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AS PERIPÉCIAS DE ANINHA: UMA VIDA DE MUITA LUTA, FÉ, SONHOS E DEVANEIOS. ENTRE ASSÉDIOS, ABUSOS, TORTURAS E PERIPÉCIAS.
AS PERIPÉCIAS DE ANINHA: UMA VIDA DE MUITA LUTA, FÉ, SONHOS E DEVANEIOS. ENTRE ASSÉDIOS, ABUSOS, TORTURAS E PERIPÉCIAS.
AS PERIPÉCIAS DE ANINHA: UMA VIDA DE MUITA LUTA, FÉ, SONHOS E DEVANEIOS. ENTRE ASSÉDIOS, ABUSOS, TORTURAS E PERIPÉCIAS.
E-book559 páginas6 horas

AS PERIPÉCIAS DE ANINHA: UMA VIDA DE MUITA LUTA, FÉ, SONHOS E DEVANEIOS. ENTRE ASSÉDIOS, ABUSOS, TORTURAS E PERIPÉCIAS.

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Sobre este e-book

A leitura deste livro é um convite à reflexão a respeito da violência doméstica e a pedofilia. Com o casamento arranjado para Samantha ao qual causou um grande sofrimento, além do rapto de sua filha e a saga dessa pequena criança que tanto nos ensina.
A fé e a esperança fez com que ela lutasse e acreditasse na sua liberdade, que após a morte de Alceu todo o constrangimento seria dissipado. Desejava ansiosamente a convivência com sua verdadeira mãe, o que não foi possível, mas, mesmo assim, ela conseguiu ter uma família que a acolheu e a amou verdadeiramente. Foram vários empecilhos, mas também várias formas de relatar sua fé e esperança, inclusive com um amigo oculto, que nada mais é do que um anjo do Céu que a protegeu e a guardou em várias peripécias da vida.
Aninha traz em sua história várias cantigas, poemas, poesias e causos antigos, que fizeram parte da sua vida e que trazem consigo lembranças de um tempo vivido com dificuldade. São poesias como "Meus oito anos" de Casimiro de Abreu, brincadeiras como "passa anel" e ainda cantigas de rodas como "atirei o pau no gato" e "ciranda-cirandinha" que demonstram a nós, leitores, um passado violento, mas cheio de esperança e alegrias momentâneas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de ago. de 2022
ISBN9786553702639
AS PERIPÉCIAS DE ANINHA: UMA VIDA DE MUITA LUTA, FÉ, SONHOS E DEVANEIOS. ENTRE ASSÉDIOS, ABUSOS, TORTURAS E PERIPÉCIAS.

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    AS PERIPÉCIAS DE ANINHA - Maria Guimar Moraes da Silva

    Capítulo I

    Samantha

    Século XX, década de 1930 – pássaros e os uivos dos temidos animais da selva

    ao cair da tarde. A lei era a do mais forte.

    antoineede/iStock/Getty Images Plus

    Construção da época nessa região eram as casas de pau-a-pique que se construía com quatro esteios fincados no chão que já demarcavam o tamanho da casa, os esteios eram interligados por meio de taquaras ou tabocas que eram amarradas, com embiras ou cipós de imbé, em madeiras mais finas ligadas aos esteios, formando as paredes. Na parte inferior costumava-se utilizar uma madeira de suporte, chamada de baldrame.

    Essas madeiras de suporte para as taquaras ou tabocas eram finas, roliças e alinhadas, quer dizer, mais ou menos alinhadas. Tentava-se retirar madeiras da mesma espessura e as cortavam no mesmo comprimento que depois eram fincadas de dois a três dedos de distância, com profundidade de mais ou menos 50 centímetros no chão, por isso era pau-a-pique, assim estavam seguras e não cairiam tão fácil com ventos fortes e chuvas pesadas, que eram constantes naquela região devido a sua localização.

    Os cipós de imbé exalavam um cheiro muito característico, similar à cebola apodrecida. Já as embiras eram uma espécie de fibra muito branca e acetinada retiradas de uma árvore chamada jangada. Para fazer essa embira, primeiro retirava-se as cascas grossas das árvores, fazia-se um pacote e amarrava meio frouxo para que elas não se espalhassem e os colocavam de molho dentro de um poço, não muito fundo, por uma semana.

