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Direitos Humanos E Inteligência Emocional Na Escola
Direitos Humanos E Inteligência Emocional Na Escola
Direitos Humanos E Inteligência Emocional Na Escola
E-book762 páginas8 horas

Direitos Humanos E Inteligência Emocional Na Escola

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Sobre este e-book

Neste volume, o autor coloca a disposição da posteridade sua experiência de dezesseis anos trabalhando com os projetos de Direitos Humanos e Inteligência Emocional na escola. O autor entende que a escola sempre privilegiou o cognitivo em detrimento da dimensão emocional. O resultado disso é o grande contingente de analfabetos emocionais na sociedade. O coletivo de professores já começa a se dar conta da importância da dimensão emocional, de tal forma que já há indicação no novo BNCC para que as escolas trabalhem com ela. Então, o melhor que podemos fazer é investir nesse novo paradigma na pedagogia. Esta obra conta com sugestões de atividades e referencial teórico para estudo. Ela alia o aspecto cognitivo, trabalhando com os Direitos humanos, e o aspecto emocional, com atividades voltadas para a empatia e o autoconhecimento. Neste livro, as atividades foram pensandas de tal forma que as duas dimensões pudessem ser trabalhadas ao mesmo tempo, estimulando as dimensões intelectual e emocional dos estudantes.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de jul. de 2023
Direitos Humanos E Inteligência Emocional Na Escola

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    Direitos Humanos E Inteligência Emocional Na Escola - Edomberto Freitas Alves Rodrigues

    Direitos humanos e inteligência emocional na escola

    Edomberto Freitas Alves Rodrigues

    Clube de autores

    O autor

    Edomberto Freitas Alves Rodrigues. Formado em História pela UFMG e Filosofia pela PUC-MG. Professor de história em BH e Betim. Pesquisador de espiritualidade e filosofia. Escreveu a coleção Religare e outros livros espiritualistas. Agora ele traz uma obra baseada em sua carreira na educação e em sua experiência com projetos de direitos humanos e inteligência emocional.

    Capa: Edomberto Freitas

    1ª Edição: Julho de 2023

    AGRADECIMENTOS

    Este livro se baseou em grande parte no projeto de pesquisa feito por mim, quando estudava filosofia na PUC Minas. Assim, agradeço a todos que apoiaram o projeto PROBIC PUC Minas, origem deste livro, em especial o professor Sérgio Murilo e à Sílvia Contaldo, pela orientação, pelo aprendizado e apoio em todos os momentos necessários. À minha família que apoiou, apesar do tempo a menos que dispunha para eles. A pedagoga Rosani Siqueira, da prefeitura de Betim, que sempre acreditou naquele projeto.

    Sumário

    INTRODUÇÃO

    REFERENCIAL TEÓRICO

    METODOLOGIAS

    BREVE HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS

    INTELIGÊNCIA  EMOCIONAL E DIREITOS  HUMANOS

    MANUAL DO PROFESSOR

    ATIVIDADES PROPOSTAS

    Artigo I

    Artigo II

    Artigo III

    Artigo IV

    Artigo V

    Artigo VI

    Artigo VII

    Artigo IX

    Artigo XI

    Artigo XII

    Artigo XIII

    Artigo XIV

    Artigo XVI

    Artigo XVII

    Artigo XVIII

    Artigo XX

    Artigo XXII

    Artigo XXIII

    Artigo XXIV

    Artigo XXV

    INTRODUÇÃO

    Este livro se baseou, em grande parte, em um projeto de pesquisa realizado na PUC Minas. A ideia da implementação desse projeto partia da concepção de que a educação em valores é sumamente importante para uma formação humana e para a preparação do jovem para a vivência cidadã e social. Os livros didáticos não privilegiam essa abordagem, mesmo aqueles que adotam o termo educação em valores, acabam privilegiando a abordagem dos conteúdos sem um aprofundamento das consequências éticas e valorativas dos mesmos, ficando, assim, desprivilegiados outros aspectos importantíssimos. O projeto, então, foi concebido para oferecer um material próprio, que pudesse ser usado nas aulas de História dos anos finais do Ensino Fundamental. No entanto, qualquer educador preocupado com uma formação ética e moral dos alunos poderia lançar mão desse material.

