Difícil Acreditar
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Difícil Acreditar - Carlos Di Vienna
DIFICIL
´
ACREDITAR
Carlos Di Vienna
© Copyright: 2020 por Carlos Di Vienna
Todos os direitos reservados ao Autor
PUBLICAÇÃO PARTICULAR
Sem nenhum vínculo com Editora.
Capa: Carlos Di Vienna
Título da obra: Dificil ACREDITAR
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CONTATO: carlosdivienna10@gmail.com
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DIFICIL
ACREDITAR
Carlos Di Vienna
O sexto sentido do Autor
é o invento da surpresa.
(Camilo Castelo Branco)
Primeira Parte
PERFEITO COMO O FILME
Capítulo Um
Nathan Luzzano abriu os olhos depois de mais um rápido cochilo.
Há um mês não conseguia dormir direito, pois as imagens e sons do pior dia da sua vida voltavam frequentemente e não o deixava dormir.
Ainda é difícil acreditar que tudo isto tenha acontecido.
Sentou-se na cama e olhou para a janela aberta. O vento balançava lentamente a cortina e o dia estava escuro lá fora.
O mundo havia caído sobre sua cabeça. Tudo desabara a sua volta como um terremoto. Não sentia mais vontade de viver. Então se refugiara no quarto, acompanhado das belas lembranças até o fatídico dia do assalto ao Banco Paulistano e das horríveis recordações após o fato.
Haviam-se passado trinta dias da tragédia, e agora, ali diante da janela, observando que uma chuva torrencial chegaria a qualquer momento, percebeu que era o momento de reagir.
Nada mudaria o ocorrido, mas era sua obrigação lutar pela verdade; mostrar para todos, que agora pisoteavam sobre sua dor e angústia, que Yasmim era uma mulher correta, honesta e de um caráter intocável.
No entanto, sabia que precisa de um milagre para provar isso.
Aproximou-se da janela, puxou a cortina e percebeu que os primeiros pingos da chuva começavam a cair. O céu estava fechado, coberto por grossas e escuras nuvens.
Igual minha alma: escura e tenebrosa.
Olhando o tempo ruim lá fora, compreendeu que a vida era uma constante mistura de felicidade e tristeza, e que o tempo todo, elas lutavam para se sobressair uma sobre a outra como uma gangorra num playground onde duas crianças se divertem subindo e descendo constantemente.
Voltou a se sentar na cama e o sorriso angelical de Yasmim retornou à sua mente. Balançou a cabeça numa tentativa vã de afugentar as lembranças ruins e as evidências que machucavam seu coração, das quais, recusava-se aceitar.
As evidências... As imagens... As gravações...
Todos enxergavam uma realidade através das imagens e gravações, mas seu coração e sua alma sabiam que havia algo muito errado por detrás de toda aquela terrível história, e sabia isso por um simples motivo: conhecia Yasmim mais do que a si mesmo.
Sentiu o estômago doer, e se lembrou que estava há quase um dia sem se alimentar. Praticamente um mês refugiado no quarto, sem conseguir dormir uma noite inteira, se alimentando mal, como se aquilo fosse alterar alguma coisa. Estava sendo covarde, tentando se esconder. Por mais difícil e doloroso que fosse, tinha que levantar a cabeça e provar para todos que Yasmim era inocente, mesmo tudo mostrando o contrário.
Aquilo não era um pesadelo do qual iria se libertar quando abrisse os olhos. Era real. O mundo havia caído sobre si, mas tinha que retirar os destroços, abrir caminho e descobrir o que realmente havia acontecido.
Mas como fazer isso sozinho?
O fato ocorrera no dia 17 de março, portanto, há um mês e nada havia mudado. Tudo continuava do mesmo jeito. As evidências apontavam para Yasmim, e ninguém deu atenção às suas palavras de que ela jamais faria aquilo. Pelo andar da carruagem, Heitor Numas e sua equipe, não estavam preocupados em buscar novos indícios, mas sim, praticamente encerrando o caso baseando-se nas imagens e nas gravações.
Nathan olhou para a caixinha de madeira sobre a cômoda, a qual tinha na tampa desenhos de flores e era circundada por uma fita verde onde na parte frontal formava um laço.