    Essas cascas soltavam uma espécie de lodo ou baba indicando que já estavam prontas para receber a limpeza. Para isso, retirava-se da água e limpava com folha de lixeira (uma árvore típica do Cerrado, cujas folhas são grandes e muito ásperas, uma espécie de lixa natural que substituíam as atuais escovas). Eram usadas também para arear vasilha e substituíam o Bombril, que lá não existia. Outra serventia para essas folhas era a escovação dos dentes; para essa finalidade, colocava-se um pouco de cinza de madeira queimada geralmente em fogão a lenha. Outra técnica de escovação dental era chupar a cana, pois ao mastigá-la para extrair o suco ou garapa, o bagaço fazia a limpeza, deixando os dentes limpos e brilhantes.

    Entretanto, essa escovação não era regular. Já observou que quando se fala do sorriso brasileiro, em geral são pessoas de mais de 65 anos, denominadas de banguelas, ou seja, sem dentes, com um dente só na boca, ou faltando os quatro dentes da frente mostrando um largo sorriso.

    Mas como estava dizendo sobre a casa, a embira ficava limpa, branquinha e seca e isso era o melhor da árvore, o resultado era uma fita acetinada muito sedosa. Quando bem feita a trança dava um perfeito acabamento nas cordas que poderiam ser fininhas, mas muito resistentes.

    A cobertura da casa era feita de palhas de piaçaba ou buriti entrelaçadas e bem amarradinhas, ou ainda de sapé, uma qualidade de capim próprio para cobertura. Com as taquaras se faziam também os caibros e as ripas. Algumas eram presas no sentido horizontal para melhor firmar as paredes, antes mesmo de serem barreadas.

    Stock.adobe.com

    O barreamento evitava o acesso de insetos e outros pequenos invasores indesejados. Entretanto, essa técnica era uma atração para esconderijo de barbeiros, vetores transmissores a doença de chagas que fizeram muitas vítimas no Brasil. Embora nem todas as casas eram afetadas por esses intrusos.

    É, realmente as coisas não eram fáceis...

    As mulheres buscavam água no córrego com a ajuda das crianças que usavam as cuias de cabaças grandes e outros pequenos utensílios. Eram usados potes de barro, latas de querosene, cabaças e baldes de folhas de zinco.

    Os baldes de zinco não eram encontrados em qualquer casa, apenas nas casas de fazendeiros, pois eram um material fino e muito caro. Essas mulheres firmavam os vasilhames em suas cabeças com rodilhas de pano de tal forma que não caíam e podiam deixar os braços e mãos livres para carregar outras coisas ou para manter o equilíbrio exibindo assim sua agilidade. Enfrentavam uma longa ladeira que era rápido para descer e difícil para subir, mas maior ainda era o medo de serem tragadas a qualquer momento por algum bicho do mato, o que era normal por aquelas regiões.

    NASCE SAMANTHA, EM MEIO À VIOLÊNCIA!

    Em uma dessas casinhas embrenhadas na mata nasceu uma garotinha. Deram a ela o nome de Samantha. Dia a dia a garota foi crescendo, saudável, dentro da normalidade. Aos seus sete anos de idade as coisas se complicaram tornando mais difícil a vida de todo mundo. Seus pais tinham mais 12 filhos, todos pequenos, alguns trabalhavam nos serviços mais leves da lavoura para ajudar no sustento da casa. Foi uma época de grandes labutas, fome e de muitos rumores de grupos de extermínio.

    A dificuldade dos pais de Samantha era visível e piorou muito com as capturas e grupos armados. Nesse meio tempo, deixou grande sofrimento e devastação em todo mundo além das sequelas em quase todas as famílias. A família de Samantha, como tantas outras, foi assolada pela fome e doenças, não por estarem diretamente envolvida, mas pela opressão e o medo, dia após dia.

    Contavam os mais velhos da redondeza que o povo das grandes cidades tinha medo de sair às ruas e que os moradores das roças, matas e beirinhas de rios tinham medo de serem atacados por violentos soldados ou mesmo pelos foragidos, que também estavam sofrendo com a angústia da revolta e não se importavam com a sua própria vida.

    Matavam os homens e violentavam mulheres, crianças e idosos e, às vezes, faziam as pessoas da casa reféns, amarravam as mãos para trás e pelos pés e fechavam as portas com as pessoas dentro da casa e incendiavam, sem piedade. Queimavam idosos, criancinhas de colo e mulheres, inclusive as grávidas. Sobre estas, contavam que, muitas das vezes, eram vítimas de cortes na barriga, geralmente de espadas afiadas ou afiados facões, e com apenas um corte atravessava a barriga de fora a fora só para ver o sexo do bebê, que depois também seria partido ao meio e com isso acabavam morrendo mãe e filho. Esses cortes quase separavam o corpo da mulher ao meio, mutilada, sangrava até a morte.