    Educação em valores é um tema controverso no que diz respeito a quais valores serão privilegiados e destacados como relevantes. Neste livro, o caminho seguido foi buscar referências em que houvesse o mínimo de concordância sobre quais valores devem ser destacados. Segundo Puig[1]:

    O segundo momento da construção da personalidade moral se caracteriza pela transmissão daqueles elementos culturais e de valor que, apesar de não estarem completamente enraizados na trama social, consideramos que são horizontes normativos desejáveis. Neste sentido, ninguém, ou quase ninguém, quer prescindir de guias de valor como justiça, a liberdade, igualdade ou a solidariedade; mas também não quer abandonar o espírito e as formas democráticas com as quais desejamos organizar a convivência; igualmente resistimos ao esquecimento de propostas morais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Elementos culturais desta natureza são base de crenças e hábitos morais desejáveis que recolhemos no segundo momento da educação moral.

    É nessa ótica que vamos trabalhar a educação em valores, privilegiando os direitos humanos e a inteligência emocional, abordando os temas históricos à luz desse referencial.

    Muitas vezes a educação moral é vista como uma imposição heterônima de valores e normas, no entanto, neste livro, a educação moral será vista como um âmbito de reflexão individual e coletiva que permita elaborar racional e autonomamente princípios gerais de valor, princípios que ajudem a defrontar criticamente situações como a violência, a tortura e a guerra. O intuito é levar o aluno a analisar criticamente a realidade cotidiana e as normas sociais vigentes, de modo que contribua para idealizar formas mais justas e adequadas de convivência, de tal forma que formem hábitos de convivência que privilegiem valores como a justiça, a solidariedade, a cooperação ou o cuidado com os demais. Segundo Puig[2] a educação moral pode ser um âmbito de reflexão que ajude a:

    Detectar e criticar os aspectos injustos da realidade cotidiana e das normas sociais vigentes.

    Construir formas de vida mais justas, tanto nos âmbitos interpessoais como nos coletivos.

    Elaborar autônoma, racional e dialogicamente princípios de valor que ajudem a julgar criticamente a realidade.

    Conseguir que os jovens façam seus aqueles tipos de comportamento coerentes com os princípios e normas que pessoalmente construíram.

    Fazer com que adquiram também aquelas normas que a sociedade, de modo democrático e visando à justiça, lhes deu.

    Por que as escolas existem?

    Antes de ser um centro de saber, podemos dizer que um dos sentidos de existência da escola é ela ser um centro socializador, no qual o aluno aprende a fazer amigos, respeitar, conviver, trocar, compartilhar, reconhecer, amar. Mas esse aprendizado não é automático, além do fato de o aluno trazer uma cultura geral e familiar ampla e marcante em sua forma de ser, ele também constrói relações e sentidos de existência na escola. Se essa construção não for mediada, em muitos casos, o aluno construirá sua forma de ser à deriva de valores e guias de valor confiáveis. Dentro desse contexto, acabam estabelecendo situações de transgressão preocupantes, que é a agressão verbal e física. Por exemplo, quando perguntamos a alguns alunos sobre se eles acreditam que a violência resolve todos os problemas e alguns alunos respondem afirmativamente. Se não forem feitas intervenções construtivas, esse aluno será um futuro transgressor social. Claro, não existem garantias de nenhuma metodologia que atinja certeiramente os alunos. Isso porque cada um reconstrói e dá sentido próprio a todos os estímulos externos. Podemos dizer, nesse sentido, que cada um é, na verdade, o construtor de si mesmo, a responsabilidade final do que cada um é, em última instância, intransferivelmente do próprio sujeito. No entanto, cabe às escolas despertarem e potencializarem a capacidade de transformação consciencial dos sujeitos discentes. No entanto, para esse caminho ser percorrido, necessário se faz o conhecimento dos mecanismos da formação moral dos adolescentes, assim como de seu universo valorativo e contrapô-los com o universo de valores considerados desejáveis pelo consenso mínimo.

    Valores e inteligência emocional

    A relação entre valores e inteligência emocional é complexa e interdependente. Os valores representam as crenças e princípios que uma pessoa considera importantes em sua vida, enquanto a inteligência emocional refere-se à capacidade de reconhecer, compreender e gerenciar as emoções próprias e dos outros de forma eficaz.

    Os valores exercem uma influência significativa na forma como uma pessoa desenvolve sua inteligência emocional. Os valores podem moldar as crenças sobre a importância das emoções, bem como as atitudes e comportamentos relacionados a elas. Por exemplo, se uma pessoa valoriza a empatia e a compaixão, é mais provável que ela demonstre habilidades de inteligência emocional, como a capacidade de se colocar no lugar dos outros e compreender suas emoções.