Yasmim adorava escrever cartas e ia contra a modernidade e a rapidez das mensagens dos aplicativos e dos e-mails.
Sorriu ao se lembrar da explicação.
A modernidade tirou o romantismo das cartas. É muito chique receber uma correspondência, abrir o envelope, ler as palavras escritas com a caligrafia que é própria de cada pessoa. Guardar para reler em outra oportunidade, de preferência, quando a saudade estiver apertando o peito. Vou estar sempre te enviando minhas cartas. Guarde-as nesta caixinha. Elas mostrarão aos nossos netos e bisnetos o nosso verdadeiro amor.
Ela disse que era para guardar e reler nos momentos em que a saudade apertasse o peito. Pois bem, o momento era agora, pois toda vez que o sorriso de Yasmim voltava à sua mente, sentia como se uma faca cortasse uma parte de seu coração.
Se aproximou da cômoda e pegou a caixa, porém, as lágrimas que se formaram em seus olhos e escorreram em seu rosto mostraram que ainda não era o momento propício. O coração despedaçado não aguentaria ver a caligrafia tão perfeita de Yasmim e sua alma sangraria com as palavras de amor que estavam redigidas naquelas cartas.
Repôs a caixa sobre a cômoda pensando: Tenho que provar que todos estão errados. Que tudo foi uma armação. Que Yasmim é inocente. E só há uma pessoa que pode me ajudar neste momento: Messias Ebras.
40 DIAS ANTES
Nathan estava no carro seguindo para a Transportadora Luzzano, cujo Escritório e Galpão Central ficava na CLI (Centro Logístico de Itapevi).
Com muito esforço e apoio incondicional dos pais Angélica e Sérgio Luzzano, fundaram aquela transportadora. Com uma administração perfeita, Nathan prosperara mais e mais a cada novo ano.
Atualmente, era muito respeitado na área logística.
Residia com os pais na Rua Christino Gonzales em Itapevi, e com os negócios indo de vento em popa, alguns amigos, inclusive Tiago, seu braço direito na transportadora, o incentivaram a se mudar para Alphaville, porém, Nathan preferiu se manter no mesmo endereço.
Até porque, Yasmim, sua noiva, a mulher de sua vida, residia na Rua Jayr Fernandes, próximo ao Hospital Geral de Itapevi. A distância entre as residências não chegava a um quilômetro. Isto facilitava os encontros e podiam estar sempre juntos.
Nathan dirigia seu carro com segurança e ao mesmo tempo, falava com Yasmim, utilizando os recursos oferecidos pela central multimídia do veículo. Desta forma, não precisava tirar as mãos do volante, e nem mesmo segurar o celular.
― Você decidiu onde iremos passar a lua de mel?
― Não, amor. Ainda estou indecisa. Escolha você.
― Claro que não ― disse sorrindo. ― Esta é a sua missão.
― Uma doce missão.
Houve uma pequena pausa, e Yasmim disse:
― Estou tão feliz, Nathan, que chega a me dar medo.
O sorriso dele se apagou. Pressentimento. Detesto isto.
― É que tudo está dando tão certo, que sinto receio de que algo dê errado. Você sabe como sou medrosa. Mas, estou imensamente feliz, como nunca imaginei que pudesse estar.
― Claro que sei. Fique tranquila, querida. Nada vai dar errado. Mas não deixe para depois. Daqui quarenta dias estaremos casados e temos que ter um destino.
― Sim. Vou me decidir nos próximos dias.
Yasmim Grafalim morava com os pais, e tinha um cargo importantíssimo na agência 355 do Banco Paulistano na Alameda Rio Negro em Alphaville, Barueri. Com o cargo de Gerente Geral do Sistema de Segurança, era a responsável pelo sistema de segurança da agência, inclusive, da abertura e fechamento do cofre central.
Entrou na Instituição Financeira Paulistano como estagiária, quando ainda cursava a faculdade, e ao finalizar a graduação, foi contratada oficialmente. Começou com um cargo simples, mas aos poucos, foi ganhando a confiança do chefe, passando por alguns cargos até chegar ao atual.
