Vaga-lumes
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Vaga-lumes - Carlos Di Vienna
VAGA-LUMES
Estrelas no céu escuro do
Alzheimer
Criado e escrito por:
Carlos Di Vienna
© COPYRIGHT 2023 POR CARLOS DI VIENNA
Todos os direitos reservados ao Autor
PUBLICAÇÃO PARTICULAR
Sem nenhum vínculo com Editora.
Capa: CARLOS DI VIENNA
Título da obra:
VAGA-LUMES – Estrelas no céu escuro do Alzheimer
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E-mail de contato do Autor: carlosdivienna10@gmail.com
(12 DE JUNHO DE 2023)
VAGA-LUMES
Estrelas no céu escuro do
Alzheimer
Esta é uma obra de ficção criada pelo autor.
Qualquer semelhança com a vida real,
terá sido uma mera coincidência.
Durante a nossa existência,
as lembranças vão sendo anotadas
no grande quadro-negro da memória.
Ao chegarmos na terceira idade,
ele está praticamente preenchido.
O Alzheimer é como um apagador,
que aos poucos, vai dissipando
estas anotações.
Carlos Di Vienna
PERSONAGENS
MATTEU / MARINEZ
MARISE AMAYA GAEL
ENRICO MURILO MAÍRA
HENRY PIETRA KALEO
BRENO MILENA
CAILLI ALYLA
ANSELMO MARIANO ESTELA
CLARA KEITTI ELISA
FILIPE RENATO ALISSON
NICOLE DR. MOLIRA
LESLIE SR. COSELA
MARIA CÂNDIDA
LENNY
MARIEN
DR. ENILMO LASTRES
Capítulo 1
Perguntas sem respostas
Abriu os olhos e olhou ao redor.
Encontrava-se deitado numa cama de solteiro, coberto por um lençol.
Aquele era o seu mundo, resumido em quatro paredes em um espaço de cinco metros de comprimento, por quatro de largura.
Não sabia onde estava, mas era onde se refugiava e se escondia das maldades de um mundo desconhecido que estava lá fora.
Jogou o lençol para o lado e se sentou à beira da cama.
Olhou para a porta fechada e em seguida para a janela.
Foi até ela e puxando a cortina, a claridade entrou no ambiente.
Viu através do vidro um bonito jardim, com várias flores, um gramado que se estendia por uns vinte metros, algumas árvores e um muro alto.
Ouviu a porta se abrindo e voltando-se para ela, viu uma mulher sorridente de cabelos longos entrando no quarto com uma bandeja nas mãos.
― Bom dia! Cheguei com o seu medicamento.
Ela não me parece estranha.
― Espero que tenha um dia maravilhoso! ― disse, colocando a bandeja sobre a cama. ― O dia amanheceu nublado, mas a previsão para hoje é de sol e temperaturas altas.
Ela pegou um comprimido e um copo com água.
― Podemos passear no jardim após o almoço. O que acha?
Ela se aproximou e lhe entregou o remédio com a água.
― Tome a sua medicação.
Desconfiado, não disse nada, apenas fez o que ela pedia.
― Sei que está com fome. Voltarei em quinze minutos com o café da manhã. Acho que consegue esperar, não é mesmo?
Percebendo o seu olhar interrogativo, ela o fitou, sorrindo.
― Ok. Sei que tem algumas perguntas para fazer. Fique à vontade.
Ela se parecia paciente, e suas palavras deixou claro que aquela situação se repetia com frequência.
― Quem é você?
― Sou a enfermeira Estela Virote. Cuido de você durante o dia.
― Que lugar é esse?
― Você está na Clínica Sianca ― respondeu sorrindo. ― Especializada em cuidar de pessoas especiais como você.
― Ah...
Voltou para a cama e se sentou.
― Tem mais duas perguntas que você ainda não fez.
Olhou para ela, em silêncio.
― Ok. Eu respondo. Você se chama Matteu Arselute e está com Alzheimer. Cuidamos de você, fazendo com que seus dias sejam agradáveis.
Matteu Arselute.
― Agora tenho que ir ― disse, pegando a bandeja. ― Volto em quinze minutos com o café da manhã.
Estava deitado quando ouviu a porta se abrindo.