    O punhal também era usado, mas estes não serviam para cortar e sim para perfurar copiosamente, como um chucho, causando hemorragia interna levando a vítima à morte.

    Vários foram os homens amarrados em troncos de árvores e com toda maldade praticavam tiro ao alvo até o corpo virar uma peneira e era motivo de rancorosas gargalhadas e gritos irônicos de vitória.

    Em busca de informações, os soldados faziam uma série de perguntas, caso as respostas fossem satisfatórias o interrogado morreria mais rápido com um tiro que dilacerava toda sua cabeça, caso não se contentassem ou duvidassem deitavam essa pessoa de costas, com os pés amarrados com as mãos presas para trás, elevavam sua cabeça mais para trás ainda, quase lhe quebrando o pescoço, enchiam um vasilhame de óleo diesel e despejavam na boca da vítima com um funil. Colocavam um pedaço de madeira entre os dentes para manter a boca aberta para que o óleo descesse com maior facilidade, e esse pedaço de madeira só era retirado para responder as possíveis perguntas e começavam o turbilhão de perguntas de novo, se não obtivessem as respostas que queriam, continuavam a despejar o óleo até encher o estômago e sair pelo nariz da pessoa. O resultado era a morte por sufocamento ou por sucessivos vômitos.

    Em caso de sobrevivência e ainda não satisfeitos, o colocavam amarrado, sentando-o lentamente em uma espécie de espeto de madeira muito resistente e sob o sol escaldante e ali ficava até morrer. Alguns recebiam um tiro de misericórdia, depois de tantas atrocidades.

    Esses tipos de torturas eram as mais leves, outras incluíam ainda o abuso sexual que se ouvia contar através de relatos de um povo que sofreu na pele a época revolucionária.

    A revolução cessou nas ruas mas continuou entre as paredes dos grandes manicômios brasileiros, mais de sessenta mil mortos, jogados amontoados em algum lugar como um lixo qualquer.

    Na obra de Daniela Arbex, Holocausto Brasileiro, p. 13, 20ª edição, pode-se observar algumas informações mais precisas (Vale a pena ler o livro todo).

    [...] a morte de pelo menos 60 mil pessoas entre os muros do Colônia. Tinham sido, a maioria, enfiadas nos vagões de um trem, internadas à força. Quando elas chegaram à Colônia, suas cabeças foram raspadas, e as roupas, arrancadas. Perderam o nome, foram rebatizadas pelos funcionários, começaram e terminaram ali.

    Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoolistas, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava, gente que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas, violentadas por seus patrões, eram esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, eram filhas de fazendeiros às quais perderam a virgindade antes do casamento. Eram homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos trinta e três eram crianças.

    Homens, mulheres e crianças, às vezes, comiam ratos, bebiam esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violentados. Nas noites geladas da Serra da Mantiqueira, eram atirados ao relento, nus ou cobertos apenas por trapos. Instintivamente faziam um círculo compacto, alternando os que ficavam no lado de fora e no de dentro, na tentativa de sobreviver. Alguns não alcançavam as manhãs.

    Os pacientes da Colônia morriam de frio, de fome, de doença. Morriam também de choque. Em alguns dias, os eletrochoques eram tantos e tão fortes, que a sobrecarga derrubava a rede do município. Nos períodos de maior lotação, dezesseis pessoas morriam a cada dia. Morriam de tudo – e também de invisibilidade. Ao morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, 1.853 corpos de pacientes do manicômio foram vendidos para dezessete faculdades de medicina do país, sem que ninguém questionasse. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos foram decompostos em ácido, no pátio do Colônia, na frente dos pacientes, para que as ossadas pudessem ser comercializadas. Nada se perdia, exceto a vida.

    Pelo menos trinta bebês foram roubados de suas mães. As pacientes conseguiam proteger sua gravidez passando fezes sobre a barriga para não serem tocadas. Mas, logo depois do parto, os bebês eram tirados de seus braços e doados. Este foi o destino de Débora Aparecida Soares, nascida em 23 de agosto de 1984. Dez dias depois, foi adotada por uma funcionária do hospício. A cada aniversário, sua mãe, Sueli Aparecida Resende, epilética, perguntava a médicos e funcionários pela menina. E repetia: Uma mãe nunca se esquece da filha. Só muito mais tarde, depois de adulta, Débora descobriria sua origem. Ao empreender uma jornada em busca da mãe, alcançou a insanidade da engrenagem que destruiu suas vidas. Esta é a história que Daniela Arbex desvela, documenta e transforma em memória, neste livro-reportagem fundamental. [...]