Não tinha muitos amigos, pois seu tempo era exclusivo dos pais e Nathan, o amor da sua vida. Sua mãe Yeda trabalhara muito para ajudar seu pai Alvério a manter a casa em tempos difíceis.
Com o passar dos anos, recebendo novas promoções, decidiu aposentar a mãe, que estava com início de diabetes. O pai, continuava trabalhando em uma metalúrgica, prestes a se aposentar.
Todos os dias, Nathan e Yasmim davam um jeito de se encontrar, principalmente, nas últimas semanas, com a aproximação da data do casamento, para irem acertando os detalhes da igreja, da festa e da lua de mel, que provavelmente, seria quinze dias em Fortaleza, no Ceará.
Os amigos de Yasmim se resumiam em seus companheiros de trabalho. Passava os dias úteis da semana ao lado deles na agência, e acabara pegando carinho por todos, mas em especial por Lorenza Cruzem, Gerente de Empréstimo, e Natália Lins, Gerente de Empreendimentos.
Yasmim tinha um carinho tão grande por elas, que decidiu convidá-las para serem madrinhas de seu casamento.
O convite foi aceito de imediato, e elas fizeram questão de exaltar a felicidade e o orgulho em serem escolhidas.
Yasmim também se relacionava bastante com Marcelo Reis, que era Auxiliar de Natália; Bruna Souza, Chefe dos Caixas; Felipe Boas, Chefe de TI; Flávia Larcy, Auxiliar de Ti e Paulo Larinny, Coordenador Geral da Agência. Com Paulo o tratamento era mais formal, já que ele era sério demais, talvez devido a função, entretanto, com os demais, sorria e contava anedotas, praticamente o dia todo.
― E quanto a decoração da nossa casa? Está cuidando disso?
― Sim ― disse tranquila. ― Estou tentando localizar um bom decorador. Lorena disse que vai tentar me ajudar.
― Agradeça a ela por mim. E quanto ao buffet?
― Estou analisando alguns. Me indicaram um, que me disseram ser muito bom. Liguei e conversei com o proprietário. Muito simpático. Passou todas as informações, e disse que o nosso casamento será um sucesso se o serviço de buffet for realizado por eles.
― Maravilha.
― Vou agendar um encontro com ele, pra acertarmos os detalhes finais e fechar o contrato.
Houve uma pequena pausa.
― Nos vemos no início da noite?
― Claro, amor. E eu consigo ficar um dia sem te ver?
Ambos desligaram, sorrindo.
A pessoa que utilizava o codinome Anjo, estava em um pacato restaurante nos arredores do centro de Barueri. Tinha um homem sentado em sua frente, de estatura média, corpo perfeito, cabelos muito bem cuidados, porém, o brilho em seu olhar informava que, o destaque em sua pessoa, era a inteligência.
― Me chame de Anjo e eu te chamarei de Fabrizio.
― Fabrizio? De onde tirou este nome?
Anjo o fitou com paciência.
― Sou fã do filme Titanic. O filme foi lançado no Brasil no dia 16 de janeiro de 1998. Mesmo sendo um filme longo de três horas e quinze minutos, assisti quatro vezes no cinema.
― Também assisti ao filme. Uma única vez.
― James Cameron fez ali uma obra de arte... Um filme perfeito.
― Sim. E daí? O que isso tem a ver com a nossa conversa?
― Você não perguntou de onde vinha o codinome Fabrizio? ― perguntou, fitando-o. ― Estou te explicando. Os personagens principais eram Jack e Rose. Como já tenho o Jack, e Rose você não aceitaria, restou Fabrizio, que era o amigo de Jack.
Houve um momento de silêncio e Fabrizio perguntou:
― Por que está disfarçando a voz aqui neste muquifo? E esta blusa? Estamos em pleno verão.
Anjo usava uma blusa preta com capuz, porém ao entrar no local, tirou o capuz e o deixou cair sobre as costas. Também usava boné e óculos escuro.
― Para o sucesso do Plano Titanic tenho que me disfarçar.
― Plano Titanic? ― perguntou com desdém.
― Sim. Será perfeito como o filme.
Ficaram em silêncio por um instante.