Viu então um homem magro de cabelos encaracolados, se aproximar da cama, olhando-o fixamente.
Sentiu o coração disparar e se encolheu de medo.
― Matteu, me diga onde escondeu o dinheiro do roubo!
― Roubo?!
― Sim! Meu pai, você e Mariano roubaram aqueles malotes! Você os colocou em algum lugar e quero saber onde!
― Não sei do que está falando! ― disse, nervoso.
― Sabe sim! O dinheiro sumiu, e até hoje não foi localizado! Ontem, encontrei um bilhete do meu pai, onde dizia que se algo de ruim acontecesse com ele, seus comparsas repartiriam o valor comigo.
Olhava para ele achando um absurdo o que estava falando.
― Você não fez isso! E quero a minha parte! Por um acaso o repartiu com os seus filhos?!
Filhos?! Eu tenho filhos?
― Sei que está com Alzheimer, mas trate de se lembrar onde colocou o dinheiro e me dê minha parte, ou se arrependerá amargamente!
O seu olhar era ameaçador, e quando veio em sua direção, se encolheu ainda mais na cama, tentando escapar das suas mãos, mas ele o agarrou pela camisa, e o chacoalhou com força.
― Quero minha parte do dinheiro! ― gritou, sacudindo-o. ― Meu pai não morreu em vão! Se ela não estiver em minhas mãos em uma semana, matarei seus filhos um a um. Ouviu?!
Finalizou com um grito, soltando-o na cama.
Puxando o lençol sobre si, se encostou na parede, enquanto o homem o olhava ameaçador.
― O recado está dado. Depois, não diga que não avisei.
― Não sei do que está falando.
― Ah, sabe! E se não sabe, trate de se lembrar!
― Não sou ladrão.
― Sim, é! Você, meu pai e Mariano, roubaram mais de dez milhões! E ninguém sabe onde o dinheiro foi parar. Mas você sabe, e vai me dizer!
O fitava, achando que ele tinha se enganado de quarto.
― Volto em uma semana ― disse, tentando se acalmar. ― Se você realmente não sabe onde o dinheiro está, pergunte aos seus filhos. Sei que tem uma convivência melhor com Amaya, e ela deve saber.
Amaya.
Dizendo isso, se virou e saiu do quarto.
Respirou fundo, tentando se acalmar, enquanto as palavras do estranho homem se repetiam em sua mente.
O medo foi tanto que as luzes começaram a se apagar.
A conhecida dor fina em volta do crânio retornou.
Não, não, não, não! Um apagão agora não!
Estava no interior do galpão escuro da sua mente outra vez.
A escuridão era total, por isso, ficou parado onde estava. O medo de tropeçar e cair, bem como, tomar a direção errada, o consumia.
Ficou ali a espera dos vaga-lumes, com receio até mesmo de respirar.
E se eles não vierem? Como encontrarei a porta certa para sair daqui?
Piscou várias vezes seguidas verificando se realmente estava com os olhos abertos, já que tudo era escuro como breu.
Como será o meu fim? Será que os pirilampos vão me deixar aqui para sempre, e sem conseguir sair, morrerei nesta escuridão?
Sentiu o corpo se arrepiando diante do pensamento apavorante.
― Vocês nunca me deixarão só, não é mesmo?!
Como se fosse uma resposta, viu a fileira de vaga-lumes entrando no galpão, provavelmente por uma abertura no telhado, e foram circulando pelo local, espalhando-se em seguida, formando um céu estrelado.
O vaga-lume maior entrou por último e se colocou no lugar de sempre, a certa distância, como se tivesse pousado em algo e de lá o fitasse.
O seu brilho era bem mais intenso.
Foi quando um deles começou a voar em círculos e depois de dar três voltas em seu entorno, parou diante dele. Observou o besouro, percebendo que sua luz se intensificava e diminuía, como se respirasse.
Que coisa linda!
― E então, garoto? Para qual porta vai me levar agora?
O vaga-lume voou cerca de dois metros e meio, e parou. Deu quatro passos, o seguindo. E assim, foi o guiando como sempre fazia, até uma das dez portas do galpão. Não sabia dizer se o vaga-lume era o mesmo de sempre, ou se revezavam entre si, mas isto pouco importava, já que a prioridade era sair dali.
