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Privacidade, o novo direito a ter direitos: onde surgiu? O que é? Que direitos tutela? Como defendê-la?
Privacidade, o novo direito a ter direitos: onde surgiu? O que é? Que direitos tutela? Como defendê-la?
Privacidade, o novo direito a ter direitos: onde surgiu? O que é? Que direitos tutela? Como defendê-la?
E-book228 páginas2 horas

Privacidade, o novo direito a ter direitos: onde surgiu? O que é? Que direitos tutela? Como defendê-la?

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Privacidade, o novo direito a ter direito

A expressão "direito a ter direitos" foi cunhada pela filósofa alemã Hannah Arendt para definir o direito à cidadania em meados do século XX.

O presente livro defende a ideia de que na atualidade a privacidade passa a ser o novo direito a ter direitos, tendo em conta que se trata de um direito que antecede, tangencia e interpenetra em outros direitos e valores humanos.

Nessa ordem de ideias e para demonstrar a importância deste tema na contemporaneidade, o livro aponta que boa parte das mudanças sociais e econômicas experimentadas neste momento histórico se pautam na utilização de tecnologias digitais, que, sem que percebamos, captam nossos dados pessoais e corroem nossa privacidade.

A partir dessa constatação, a pesquisa que culminou na elaboração deste livro buscou entender onde surgiu esse direito; quais as principais concepções semânticas de privacidade; que direitos são tutelados a partir da observância da privacidade ou, em uma leitura oposta, que valores jurídicos são desrespeitados quando a privacidade é violada; e, por fim, quais os principais instrumentos jurídicos previstos pelo Estado brasileiro para tutelar a privacidade.

A publicação desta obra tem o anelo de propagar os conhecimentos adquiridos nessa jornada e busca estimular os leitores a resguardar o seu direito à privacidade e, assim, propiciar que cada um viva sua vida de forma mais autônoma, ou seja, sem intromissões indesejadas e abusos de poder.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento13 de fev. de 2023
ISBN9786525265353
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    Privacidade, o novo direito a ter direitos - Franciano Beltramini

    CAPÍTULO 1 - O QUE É PRIVACIDADE?

    Privacidade é um tema de incontestável protagonismo no debate jurídico mundial. E é talvez por isso, que sua definição seja mais complexa do que pode parecer à primeira vista, já que não há um consenso doutrinário ou legal sobre o conteúdo semântico do termo.

    Vejamos: existe um conjunto de direitos, de princípios e de interesses que remetem ao termo privacidade, cujo entendimento refere-se a um gênero que se amplia e ganha novos contornos com o passar do tempo. Portanto, antes de passarmos à semântica da palavra, vamos analisar sua etimologia e expressões relacionadas, para em seguida analisarmos as concepções existentes.

    1.1. A ETIMOLOGIA DO TERMO PRIVACIDADE E OS PRIMEIROS MOVIMENTOS PARA DISTINGUIR O PÚBLICO E O PRIVADO NA GRÉCIA ANTIGA

    De acordo com o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (CUNHA, 2012, p. 522), o vocábulo privacidade apresenta uma raiz latina, do verbo privare e/ou adjetivo privatu, que sugerem a ideia de pertencente a si mesmo, inserido à parte, fora do coletivo ou grupo.

    O historiador Georges Duby (2009, p. 16) ratifica este significado ao esclarecer que, em consulta a dicionários da língua francesa do século XIX, o verbo privar traz como significado as palavras domar e/ou domesticar, ao passo que o adjetivo privado conduz à concepção de algo vinculado à família, à casa ou ao interior.

    Não obstante os contornos claros que se delineiam em torno da raiz etimológica da palavra privacidade, este autor francês pontua que a melhor forma de buscar o significado deste termo é por meio da distinção entre o que é privado e o seu oposto, o que é público. Logo, fazendo uma busca no mesmo Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (CUNHA, 2012, p. 531) pela palavra público, constatamos que ela também tem raiz no latim, no termo publicus, que significa que é relativo, pertencente ou destinado ao povo, à coletividade.

    Outra palavra que tem relação com privacidade e é frequentemente utilizada como seu sinônimo é intimidade. Também conforme o Dicionário Etimológico (CUNHA, 2012, p. 363), este vocábulo tem origem na palavra latina intimus, que é um superlativo de "in", ou seja, exprime uma qualidade mais elevada do que está em ou dentro de cada um.