― É muito dinheiro que entra naquele banco todos os dias, mas as terças e sextas-feiras são especiais. Os carros-fortes passam pelos maiores hipermercados da região e levam tudo para a agência. Os malotes trazem todos os dias uma quantidade...
Anjo olhou ao redor, verificando se ninguém ouvia a conversa, e se aproximando mais de Fabrizio, continuou com voz baixa:
― Que chega próximo aos 10 milhões de reais.
Fabrizio arregalou os olhos.
― É muito dinheiro ― sussurrou.
― Realmente é, e ele será repartido em três partes... eu, você e o Jack. Serão mais de três milhões para cada um.
Houve outro momento de silêncio onde ambos pensavam nas possibilidades e, principalmente, no que fazer com tanto dinheiro.
― E quanto aos riscos?
― Riscos sempre existem, mas o Plano Titanic é perfeito.
Fabrizio olhou para Anjo, e pôde ver a ambição estampada em sua face. Seu sorriso dava a nítida sensação de que tudo sairia perfeito, e que iriam usufruir do dinheiro em algum lugar bem longe dali.
― E quanto a este Jack? É confiável?
Anjo não gostou da pergunta.
― Estamos praticamente acertados. É o homem certo para nos ajudar a enriquecer. Será o trio perfeito.
Fabrizio tomou um gole da cerveja que estava no copo.
― Vai me passar os detalhes do plano?
― Ainda não. Vou conversar com Jack. Se ele confirmar presença, conversaremos os três juntos, e passarei os detalhes.
Não há retorno, pensou Fabrizio. Nem para mim, nem para Jack.
― Mas já tenho a data em que o Titanic vai afundar mais uma vez.
Se eu ou Jack dissermos não, tenho certeza de que estaríamos decretando nossa morte, pois já somos seus cumplices e poderíamos abrir o bico.
Fabrizio olhou para Anjo, porém, permaneceu em silêncio.
― Vamos agir no dia 17 de março, às treze horas e trinta minutos.
Fabrizio franziu a testa, preocupado.
― Dez dias? É isto que temos? Não é pouco?
― Não é pouco. É o suficiente. Tudo já está planejado.
― Não conheço o plano, como posso confiar nele?
Outra vez Anjo não gostou, mas novamente se conteve.
― É um excelente plano. Confiável. Analisei todos os detalhes. Não me ariscaria se não fosse perfeito.
― Sim, mas...
― Meu nome é considerado dentro daquele banco, e fora dele também. Todos me respeitam pelo que sou e pela minha competência. Eu jamais colocaria tudo isto em jogo.
― Tudo bem, Anjo, mas me preocupo. Vamos invadir uma das mais bem vigiadas agências bancárias de toda grande São Paulo.
― Sim. Sei disso.
Anjo se levantou.
― Mas o plano é perfeito.
Dizendo isso, se retirou, enquanto Fabrizio se lembrava de uma frase que sempre ouvia nos filmes policiais:
Não existe plano perfeito.
Natália Lins acabara de finalizar o atendimento a um cliente e quando ia se levantar para ir ao banheiro, seu celular começou a tocar.
Olhou o visor: Yasmim.
― Alô ― atendeu sorrindo.
― Oi, Natália. Estou ligando para te fazer um convite. Pra você e para Lorena, mas ela não está atendendo as ligações.
Natália olhou ao redor.
― Deve estar resolvendo algum problema com o chefão.
― Sim. Depois você repassa o convite a ela.
― Deixe comigo. Mas do que se trata?
Houve uma pausa proposital por parte de Yasmim.
― Vou experimentar o vestido de noiva. Você quer ir comigo?
Natália não conseguiu evitar um grito de felicidade.
Yasmim também não se conteve do outro lado da linha.
― Estou aqui neste minúsculo almoxarifado liberando alguns fios para o pessoal da manutenção. Sandra, a responsável pelo vestido me ligou.
Natália se conteve e deixou escapar um suspiro.
― Oh, minha querida amiga... Estou tão feliz por você.
― Sei que está. Mas não tanto quanto eu. Estou radiante!
Elas ainda sorriam, quando Natália viu a porta se abrir e Lorena entrar no amplo escritório.