Desta vez, o vaga-lume o levou até a porta de número cinco.
Girou a maçaneta, abriu e entrou...
Se viu dentro de um carro-forte, com dois homens.
― Ligue o motor e siga em frente! ― gritou um deles. ― Agora!
O primeiro era alto e magro; o segundo, baixo e gordo.
― Vamos ficar com os malotes e repartir o valor em partes iguais ― explicou o magro. ― Tudo foi muito bem planejado. Tem uma van num galpão aqui perto. Descarregaremos os malotes e os passaremos para a van. Na volta, forjaremos um assalto.
Se viu no galpão, enquanto os dois homens retiravam os malotes do carro-forte e passavam para a van.
Logo depois, dirigia o carro-forte por uma rua de pouco movimento, com alguns terrenos baldios. O homem magro ordenou que parasse e os três desceram.
Neste momento, ouviram o som agudo e estridente de sirenes.
― É a polícia!
A porta se abriu e Estela se aproximou sorrindo.
― E aí, meu galã? Se lembra de mim?
Balançou a cabeça afirmativamente.
― Que bom. Se lembra também que tinha prometido passearmos pelo jardim após o almoço? Vamos lá?
Ela se aproximou e ele segurou firme em seu antebraço.
Saíram do quarto e seguiram pelo corredor, passando por várias portas fechadas, que certamente seriam outros mundos restritos, os quais eram habitados por pacientes como ele.
Passaram por uma ampla sala, onde algumas pessoas descansavam sentadas num sofá. Pôde ver um balcão próximo à porta de entrada, e uma mulher sorridente por detrás dele. Quando passou ao seu lado, agarrado ao braço de Estela, ela o cumprimentou com um aceno.
Saíram no jardim, e a enfermeira o conduziu até um banco de madeira colocado sob uma árvore. Sentou-se vagarosamente, olhando ao redor.
― Um lugar bonito, não é mesmo?
Balançou a cabeça afirmativamente.
― Vamos ficar aqui o quanto você quiser ― disse, acariciando a sua mão. ― Quando se cansar e querer ir descansar, me avise.
Alguns passarinhos faziam festa nos galhos da árvore sob a qual estavam sentados, e um vento refrescante agitava os seus cabelos.
Neste momento, viu uma mulher caminhando apressada em direção a eles. Não sabia quem era ela, mas tinha certeza de que a conhecia.
― Olha só que surpresa agradável! ― disse Estela, animada. ― Você tem visita!
― Quem é ela?
― Não consegue se lembrar?
A lembrança o mostrou entrando na casa de Amaya, e sendo abraçado carinhosamente pela filha.
Ela desligou a televisão e sentou-se em sua frente.
― Pai, o que aconteceu?! O que estava fazendo na casa daquela mulher? A mãe está irritadíssima! E com toda razão!
Abriu os braços antes de dizer:
― Não sei.
― Como assim, não sabe?! Acha mesmo que ela vai acreditar?!
― Sei que não, mas não me lembro mesmo!
Levantou-se, deu alguns passos pela sala, e se voltou para ela.
― Desde então, tudo que mais faço é tentar me lembrar o que houve, e o que estava fazendo na casa de Marien, porém não consigo. As lembranças desapareceram da mente. Marinez é a mulher da minha vida! A amo mais que a mim mesmo! Jamais a trairia!
― Eu sei, pai ― disse, se aproximando e o abraçando ―, mas ela tem razão em estar desconfiada. Se coloque no lugar dela.
― Ela é minha filha Amaya.
― Isso! ― gritou Estela, eufórica. ― Perfeito! Conseguiu se lembrar!
Aproximando-se, Amaya cumprimentou a enfermeira com um aceno, e se agachou diante dele, segurando suas mãos.
― Estava com saudades. Como você está?
Sorriu, enquanto Estela dizia:
― Ele está muito bem hoje. Até te reconheceu.
― Verdade, pai?! Sabe quem sou eu?!
― Sim. Minha filha, Amaya.
Viu os olhos dela se enchendo de lágrimas.
Enquanto Amaya se sentava ao lado dele, Estela se levantava.
― Vou deixá-los a sós. Se precisar de algo, basta me chamar.
― Ok. Obrigada.
Depois que a enfermeira se retirou, voltou a olhar para o pai.
