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Pedras Sem Valor: Romance, #1
Pedras Sem Valor: Romance, #1
Pedras Sem Valor: Romance, #1
E-book744 páginas11 horas

Pedras Sem Valor: Romance, #1

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Sobre este e-book

Otávio e Maria Luísa tiveram o seu romance adolescente interrompido devido a uma grande tragédia ocorrida no passado, fazendo com que ele e sua família saíssem fugidos da cidade de Cristália (MG).

Disposto a realizar justiça e elucidar todo o passado, ele volta à cidade natal usando um novo codinome e atuando como médico ao lado de sua eterna amada que não sabe que está diante de um grande reencontro...

Uma história cheia de mistérios, romances e reviravoltas...

IdiomaPortuguês
EditoraReca Silva
Data de lançamento3 de jun. de 2024
ISBN9786500998382
Pedras Sem Valor: Romance, #1

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    Pedras Sem Valor - Reca Silva

    PEDRAS

    SEM

    VALOR

    . UM DIA COMUM - 3

    2. A VOLTA - 5

    3. MARCAS DO PASSADO - 6

    4. A BATIDA - 9

    5. A MADRASTA - 13

    6. SURPRESAS E SURPRESAS - 25

    7. MÃOS A OBRA - 37.

    8. A FUGA - 44.

    9. O MEDO - 52

    10. HORA DE ENTRAR EM AÇÃO 60

    11. MOMENTO DE FRAQUEZA - 67

    12. O PRIMEIRO CONFRONTO - 78

    13. DUELO DE EMOÇÕES - 90

    14. O DIA SEGUINTE - 113

    15. E O PLANO COMEÇA... - 126

    16. ESCONDENDO MÁGOAS - 136

    17. O IMPULSO - 152.

    18. ENGOLINDO SAPOS - 157

    19. DESCOBRINDO SEGREDOS - 165

    20. O ESCÂNDALO - 172.

    21. CARTAS NA MESA - 176

    22. DE VOLTA AO COMEÇO - 185.

    23. DESCOBERTAS EXISTÊNCIAIS - 202.

    24. O CRIME - 210

    25. UMA PAUSA PARA VIVER O AMOR -216.

    26. O AMOR X A MENTIRA - 238.

    27. UM DIA CORRIDO.246.

    28. O JANTAR. 252

    29. AMEAÇA RECÍPROCA. - 259.

    30. FIM DE UMA BUSCA - 266.

    31. ALÉM DAS APARÊNCIAS - 271.

    32. A DENÚNCIA. - 280.

    33. DE VOLTA AOS PROBLEMAS. - 286.

    34. DESENTENDIMENTOS E AÇÕES. - 294.

    35. TENTANDO FAZER O CERTO - 300.

    36. PRECISAMOS DE UM PLANO - 310.

    37. UMA INIMIGA NÃO PREVISTA - 318

    38. A HORA DA VERDADE - 324.

    39. UM ALIADO NÃO ESPERADO. - 331.

    40. A OUTRA PARTE DA VERDADE - 338.

    41. A HISTÓRIA DE ELISA - 342.

    42. MARIA LUÍSA ENTRA EM AÇÃO - 345.

    43. ALIANDO-SE COM UMA INIMIGA - 358

    44. A CULPA DE DULCE - 363.

    45. REFAZENDO MEMÓRIAS. - 371.

    46. CONFERÊNCIA MASCULINA - 379.

    47. E O PLANO INICIA. 383.

    48. A AMEAÇA - 392.

    49. O ATAQUE - 397.

    50. A PRISÃO - 405.

    51. E DEPOIS? - 424.

    52.  CONFRATERNIZAÇÕES, FUGAS E MAIS CRIMES - 433.

    53. UM CASO A DESVENDAR - 452

    54. E MURILO SE ARRISCA - 457

    55. E O CERCO COMEÇA A SE FECHAR - 461.

    56. A VOLTA DO MORTO VIVO - 469

    57. AGORA TUDO FAZ SENTIDO...  - 476

    58. APÓS A TEMPESTADE.  – 484

    O ambiente poderia ser considerado demasiadamente pequeno para aqueles que abrissem a porta e certamente encontrariam paredes brancas ocupadas por armários e dois sofás pretos de napa, que eram considerados importantíssimos pela ala médica, principalmente pela doutora que adentrava agora naquele solitário ambiente. Maria Luísa admirou por segundos o sofá que tanto a consolava em momentos de cansaço, mas optou em seguir primeiramente ao pequeno banheiro existente naquela sala, já que seu rosto estava precisando de um pouco de água gelada para se recuperar dos momentos de apreensão, tão comuns em sua carreira.

    Mais por autoestima que por narcisismo, observou o rosto que acabara de molhar, concluindo que, embora estivesse um bom tempo sem dormir, olheiras pouco escureciam ou tiravam a beleza de seus olhos azuis, buscando aliviar a tensão e melhorar sua autoanálise, soltou, então os negros cabelos e penteou os com os dedos, deixando assim que estes emoldurassem seu rosto delicado e fino em que mal um sorriso era desenhado.

    Sim, Maria Luísa poderia ser considerada uma linda mulher, entretanto seus modos nada combinavam com uma pessoa que desejava usar tamanha beleza a seu favor...  Possuía então 32 anos e o único casamento que realizara fora com a medicina por quem dedicava à sua vida...

    Embora muitos conhecessem tristes fatos de seu passado, sua escolha pela reclusão emocional era algo muito questionado pelos habitantes de Cristália, inclusive por Norma, sua colega e enfermeira chefe do local, que acabava de entrar na minúscula toalete e dividir o espelho com a doutora.

    - A paciente já está no quarto indicado da CTI. - Informou passando um leve gloss nos lábios – Fiz tudo conforme orientou...

    - Muito bom, Norma! E os parentes dela? Ainda estão na sala de espera?

    - Não, suas explicações foram bem objetivas e os acalmaram, mas o namorado da moça optou por permanecer... E olha que foi explicado que ainda não estava liberado visitas à garota. E.... Pelo que entendi, ele que estava dirigindo o carro acidentado e se sente muito culpado...

    - Surpreendente, como estes jovens costumam ser passionais... Sabe, tem horas que os admiro por tamanho amor, mas depois a surpresa passa... Realmente esta é a idade de viverem o amor de forma tão intensa, fazem certo: O tempo passa e esta vivacidade um dia acaba...

    Norma sabia que aquela reflexão era no fundo o desabafo de alguém que ainda estava presa ao passado, um passado, digamos, muito bonito, mas que terminara de forma um tanto triste... Ouvira muitas histórias sobre a doutora Maria Luísa, histórias que envolviam sua família e sua vida sentimental, entretanto, tivera receio de questionar sua veracidade, devido à grande discrição que habitava no perfil da moça que pouco falava sobre si mesma, como sempre, optou por não indagar também este novo devaneio, porém, não foi capaz de deixar de verificar o quanto ela se mostrava cansada devido à intensa madrugada que naquele hospital passara, graças às vítimas de um acidente automobilístico que aconteceu próximo ao hospital:  Um carro que cinco jovens utilizavam para voltar de uma de suas costumeiras comemorações em  Montes Claros, cidade próxima de Cristália, se chocou  contra um caminhão, quatro dos jovens tiveram leves ferimentos, mas a moça, que estava ao lado do motorista e aparentava ter seus 22 anos, tivera uma perfuração no baço o que causou a grande hemorragia que poderia levá-la a morte. se não fosse a sábia decisão de Maria Luísa de colocá-la prontamente na mesa de cirurgias... O estado da paciente se mostrava estável, no entanto, a médica que a atendeu estava exausta e abatida...