― Querida, Lorena acabou de chegar.
― Ótimo. Passe o celular pra ela.
Natália assim o fez, informando:
― É Yasmim. Ela tem um convite pra te fazer.
― Oi, querida ― disse Lorena colocando o aparelho no ouvido.
― Oi, Lorena ― respondeu Yasmim, entusiasmada. ― Eu te liguei, mas você não atendeu.
― Estava resolvendo um baita abacaxi, amiga.
― Imagino.
Houve uma curta pausa e Lorena perguntou:
― Natália disse que você tem um convite pra me fazer?
― Sim. Sandra, a responsável pelo vestido de noiva acabou de me ligar. Tenho que ir lá experimentá-lo. Quer ir comigo?
― Nossa! Será maravilhoso! Você vai ficar linda, Yasmim.
Houve outra pausa na ligação, e Lorena percebeu que Yasmim estava chorando do outro lado da linha.
― Não, minha querida. Este não é momento para lágrimas.
Yasmim levou três segundos para responder.
― Mas são de felicidade.
― Ah, sim! É claro! Não sabia...
Ambas riram.
― Sua boba ― brincou Yasmim.
― Você será a noiva mais linda deste mundo e terá uma vida maravilhosa ao lado de Nathan. Uma peça valiosa que você conseguiu encontrar.
― Dizem que hoje em dia é raridade.
― Sim. Você é uma mulher de sorte. Vou devolver o celular para Natália. Quando iremos ao ateliê?
― Vou agendar uma data, e informo vocês.
― Ok. Aguardarei... Ansiosamente.
Natália pegou o celular de volta.
― Amiga, vou ter que desligar. Tenho um cliente agora.
― Tudo bem. Já estou terminando aqui também. Vou agendar uma data para irmos ao ateliê. Aí te informo.
― Combinado.
Elas desligaram.
Nathan seguia em seu carro em direção ao CLI, quando foi obrigado a parar no semáforo na Rua José Michelotti, praticamente em frente ao Pronto-Socorro Central.
Uma música antiga se espalhava pelo interior do carro e Nathan se lembrou da alegria de Yasmim.
Por mais feliz que ela esteja, não chega perto da minha felicidade.
Tudo estava praticamente pronto para o casamento. Faltava apenas finalizar a decoração da futura casa num condomínio em Itapevi, e a contratação do buffet. Mas disto, Yasmim estava cuidando.
Voltando do devaneio, ao abrir os olhos, tomou um susto, porque um mendigo, sujo e barbudo, olhava fixamente pra ele, mantendo as mãos apoiadas no capô do carro.
Parecia que os olhos do mendigo via as profundezas de sua alma e um arrepio percorreu seu corpo dos pés à cabeça.
Se lembrou de Yasmim e do que dissera: Estou tão feliz, Nathan, que chega a me dar medo. Agora, o medo também o abraçava, através do olhar daquele mendigo.
O semáforo abriu e os carros começaram a se movimentar, porém, permaneceu imóvel, já que o homem se mantinha parado em sua frente com as mãos apoiadas no capô.
Os motoristas dos veículos que estavam atrás começaram a buzinar, mas vendo que ele não se mexia, deram seta à direita e saíram detrás dele, alguns, deixando escapar palavrões.
Enfim, o mendigo se pôs ereto, e sem tirar os olhos dele, começou a caminhar em direção à porta do carro, parando junto ao vidro, com a mão direita estendida, pedindo um trocado.
A sua vontade era sair dali em alta velocidade, e fugir do azar, pois era assim que via a cena, mas não o fez.
Pegou algumas moedas no console do carro, abaixou o vidro, e entregou ao mendigo.
Ele sorriu, deixando aparecer os dentes sujos e podres.
― Obrigado. Deus te abençoe. Se cuide.
Em seguida o mendigo se afastou, e num suspiro, pôs o veículo em movimento. No entanto, percebeu, que o semáforo havia fechado novamente.
Caramba! Quantos minutos ele ficou ali olhando pra mim?
Estava com medo, pois ainda sentia o corpo arrepiado.
Balançou a cabeça, tentando afugentar os maus pensamentos.
