ou seja, o que era característico no processo de formação profissional em Educação Física, de um modo geral, a réplica ficou entre a raiva surda e o silêncio constrangedor; a ironia da história é que Go Tani, justamente no período, escrevia certo por linhas tortas, afirmando que percebia uma retração no espaço de empregabilidade para o licenciado, para ele era nítida a crescente redução de demanda por professores para atuarem nas escolas
(TANI, 1996, p. 14).
Em realidade, nem tínhamos noção, ainda que devêssemos, das diversas proposições que se digladiavam na busca por um protagonismo na descoberta
de uma identidade para a Educação Física; naquele momento, no nosso entorno, das sinalizações de reconhecimento de identidade, legalidade e legitimidade que indicavam uma busca, sim, desenfreada por um estatuto epistemológico que tornasse a Educação Física uma disciplina acadêmica, embora todas estivessem encharcadas de antinomias, incoerências e ambiguidades, aliás, muito comum no processo de constituição daquilo que conhecemos como Educação Física. Ainda que tudo fosse muito novo
para nós, nem sabíamos que isso era parte de uma crise
forjada em 1963, por uma manifestação de um reitor da Universidade de Harvard. Foi a partir desse fato que Henry (1964) e Rarick (1967) desencadearam um movimento de valorização acadêmica da EF como uma reação a essa tentativa de excluí-la das universidades
(PEREIRA, 1998, p. 229). O dado extraordinário é que essa tentativa de exclusão da Educação Física do cenário acadêmico só vai se refletir, por aqui, quase duas décadas depois, quando
[...] em 1982 começa a volta de vários docentes que se encontravam no exterior fazendo mestrado e doutorado, em sua maioria nos Estados Unidos. Ao retornarem alguns traziam em suas bagagens artigos que retratavam o chamado movimento disciplinar da Educação Física disparado com o artigo de Franklin Henry Physical Education as an academic discipline
. (HENRY, 1964 apud MANOEL, 2020, p. 133).
É preciso não esquecer, mesmo porque não estamos falando em unidade entre as diversas perspectivas que emergem da Educação Física, que esse retorno de mestres e doutores está associado àqueles que percebem as ciências da natureza como o estatuto epistemológico da área/do campo, o fato é que essa questão, a negação da Educação Física enquanto disciplina acadêmica, não é o elemento desencadeador das teses daqueles que têm nas ciências humanas sua base teórico-epistemológica.
O debate sobre o processo de inserção da Educação Física na universidade era medíocre, poderíamos dizer quase ausente no processo de formação na graduação. Enquanto diversos intérpretes buscavam, forjando crises dos mais diversos matizes, uma alternativa que garantisse uma possível orientação acadêmica para a Educação Física como uma área/um campo¹ de conhecimento, sem a preocupação devida, dormíamos em berço esplêndido, sem percebermos o quão importante era aquilo para o entendimento da formação profissional.
Anos mais tarde, já cursando a pós-graduação, um professor extremamente incomodado com a produção dos estudantes proclama que esta parecia a-histórica, entendia ele que a repetição de temáticas era recorrente e enfadonha, dissera que parecia que girávamos em torno do próprio eixo. Aquilo, dito por um pesquisador da História da Educação Física, por certo nos causou um certo constrangimento, porque víamos, de forma inocente, avanços naquilo que estávamos fazendo, olhos ingênuos que desconheciam o que vinha a ser um objeto de estudo (que muitos, ainda hoje, confundem com objeto de investigação), de uma área/um campo de conhecimento, sequelas deixadas de forma sintomática na passagem pela graduação.
Incomodados com o quadro, começamos a nos perguntar o que representa de fato a inserção da Educação Física na universidade e, em seguida, se poderíamos afirmar com convicção que ela se constitui em uma área/um campo de conhecimento. Isso em função de já estarmos conscientes que as exigências impostas para a delimitação de uma área científica nós não possuímos, o que nos leva a refletir se o que vem sendo produzido durante décadas poderia ser chamado de científico no stricto sensu.