    - Não acha melhor tirar uma soneca? Qualquer coisa que aconteça eu a acordo...

    - Obrigada mesmo, Norma, estava realmente pensando nisto.... Vou precisar mesmo...Meu plantão deveria ter acabado há três horas, mas não posso sair daqui sem o término do período de observação desta paciente... E sem o doutor Alberto na cidade fica muito mais difícil...

    - O doutor Alberto volta quando?

    - Espero que amanhã...  E os novos médicos também...

    - Ansiosa pela chegada deles, não é?

    - Sim, demais...

    Fora grande a surpresa de saber que finalmente a prefeitura cedera aos seus protestos e finalmente contratara novos médicos, não que Maria Luísa não se julgasse capaz de tomar conta daquele hospital, como estava fazendo durante este último ano ao lado de Alberto Rezende, mas tinha consciência de que muita sorte eles tiveram ao terem conseguido atender naquelas condições até aquele dia... Saber que novos profissionais chegariam a deixava com certeza mais tranquila.

    Conversou mais alguns minutos com Norma e logo após a saída da enfermeira chefe se jogou no sofá... Torcendo que, mesmo com o cansaço que estava, fosse capaz de acordar caso ocorresse alguma alteração no estado da última paciente ou novo caso de emergência aparecesse naquele hospital.

    A BR. estava, como de costume, muitíssima calma, queria dirigir na mesma intensidade e rapidez em que trabalhava seu raciocínio, porém, o limite permitido na estrada o impedia, e por mais rápido que dirigisse, não conseguiria de forma alguma alcançar a velocidade das batidas de seu coração... Fora tempo demais planejando aquilo, pensando em cada detalhe, em cada passo que daria e como tudo seria realizado, quinze anos depois e chegou o momento...

    Olhou para sua companhia de viagem, Andrea mostrava certa tranquilidade, entretanto não escondeu segundo sequer o quanto não concordava com aquele plano, era seu dever alertar ao irmão postiço do quanto ele estava se arriscando colocando aquilo tudo em ação, será que arriscar nome e carreira traria realmente paz espiritual? Mesmo não concordando, não hesitou em acompanhá-lo naquela empreitada. Nunca se perdoaria por abandonar alguém que tanto amava quando este precisava de seu apoio e Lucas estava ciente dos riscos que Andrea corria entrando naquilo ao seu lado, e sempre seria a ela agradecido.

    - Falta muito para chegarmos, Tato?

    Andrea finalmente quebrara o silêncio, mostrando a ele certa impaciência na demora daquela viagem.

    - Não, estamos próximos... E não esqueça que o Otávio morreu... Agora pode me chamar de Lucas, maninha!

    - Mas só estamos nós dois aqui...

    - Sim, mas é melhor treinar agora mesmo... Você não pode me chamar por Otávio na frente de ninguém quando chegarmos em Cristália.

    - Não há como eu te fazer desistir mesmo, não é, Lucas?  Ainda há tempo...

    - Sim há tempo, mas eu não posso... Não entende? Nunca eu me sentirei bem se não terminar logo com isto... Preciso voltar a Cristália e fazer a justiça!

    - Claro que te entendo, Lucas, mas duvido que esta justiça feita lhe dê paz... E pense em outra coisa: Falsidade ideológica é crime, você pode perder sua licença...

    - Não seremos descobertos Andrea, não enquanto não for o momento... E pode ficar tranquila, estou dando um jeito sobre minha identidade...

    - Assim espero...

    Andrea decidiu nenhum argumento mais utilizar... Sabia que isto seria feito em vão...

    Decidiu encaminhar a conversa sobre as belezas que poderia encontrar em Cristália e sobre o estilo de vida de uma cidade que em sua concepção deveria ser pacata e de poucas novidades... Mal sabia como sua chegada na cidade alteraria qualquer concepção de Tranquilidade residente naquele local.

    Embora estivesse muito cansada, o sono de Maria Luísa era sempre interrompido por seus agitados pensamentos. Decidiu, então se levantar e ir mais uma vez olhar a paciente a qual operou, ficando satisfeita ao constatar que a moça estava reagindo bem a cirurgia e saíra finalmente do risco de morte. Poderia ir enfim para casa descansar... Entretanto, tinha suspeitas de não estar ainda em condições de dirigir, então optou por voltar à sala dos médicos e dormir novamente em seu tão amigo sofá. Enquanto adormecia, meditou sobre sua realidade, sua vida dedicada ao trabalho, o amor ao pai e a rivalidade que tinha com a madrasta, que pouco a deixava esquecida de sua existência e se mostrava disposta a tornar seus dias cada ainda mais difíceis, tentou se lembrar da última vez em que sentiu-se plenamente feliz, foi então que em sonho retornou ao passado...

    Estava sentada como de costume nas pedras, no mesmo e costumeiro pôr do Sol, quando sentiu um caloroso abraço invadir seus poros, olhou para trás e encontrou então aqueles impressionantes negros olhos que tanto se habituara a amar...

    - Te assustei?

    - De forma alguma... Mas estava quase começando a acreditar que não o veria mais hoje... Estou a quase duas horas esperando...

    - Puxa meu amor, desculpe! Estive ajudando meu pai e acabei me atrapalhando com o horário... Somente espero que não tenha deixado você a ponto de desistir de me ver...

    - De jeito nenhum! – Foi então que virou totalmente o corpo para que pudesse encontrar seus lábios e beijá-los levemente – Você acha que eu perderia a oportunidade de ficar um minuto sequer ao seu lado? De jeito nenhum!

    O beijo foi intensificado, ainda mais doce e tranquilo, já que tinham a certeza de que aquele seria o último beijo proibido... Logo repousavam sentados na fiel pedra, que sempre fora testemunha de tais encontros, e aceitava ser alcoviteira sem nada pedir.

    - Eu contarei tudo para meu pai – prometeu apoiando a cabeça em seu peito – E ele terá que aceitar o nosso relacionamento ... Não passa de hoje...

    Ele então sorriu de satisfação e beijou a fronte localizada abaixo do seu queixo mostrando o quando a decisão o deixava feliz, poderiam namorar em casa, sem fugas, sem desculpas para se encontrarem, poderia dizer de boca cheia que aquela moça encostada em si nada mais era que sua namorada, a única mulher que esteve em seus pensamentos. O namoro mudaria de rotina e ambiente, algumas ações, que costumavam ter, poderiam ser, a partir daquele momento, restritas, mas nunca diminuiria o que sentiam pelo outro...Como se partilhasse dos pensamentos do namorado, a moça olhou para a cachoeira que tanto fora cenário daquela relação tão pura e intensa, foi naquele momento que batizou aquele lugar: seu lugar encantado...

    - Malu, está me ouvindo?

    Sentiu uma voz autoritária sacudindo seu braço, e assim, despertou. Olhou então para sua amiga Denise que a sua frente esperava resposta, e assim levantou-se e sentou-se no sofá, A amiga ao seu lado, fez o mesmo. Olhou para o relógio na parede a sua frente e viu que três horas havia passado, e pensar que: decidira apenas dar um cochilo.

    - Nossa, já amanheceu? Minha cochilada hoje rendeu...

    - Cochilada? – Denise mostrava nada estar entendendo – Eu cheguei aqui e encontrei você chorando, nada parecia com quem estava dormindo... O estranho foi que falava e você não me respondia, só via que estava acordada porque seus olhos estavam bem abertos... Parecia até que estava em transe... Você está realmente bem?

    A pergunta de Denise parecia imprópria para alguém que mal sabia o que acontecera consigo naqueles últimos minutos passados, sim, não sabia o que responder, estava tudo confuso, extremamente estranho e articulado em sua mente, mas o olhar da amiga parecia preocupado e pedindo resposta, nada poderia dar além do confuso silêncio.