    Na verdade, loucos eram aqueles que prendiam os loucos e jogavam nos porões da loucura. Grandes Torturas também ocorreram durante o período da ditadura militar, mas isso é uma outra história.

    Além dessa violência física e psicológica, o alimento foi racionado e isso contribuiu para o aumento da mortalidade infantil e o não desenvolvimento de muitas crianças causando assim o raquitismo.

    A revolta foi passando e o medo diminuindo até que tudo voltou à normalidade. O mesmo ocorreu com a família de Samantha.

    A FESTA DA PADROEIRA

    Com o tempo, a festa que acontecia uma vez por ano na currutela passou a ser frequentada novamente. A distância era longa, mas era a única diversão que tinha, geralmente levavam até sete dias para chegar lá a pé, às vezes acompanhando outras famílias que iam em carros de boi, mas chegavam, todos muito cansados, porém bastante animados, afinal seriam 15 dias de festa, 15 dias para apreciar e se distrair.

    As barraquinhas eram cheias de surpresas e, para as crianças, nada era melhor do que estarem ali. Às vezes, nem compravam nada, pois dinheiro era o que menos tinham, era apenas o prazer em andar para lá e para cá, ir e vir era o maior barato e muito gratificante.

    Apesar das dificuldades, Samantha era uma menina feliz na companhia de seus pais e tinha apenas 12 anos de idade. Era magrinha, cintura fina, cabelos pretos bem cacheadinhos que iam até abaixo do ombro, meiga, inteligente e um olhar muito envolvente. O futuro a aguardava.

    Samantha fez amizade com um grupinho de meninas das primeiras vezes que foram à festa, assim que chegava essa época, elas se agrupavam e era aquela alegria sem fim. Todas da mesma idade, gostos, brincadeiras, as mesmas conversas e tudo em comum, o que uma fazia as outras aplaudiam, como andar para todo lado e ver tudo que a festa se propunha a realizar, inclusive as montagens das barracas, elas se fascinavam por tudo isso. No decorrer da festa logo começavam os casamentos, geralmente mais de dez casais de uma só vez.

    Era muito bonito, cada noiva mais linda que a outra. As meninas ao ouvirem essas histórias contadas por seus avós, se imaginava naquela época e naquele lugar e se viam vestidas de noiva com véu, grinalda e flor de laranjeira para encontrarem seus príncipes encantados e que viveriam felizes para sempre, numa casinha branca no alto da serra. Afinal, esse era o sonho de quase todas as meninas daquela época.

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    E nessa festa era muitas rezas, muito glamour, mas também aconteciam muitas brigas, várias mortes, uma violência sem fim nas ruas. As meninas virgens, denominadas de Filhas de Maria, em fila, todas com as mãos postadas em sinal de oração e contrição a Nossa Senhora, com uma coroa de rosas nas cabeças.

    As vestes, todas brancas e reluzentes, eram belíssimas, lindas de se ver. Os véus encantavam a todas as mocinhas. As crianças pequeninas vestidas de anjos, nos braços das mães, outras em fila, organizadas. As roupas de mangas largas que desciam pelos braços das crianças, asas bem grandes e uma brilhante coroa nas cabeças, pareciam que já estavam no céu. Era um verdadeiro encantamento.

    As meninas gostavam muito de participar das atividades, de fazer a Primeira Comunhão, ser Filha de Maria e muito mais, mas a vida não favorecia muito as meninas muito pobres. Era exigido um perfil, um padrão de beleza e dinheiro para custear os gastos caso fosse escolhida. Para participar dos concursos de beleza era examinado tudo isso em cada uma, logo ao fazer as inscrições. Beleza física, poder aquisitivo, classe social e sobrenome. Sendo este último muito importante naquela época também.

    Os dias foram passando e o final da festa chegou, com promessa de que o próximo ano seria muito melhor. Todos para casa e a vida continuava, o trabalho, as dificuldades, a falta de dinheiro e tudo mais.

    O CASAMENTO DE SAMANTHA

    Logo no início do ano já se preparavam para a grande viagem a pé, que levaria mais de sete dias para chegar. Na data acertada, se organizavam ao máximo que podiam e lá se iam outra vez. Chegando lá, logo a barraca estava pronta, pois a mesma era feita de paus fininhos e roliços e coberta com palhas de piaçaba.