    Da mesma forma, se uma pessoa valoriza a autenticidade e a honestidade, ela provavelmente terá uma maior consciência de suas próprias emoções e será mais capaz de expressá-las de maneira saudável. Valores como respeito, tolerância e equidade também estão relacionados a uma maior inteligência emocional, pois promovem a compreensão e a aceitação das emoções e perspectivas dos outros.

    Além disso, a inteligência emocional pode influenciar a formação e a priorização dos valores de uma pessoa. A capacidade de reconhecer e gerenciar as emoções próprias e dos outros permite uma maior clareza na identificação dos valores pessoais. Por exemplo, uma pessoa com alta inteligência emocional pode ser mais capaz de identificar a importância da empatia e da justiça em suas interações com os outros, levando a uma valorização maior desses princípios.

    A inteligência emocional também pode facilitar a vivência dos valores no cotidiano. A capacidade de gerenciar as próprias emoções de forma saudável contribui para a coerência entre os valores e as ações de uma pessoa. Por exemplo, alguém que valoriza a paciência e a calma será mais propenso a lidar de maneira tranquila e respeitosa em situações desafiadoras, mesmo quando confrontado com emoções intensas.

    Por outro lado, a falta de inteligência emocional pode levar a conflitos internos e contradições entre os valores e o comportamento. Por exemplo, uma pessoa que valoriza a honestidade, mas tem dificuldade em lidar com emoções desconfortáveis, pode recorrer à mentira para evitar confrontos emocionais.

    Os valores e a inteligência emocional estão intrinsecamente ligados. Os valores influenciam a forma como a inteligência emocional é desenvolvida e expressa, enquanto a inteligência emocional pode influenciar a formação e a vivência dos valores. A conscientização e o cultivo desses aspectos podem levar a uma vida mais autêntica, congruente e emocionalmente saudável. Por isso, neste livro, tratamos de pensar formas de interligar os direitos humanos e a inteligência emocional.

    Como a educação pode ajudar o aluno a formar a sua consciência moral?

    A educação desempenha um papel fundamental na formação da consciência moral de um aluno. Ela pode ajudar a desenvolver os princípios éticos e valores que guiam as ações e decisões de uma pessoa. Aqui estão algumas maneiras pelas quais a educação pode contribuir para a formação da consciência moral do aluno:

    Currículo voltado para a ética: A inclusão de disciplinas ou cursos que abordem a ética e os valores morais pode ajudar os alunos a refletir sobre questões morais, a desenvolver o pensamento crítico e a tomar decisões fundamentadas.

    Modelagem de comportamento:Os educadores desempenham um papel essencial como modelos de comportamento moral. Ao demonstrarem valores morais em suas próprias ações e decisões, eles influenciam os alunos a desenvolver comportamentos éticos.

    Discussões e debates: Promover discussões e debates em sala de aula sobre questões morais e dilemas éticos pode ajudar os alunos a compreender diferentes perspectivas, a considerar as consequências de suas ações e a desenvolver empatia pelos outros.

    Aprendizado baseado em experiências: Envolver os alunos em atividades práticas que exijam a aplicação de valores morais pode ajudá-los a entender como suas ações afetam outras pessoas e a refletir sobre suas escolhas.

    Cultivo de virtudes: A educação pode enfatizar o cultivo de virtudes, como honestidade, respeito, responsabilidade, empatia e justiça. Essas virtudes podem ser incorporadas às práticas educacionais e ao ambiente escolar, criando uma cultura que valoriza tais comportamentos.

    Educação inclusiva: Promover a educação inclusiva, que valoriza a diversidade e o respeito às diferenças, contribui para a formação de uma consciência moral compassiva e sensível às questões sociais.

    Reflexão crítica: Incentivar os alunos a refletir criticamente sobre as normas sociais e culturais, a questionar preconceitos e a examinar as bases morais de suas crenças ajuda a desenvolver uma consciência moral autônoma e informada.

    É importante ressaltar que a formação da consciência moral é um processo contínuo e complexo, influenciado por diversos fatores além da educação, como a família, o meio social e a própria experiência pessoal. No entanto, a educação desempenha um papel significativo ao fornecer as bases e oportunidades para a reflexão moral e o desenvolvimento ético dos alunos.