    - E você, aqui, esta hora, Denise?

    - Eu vim buscá-la para tomar café comigo... – Ainda analisava a amiga que procurava arrumar a postura em que se encontrava – Malu, está tudo bem com você? Por que estava chorando?

    - Chorando? Não sei... – Maria Luísa tentava ser a mais sincera que pode – Somente lembro de que me deitei neste sofá e cai num sono profundo... Mas você diz que eu estava acordada...

    - Dormindo de olhos abertos... – Deduziu Denise como se tivesse resposta do enigma – Teve algum pesadelo?

    - Não!

    Uma lembrança tão linda de sua vida nunca poderia ser considerada pesadelo, entretanto tais recordações eram constantemente acompanhadas pela realidade da não mais existência de sua história, isto sim poderia ser considerado seu pesadelo pessoal... Tudo estava acabado! Apreensiva, observou a amiga a sua frente que ainda aguardava seu pronunciamento... Mas o que poderia falar? Tinha a certeza de que Denise não a compreenderia, já que fora ela que sempre a aconselhara a esquecer o que a prendia ao passado e aproveitar a beleza que recebera da natureza e o berço recebido pelo destino. Afinal ela nada mais era que uma Mendes Araújo, pena que isto nunca tivesse feito importância ou diminuiria seu sofrimento...

    - Não se preocupe, Dê... Estou bem, acho que foi algum sonho ruim sim, mas nem lembro de nada, talvez estivesse realmente sonhando acordada, afinal, não tive uma noite nada tranquila – Passou compulsivamente as mãos nos cabelos jogando algumas mechas para trás – Atendi, sozinha, E logo ontem teve um acidente automobilístico aqui na estrada principal... Passei a madrugada toda com um caso muitíssimo delicado em minhas mãos...

    - Mas você conseguiu, não é? – Denise não deixava de expressar em sua voz o quanto que admirava a amiga de infância...

    - Sim, a operação foi um sucesso! Só preciso acompanhar a sua recuperação!

    Um sorriso saudou Maria Luísa por mais aquela missão cumprida... Conseguira desviar a atenção de Denise e fazê-la esquecer do sonho misterioso da amiga... E ela? Esqueceria?

    Uma hora depois Maria Luísa dirigia em companhia de Denise. Antes fora até a ala da CTI para constatar que a paciente que operara na noite anterior estava reagindo e passar o caso para Doutor Alberto que atenderia na parte da manhã, assim pode encerrar então o seu plantão e aceitar o convite da amiga, tomariam café no Clube de Campo de sua família, único patrimônio dos Mendes Araújo que não deixava de aproveitar no máximo, cavalgar era tudo que a deixava relaxada...

    - Como estão as coisas na tua casa? – Denise então interrompeu seu silêncio e reflexão.

    - Bem, meu pai está ótimo de saúde... – Não conseguia esconder em seu tom de voz como aquele assunto a deixava desconfortável – Minha tia é que está uma arara: Sabrina ficou noiva...

    - Sério? Está noiva do Fernando?

    - Sim, mas porque o espanto, Denise?

    - Não sei, Malu, Fernando não parece ser um pretendente apropriado a sua prima...

    - Por que, Denise? Por ele ter nascido em família humilde?

    - Ah Maria Luísa, não sou careta a este ponto... Apenas acho que a forma que leva a profissão dele...  Bem, se arrisca muito provocando o prefeito...

    Maria Luísa meditou na resposta de Denise, ela sabia que a amiga não estava sendo totalmente sincera, nunca escondera preconceitos que tinha referente à cor de Fernando, noivo de sua prima, tinha, nem seus pensamentos sobre a falta de dinheiro, a prova disto era seu recente término de namoro com Paulo Zanatta, com quem se relacionara desde a adolescência... Embora Paulo fosse nascido em família de grande nome em Cristália e tivesse atitudes integras, a herança falida de sua família não o auxiliou a manter a mulher amada ao seu lado, o amor de Paulo fora pequeno comparado aos sonhos habitados na mente da ex-noiva que queria toda a fortuna e glamour que julgava merecer, mesmo que, para isto, tivesse que esquecer sua própria origem e família... Maria Luísa sabia que Denise adoraria estar no lugar de membro da família Mendes e Araújo, assim como sua prima Sabrina e que meditava qual noivo escolheria estando em tal lugar... Embora não aceitasse os pensamentos mesquinhos de Denise, não conseguia deixar de aceitar a amizade que se mostrava leal, até então... Manteve o silêncio, esperando que não houvesse mais perguntas alguma sobre seu relacionamento familiar, não queria falar de coisas que atualmente a chateavam, mas a pergunta veio:

    - E você e sua madrasta estão brigando menos?

    - Estamos bem... – Respondeu a médica com certo contragosto – Quando decidimos esquecer que a outra existe as coisas melhoraram muito...

    - Sabe, Malu, o que eu queria entender... Por que esta rivalidade de vocês? Por que você não gosta de Elisa?

    Não, Denise realmente não a entenderia, constatou novamente tentando analisar a mente da amiga que sempre admirara o porte elegante e desenvoltura de Elisa Maciel e não se incomodava por aquele sorriso dissimulado e falsos olhos francos... Seu pai também deixara ser enganado, mas ela, Maria Luísa, nunca, ela sabia quem era realmente Elisa Maciel Araújo e de que esta seria capaz...

    - Um dia você deveria passar um dia todo em casa conversando com a real Elisa, e você me entenderia...

    Pode dizer antes de voltar novamente o olhar para pista, tempo suficiente para adquirir o reflexo para afastar o carro para o lado, desviando, assim, do caminhão que viera aparecer como miragem em sua vista, entretanto, não evitou que se chocasse com o veículo que estava a sua lateral. Respirou fundo, ouvindo o grito apavorado de Denise, tendo então a sanidade de estacionar o carro no ponto mais próximo que encontrou e esperar que o motorista atacado fizesse o mesmo... Vendo o Sedan Preto estacionar a seguir, decidiu sair então do carro:

    - Malu, céus.... Aonde você vai?

    - Conversar com o motorista do outro carro, não é, Denise... Afinal eu acho que ele foi o menos culpado desta história toda... Céus, de onde saiu este caminhão? E o salafrário nem para parar...

    Saiu fechando revoltada a porta do carro ainda não entendendo a atitude desonesta do motorista da carga que fugira sem ao menos satisfação dar... Analisou o estrago feito em seu próprio carro, principalmente o amassado na porta direita, felizmente não fora grande... Pode então observar o motorista do carro que atingira, inicialmente nada pode analisar além dos negros olhos que pareciam fuzilá-la, com certeza não era única insatisfeita com a ocorrência:

    - Que bom que ao menos a senhora teve a sensatez de estacionar o carro...

    Aproximou o motorista do luxuoso sedan, olhava-a com um tom, que a deixou um tanto paralisada, em situações como aquela costumava se portar de forma calma e racional, falaria o quanto sentia por aquele ocorrido, pediria desculpas... E até chegaria a iniciar rapidamente as negociações referentes a aquele prejuízo, mas nada conseguia falar e manteve o silêncio; aquele olhar a desconcertava, era difícil acreditar que aquele pequeno acidente a transtornara tanto assim, analisou então seu combatente, embora usasse diferentemente da moda atual, uma espessa barba, não parecia ser muito mais velho que ela, tinha cabelos negros assim como os olhos e uma pele levemente bronzeada pelo sol, fortes traços delineavam aquele másculo rosto que nada era conhecido... Deveria ser mais um turista que passaria temporada conhecendo as belezas naturais da cidade... Aquele homem tinha muito o que gostaria de analisar, entretanto o olhar colérico não permitiu mais que aquelas análises superficiais e pedia resposta, controlando a pulsação que a dominava perante toda a aquela situação decidiu então se pronunciar perante aquele que fora tão vítima do acidente quanto ela:

    - Sinto realmente por isto que aconteceu... Na verdade não sei nem como aconteceu – Não estava sendo desonesta em sua argumentação... Dizia para si mesma – Eu apenas vi o caminhão se jogando em minha direção e nada pude fazer a não ser desviar em direção de seu carro...