    Quer dizer, tratam-se de palavras com origens distintas que, por isso mesmo, têm conteúdos semânticos diferentes. Assim, é preciso que estejamos atentos ao seu significado real, visto que o que está fora do grupo ou coletivo e, portanto, é privado, não necessariamente está dentro ou pertence à intimidade — e vice-versa.

    Sobre a distinção entre o público e o privado, o filósofo e historiador político Norberto Bobbio (2020, p. 13-33) esclarece que essa é uma das amplas dicotomias das quais as disciplinas em geral se utilizam para delimitar e organizar o seu campo de investigação.

    Nesse sentido, ele pontua uma sequência de diferenciações possíveis em que o público e o privado se delimitam reciprocamente, como é o caso do Direito Público e do Direito Privado. De acordo com a dicotomia clássica, remetem-se à situação de grupos que conseguem diferenciar o que pertence à coletividade e o que pertence aos membros individuais, ou, ainda, a grupos mais gerais e grupos específicos, como é o caso das famílias.

    Além dessa distinção clássica, Bobbio destaca que outra forma de diferenciar a dicotomia se relaciona ao conteúdo. No Direito Privado, os principais institutos referem-se à família, à propriedade, ao contrato e ao testamento, ao passo que o Direito Público se funda na regulamentação de institutos que salvaguardam o interesse coletivo sobre o individual.

    Em conexão com a privacidade, há outro tema da dicotomia entre o público e o privado que merece especial atenção: a discussão acerca do que significa a esfera pública e a esfera privada. A filósofa alemã Hannah Arendt (2007, p. 33) se dedica a isso no segundo capítulo de sua obra A condição humana, apresentando um interessante histórico desta distinção que remonta à antiguidade clássica. Ela esclarece que:

    O surgimento da cidade-estado significava que o homem recebera, além de sua vida privada, uma espécie de segunda vida, o seu bios politikos. Agora o cidadão pertence a duas ordens de existência; e há uma grande diferença em sua vida entre aquilo que lhe é próprio (idion) e o que é comum (koinon).

    Daí, podemos perceber que a distinção entre as esferas pública e privada remonta ao surgimento da cidade-estado na Grécia Antiga. Segundo o pensamento daquela época, a capacidade humana de organização política não apenas era diferente, mas diretamente oposta à associação natural cujo centro é constituído pela casa (oikia) e pela família. A referida autora destaca três fatores que fundamentavam essa diferenciação entre as esferas pública e privada naquele período: os meios de resolução de conflitos, a liberdade e a igualdade.

    Sobre a resolução de conflitos, Arendt (2007, p. 36) nota que na esfera pública o ser político resolve as suas diferenças por meio da palavra e da persuasão, enquanto no contexto do lar e da vida em família, o chefe da família imperava com poderes incontestes e despóticos. Quanto à liberdade, ela (2007, p. 40) observa que, na família, os homens vivem juntos por serem compelidos por suas necessidades e carências. A esfera pública era a esfera da liberdade, em que, conforme a autora, a vitória sobre as necessidades da vida em família constituía a condição natural para a liberdade da polis.

    Por fim, sobre a igualdade, Arendt (2007, p. 41) esclarece que a polis diferenciava-se da família pelo fato de somente conhecer iguais, ao passo que a família era o centro das mais severas desigualdades. É importante esclarecermos também que a profunda diferença entre as esferas pública e privada ainda existia na Idade Média, embora, como explica a filósofa alemã, houvesse perdido muito da sua importância e mudado completamente de localização.

    Nesse contexto, Lewis Mumford (1996, p. 29) esclarece que no período medieval houve o desenvolvimento de um sentido de intimidade por meio da mudança na forma como as casas eram construídas:

    A primeira mudança radical destinada a modificar a forma da casa medieval foi o desenvolvimento do sentido de intimidade. Esta, com efeito, significava a possibilidade de afastar-se, por vontade própria, da vida e das atividades em comum. Intimidade durante o sono, intimidade durante as refeições, intimidade no ritual religioso e social e finalmente intimidade no pensamento.