Tentou se convencer de que era uma tolice de sua cabeça, já que quando estamos muito felizes, é natural sentirmos medo de perder esta felicidade.
O semáforo abriu, e ele colocou a carro em movimento.
Pare de se maltratar. O que poderia dar errado?
Porém, as últimas palavras do mendigo voltaram à sua mente:
Se cuide.
Capítulo Dois
Beatriz Ortoga estava sentada no sofá. Amanda, sua mãe, estava ao seu lado, e seu pai, Cássio, acomodado numa poltrona ao lado da estante a qual continha vários objetos, livros e uma smart TV.
Cássio e Amanda se conheceram dentro do trem nas idas e vindas aos seus respectivos trabalhos. Uma semana depois estavam namorando.
Um ano e meio após o início do namoro, numa tarde linda de sol, se casaram na Paróquia São João Batista em Barueri. Conseguiram fazer uma linda festa para os familiares, amigos e amigas que se fizeram presente na majestosa celebração.
Um ano e seis meses depois, num dos momentos mais felizes de sua vida, ao receber a notícia de que seria pai, Cássio decidiu comprar um terreno para construir a residência da família Ortoga.
Com muito esforço e um empréstimo junto ao banco, comprara o terreno localizado na Rua Vitória, próximo ao Centro de Barueri.
Aos poucos, construíram aquela bela casa onde se encontravam naquele momento.
Hoje, Cássio era gerente de um grande hipermercado localizado junto à Marginal Tietê sentido Penha/Lapa. Há pouco mais de três anos, Amanda descobrira um tumor na mama. A notícia abalou as estruturas da família, mas foram obrigados a se reerguerem com a chegada do tratamento que fora feito com sucesso no Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) onde Amanda retornava de seis em seis meses para acompanhamento do caso.
Mas para Amanda e Cássio, este não foi e nem era o pior problema.
O pior problema era a doença de Beatriz, a única filha do casal.
― Você quer comer algo especial hoje, filha?
― Não, mãe ― disse Beatriz com calma, porém, com tristeza. ― O que tiver eu como. Não precisa se preocupar.
― Imagina, filha. Sabe que faço com carinho.
― Claro que sei. Mas hoje amanheci bem desanimada. Há dias que a realidade fica bem mais clara, e não há como se livrar dela e preencher o espaço com coisas positivas.
Cássio observava a filha com o coração tomado de tristeza, e não foi capaz de dizer uma palavra, pois a garganta estava travada.
Amanda se virou e abraçou Beatriz com carinho.
― Respeito seus momentos de tristeza, e sei que não é fácil, mas, por favor, não perca a fé. Deus é poderoso e pode mudar tudo numa fração de segundos.
As lágrimas rolaram no rosto de Beatriz.
O que fazer, Jesus? Orou Cássio, também chorando. Olha que filha linda o Senhor nos deu. Uma verdadeira princesa. Vinte e cinco anos. Não podia ser eu que já estou velho? Muda tudo isso, Senhor. Por favor!
O andar superior do Banco Paulistano estava praticamente vazio, já que se aproximavam do fim do período de atendimento bancário.
Yasmim se encontrava sentada em sua cadeira tendo os braços sobre a mesa, e estava cercada pelos colegas de trabalho.
― Quero a presença de todos na igreja, hein? Será o momento mais feliz da minha vida e quero compartilhá-lo com vocês.
― Eu estarei lá ― Lorena apressou-se em dizer. ― E tenha certeza de que vou chorar muito mais que você.
Elas sorriram, enquanto Marcelo se aproximava.
― Não sei o que te dar de presente.
― Imagina, Celo. Quero todos lá porque o meu carinho por vocês é imenso. Presente? Não estou nem pensando nisso.
Yasmim fez uma pausa e em seguida o fitou dizendo:
― Pensando bem, compre um presente sim, mas o dê a sua namorada. Acho que ela merece mais do que eu.
― Estou sozinho no momento ― disse rindo.
― Porque quer ― comentou Bruna, Chefe dos Caixas. ― Um gato como você, só fica sozinho se quiser...
― Verdade ― concordou Yasmim, deixando as brincadeiras de lado e tomando uma postura séria. ― Mas agora falando sério... Quero todos lá na igreja, porque vocês também são parte da minha família.