    Samantha logo se juntava a sua turminha e tudo ia bem. Ela completaria 13 anos de idade e foi muito bom o reencontro com as meninas animadas, como sempre, e logo saíram para dar uma voltinha, fazer o reconhecimento dos lugares, ver as muitas barracas, com muitas coisas bonitas. Nesse reconhecimento, passa por elas um jovem, já maduro, por volta de 27 anos mais ou menos, que não as perdia de vista, por onde quer que elas fossem as procuravam até descobrir seu paradeiro.

    Esse moço entusiasmou-se bastante por Samantha e ela, com uma olhada, percebeu que era um rapaz moreno claro, cabelo preto carapinha, lábios bem grossos, nariz largo, não tinha beleza nenhuma, porém muito astuto. Samantha não o achou muito interessante, mas nem imaginava o que viria pela frente, afinal tinha apenas 13 anos de idade.

    No dia seguinte, esse moço presunçoso chegou até a barraca de Samantha se apresentando aos pais dela como sendo um moço trabalhador, moralista e muito sistemático que gostava de cantar e tocar violão e sanfona. Sorrateiro como ele só; pediu logo Samantha em casamento. Naquela época, as mulheres não opinavam, todo direito era reservado ao pai, elas, mãe e filhas, nem sequer ouviam as conversas, os acertos eram vistos pelos buracos das paredes e ouvidos por trás das portas. Era praxe se esconder atrás das portas para ouvir as conversas proibidas.

    Mal cabia à moça marcar a data do casamento por causa da menstruação, mas Samantha nem sequer tomou pé, pois ainda era uma menina. Mal o moço terminou de falar, o pai de Samantha perguntou quem eram seus pais. Ele disse que morava sozinho e que, de vez em quando, o seu pai que se chamava Mathias lhe visitava, embora de idade já avançada era separado de sua mãe. Disse ainda que precisaria de uma mulher para lavar as suas roupas, cuidar da casa e para lhe servir na hora que ele precisasse e que Samantha era uma opção.

    Naquele tempo, muitas das vezes, os jovens se conheciam apenas na hora do casamento, já no altar, os pais não se importavam com o gosto do rapaz e da moça, isso não era importante. Até diziam que acabavam acostumando e com os nascimentos dos filhos o amor viria depois. Quem escolhia com quem as filhas e os filhos se casariam era o pai.

    O pai de Samantha não se preocupou com o que poderia acontecer com sua filha e, imediatamente, chamou a menina e sua mãe e apresentou o rapaz como seu noivo. Nesse momento, elas perderam as vozes, não saiu uma só palavra de tão atônitas que ficaram e não poderia ter recusa, pois o pai já autorizara e quem mandava era o homem. Daquela hora em diante Samantha perdeu a graça e seus pais foram tratar logo de seu casamento com uma pessoa que nunca tinha visto na vida.

    Samantha nem sequer entendeu muito o significado da conversa que acabara de ter com seu pai, então foi direto para seu grupinho de amigas para brincar de baliza (jogo com pedrinhas retiradas da própria terra de cascalho), pique-esconde e salve latinha. Mas logo no final dos 15 dias, ao término da festa, Samantha já estava casada.

    SAMANTHA SEGUE SEU DESTINO

    A partir daquele dia, a festa e as brincadeiras foram interrompidas, nunca mais vira suas amigas e nunca mais brincou – como gostava de brincar. Seus pais voltaram para casa com a promessa de voltar no próximo ano. Com certeza trabalhariam muito para que isso acontecesse, Samantha foi obrigada a acompanhar um desconhecido que agora tentava ser seu marido.

    Entretanto, todas as noites Samantha fugia dele se escondendo debaixo da cama e o casamento não se consumava. Alceu, já muito irritado com tal situação, sabia que Samantha lhe devia respeito, fidelidade e, acima de tudo, obediência. Samantha não conseguiu evitar o inevitável por muito tempo, logo seu medo se transformou em pavor e desespero ao ser violentada brutalmente por seu marido.