― Sei que está sendo bem cuidado aqui, porém, toda vez que chego, fico com a sensação de que deveria estar na minha casa. Por outro lado, tenho que respeitar o seu desejo. Era assim que você queria, não é mesmo?
Não entendeu o que ela quis dizer com: era assim que você queria
, mas resolveu não questionar, pois afinal, era apenas mais uma pergunta que ficaria sem resposta.
Olhou atentamente para a filha, e a sua fisionomia o fez se lembrar da esposa Marinez.
― Por que sua mãe não veio com você?
Viu que ela ficou embaraçada, e demorou para responder.
― Ela não pôde vir.
Diante do embaraço da filha e da sua fisionomia triste, perguntou:
― Foi isso mesmo? Não seria melhor dizer a verdade?
Amaya ficou em silêncio, olhando para ele.
― O que fez com a nossa vida?!
Se lembrou da esposa perguntando, irritada.
― Lembra, que prometeu ser fiel ao nosso amor?! Agora, participa de um roubo, mata os dois policiais e seus companheiros de trabalho?!
― Diga a verdade. Ela não quer mais me ver, não é isto?
― Não, pai. Não é isto. Mas já que insiste, vou dizer: A mãe não veio porque ela faleceu há oito anos.
Abaixou a cabeça, enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas, que aos poucos, foram escorrendo pelo rosto.
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― Sim. Algumas vezes, quando se lembrou dela.
― Eu a amava muito.
― Sei disso, e ela também sabia. Agora vamos mudar de assunto! O que acha de passar o seu aniversário de setenta e cinco anos na minha casa?
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― Sim. Setenta e cinco. Estou pensando em reunir a família e levá-lo em casa para comemorarmos juntos. O que acha?
― Não sei. Não me lembro da minha família.
― Mas nós nos lembramos de você.
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Ela cruzou as pernas, achando que a pergunta seria mais fácil de responder. Então se questionou se seria melhor dizer ou não a verdade.
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Sabe sim! Dissera o homem rude. O dinheiro sumiu, e até hoje não foi localizado! Ontem, encontrei um bilhete do meu pai, onde dizia que se algo de ruim acontecesse com ele, seus comparsas repartiriam o valor comigo.
― E quanto ao dinheiro roubado? Foi localizado?
― Não. Até hoje ninguém sabe o que aconteceu com ele.
― Ah...
― Mas não vim aqui para ficarmos falando de um assalto que ocorreu há quinze anos. Quero saber o que achou da ideia da festa de aniversário.
― Quem faz aniversário?
― Você, pai ― repetiu, pacientemente. ― Completará setenta e cinco anos e quero levá-lo em casa para comemorarmos juntos esta data especial.
― Sim. Pode ser.
― Ótimo! Será um dia especial para todos nós.
Entre outros estudantes que seguiam o mesmo sentido, Cailli e Leslie caminhavam lado a lado pelo pátio do colégio, seguindo em direção à saída.
Olharam-se por um instante.
― Não sei se alguém falou isso para você hoje ― disse ele, tímido ―, mas o seu novo penteado te deixou ainda mais bonita.
― Obrigada! Achei que ninguém tinha percebido.
Ambos estavam na adolescência, eram bonitos e atraentes.
Leslie chegara no colégio há pouco tempo, e assim que se viram, sentiram que haveria algo a mais entre eles, contudo, nenhum dos dois tocava no assunto.
― Me disseram que você é bisneto de Matteu Arselute.
― Então já te contaram? Não perdem tempo mesmo! Querem sempre me irritar. Mas quem acaba irritados são eles, pois não estou nem aí.
― Só comentei para você ficar ciente, mas também não estou nem aí para esta história.
Ela tocou de leve em seu braço, antes de perguntar, sorrindo:
― Já tem algum programa para o fim de semana?
― Vou confessar que sou diferente dos demais. Sempre fiquei isolado aqui no colégio, pois o meu gosto não bate com os dos colegas. Não sou como eles que gostam de sair, de barulho e baladas. Os meus dias só melhoraram mesmo, depois que você chegou.
Ela sorriu, feliz com o comentário.
― Bem, respondendo sua pergunta... Pretendo ficar em casa e talvez ver um filme na televisão.