    Mariana Zanata Thibes (2014, p. 86), por sua vez, diz que os comportamentos e hábitos que na atualidade são caracterizados como privados, como a realização das necessidades fisiológicas e a cópula, não o eram até meados do século XIX, principalmente entre as famílias mais pobres que, como regra, eram bem numerosas e utilizavam um mesmo cômodo para isso.

    Ademais, considerando que somente em período mais recente – que remonta ao século XIX – observamos a difusão da utilização do termo privacidade, é válido esclarecer que parte da doutrina, conforme Danilo Doneda (2021, p. 105), defende que ele representa um anglicismo proveniente do termo privacy, que apresenta ampla utilização na literatura inglesa desde o século XVI.

    Nesse aspecto, Stefano Rodotà (2008, p. 26) esclarece que a origem da privacidade pode ser associada à desintegração da sociedade feudal, em que os indivíduos estavam conectados por uma série de relações que denotavam a forma como a vida cotidiana se organizava. O autor destaca também que, até aquele momento histórico, o isolamento era um privilégio de poucos, com ênfase para os místicos ou monges, pastores ou bandidos, e que, a partir daquela época, passou a ser uma possibilidade a todos que dispunham de meios materiais.

    Rodotà ainda acrescenta que a origem da privacidade decorre de inúmeros fatores, dentre os quais cabe especial destaque às condições socioeconômicas advindas da Revolução Industrial, que permitiram à classe burguesa implementar uma nova necessidade de intimidade por meio de novas técnicas construtivas, como também da separação entre o lugar que se vive e o local do trabalho.

    Doneda (2021, p. 125) adiciona dois aspectos que devem ser considerados para o surgimento da institucionalização da privacidade. O primeiro refere-se às novas técnicas construtivas, como o desenvolvimento da construção de habitações coletivas e a difusão de toda uma infraestrutura elétrica, hidráulica e de aquecimento nas novas residências edificadas naquela época, além da diminuição de membros em uma família média. E o segundo diz respeito ao surgimento de novos meios de comunicação de massa, como fotografia, gravadores e a própria imprensa, que, concomitantemente, modificaram a expectativa de privacidade e demandaram novas formas de neutralizar os seus impactos, conforme veremos na sequência.

    Antes, é importante destacar que foram os aparatos tecnológicos da segunda metade do século XIX que inspiraram e fizeram surgir a demanda pelo direito à privacidade — assim como as novas tecnologias da atualidade dão o tom e o compasso deste direito na contemporaneidade.

    1.2. UMA BREVE ANÁLISE DO ARTIGO THE RIGHT TO PRIVACY, DE 1890, E A ORIGEM DO CONCEITO JURÍDICO DE PRIVACIDADE

    O artigo científico The right to privacy O direito à privacidade, em português — foi publicado em 1890, por Samuel Dennis Warren e Louis Dembitz Brandeis, na Harvard Law Review. Embora já tenham se passado mais de 130 anos dessa publicação, a obra continua sendo atual e fundamental para o estudo do tema privacidade, pois propõe reflexões válidas até hoje, como demonstra Ana Paula Jacobus Pezzi (2007, p. 19-20) ao dizer que este artigo se tornou referência praticamente unânime em toda a doutrina especializada por conta de seu vanguardismo e ousadia ao tentar identificar na lei comum uma norma para proteger a privacidade do cidadão:

    O questionamento e o momento histórico permitiam que o debate levantado no referido ensaio exaltasse o chamado right to privacy, o qual, apenas três anos após a publicação do artigo, foi empregado em uma decisão em um Tribunal da Georgia. A face constitucional deste direito nos EUA teve reconhecimento, finalmente, sob a 14ª emenda, a partir de 1965, com o caso Griswold v. Connecticut.

    No início da histórica resenha jurídica, os autores deste famoso artigo informam que as mudanças políticas, sociais e econômicas que estavam em curso naquele momento implicavam no reconhecimento de novos direitos. Então, o common law evoluiu para satisfazer as exigências da sociedade. Mudanças políticas, sociais e econômicas implicam o reconhecimento de novos direitos, e o direito comum, em sua juventude eterna, cresce para atender às novas demandas da sociedade¹, citam Warren e Brandeis (1890, p. 193). Antes de avançarmos, uma observação importante: o texto original do artigo The right to privacy é em inglês, porém, para melhor compreensão, ao longo desta obra já indicamos sua tradução livre.