    - Não pode fazer nada mesmo? – Questionava o homem de forma inquisitória – Eu pude ver há tempos aquele caminhão vindo, foi muita distração sua não ter visto este pequenino veículo, não é?

    - Eu realmente não vi no tempo apropriado de me afastar – defendeu-se, tentando não se intimidar – Pode ser pelo fato de eu ter acabado de encerrar meu expediente e estar morrendo de sono...

    - Imagino a profissão que pode ter... Horário adequadíssimo para trabalhar, não acha?

    A insinuação a atingiu como um soco no estomago, a cor vermelha imediatamente dominou sua face... Quem aquele homem achava que ela era? Que direito tinha de julgar sem nem menos a conhecia? Pensou em inúmeras respostas, nada educadas, a dar àquele símbolo de petulância a sua frente, mas teve a frieza de nada mais pensar a não ser evitar que uma situação criada pelo sangue quente dos combatentes piorasse ainda mais:

    - O que eu faço ou deixo de fazer profissionalmente não lhe diz respeito... O que está em enquete agora é este acidente... Me fale uma coisa senhor: Se já havia visto o caminhão bem antes porque não se antecipou e tirou seu carro do meu caminho?

    - Por favor, ele está nervoso... Não considere o que ele tenha dito!

    Uma morena estonteante interrompeu a resposta possivelmente agressiva que Maria Luísa receberia, tinha traços  físicos semelhantes ao homem ao seu lado, longos cabelos escuros em que o repicado corte trazia – lhe um ar selvagemente elegante , maquiagem totalmente apropriada ao período matinal que realçava ainda mais a beleza dos intensos olhos castanhos mas que não escondia o cansaço expresso por leves olheiras, deveriam ter passado a noite toda na estrada e talvez esta fosse a resposta à pergunta feita ao motorista que também sonolento deveria não ter tido rapidez na decisão motora, mostrava-se mais calma que seu companheiro  e um tanto constrangida com o rumo tomado por aquele diálogo, seria sua esposa?

    - Andrea, eu falei para você não sair do carro! – Devolveu o motorista com um tom de voz mais delicado – Por que você nunca escuta o que eu falo?

    - Talvez porque eu já imaginasse que você teria esta atitude que estou vendo... Não precisa ficar tão nervoso... Só foi uma lanterna quebrada e um amassadinho do lado esquerdo... Não é para tanto...

    - Quanto a isto, não se preocupem... Eu posso arcar com os danos! – Assegurou com a calma restabelecida em seu ser, o sorriso franco daquela moça realmente fora mágico para que enfim uma negociação começasse, observou enfim Denise em pé ao seu lado, e percebeu no olhar, que nada piscava da amiga, ela ficara tão impressionada com o rude motorista quanto ela, talvez invejasse também aquela bela esposa... – Aqui está meu cartão!

    Maria Luísa então estendeu o cartão ao seu combatente que mostrava ter abaixado o estado de ataque, seus olhos se cruzaram e uma estranha sensação dominou seu corpo, ele a olhava de uma forma que muito estivera acostumada em tempos atrás, como se Denise e sua bela esposa não existissem naquele momento... Como se houvesse apenas os dois naquela imensa pista... Teve a impressão de já ter visto aquele olhar alguma vez na vida... Como? Se nem seu nome ela sabia... Manteve a mão o cartão estendido e esperava disfarçando a ofegante respiração, torcendo que aquele homem o pegasse, e ele apenas se limitou a dizer:

    - Não é necessário! Como Andrea expôs, foi pequeno o estrago do meu carro, nada que eu não possa arcar... O que me deixou realmente nervoso foi o fato de quase ter nos matado... Sorte que soube tirar o carro antes que o caminhão acabasse com vocês... Passar bem!

    E se retirou voltando para o carro e deixando a jovem médica por segundos estática, até entregar a Andrea que ainda se encontrava a sua frente o cartão:

    - Caso ele pense melhor... Só me procurarem!

    Andrea agradeceu com um franco sorriso e voltou para o carro que rapidamente saiu do local estacionado... Denise enfim retirou-a do torpor que a invadia...

    - Está tudo bem com você?

    Maria Luísa assentiu silenciosamente e voltaram para o carro, os planos de café da manhã haveriam de serem modificados, a médica entendeu que aquele episódio apenas comprovou do perigo que correra ao dirigir com sono, levaria Denise para casa e ambas tomariam café em suas próprias residências... Dormiria o mais rápido que pudesse...

    Elisa Maciel se acomodou na cadeira enquanto observava a paisagem a sua frente, sim poucas tinham o privilégio que ela tinha... Estava naquele momento tomando seu requintado café da manhã em frente a uma grandiosa piscina que muito aproveitava já que a idade não judiara muito do corpo que ainda tinha orgulhosamente condições de exibir, era casada em processo de comunhão de bens com um dos homens mais rico de Cristália, e isto já a deixava orgulhosa... Muito lutara para chegar aonde estava...

    Não incomodava o fato de estar se alimentando solitariamente, já que acordara demasiadamente tarde, não sendo esperada por seu esposo Murilo e sua concunhada Dulce e filhos, que saíram logo cedo. Sua enteada Maria Luísa deixava claro, assim que chegou, há poucos minutos, que dormiria até o fim da tarde e que para ela nada a agradava a companhia da madrasta, como sempre fizera desde que Elisa mudara-se para aquela luxuosa propriedade.... Tão petulante, tão irônica, tão insuportável e desagradável.... Aquela menina não deixaria nunca de ser a pedra em seu sapato, como sempre fora, inclusive quando a mãe ainda estava viva. Fora muito feliz a época em que decidira poupar Elisa de sua presença, decidindo cursar Medicina em Belo Horizonte.... Mas voltara há dois anos e a cada dia se tornava mais desafiadora...

    Nunca esqueceria a forma com que se tornou amante de Murilo, que embora não abrisse mãos dos momentos de prazer que passava ao lado de Elisa, abriria muito menos de sua perfeita família, a bela esposa Marina sempre atenciosa e a filha Maria Luísa sempre a alegrá-lo, fora muito difícil mudar aquela situação, mas uma missão nada difícil para alguém que conseguiu ser amante de Murilo Mendes Araújo... Tivera que usar muito inteligência para acabar com as resistências criadas pelo fiel Murilo. Agora estava tudo no devido lugar... Marina estava fora do jogo e Maria Luísa nada poderia mudar...

    Embora seu casamento há muito vivesse de aparências, seu esposo se mostrando cada dia mais frio e menos disposto a atender seus desejos, nada trazia arrependimentos por seus atos, mas havia sim algo que ainda a deixava insatisfeita, a demora na resolução de sua história. O plano já estava estagnado há anos, não fora aquilo que havia combinado com o Zé... A estas alturas já deveriam estar morando juntos e longe daquele lugar... Páris era o endereço que tanto visionava... Imaginava seus passeios com seu único amor às margens do Rio Sena... Seria tudo tão perfeito...

    Seu celular tocou e pode ver o nome criado em sua agenda, como código, em sua tela, Maria Falconi, sorriu ao constatar que era José Falcão... O único homem que dominara seu coração e capaz de fazê-la cometer tantas coisas consideradas erradas pela sociedade, por ele ela seria até capaz de matar... Com tais pensamentos em mente atendeu o celular:

    - Nossa, Zé! Achei que nunca mais iria me ligar!