― Não sou tão diferente de você. Também sou considerada antiquada pelos meus colegas. Amiga mesmo de verdade, que me entende e não fica o tempo todo me cobrando algo que não sou, só tenho uma, Lívia.
― Exatamente como eu. Todos acabam se afastando de mim. Só tem uma pessoa com quem me dou bem de verdade... Alyla. Minha prima em segundo grau.
― Muito legal.
Ao se aproximarem do portão, Leslie disse, olhando para ele:
― Não tenho nada para fazer neste fim de semana. Se quiser companhia para ver o filme...
Amaya se aproximou do carro e antes de entrar, se voltou para a clínica, observando o prédio, imaginando o pai em seu pequeno mundo, o qual se resumia agora, naquele pequeno quarto.
Temos que viver a vida da melhor forma possível, sem prepotência e distinção, pois ninguém conhece o futuro, e amanhã, qualquer um pode estar aqui no lugar do meu pai.
Quando se virou para entrar no veículo, viu um homem magro de cabelos encaracolados se aproximar e abrir a porta do passageiro.
Mantinha a mão na cintura, mostrando que estava armado.
― Entre no carro em silêncio! ― pediu, entrando também.
Nervosa, olhou para ele, tremendo.
― Ok! Faço tudo que você quiser, mas não toque em mim!
― Acalme-se. Não é um assalto. Sou Filipe, filho de Anselmo Dias.
Olhava para ele, sem entender.
― O nome não te lembra nada?
Balançou a cabeça negativamente.
― Está bem. Vou refrescar a sua memória. Há quinze anos, o seu pai Matteu Arselute que está internado nesta clínica com Alzheimer, participou de um roubo com o meu pai, Anselmo Dias, e Mariano Garça.
Continuou olhando para ele sem entender o seu objetivo.
― Ontem, mexendo no baú onde estão suas coisas, achei um bilhete que ele me deixou, dizendo que se algo de ruim acontecesse com ele, os seus comparsas repartiriam o valor do roubo comigo.
Filipe a fitou com olhar ameaçador.
― O meu pai só arquitetou aquele roubo por minha causa, pois queria garantir o meu futuro, e o seu pai acabou ficando com todo o dinheiro! Matteu tinha que ter me procurado e repartido o valor comigo!
― Meu pai não ficou com aquele dinheiro!
― Será que não mesmo?! Só ele sobreviveu ao assalto. Matteu deve ter te procurado após o roubo.
― Sim! Para se explicar e...
― Pedir para guardar o dinheiro!
― Não! ― gritou. ― Eram mais de dez milhões! A polícia estava procurando por ele! A sua imagem estava em todos os programas jornalísticos e na internet! Como chegaria em casa com todo esse valor?
― Na época tinha vinte e três anos, e não entendi a atitude de Matteu. Mas agora após encontrar o bilhete, entendi perfeitamente bem! Se ele não te entregou o dinheiro, escondeu em algum lugar, e você sabe onde está!
― Ele não me entregou os malotes, até porque, não ficaria com eles, e nem me falou nada sobre tê-los escondido em algum lugar.
Filipe ficou um instante em silêncio, pensativo.
― Ok. Acho que não sabe de nada mesmo. Mas o dinheiro nunca foi encontrado, e está em algum lugar. Pode ser que Matteu o escondeu, porém, o Alzheimer apagou o fato da memória, sem dar tempo dele revelar o local.
― Sempre acreditei em meu pai. Ele não faria isso!
― Faria! Trate de fazê-lo se lembrar! ― disse, em tom de ameaça. ― Vou te dar um tempo. Em breve voltaremos a nos falar.
Abriu a porta e saiu apressado.
Trêmula, mal conseguiu ligar o motor do veículo.
Vamos considerar que meu pai guardou o dinheiro e se esqueceu de me falar, como vou fazê-lo se lembrar agora?! Não tem como! Além disso, se ele realmente o escondeu, após quinze anos, deve estar podre.
Cailli estava no quarto com Alyla, enquanto os pais de ambos conversavam na sala.
― Hoje, novamente, o nome do biso foi lembrado no colégio.
― Sério?! Passaram-se quinze anos e as pessoas não se esquecem.