Incapaz de se controlar, Lorena levou os dedos à boca para dar um alto assobio, mas o olhar de alerta de Felipe Boas, Chefe de Ti, lhe fez voltar atrás, já que ele fazia sinal com a cabeça, indicando a direção da sala de Paulo Larinny.
O chefão caminhava elegantemente em direção a eles.
Paulo era um homem próximo dos quarenta e cinco anos, porém, se encontrava em boa forma, com um corpo que causava inveja a muitos jovens. Era casado com Tatiane há mais de vinte e cinco anos e conforme os rumores, nunca a traíra. Se era verdade ou não, ninguém sabia, mas ele se mantinha sempre calmo e afastado. Impunha limites aos funcionários, principalmente, se fossem do sexo feminino. Era muito educado. Mesmo na hora de dar uma bronca, fazia-o com classe, sabedoria, e de forma branda, o que piorava muito a sensação de arrependimento pela falha cometida do colega que fora chamado em sua sala.
Ao chegar junto ao grupo, sentiram o seu suave perfume.
― Sei que o motivo de toda esta alegria é o seu casamento ― disse, fitando Yasmim. ― Fico feliz por você. É um momento único na vida de cada pessoa. Como sei que você fez a escolha certa, posso arriscar dizer que esta é uma felicidade que te acompanhará por toda sua vida.
― Obrigado, chefe ― disse Yasmim, segurando as lágrimas.
― O importante é não ter pressa ― prosseguiu ―, e sei que você foi paciente. Pois assim, temos tempo e oportunidade para procurar e encontrar a pessoa certa para acordar e ir dormir ao nosso lado. Você terá que renunciar a muita coisa, mas se o ama, renunciará para fazê-lo feliz. Ele terá que renunciar a muita coisa, mas se ele te ama, renunciará para fazê-la feliz.
Yasmim não conseguiu mais segurar o choro, mas o sorriso estampado em sua face, demostrava felicidade pelas palavras dele.
― Casamento não é um playground aberto ao público ― continuou Paulo, com voz serena ― é exclusivo para vocês dois. Amigos são necessários, é óbvio, porém, jamais o playground pode ser aberto para eles. A vida íntima e os problemas corriqueiros devem ser trancafiados num cofre e as únicas pessoas que devem ter acesso a chave será vocês dois. Quanto mais pessoas palpitar, mais difícil ficará de resolver. A maior força de Nathan virá de você, e a sua maior força virá dele.
Paulo fez uma pausa, deixando o escritório em silêncio.
― Disse tudo isso só pra te falar: seja feliz.
Ele se aproximou de Yasmim, ela se pôs em pé e se abraçaram.
O burburinho retornou, agora, com Lorena assoviando alto.
― Estou impressionada ― murmurou Natália.
Paulo se afastou de Yasmim e olhou rapidamente para todos.
― Mas, aproveito para lembrá-los de que a festa será no dia do casamento. Comportem-se, pois ainda temos clientes no banco.
O escritório voltou a mergulhar no silêncio e Natália disse:
― Claro, chefe.
Paulo se afastou, regressando à sua sala.
― Estou boquiaberta com as palavras dele, amiga ― disse Lorena.
― E eu então ― comentou Bruna. ― Me surpreendeu.
― Verdade. Mas ele tem razão. Hoje não é o dia da festa.
Todos riram em silêncio.
― Vamos voltar ao trabalho.
Beatriz ainda estava na sala com os pais, quando alguém tocou a campainha. Olhou para mãe que se levantou e foi à janela ver quem era.
Sua fisionomia se tornou pesada.
― É ele, não é?
― Sim, filha. O dia hoje, realmente, não será dos melhores.
― Deixe-o entrar. Esta história termina hoje.
Cássio se levantou e foi em direção ao quarto.
― Não vou participar desta conversa, mas se precisar, dê um grito.
Amanda abriu a porta e foi em direção ao portão.
Em expectativa, Beatriz aguardou no mesmo lugar.