    - Desculpe, Elisa, estive muito ocupado com a campanha de Sérgio, mas não é hora de me deixar com remorso... Obtive acesso a informações importantíssimas e acredito que as coisas realmente vão andar...

    - Sério, Zé! Poderei me divorciar? Podemos ficar finalmente juntos?

    - Não é para tanto, Elisa, você agora precisa continuar a ser a senhora Mendes e Araújo mais de que nunca...

    - E o que isto tem de agradável? – Elisa não conseguia deixar de expor suas insatisfações – Eu não aguento mais esta situação... A Maria Luísa a cada dia mais tem mostrado suas garrinhas...

    - Será por pouco tempo, amor... Olha, preciso urgentemente te ver...

    - Que informação que você conseguiu? O que torna este encontro tão urgente?

    - Otávio Guimarães Rosa... Ele está vivo!

    ––––––––

    Lucas e Andrea Tavares hospedaram-se provisoriamente na Pousada de Cristália, sendo bem recepcionados por Lorena, proprietária do local, a sorridente senhora mantinha mesma e alegre fisionomia da qual Lucas se lembrava, era a primeira pessoa conhecida que enfrentava frente a frente, embora Lorena nada suspeitasse, por mais ansioso que estivesse teve a certeza de que não foi reconhecido pela senhora que tanto o cumprimentara na infância e agora indicava suas acomodações... Andrea alheia ao nervosismo do irmão nada mais esperava que a tão esperada ducha relaxante... E assim fez assim que ficou sozinha em sua suíte.

    Esfregava o corpo como se isto liquidasse todo cansaço obtido nas sete horas passadas na BR.135, além do nervosismo causado pelo incidente automobilístico da manhã...  Acreditava estar há mais de 40 minutos no chuveiro e quando se sentiu realmente aliviada, vestiu o confortável roupão e voltou para o quarto e cheia de surpresa encontrou o irmão sentado à sua espera na poltrona que estava ao canto do aposento:

    - Achei que nunca sairia deste banho...

    Analisou então Lucas, o cabelo molhado mostrava que, assim com ela, sairá a pouco do chuveiro, porém já se encontrava bem-vestido com uma azul camisa de algodão e confortável jeans, mostrando ansioso:

    - Tato, não me diga que já está querendo sair...  Estou cansadíssima e queria descansar e acho que deveria fazer o mesmo...

    - De forma alguma! – Mostrava um olhar totalmente decidido – A corretora me ligou... Vamos agora ver a minha casa para comprarmos...

    - Nossa Lucas... Para que tanta pressa, mal chegamos à cidade... E tem outra, não comprarão a tua casa antes de você... Pelo que sabemos, esta casa está há venda há mais de 15 anos... Desde que saiu de lá... Não tem o porquê desta pressa... E não precisa ficar tão nervoso assim... Tudo vai dar certo...

    Lucas passou os nervosos dedos pelos cabelos fazendo com que Andrea comprovasse o quanto estava ansioso, esfregou o canto dos lábios com as pontas dos dedos e contou o enfim o motivo de sua apreensão.

    - Sabe quem é a corretora encaminhada para mim? Sabrina Mendes de Araújo.

    - Você está me dizendo que...

    - Sim, esta mesma que você está pensando... E sobrinha do homem que com quem tantas contas tenho a acertar...

    - Tem medo de ser reconhecido?

    - Não sei... – Respondeu o mais sincero que pode também para si mesmo – Estou muito diferente e quando vi esta moça pela última vez e ela era muito jovem.... Acredito que dificilmente ela me reconhecerá... Mas você sabe... Será a primeira vez após quinze anos em que encaro alguém daquela família...

    - Você sabe que essa barba que você usa pouco o esconde, não é?

    Lucas sabia que Andrea tinha razão... Embora os anos e sofrimentos passados tivessem o modificado ainda corria o risco de ser reconhecido... E ele tanto que lutara para não ser encontrado... Mas não poderia esquecer os anos em que batalhava para a sua vingança, o momento chegara e não poderia fraquejar.

    - Andrea... Trabalharemos no Hospital Municipal... Seremos conhecidos por toda Cristália e eu estarei tão perto...  Temos que enfrentar e não podemos desistir agora.... Arrume-se... Vamos comprar aquela casa!

    ––––––––

    - Olá seu Murilo! O senhor a estas horas em casa?

    Zilá trabalhava na residência dos Mendes Araújo desde o nascimento de Maria Luísa e como ninguém sabia o quanto o Patrão era viciado em trabalho, por isto estranhou vê-lo tão cedo em casa... Analisou em seu semblante se havia algum sinal de preocupação,  mas tudo que pode analisar fora uma fisionomia serena e como o tempo fora totalmente bondoso com este, Murilo passara dos 50 anos e mantinha poucos traços da idade em seu rosto e os olhos azuis, tão parecidos com os de Maria Luísa,  que ainda o deixava com o eterno ar jovial.

    - Decidi que deveria descansar mais...  Afinal minha presença não é tão necessária na construtora e o Jonas tem sido muito eficiente... – Respondeu com o costumeiro acolhedor sorriso que deixava sempre sua admiradora Zilá feliz – Acho que posso então fugir do trabalho!

    - O senhor tem sorte de ter um sobrinho tão esforçado, tenho certeza de que ele será o substituto a sua altura...

    - Sim... E agradeço muito a Deus por isto... Já que minha única filha não quer continuar o trabalho a que tanto me dediquei...

    O sorriso de Murilo agora se mostrava mais contido, nunca escondeu o fato de se entristecer com a escolha profissional da filha, mas também nunca deixou de apoiá-la em sua decisão, sabia o que a medicina era para Maria Luísa e ficava satisfeito em vê-la atuar com tanto amor e devoção, apenas não entendia sua escolha de continuar trabalhando em órgão municipal que pouco a valorizava e pelas horas que se trancava naquele hospital e perdia todo contato... Zilá entendia toda a opinião de Murilo referente ao assunto, mas não deixava também de se colocar no lugar de Maria Luísa, embora soubesse que toda sua dedicação a medicina não passava de uma fuga... Sim, Maria Luísa fugia e Zilá ansiava profundamente o dia em que esta fuga acabasse ... Queria tanto vê-la visitar aquela casa com marido e filhos...Vira aquela garota crescer a ponto de considerá-la filha porém sabia que assim como Murilo não deveria alterar os projetos da moça, mas tinha esperanças de voltar a vê-la sorrir como sorrira na época em que Marina era viva.

    - Por falar em Maria Luísa: Ela está onde?

    - Chegou pela manhã seu Murilo, tomou um café no quarto mesmo e dormiu em seguida, pediu para que eu a acordasse as quatro da tarde para que não dormisse muito. – Foi então que lembrou de olhar para o relógio de pulso em seu braço direito – Céus! Já passa das quatro... Preciso ir acordá-la!

    - Não precisa Zilá – A conteve Murilo – Eu vou acordar a minha filha... Há tempos não faço isto!

    E assim saiu exibindo novamente o tão jovial sorriso, deixando novamente a fiel Zilá orgulhosa e satisfeita por ser sua subordinada, poucas tinham um patrão tão simpático e generoso quanto Murilo, poucas menos ainda o conheciam como Zilá...