Passados tantos anos na busca por um reconhecimento, será que podemos afirmar que temos uma identidade epistemológica? Não podemos esquecer daquela questão, colocada nos idos dos anos 1960, sobre sua semelhança com as outras disciplinas que transitavam no universo acadêmico. A conclusão a que se chegou foi que, por não ter qualquer similitude com as outras, não deveria fazer parte da sociedade universitária, o que redundou numa produção extensiva por parte de seus intérpretes para provar que a Educação Física deveria ser ou seria uma disciplina acadêmica.
Mas, afinal, o que somos no espaço acadêmico? O que representamos? Temos uma identidade? Estamos ancorados nas ciências humanas ou naturais? Fazemos pesquisa básica ou as nossas características só nos permitem a aplicada? O fato é que, ao longo de todos esses anos, essa indefinição nos fez remar contra a corrente, fez com que entrássemos num verdadeiro labirinto, e como tal continuamos perdidos, apontando em todas as direções, tentando de todo modo justificar que mesmo não conseguindo cumprir as exigências mínimas de uma área de conhecimento ou campo devemos fazer parte da academia. De modo geral, a busca de cientificidade apoia-se na valorização social da ciência. É o prestígio de que goza a ciência na sociedade que confere legitimidade a semelhante empreendimento
(LIMA, 2000, p. 99), logo, sem esse rigor científico, a Educação Física permanece numa zona de sombra ou não necessariamente será isso que lhe garantirá identidade acadêmica?
Este artigo é parte de um estudo desenvolvido no Centro de Estudos e Pesquisa sobre a Práxis e a Formação Docente (CEPPFD) a partir do subprojeto Formação Profissional em Educação Física: perspectivas teórico-metodológicas
, na realidade, o percurso teórico-epistemológico foge do escopo da pesquisa original, mas se tornou necessária essa digressão
, porque se abriu outra possibilidade de investigação em razão da falta de orientação científica da área/do campo. Estabelecemos como objetivos criticar ontologicamente o paradigma de Educação Física que foi inserido na universidade; analisar as diversas perspectivas sinalizadas de estatuto epistemológico e apontar as contradições e imprecisões nas tentativas de consenso das teses destacadas no estudo.
A partir do problema: dentro do cenário sob análise, podemos afirmar que a Educação Física superou sua indefinição epistemológica?
, perspectivamos que a senda metodológica mais alvissareira seria fazer uma crítica ontológica àquilo que a Educação Física se transformou ou como se delimita atualmente. O fato é que sua permanência na universidade foi posta em xeque devido as suas características, neste caso, é preciso que se faça a crítica a esse processo, porém não uma crítica positiva que permanece na superfície do fenômeno, sem investigar as suas idiossincrasias, é preciso desvelar sua essência, porque crítica de fato é crítica ontológica [...] Significa sustentar que nossas ideias mais fundamentais acerca do mundo sempre têm de estar abertas à crítica, caso contrário cristalizam em dogmatismo
(DUAYER, 2016, p. 35). Na realidade, a Educação Física sempre se manteve segura por um fio muito tênue, sempre recorremos ao consenso ou à busca de solução para as nossas idiossincrasias, só uma crítica negativa pode desvelar as contradições e ambiguidades que cercam a área/o campo e impedem aquilo que queremos esconder.
Pode-se perguntar: por que a crítica ontológica é essencial? Porque a prática humano-social é prática teleológica, intencional, finalística e, por isso, depende crucialmente de uma significação ou figuração do mundo mais ou menos unitária e coerente, não importa se composta por elementos heterogêneos como ciência, religião, pensamento do cotidiano, superstição etc. Em outras palavras, porque a significação do mundo é pressuposto da prática teleológica, é o modo como o mundo é significado que faculta e referenda determinada prática. (DUAYER, 2016, p. 36).
A escolha também acontece em função da tradição da Educação Física, em alguns momentos, conviver de forma tranquila
com seus diversos vieses sem que isso cause qualquer estranhamento, temos propostas de estatuto epistemológico dos mais variados matizes, mas que não nos abala enquanto área/campo, a conciliação disfarçada impede a ruptura. A crítica exercida entre tradições, a crítica ontológica, por contraste, visa a refutar os pressupostos estruturais da tradição criticada. Em consequência, tem de ser crítica que refigura o mundo, que põe e pressupõe outra ontologia
(DUAYER, 2016, p. 35).