    Samantha seguiu seu caminho, sem rumo, sem destino, apenas seguia e sua vida se tornou um verdadeiro inferno, um mundo de tristeza e solidão sem fim. Isso começou logo após o casamento e final da festa. Foi obrigada a embrenhar-se na mata acompanhando seu esposo que trabalhava como serrador de madeiras e ela teria que ajudar nessa pesada tarefa de serrar toras para transformá-las em casqueiros e tábuas, afinal de contas ele era seu marido e precisava de sua ajuda. Com isso, ela era obrigada a não só a cozinhar, lavar, limpar, cuidar do terreiro (área do quintal sem plantação, apenas chão batido que precisava ser varrido com frequência), entre tantos afazeres domésticos, mas também o ajudar em qualquer trabalho, pois o que ela mais sabia era trabalhar sem preguiça

    E, com isso, eles ficaram mais de três meses embrenhados na mata. Ao terminar essa empreitada foram direto para um garimpo. Alceu gostava muito de garimpar, eram pepitas de ouro dentro de vidro, ouro em pó em vidrinhos que mostrava a todos os seus visitantes. Esse exibicionismo fez com que Alceu ficasse muito visado por pessoas que também gostariam de ter aquele ouro e estava muito perigoso. Alceu desconfiou e logo colocou todos para correr escaramuçando-os para bem longe.

    Alceu sabia onde encontrar o ouro, era só chover e assim que a chuva cessava, quando a enxurrada ia diminuindo pelos trieiros (trilheiros), ficava uma risca de areia fina e escura, indicando que ali havia o tão cobiçado ouro em pó. Alceu pegava um palito de folha de buriti e um vidrinho e saía acompanhando os trilhos de ouro em pó e, sem demora, encontrava pequenas pepitas, que depois de recolhidas, eram sempre guardadas enterradas em um cantinho do seu ranchinho beira-chão.

    Esse tipo de rancho tinha paredes de palhas que desciam lá da comunheira e chegava até o chão, tinha só uma porta que não se fechava, mal colocavam umas folhas e mais nada, lá dentro tinha uma caminha estreita feita com forquilha de madeira e pau roliço com um colchão de palha de milho, um pequeno varal de cipó para colocar as poucas peças de roupas que possuíam. Lá fora uma trempe feita com três pedras onde se colocava fogo dos três lados para cozinhar o almoço e a janta. Na prateleira, quer dizer, em cima de um tronco de árvore, três pratos já descascados e três colherezinhas de pau feitas pelo velho Mathias, pai de Alceu, quando foi visitar o casal. Tinha também, em um canto do rancho, um violão já bastante usado.

    Esse cenário poderia significar harmonia e paz, contudo, Alceu era um homem muito amargo, violento e insuportável, ninguém gostava dele por causa de suas valentias. Ele passou a ser um homem ciumento, ignorante, grosseiro, presunçoso e, além do mais, se dizia valente e bruto, herdando esse temperamento de seu pai, o velho Mathias.

    O VELHO MATHIAS

    Mathias era um velho experiente, velhaco, tinhoso, destemido e corajoso, porém impertinente. Além de calado e sutil, sempre maquinando alguma coisa em seus pensamentos. Conhecia toda a redondeza, os rios, os córregos, os riachos, além da fauna e a flora. Sabia com precisão os nomes de rios, de bichos e de plantas, sabendo também a serventia de todos eles. Com as plantas do mato ou do cerrado ele fazia garrafadas para a cura de todos os tipos de enfermidades. Para os peixes, sabia todas as qualidades e as iscas preferidas de cada um, além das luas que eram apropriadas para cada tipo de peixe.

    Velho Mathias era um matuto por natureza, gostava de se vestir a seu modo, confortavelmente. Um gongó surrado largo que ele usava acima da cintura e descia até o meio da canela, um camisão comprido, muito surrado, escuro e desbotado; na cabeça um boné feito de pano de capa de chuva de cavaleiro; no piadô, uma borrachinha presa para melhorar a circulação sanguínea, assim aliviava as cãibras; nos pés uma precata que não lavava nunca; na cintura uma quinquilharia que mais parecia uma prateleira ambulante, não se sabe como carregava consigo tanta bugiganga. Onde ele parasse poderia fazer um café, uma comidinha rápida, pendurava tudo na cintura, um verdadeiro penduricalho. Ele amava sair sem destino, um verdadeiro andarilho, ficava feliz em chegar em algum lugar como a fazenda Babilônia, Curral Queimado, Serra Azul, tudo para as bandas desse mundão de meu Deus, atravessava a Serra, subia e descia morros e penhascos, cortando estrada. Andava sempre com uma capanga cheia de munição e uma cartucheira a tira colo. Na sua juventude foi capanga, jagunço de uma tradicional família de Goiás, matava sem dó, era só os patrões pedirem.