    ––––––––

    Murilo abriu cuidadosamente a porta do quarto de Maria Luísa e fechou-a de forma mais silenciosa ainda, olhou para a cama ao meio do aposento e pode observá-la dormir relaxadamente, achou impressionante a forma que a filha voltava ser sua garotinha naquelas horas, sem alguma autodefesa, sem nenhum confronto interno e sem lastimar perda alguma...Parecia um anjo de cabelos negros, que de olhos fechados ficava ainda mais parecida com Marina...Oh Marina! Por que o abandonara? Por que deixava de viver consigo aquela emoção e orgulho de ver a mulher que a filha tornara? Se estivesse ainda com ele teriam uma filha tão teimosa e que se escondia tanto? Queria continuar a vê-la em toda aquela paz que o sono trazia, mas tinha que acordá-la... Foi então que se sentou na cama e delicadamente balançou o braço da moça que logo acordou supreendentemente sorrindo.

    - Oi Pai, o senhor já em casa? Acho que dormi demais...

    - Que nada, eu é que quis vir cedo, pois sabia que hoje minha filha estaria aqui e queria aproveitar sua companhia ...

    Maria Luísa prontamente sentou-se na cama abraçando o pai e beijando sua face como fazia quando criança...  Aquele senhor era tudo que lhe restava na sua vida.

    - Filha, me diz uma coisa: que amassado é aquele no seu carro? Aconteceu algo?

    - Tive um pequeno acidente pai.... Estava dirigindo e um caminhão veio com tudo para meu lado...

    - Bem que desconfiei...

    Murilo sabia do risco constante que a filha corria em dirigir tendo dormido pouco, a maneira como perdera a esposa deixava o inquieto... Não queria que um carro também tirasse a vida de Maria Luísa... Isto o deixava ansioso demais...

    - Está tudo bem! -  Assegurou interrompendo o enorme discurso que o pai faria - E então o que planejou seu Murilo? A que se deve esta folga, além de conversar mais com sua filha?

    - Ainda não sei querida? O que gostaria de fazer? Sei que já está tarde para cavalgar...

    - Sim... Infelizmente... Não sei... Poderíamos jogar xadrez não?

    - Ótima ideia, meu amor... Faz o seguinte... Toma uma ducha e depois se encontra comigo na sala de estar... Eu farei o mesmo e colocarei uma roupa mais confortável!

    - Como quiser papai!

    Maria Luísa se espreguiçou com um sorriso maroto para Murilo que retribuiu com uma piscada antes de sair deixando a filha sozinha no quarto... Adorava aqueles momentos que ultimamente eram raros demais... A maior causa era a rivalidade existente entre sua esposa e Maria Luísa... A filha nunca aceitara o novo casamento do pai, achou-o recente demais, visto que a mãe havia morrido há pouco tempo, mas aquela era a forma que Murilo encontrou para lidar com a dor e disto Maria Luísa sabia e respeitava, embora não gostasse de forma alguma do jeito de Elisa ser e vivessem as duas em pé de guerra. Murilo sabia que Elisa nunca substituiria sua primeira esposa que era para ele perfeita demais para ser comparada com a atual, mas a segunda cônjuge conseguia ser satisfatoriamente conveniente nas horas noturnas e fazia com que seu marido esquecesse, nestas horas, completamente seus defeitos. O bom sexo salvava aquele casamento que muito já devia ter acabado.

    - Zilá, onde está Elisa? – Murilo percebeu então a ausência da esposa que àquela altura já deveria estar maçando-o sobre inúmeras questões fúteis.

    - Ué seu Murilo? Ela não ligou para o senhor e avisou que ia sair? Comigo não deixou recado algum, mas saiu há três horas...

    ––––––––

    Elisa olhou ansiosa para o relógio de pulso que adornava a parede daquele estúpido e medíocre quarto de hotel, sempre sonhara em manter os encontros com José Falcão em ambiente mais adequado a seu estilo de vida, entretanto a cidade de Montes Claros era vista como centro comercial interligado a sua cidade de residência  e ela poderia facilmente ser reconhecida por qualquer outro morador de Cristália caso adentrasse em qualquer outro lugar não muito confiável...Já passava das dezessete horas e em breve Murilo estaria em casa... Não poderia se demorar, mas também não poderia deixar de ouvir a descoberta de Zé... Até aquele momento o casal nada mais fez além de matar saudades e se amarem naquela desprezível cama que era a única que poderia recebê-los, ansiava demais pelo momento em que não precisassem mais se esconder... Que pudessem se ver as vezes que quisessem, sem preocupações. E de preferência em Paris... Mas de acordo com José no telefone, este momento não estava longe... E estava na hora dele explicar o porquê:

    - Você se lembra de que sua enteada, juntamente com seu marido, contratou um detetive particular?

    - Sim, me recordo....  Foi há muito tempo... A tonta quase morreu quando a investigação deste detetive acabou... – Elisa não conseguia sorrir cada vez que se lembrava e do estado de choque em que ficou Maria Luísa ao descobrir que toda família Guimarães Rosa estava morta, a partir daquele dia teve grande diminuição na arrogância da moça - Mas o que isto tem a ver com a nossa investigação, Zé?

    - Tudo, ora... Eu tive o cuidado de aproveitar a investigação do meu querido amigo e investiguei o detetive contratado por ele... Soube então que a integridade do profissional não era das boas, vários casos de chantagens e extorsão em sua ficha policial, nada mais restou de que dever encontrá-lo, foi então que ofereci uma boa recompensa caso ele me contasse a verdadeira resolução do caso...

    - Por favor, Zé, não faça mistérios! – Aquele sorriso divertido na cara do amante já começava a agonizá-la – Vamos, conte logo!

    - Francisco Guimarães Rosa e sua esposa realmente estão mortos... – José serviu mais uma dose de vinho tinto a Elisa que o ouvia embevecida e magnetizada e encheu novamente a própria taça e deu mais um gole naquele líquido tinto, brincando com a taça nos lábios para instigar mais a cúmplice – Mas Otávio, seu único filho, continua vivinho da Silva... Antes de Leontina morrer, ela e o filho fizeram muitíssima amizade com uma médica que cuidou de seu tratamento... Leontina morreu e deixou o filhinho querido aos cuidados da tal médica... Embora faltasse pouco para que o Otávio se tornasse maior de idade, aceitou tranquilamente a tutora e a nova família... Acredito que ainda viva em Belo Horizonte...

    - Como?  Você ainda não tem certeza do seu paradeiro?

    - Ele apenas me passou o que concluiu da investigação feita a pedido do Murilo há 10 anos... Pedi para que voltasse às investigações...

    - Confia nele?

    - Confiar, não confio, Elisa... Mas é mais prático mantê-lo já que ele iniciou as investigações e acho que ele não arriscaria me fazer de tonto como fez com a garota e ao Murilo.

    - Agora me tira uma dúvida, Zé: Por que ele assegurou que o rapazinho Guimarães Rosa também estava morto?

    - Esta é melhor parte da história e que muito importa para nós... Otávio subornou o investigador para que este ficasse quieto...

    - Não creio! – Aquela história estava a cada momento mais instigante – Então ele escolheu se passar por morto... Não combina nada com o instinto tão integro do pai! – Elisa não pode deixar de lembrar como o jeito certinho de Francisco tanto a irritava, sempre aconselhando a Murilo a deixá-la e protegendo a Marina, foi muito acertado se livrar dele juntamente com a rival... Este era o perigo... Mas parecia que o Juniorzinho não usava dos mesmos métodos honestos do pai... Isto a intrigava ainda mais... – A troco de quê o Otavinho quer que acreditem que está morto?

    - Esta é a pergunta que não quer calar, minha cara... Acredito que ele é tem um plano... E com isto temos que tomar cuidado... Afinal ele tem o trunfo que nós não temos...

    - A caderneta...