― Fico na minha como sempre, afastado, evitando confusões. A única pessoa com quem tenho conversado bastante, é Leslie, uma garota que chegou há poucos meses no colégio. Mas eles fazem questão de me irritar.
― Este é o ponto, Cailli. Eles não conseguem.
― Sim. Deve ser isso. Vou ser sincero com você, esta história do biso aguça a minha curiosidade.
― A minha também!
― Fico o tempo todo me perguntando o que realmente aconteceu.
― E que destino tomou o dinheiro.
― Exato! ― disse, clicando num link o qual abriu uma matéria no monitor. ― Chegando em casa, levantei algumas informações. Veja.
A matéria mostrava uma foto onde aparecia a imagem de um carro-forte isolado por uma fita amarela, e quatro cadáveres cobertos por uma lona preta.
ROUBO INUSITADO
Foram três os funcionários da empresa de transporte de valor que praticaram o roubo. Anselmo Dias e Mariano Garça foram baleados pelos policiais e morreram no local, enquanto o motorista, Matteu Arselute, está desaparecido, assim como os malotes com o dinheiro. Conversando agora há pouco com o delegado responsável pelo caso, ele disse que é uma questão de tempo para se chegar ao motorista e ao dinheiro.
Olharam-se em silêncio, enquanto Cailli fechava o link e abria outro.
Uma nova matéria apareceu na tela do computador.
MATTEU ARSELUTE SE APRESENTA À POLÍCIA
Após três dias desaparecido, Matteu Arselute, o único sobrevivente do roubo de dez malotes avaliados em mais de dez milhões, se apresentou espontaneamente à polícia no fim desta tarde. Ele alegou que tem Alzheimer, e não se lembra o que aconteceu. Não soube explicar o destino do dinheiro, e afirma que sempre foi um homem justo e nunca pegou nada de ninguém.
Cailli se levantou e foi se sentar na cama, ficando de frente para ela.
― Sabe o que mais me chama a atenção nestas duas matérias?
― Os três dias desaparecido?
― Exato! Do momento do roubo, onde todos morreram menos nosso biso, até o instante em que se entrega à polícia, se passaram três dias. Alyla, são setenta e duas horas. É muito tempo!
― Se o biso pretendia fugir do flagrante, teria se apresentado vinte e quatro horas depois, não setenta e duas!
― Isso! Você está seguindo a minha linha de raciocínio! Mas aí vem a pergunta principal... O que ele fez nestas setenta e duas horas?
Alyla se sentou na cadeira junto ao computador, pensativa.
― Não sabemos o que realmente aconteceu com aquele roubo, se o biso sabia ou não o que ia acontecer. O que sabemos é que foi o único sobrevivente, e o dinheiro nunca apareceu.
― Alyla, talvez o biso tenha demorado tanto tempo para se apresentar, porque estava escondendo os malotes.
Fitaram-se por um instante, e então Cailli disse, convicto:
― Estes malotes estão escondidos em algum lugar! Se ele os escondeu, deve ter deixado uma pista para chegarmos neles.
― Um enigma! Um mapa!
― Sim! Só precisamos encontrar. O nosso biso era um homem bom e inteligente. Minha mãe não cansa de dizer isso. Nunca saberemos o que realmente ocorreu. O que sabemos é que o dinheiro não foi encontrado, e está esperando por nós.
― O mapa está em algum lugar, Cailli. Ele pode também ter escrito o código num caderno ou num livro, ou coisa assim.
Ambos se levantaram e se abraçaram.
― Que bom que está aqui comigo e pensa exatamente como eu. Caso falasse sobre este assunto com qualquer um da família, iriam rir de mim.
― Não faz sentido ele ter demorado tanto tempo para se entregar.
― Estava fazendo algo neste espaço de tempo.
― Algo importante... Pondo o dinheiro num local seguro e providenciando um mapa ou um código para que o encontrássemos.
Afastaram-se e se olharam por um instante.
― O que vamos fazer agora, Cailli?
― Procurar pelo mapa ou pelo código. O biso o deixou em algum lugar e temos que encontrá-lo.
― Vamos começar por onde?
― Depois da morte da bisa, minha avó Amaya se mudou para a casa onde o biso morava. Podemos começar por lá. Procurar em suas coisas, que devem estar guardadas no porão ou no