Logo depois, Amanda voltou com um homem alto, na casa dos trinta anos, corpo atlético, rosto comprido, cabelos lisos penteados para o lado, o qual sorria e trazia na mão um pequeno robô feito de peças e latas velhas.
Tratava-se de Tômas Costa, há seis meses, namorado de Beatriz.
― Oi, meu amor ― disse rindo, e indo até ela.
Tentou beijá-la nos lábios, mas Beatriz evitou, virando o rosto.
Seu sorriso se apagou.
― Vou para a cozinha ― informou Amanda. ― Caso precisem de alguma coisa, basta me chamar.
Sozinhos, Beatriz o fitava com indiferença, enquanto Tômas se sentava no sofá menor de frente para ela.
Ele mostrou o pequeno robô.
― Olha o que construí para você ― disse, entregando-lhe. ― Não é bonitinho? Ele anda, agacha, vira para a direita e esquerda.
Tômas sorria novamente, apresentando-lhe o aparelho eletrônico, ela, porém, mantinha-se séria, e pôs o robô sobre a mesa.
― Realmente, muito bonitinho ― comentou. ― Parabéns!
― Que bom que gostou.
Se tinha algo que Beatriz admirava em Tômas, era sua inteligência e criatividade em montar e criar coisas. Ele fazia bicicletas diferentes, robôs, pequenos carros e aviões que rodavam e levantavam voo de verdade, manuseados por controle remoto.
― Tômas, precisamos nos falar ― seu tom de voz tirou o sorriso dos lábios dele. ― Não tenho saúde e em breve não estarei mais aqui, por isso...
― Você vai ficar boa. Eu sei que vai.
― Tente encarar a realidade, assim como eu. Não tenho nada para te oferecer, e por isso, é melhor terminarmos aqui.
― Não! Você tem tudo para me oferecer. Eu te amo!
― Não tenho muito tempo de vida. Te oferecer o quê?
― Nós vamos fazer uma viagem... É isso... Você pode escolher...
Como sempre, ele se recusa a me ouvir.
― Não vou escolher nada! Não posso viajar. Aceite. Será melhor.
Ele olhou para ela com raiva.
― Você tem outro, não é isso? Conheceu outro homem?
― Por favor, Tômas ― implorou ―, não piore ainda mais a situação. Outro homem? Como, se estou morrendo?
― Está me traindo.
― Você não imagina como seu jeito me irrita. Tenho pouco tempo de vida e poderia passá-lo ao teu lado, mas não dá. Vá embora. Por favor, vá! Não há mais nada entre nós.
― Vou descobrir quem é ele e vocês vão pagar caro por isso.
Neste momento, Cássio e Amanda chegara à sala.
― Vá embora, Tômas ― pediu Cássio ―, ou serei obrigado a chamar a polícia para tirá-lo daqui.
― Eu sou apaixonado por ela. Não vou conseguir viver...
― Vá agora! ― pediu Amanda com veemência.
Tômas se dirigiu para a porta de saída.
― E não volte nunca mais! ― pediu Beatriz. ― A nossa história termina aqui! Siga sua vida, que vou viver em paz, os dias que me restam.
Ele chegou à porta e a abriu, mas antes de sair, insistiu:
― Sei que tem alguém tomando o meu lugar.
Os três permaneceram em silêncio, cansados da forma irritante que Tômas utilizava para tentar sustentar o namoro.
Cássio o acompanhou até o portão.
Beatriz respirou aliviada.
A relação entre os dois estava insustentável. Há tempos descobrira que não o amava, porém, todas as vezes que tentava terminar o namoro, ele agia daquela forma, não dando ouvidos as suas palavras e forçando o relacionamento. Também irritava a forma dele encarar a sua triste situação. Agia como se ela estivesse em perfeitas condições de saúde.
Prefiro morrer sozinha, mas em paz.
Foi neste momento que ambas ouviram os gritos de Tômas:
― Eu te amo! Se você não for minha não será de mais ninguém!
Eu não acredito. Toda a vizinhança está ouvindo.
Do meio da rua, Tômas gritou mais uma vez:
― Se você não for minha, não será de mais ninguém!
Quando o sol se aproximava do horizonte, e o relógio digital do carro marcava 16:55, Nathan Luzzano parou o veículo em frente