    Elisa suspirou entendendo finalmente onde José Falcão queria chegar... A procura daquela segunda caderneta fora uma peregrinação que os consumiu durante todos aqueles anos... E agora estavam começando a chegar próximos do fim daquela jornada... Mas antes teriam que encontrar primeiro o herdeiro de Francisco antes que Murilo encontrasse...

    ––––––––

    Um pequeno caderninho de capa marrom era constantemente contemplado por Murilo, ali estava grande parte de suas pesquisas e do trabalho de uma vida... Aquele pequeno objeto trazia muitas lembranças, mas. em sua maioria, tristes. Lá estava a prova de sua maior cobiça e do preço que juntamente com sua família pagou por ela... Agora estava tudo encerrado... Aquela caderneta nada valia sem as informações contidas na segunda caderneta... Teria que esquecer a busca pelos seus diamantes...

    Às vezes deveria ser o melhor a fazer, terminaria de reconstruir o desastre causado em sua vida e na de sua única filha... Mas os estragos foram demasiados para serem corrigidos... Marina não estava mais ao seu lado, casara-se com a mulher que menos confiava no mundo e aprendera que confiança não era algo seguro de ser entregue a alguém...  Sim um dia confiara sua vida na mão de alguém...  Acreditou um dia que Francisco realmente fora seu escudeiro...

    Sentia pela forma com que o traidor também pagara pelo seu crime, mas Leontina e seu filho nada deviam pela falta de lealdade de Francisco e ainda por isto perderam a vida... Embora soubesse que nada de errado houvesse feito, sentiria eternamente culpa por estas duas vidas inocentes que se foram após um terrível acidente automobilístico, dois anos depois do acontecido com sua inesquecível Marina...  A alegria de sua filha fora embora também... Além de sofrer pela perda da mãe... Nunca esqueceria o desespero de Maria Luísa ao descobrir que Otávio estava morto, lembraria sempre das acusações que naquele dia ouviu da herdeira que o chamava de assassino! Embora soubesse que a filha não estava em condições de julgar ou raciocinar por aquelas palavras e posteriormente tivesse pedido desculpas por tão cruéis acusações, sabia que no íntimo ela estava certa: Ele e sua cobiça foram os principais responsáveis por aquelas mortes.

    Ainda entregue às suas meditações, Murilo sentiu o fato de apesar de todo sofrimento não conseguir esquecer a procura daqueles diamantes e da esperança que ainda tinha de encontrar a segunda caderneta que estava na posse de Francisco Guimarães Rosa.

    Maria Luísa entrou no quarto do pai intrigada por encontrá-lo tão absorto olhando aquele bendito caderninho... Ela tinha horror a cada vez que o via contemplar aquele odioso bloco de notas... No fundo sabia que ele não tinha desistido e tinha pavor que o pesadelo de sua vida voltasse: A forma obcecada em que o pai procurava aqueles lençóis de diamantes...

    Aproximou-se da poltrona em que ele estava sentado quando finalmente foi notada, o olhar de Murilo estava cheio de emoções totalmente confusas e agora se mostrava envergonhado pela forma em que fora encontrado pela filha:

    - Pai, você me prometeu...

    Murilo não escondeu o quanto ficou constrangido pelo olhar censurador da filha, sabia o quanto ela temia aquela caderneta, suas pesquisas arqueológicas e principalmente a consequência que tudo aquilo ainda poderia trazer...Buscando tranquilizar a filha deu um zombador sorriso e mostrou a caderneta:

    - Está falando disto, Malu? Eu apenas estou olhando filha... Não se preocupe, eu prometi e vou cumprir: Não volto mais a me aventurar em busca de lençol de diamante nenhum que possa existir em Cristália!

    - Então por que não joga logo este livreto fora, pai? – A médica mostrava não estar muito satisfeita com a resposta recebida – O senhor desistiu, mas sei que tem pessoas loucas que podem querer continuar sua busca... E isto é tão perigoso! Será que não já sofremos o bastante?

    - Querida! Você está totalmente certa, mas eu não posso jogar parte de minha vida for por mais que seja simbólico... E, além disto, este material não foi fabricado só por mim... Não pertence apenas a mim e você sabe disto...

    Foi então que levantou e jogou a caderneta na poltrona abrindo os braços para receber Maria Luísa

    - Olha para mim filha... Eu jurei e prometo! Não deixarei que nada mais a magoe... Nem que para isto eu tenha que abrir mão dos meus projetos...

    Maria Luísa recebeu, emocionada, o abraço do pai e sentia que deveria dar aquele voto de confiança que o pai estava merecendo, desde o dia em que tivera o ataque de desespero ao saber da morte dos Guimarães Rosa, Murilo nunca mais movera uma palha em busca daquele lençol de diamantes que juntamente com Francisco jurava encontrar, mas vê-lo com a caderneta na mão fez com que todos os temores do passado voltassem de forma violenta... Aconchegou-se ao peito dele, da mesma forma que fazia quando criança, tentando esquecer aquele medo que a dominava.

    - Queria me dizer alguma coisa quando entrou, filha?

    - Não, pai...  Apenas vim lembrá-lo do nosso jogo de xadrez...

    - Oh querida, é verdade... Vamos lá meu amor... Espero que tenha treinado bastante para desafiar seu pai aqui...

    ––––––––

    Dulce Mendes Araújo sabia da sua importância na família e se orgulhava disto. Desde a morte de sua cunhada Marina, decidira cuidar daquela casa e se comprometera com esta missão de forma impecável, embora muitos empecilhos atrapalhassem sua decisão, a cunhada Elisa se mostrava a não gostar de ser observada constantemente por seus coordenadores olhos e a sobrinha Maria Luísa, embora a muito respeitasse, era sempre independente, mostrando não estar satisfeita com os demasiados cuidados da tia, embora estes nada intervissem em suas domésticas decisões. Às vezes sentia que a Maria Luísa mal se importava pelo nome que recebera e pela importância que sua família tinha naquela cidade, renunciara à construtora e ao Clube de Campo, como se estas fossem empresas cujos sucessos nada alterariam sua vida... Sua filha mais nova, Sabrina, parecia seguir as mesmas filosofias da prima e isto não a agradava.

    Fora com muito desagrado que recebera a notícia do noivado de Sabrina com o jornalista, ainda por cima negro, que nada mais sabia fazer que perseguisse a prefeitura e os políticos aliados de Murilo e de seu genro, Sérgio, que era candidato da situação para substituir Jose Facão na prefeitura... Será que Sabrina não se importava com o fato de prejudicar o cunhado? Tinha certeza de que caso questionasse tal caso a garota ela iria responder de boca cheia que sua mana Susana não tinha vontade alguma de ser a primeira-dama...

    Dulce sentia ter que aceitar que Sabrina estaria certa, embora a filha Susana tivesse lhe dado o gosto de ter aceitado o pedido de casamento de Sérgio Fontes, e ela pouco se importava com a carreira política de seu marido, da mesma forma que nada lutava para proteger o próprio casamento que a cada ano desmoronava... Sabia que se Susana pudesse já estaria com seu divórcio homologado... Se não tivesse receio de magoar Inês...Sim, a filha era a única coisa que prendia Susana naquele matrimônio... Dulce muito meditava sobre os seus erros e acertos do seu papel de mãe e de uma coisa tinha certeza: Nunca se arrependeria da forma em que forçara a filha a entrar num casamento sem amor há 15 anos...  Seria muito pior se esta estivesse casada com aquele professorzinho de Geografia: Pedro Zanatta, este nunca seria capaz de trazer a estabilidade a Susana e Inês ... E sendo filho de quem era... Sim, um dia Susana a agradeceria... Quem sabe quando virasse primeira-dama e sentisse o gosto e o poder das escolhas que sua mãe a auxiliara fazer... Queria tanto que Sabrina soubesse obedecê-la, como Susana havia feito... Não toleraria ver aquele jornalistazinho como genro... Não sabia como, mas de uma coisa tinha certeza... Que Fernando Nogueira não entraria naquela família... Mudara os planos de uma filha antes e sabia que tinha inteligência suficiente para alterar o perigoso futuro da outra...