    Um certo dia, um sujeito inventou de dizer bobagens para uma menina de nove anos que era vizinha do velho Mathias. Assustada, a menina contou para ele o que aconteceu. Sem se manifestar, ele pegou a espingarda e descambou pelo trieiro afora, lá na frente fazia uma curva de mata fechada. O velho Mathias embrenhou nessa curva, sentou num galho baixo de uma árvore e esperou, sabia que ali era o caminho daquele camarada. Quando o infeliz veio caminhando, o velho Mathias passou fogo e o homem foi tombado com um tiro no peito, morreu sem saber do quê e porquê.

    Esse tipo de coisa era comum, ninguém procurava o assassino, ele sempre fugia pela mata adentro, sem deixar rastros. Conhecia bem a natureza, lia o mundo por meio dos seus sinais. E, assim, viveu por mais de cem anos.

    O velho Mathias, além de um exímio carpinteiro era também um grande feiticeiro da região mas ninguém tem notícia dele ter feito mal algum com esse conhecimento.

    VIDA DE CASADA

    Samantha já temia seu marido e fazia de tudo para evitar o confronto, mas com muita saudade de seus pais, ousou pedir para ir visitá-los, sentiu, pela primeira vez, o peso da mão de seu marido que desferiu um soco em sua boca. O sangue desceu na hora e Samantha caiu de costas no chão e, bastante exaltado, Alceu lhes dizia:

    – Muié minha num sai de casa por aí à toa como qualquer uma e não se fala mais nesse assunto.

    E esse foi apenas o começo de muitos outros atos de violência. Nessas alturas, a boca de Samantha estava muito inchada, seus dentes haviam sido todos abalados, por isso a dor era insuportável, mas a dor maior era a do sentimento, aquela que dói dentro do coração, no fundo da alma.

    Os dias foram passando e Samantha não sabia muito sobre casamento. Naquele tempo, as moças aprendiam sozinhas, com suas próprias experiências. As mães não se manifestavam sobre o assunto e, nas escolas, era assunto proibido. Se bem que, além de distante, a escola, na verdade, era para poucos e Samantha era uma dessas pessoas que nunca pisara em uma sala de aula, não sabia assinar seu próprio nome. As moças tinham que aprender outras tarefas e não podiam aprender a ler e escrever para que não escrevessem bilhetes e cartas para os rapazes, tornando-se moças perdidas e assim sendo, não serviriam para o casamento.

    Os adultos não tinham a liberdade de se expressar com clareza sobre certos assuntos que, aliás, nem deveriam ser mencionados. Diziam que era falta de respeito e repugnante e a mulher não tinha que saber nada sobre essas coisas, (sexo nesse tempo era coisa suja) quem teria que saber era o homem. Caso a mulher soubesse algo a mais sobre esse assunto era porque ela não prestava. Era uma perdida. Essa era a mentalidade dessa época.

    Mesmo assim, Samantha percebia que algo estava errado, mas não sabia direito o que fazer. Alceu tinha um grande apetite e uma infinita voracidade sexual. Ela passou a pensar que fosse tudo normal e, com isso, sofria muito, pois não tinha com quem conversar e tirar suas dúvidas. Suas noites, que deveriam ser para o amor, passaram a ser noites de tormentas e intermináveis martírios.

    Samantha vivia muito triste e com muita saudade de seus pais. Um dia, ela criou coragem para reclamar à Alceu das terríveis noites, da vida e das atitudes dele para com ela. No momento, ele nada disse e resolveu, subitamente, ir ao rio para pescar, porém, antes de sair, disse a Samantha que fosse lá na mata e que escolhesse uma vara boa, que não fosse muito grossa, nem muito fina, bastante flexível e que ela tivesse, mais ou menos, um metro e meio de comprimento. E disse mais, que ela a limpasse e guardasse para ele usar assim que chegasse do rio.

    Obedecendo a ordem de Alceu ela deixou a vara como ele pediu. Assim que ele chegou da pescaria, ela, com um leve sorriso, foi depressa pegar a vara e entregou-a dizendo:

    – Fiz como cê mandô.

    O intuito era de agradá-lo. Alceu, com a vara na mão e com ar de ironia, disse:

    – Deixa eu vê se é boa memo?

    Afastou-se para trás e desceu a vara com toda força nas costas de Samantha, por duas vezes, e lhe disse:

    – É procê pará de reclamá da vida. E nunca mais me desobedeça!