Documentos exarados pelo estado, assim como as diversas perspectivas epistemológicas dos intérpretes desvelados da Educação Física e suas buscas por uma organicidade no que se refere a uma possível identidade epistemológica da área/do campo compõem o universo traçado para o desenvolvimento da crítica. Trata-se de um estudo exploratório que utiliza a abordagem qualitativa sendo seu delineamento bibliográfico/documental. As análises tiveram em Duayer (2001, 2013, 2015, 2016) e sua interpretação da ontologia marxiana, seu referencial teórico-epistemológico. Desenvolvemos o artigo a partir de quatro movimentos que se articulam garantindo uma unidade: no primeiro caracterizamos o objeto, apresentando sua formatação teórico-epistemológica; no segundo expomos a contextura em que as análises se fundamentaram, momento em que inserimos a tese a ser trabalhada, enquanto no terceiro a desenvolvemos, apresentando as tendências explicitadas no debate
EDUCAÇÃO FÍSICA É INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA: DEMARCANDO UM TERRITÓRIO A PARTIR DO CONFLITO
É possível alguém estar participando de um seminário multidisciplinar e questionar se o dilema que acompanha a Educação Física, o de não possuir orientação acadêmica, é uma exclusividade dela ou em outras áreas esse dilema é parte fundante de sua estrutura? Não sabemos ao certo, mas o caso da Educação Física é de outra ordem e o mais constrangedor é que vem se arrastando por pelo menos três décadas. Sim, vem de longa data, mas será que está resolvido ou, não havendo uma solução, a sua problemática está esclarecida?
(MANOEL, 2020, p. 128). A presença da Educação Física foi colocada em xeque por ela não ter um objeto de estudo que a referendasse como disciplina científica, já mencionado, preciso seria delimitar um objeto de estudo, método e linguagem inerentes que lhe proporcionassem viés científico, esses elementos são fulcrais já que lhe garantiriam o reconhecimento acadêmico-social. Nessa direção, um dos seus intérpretes busca dar sentido e significado à área/ao campo, expurgando do seu seio a questão meramente física a ela atribuída: "deve a Educação Física procurar entender-se como ciência independente e autônoma e com um objeto de estudo que não oferece dúvidas sobre os seus fundamentos lógicos, epistemológicos e existenciais" (CUNHA, 1991, p. 78, grifo nosso).
Não se pode perder de vista o quão pretensioso é esse projeto, claro, em virtude do que a Educação Física construiu para si ao longo da caminhada, como pode uma atividade, que é inserida na universidade com o propósito de oferecer movimento pelo movimento, forjar uma crise
, afirmando que poderia constituir uma identidade, um estatuto epistemológico diferente daquele das ciências que lhe serviam de base? Ao forjar uma crise de identidade
para que o debate se instaurasse, convenhamos, a tal da Educação Física conseguiu lograr algum êxito. Fizemos a reinvindicação de sair do status de mera atividade/mero movimento e entrar no rol das disciplinas que possuíam uma base teórico-epistemológica.
Com essa perspectiva, urgente seria a elaboração de um objeto de estudo que nos representasse, e foi exatamente isso que fizemos, porém perdemos de vista que o objeto é singular, único, mas de forma desvairada criamos uma miríade deles. O fato é que as matrizes epistemológicas dialogam com seus respectivos objetos, ou seja, para cada objeto temos uma matriz diferente, em alguns momentos, mais de uma, se fizermos um paralelo com a Sociologia, é possível perceber a confusão, lá o objeto faz o diálogo com as matrizes justamente por ser exclusivo. A Educação Física, na sua busca por cientificidade, usou de todos os meios para elaborar aquilo que lhe fora cobrado, neste caso, poderia ser a indicação de que havia/há aspectos no seu interior que, a partir do momento que fosse estabelecida uma organicidade, uma provável identidade emergiria. Frizzo (2013), por exemplo, afirma de forma categórica que o objeto de estudo da Educação Física é a cultura corporal, logo, a sua práxis pedagógica estaria vinculada à matriz deste autor, o materialismo histórico/dialético, consequentemente seu estatuto epistemológico estaria ancorado nas ciências humanas, isso quer dizer que temos um objeto para chamar de nosso, logo, podemos dizer que há