    Jonas, seu filho caçula, poderia ser considerado o prêmio que merecia por todos os seus esforços em família, sempre seguia as orientações da mãe, e estava sabendo aproveitar o fato de Maria Luísa não querer a Mendes Araújo empreendimentos para ser o novo substituto de Murilo, além do promissor casamento que teria com Maria Laura Duarte...  Que era parte de uma das mais importantes famílias de Cristália... Sim, Jonas nunca lhe dera trabalho... E sabia que seria o seu maior orgulho...

    Ainda meditando o seu papel matriarcal, bordando seu costumeiro ponto-cruz, Dulce começou a analisar o início da noite na residência dos Mendes Araújo... O que tornava aquela noite diferente era o fato de ver a sobrinha jogar xadrez com Murilo, era tão raro ver a moça em casa, que chegava a pensar que esta seria nada mais que uma visitante naquele dia... Analisou a fisionomia sorridente da moça, Maria Luísa era uma das mulheres mais belas de toda Cristália, além de ser herdeira de grande fortuna e nada aproveitava disto... Poderia estar num belíssimo casamento conforme suas condições, mas se contentava em trabalhar em Hospital Municipal... Que desperdício de moça...

    O filho Jonas avisara que jantaria com a namorada e os sogros e saíra a pouco, apenas por tal que a família não estaria completamente reunida... Já que Susana ligara pela tarde para avisar que, assim como Inês, jantaria com eles, e acabava de ver Sabrina chegar e empolgada abraçar a prima e o tio, informando a Maria Luísa que tomaria um rápido banho e juntar-se-ia em breve a eles... Adorava papear com o tio e com a prima... Sabrina muito conversava e ouvia Maria Luísa... Se pudesse convencer Maria Luísa a ajudá-la colocar um pouco de racionalidade na cabeça de sua filha... Sabendo que era analisada  Sabrina beijou o rosto da mãe e questionou:

    - Mãe, a Susana virá realmente jantar conosco?

    - Sim, Sabrina, ela ligou avisando que viria com a Inês... Por quê?

    - Só queria falar um assunto com ela...

    - Ué... O que tem de tão importante para falar com sua irmã?

    Sabrina olhou para sua mãe... Embora fora criada por aquela mulher, nunca conseguiria entender o que passava em sua mente... Perdera seu pai muito cedo... Tivera pouco tempo em sua presença, mas este pouco tempo fora muitíssimo mais gratificante que os demorados anos ao lado de Dulce... Como uma pessoa poderia ser tão autoritária e egoísta... Que saudades de Marco Antônio Mendes Araújo... Aquele sabia protegê-la das neuroses de sua mãe... Ainda agradecia o fato de ter Murilo como tio, que muito a defendia das loucuras de Dulce... O assunto que tinha para falar com Susana era extremamente importante... Precisava avisar a irmã da surpresa que ela em breve teria, mas nada poderia deixar escapar da esperteza de Dulce, optou então em divertir-se um pouco com o orgulho da mãe:

    - Somente quero convidar a ser madrinha de meu casamento, mama, nada mais...

    Dulce engoliu a resposta de sua filha do meio a seco, rugas apareceram na testa da senhora mostrando que Sabrina aceitara em cheio... A mãe realmente ficara extremamente raivosa... Antes que o novo sermão viesse anunciou do banho que precisava tomar... Jantaria com a família e sairia com Fernando para novamente comemorarem o noivado contando ou não com a benção dela e assim saiu com o sorriso zombeteiro nos lábios...

    Não demorou muito para que a cólera de Dulce passasse, rapidamente foi desviada  para a chegada de sua cunhada, que apareceu finalmente após horas de ausência e com sacolas na mão, tentando comprovar o que fizera a tarde toda... Dulce analisou a fisionomia do cunhado e pode perceber o quanto este não se mostrava convencido com o álibi usado pela esposa, Murilo pediu licença para a filha e logo acompanhou a esposa até o quarto do casal... Dulce sabia que haveria um enorme interrogatório e que Murilo novamente fingiria acreditar na adúltera, já que sabia perfeitamente que ele não acreditava mais em nada... Murilo só esperava o tempo certo para tirar Elisa daquela família e isto muito lhe agradava... Os dias estavam sendo contados...

    Grande parte da família Mendes  Araújo já se encontrava alerta para o jantar daquela noite, Elisa e Murilo na sala ouviam em silêncio o diálogo entre Dulce e seu querido genro Sérgio que dissertava referente ao trabalho realizado em sua campanha  eleitoral, Inês, sentada ao piano que adornava o lado esquerdo da sala, treinando algumas clássicas partituras e três mulheres conferenciavam sigilosamente na varanda da grande casa... Sentada na cadeira direita, Sabrina, a mais nova entre elas, preparava a irmã para o grande desafio que esta passaria e Susana mostrava-se preocupada e ansiosa na cadeira a frente, pelas informações que eram transmitidas,  quem olhasse a dupla naquele momento nunca desconfiaria do  grau de parentesco, a ruiva e cacheada cabeleira de Sabrina e seu despojado sorriso nada combinara com o olhar compenetrado e inquieto de Susana, cujos lisos e negros cabelos emolduravam a pele alva, esta, exceto os amendoados olhos, era muito semelhante a sua prima que deitada na rede ao lado ouvia interessada a conversa das mulheres, Susana e Maria Luísa não tinham apenas o parentesco e o físico em comum, ambas tiveram perdas que muito modificaram suas visões de mundo, aprenderam também a conviver com despedidas e a falta de esperança que vinham as envolvendo ao decorrer dos anos... Uma cansada de lutar, e a outra abdicara da luta. Sabrina via na prima e na irmã os exemplos das perdas que não queria na vida... E por isto, se empenhara com êxito em enfrentar Dulce e não deixar que esta atrapalhasse sua felicidade como Susana deixara, e como Maria Luísa deixou que seu tio Murilo fizesse:

    - Como você soube disto, Sabrina?

    - Ora, Susana, a cidade toda está sabendo e, além disto, esqueceu que sou noiva do cara mais informado da cidade... Fernando me contou que ele voltará a lecionar para o ensino médio, parece que cansou da vida acadêmica e por isto voltará para Cristália...Pelo que soube, a estas horas ele já deve estar na cidade...

    Sabrina parou sua dissertação para analisar o nervosismo expresso nos olhos da irmã: Há anos que não a via assim... Foram anos que Susana treinou a intimidação de suas emoções e todo aquele treinamento, agora, vinha por água baixo... Pode ver sua mão tremer lutando para não derrubar a taça de vinho que segurava:

    - Por que ele resolveu voltar? – Susana não conseguia deixar de esconder sua revolta – E por quê que ele quer lecionar Geografia logo para o ensino médio... Eles vão ficar muito próximos, céus!

    - Evidentemente – Alfinetou Sabrina tentando colocar a irmã na realidade – Pedro será com certeza professor da Inês... Ele sabe que a garota é filha de sua ex-namorada e vai se aproximar... Logo, logo ele verá a semelhança e mata a charada... E aí? Vai contar ou não para ele de quem a garota é filha?

    - Não seja boba Sabrina... Como ele se preocupasse tanto comigo... Você acha que ele chegaria perto de Inês só pelo fato de ela ser minha filha? Duvido! Pedro Zanatta tem mulher demais na cola dele para

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