    E nesse mesmo sentido, com propósito de permitir melhor entendimento e contextualização do ensaio jurídico, principalmente para os leitores habituados com o sistema romano-germânico, em que a lei é fonte imediata do Direito, é válido destacar que a referida resenha foi construída no contexto do sistema jurídico do common law. Portanto, dentre as suas inúmeras peculiaridades, há maior flexibilidade para se apresentarem soluções para dirimir reclames sociais.

    O common law adota, prioritariamente, o sistema de precedentes, em que se utilizam as decisões pretéritas de casos semelhantes como referência para solucionar os novos casos concretos que se apresentam. Trata-se de um modelo institucional que não depende de uma lei anterior para resolver as questões que demandam uma solução. Assim, este modelo ostenta um maior apego ao Direito Consuetudinário e apresenta mais eficácia na observância do princípio da segurança jurídica.

    Estefânia Maria de Queiroz Barboza (2014, p. 234) ratifica este argumento. Segundo ela, nos sistemas de common law, a busca pela segurança jurídica não era baseada na lei ou na suposta completude do sistema, mas, sim, no sistema de precedentes judiciais, em que, por meio da racionalidade, procurava-se garantir a coerência entre as decisões. "Assim, nesse sistema, em que pese o juiz não se encontrar limitado pela lei, se encontrava limitado pelos precedentes. Essa limitação imposta pela doutrina do stare decisis significa respeito aos precedentes; respeito este que engloba o ato de segui-los, distingui-los ou revogá-los", completa a autora.

    Daí, percebe-se que no common law a segurança jurídica não se baseia na lei, já que este sistema parte do pressuposto de que é impossível haver solução legal para todas as situações que precisam ser resolvidas.

    De acordo com o explicitado, o princípio da segurança jurídica no common law decorre do sistema dos precedentes judiciais que se constrói pela análise e pelo julgamento de casos concretos (precedentes), que servem de diretriz para o julgamento de casos futuros que apresentem fatos semelhantes.

    Ao utilizar a lógica do common law, Warren e Brandeis (1890, p. 195) analisam várias decisões de tribunais ingleses e estadunidenses de situações concretas distintas que têm como plano de fundo a privacidade. No início do artigo, eles explicitam que o motivo que fez emergir o novo Direito, a partir do princípio geral no common law estadunidense do right of privacy, refere-se ao surgimento de determinadas invenções, como a fotografia e os gravadores, e de métodos de negócio, como as empresas jornalísticas e a imprensa, que passam a invadir a vida privada e a vida doméstica das pessoas e ultrapassam os limites da decência com o propósito de obter lucro:

    Invenções recentes e métodos de negócios chamam a atenção para o próximo passo que deve ser dado para a proteção da pessoa, e para garantir ao indivíduo o que o juiz Cooley denomina direito de ser deixado sozinho. Fotografias instantâneas e empreendimento jornalístico invadiram os distritos sagrados da vida privada e doméstica; e inúmeros dispositivos mecânicos ameaçam fazer valer a previsão de que o que é sussurrado no armário deve ser proclamado a partir dos telhados da casa. Durante anos, houve um sentimento de que a lei deveria prever uma tutela contra a circulação não autorizada de retratos de pessoas privadas; e o mal da invasão de privacidade pelos jornais, há muito sentido, é recentemente discutido por um escritor capaz².

    Nota-se, assim, que o direito à privacidade, na sua concepção original, pode ser sintetizado pela expressão right to be let alone, que em tradução livre é o direito de estar só ou, mais precisamente, o direito de ser deixado sozinho — este termo, conforme o crédito atribuído pelos autores, foi cunhado pelo juiz Thomas Cooley.

    Leonardo Estevam de Assis Zanini (2015, p. 11) e Danilo Doneda (2021, p. 110) esclarecem que, antes de Warren e Brandeis, o juiz Cooley, na publicação A treatise on the Law of Torts Um tratado sobre o Direito de Delitos, em tradução livre ‒, de 1880, utilizou o termo right to be let alone. Porém, apesar de ter sido o primeiro a utilizá-lo, não o correlacionou à ideia de privacidade, pois a publicação se referia à responsabilidade civil.

    Então, mesmo que a locução direito de estar só tenha sido forjada

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