    Desse dia em diante, Samantha passou a ter medo de estar com Alceu, pois, por qualquer motivo, era empurrada, esbofeteada, espancada, arrastada pelos cabelos e, achando que era pouco, lhe dava chutes e a levava para a cama onde tudo acontecia da forma em que ele bem quisesse. Ele achava que por ela ser sua esposa, esta lhe devia obediência em qualquer situação.

    Dentro de poucos meses Samantha estava grávida. Ao contar para Alceu, ao invés de ficar feliz pela a criança, deu-lhe uns bons tapas e muitas lambadas com vara de marmelo por ter engravidado tão cedo. Mas como Samantha iria evitar se não tinha conhecimento, não tinha prevenção, nem mesmo por parte de Alceu?

    Samantha pensava que tudo poderia mudar quando sua barriga começasse a crescer, que Alceu poderia ser um bom pai. Ainda com jeito de menina, pois era realmente ainda uma menina, alimentava uma esperança, afinal um filho ou uma filha mudaria muita coisa em uma pessoa.

    Desde criança Samantha era apaixonada pelas histórias contadas pelos avós, se encantava com príncipes e princesas, e isso a fez fantasiar que quando tivesse uma menina lhe daria o nome de Lagrimar, devido a saga da princesa das histórias contadas pela sua bisavó, mas, a fantasia foi desfeita, sua primeira filha recebeu o nome de Aninha, porém Samantha até hoje é apaixonada pelas histórias.

    SAMANTHA APANHA GRÁVIDA

    Alceu tocava e cantava muito bem e era compositor. Compunha e cantava suas próprias músicas tornando-se sucesso em toda a redondeza. Infelizmente, em casa, era outra pessoa. A vida de Samantha continuava o mesmo martírio e, mesmo esperando um bebê, Alceu não tinha um pouquinho sequer de pudor e respeito por ela.

    Quanto mais a barriga de Samantha crescia, Alceu se tornava mais violento. Puxava pelos cabelos e a derrubava na cama com um insaciável apetite sexual que sempre acabava em espancamento. Quando saía para as festas namorava outras mulheres, muitas casadas, solteiras, para ele não tinha diferença, bebia e se embriagava e brigava muito. Ao voltar para casa, a pancadaria continuava. Samantha, muitas vezes, pensou em abandonar tudo e sair de casa. Impossível, ele a mataria sem pensar duas vezes.

    Alceu, que já ia para as festas e fazia suas atrocidades, começou também a sair de casa e ficar até três, quatro dias fora, nas farras noturnas com mulherada e tudo mais. Samantha, sozinha em seu rancho, correndo o risco de ataque de feras selvagens e também de dar à luz. Suas companhias eram os pássaros e os animais, que circulavam por perto e pareciam pressentir o desprezo e o constrangimento por que passava.

    O pai de Alceu, que raramente os visitavam, disse a Alceu que Samantha nunca iria prestar, dizendo que conhecia esse tipo de mulher franzina, magrela, sem nada a oferecer, que homem não gostaria de encostar em ossos e que mulher tinha que ter carne. Afinal, para o Senhor Mathias, mulher nenhuma prestava e se oferecia para acabar com a vida de Samantha. Mas Alceu nunca respondia a ele. Alceu tinha uma pretensão maior.

    Samantha nunca mais teve contato com seus pais, desde seu casamento. Ela estava muito magrinha e já bem avançada na gravidez, já chegando aos nove meses e era tempo das festas regionais. Alceu se preparou, organizou suas coisas e disse para Samantha que mulher, no estado em que ela se encontrava, ficava era em casa, mulher buchuda não sairia com ele e, em seguida, partiu para o arraial. Para ele, os 15 dias foram pouco.

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    No rancho de Samantha a alimentação era escassa, para não morrer de fome, aprendera a pescar e, mesmo o rio sendo longe, todos os dias ia lá pegar o peixe de cada dia. O peixe era acompanhado de farinha de mandioca, que ela fazia com as raízes doadas por alguns vizinhos distantes. As raízes eram de mandioca braba (brava), e ela não podia comer a raiz, por ser venenosa, mas as ralava à mão em um ralinho feito com folha de lata e torrava a massa em um tachinho de folha, único presente que ganhara de sua mãe por ocasião de seu casamento.

    Deus, na Sua imensa sabedoria, encheu aquele lugar de frutos silvestres, garantindo que ninguém passaria fome caso se perdesse por ali.

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