    Segundo o documento PCN/MEC(1998, p.75)[3]do Ensino Fundamental, essa é uma questão muito relevante:

    No sentido clássico do termo, é impossível ensinar moralidade. Não se quer dizer com isso que não haja nada a aprender nesse campo, por parte do educando. O desafio de promover uma educação em valores consiste em desenvolver um trabalho pedagógico que auxilie o educando a tomar consciência da presença dos valores em seu comportamento e em sua relação com os outros, participando do processo de construção e problematização desses valores, num movimento de afirmação de autonomia. Como todo saber prático, a moral não pode ser ensinada sem a participação plena e ativa de quem aprende. Em vez de impor valores, trata-se de afirmá-los, de torná-los visíveis e de tornar compreensível o seu significado, na vida de todos e na participação de cada um no contexto social.

    As metodologias propostas pelo educador Josep Maria Puig serão exploradas para se pensar essas intervenções para se formar a consciência moral.

    Puig[4] sugere que a consciência moral desenvolve-se segundo uma linha de procedimentos que passa por autoconhecimento, conhecimento dos outros, juízo moral, compreensão crítica, disposição para a comunicação e diálogo, capacidades emocionais e de sensibilidade e autorregulação. Para se intervir em cada uma dessas instâncias ele sugere as seguintes metodologias[5]: para construir a identidade moral: exercícios de clarificação de valores e autobiográficos; para aquisição de critérios de juízo moral: discussão de dilemas morais e role-playing (dramatização); para o desenvolvimento das capacidades de compreensão crítica: exercícios de compreensão crítica e enfoques socio-afetivos; para fomentar as disposições de autorregulação: exercícios de autoregulação; para reconhecer e assimilar valores universalmente desejáveis e informação moralmente relevante: exercícios de role-model (trabalho com exemplos de atitudes desejáveis), exercícios de construção conceitual; para reconhecer e valorizar o pertencer às comunidades de convívio: exercícios de habilidades sociais, resolução de conflitos e atividades informativas.

    Todas essas metodologias serão exploradas no item metodologia desse mesmo projeto. Refletiremos mais sobre a construção da consciência moral na parte do referencial teórico deste mesmo projeto.

    Objetivo geral

    Este livro visa construir material pedagógico a respeito de guias de valor, como os Direitos Humanos, e sem esquecer a importantíssima dimensão emocional, para ajudar na formação da consciência moral dos alunos.

    Objetivos específicos

    Formular planos de aula em que eventos do cotidiano ou da história possam ser associados a direitos humanos relevantes e ligados de alguma forma aquela época histórica, levando o aluno a perceber que os direitos humanos foram desconsiderados ao longo do tempo e como foi lento o processo de conquista dos mesmos.

    Promover a reflexão de que os direitos humanos são fruto da experiência e da intervenção humana, em diferentes tempos e espaços, envolvendo sujeitos, temporalidades, contextos, eventos e conceitos diversos.

    Levar os alunos a refletirem sobre seu papel de construtor social, ou seja, a tomarem consciência de que eles são sujeitos da história, reconhecendo que os bens culturais, como os direitos humanos, são construções coletivas, fruto de experiências de diferentes grupos sociais.

    Justificativa

    Quando comecei a lecionar, em uma das primeiras aulas, quando falava sobre o extermínio dos homossexuais pelos nazistas, vários alunos diziam que homossexuais tinham que morrer mesmo, que eles odiavam homossexuais. Ficava chocado com essas posturas, mas o mais assustador era constatar que, em todas as turmas, muitos alunos apresentavam a mesma atitude de discriminação e preconceito. Além desses episódios, muitos outros como a intolerância religiosa, o desrespeito para com professores e alunos, violência verbal e física, bullying, entre outros, acabaram por me convencer da necessidade e da urgência de uma formação em valores nas escolas. Foi assim que comecei a pesquisar para desenvolver um projeto que me ajudasse em sala de aula a desenvolver a consciência moral dos alunos através de atividades reflexivas. Das minhas pesquisas surgiu um projeto que era: O ensino da história à luz dos direitos humanos. Trabalhei com esse projeto em duas Escolas em Belo Horizonte e Betim, onde leciono há 16 anos. Tive uma experiência gratificante e com bons resultados, no que diz respeito a despertar o interesse dos alunos. Assim, surgiu a ideia de enriquecer e divulgar minha experiência através de um projeto de pesquisa financiado pela PUC Minas, e agora por este livro.

    As questões relativas a valores humanos permeiam também todos os conteúdos curriculares, apesar de não serem explicitados e trabalhados. Uma formação Ética poderá prestar o serviço de desnudar os valores que permeiam toda a vida humana e a necessidade de se posicionar frente a eles. Os PCNs/MEC[6] lembram os valores que perfazem as disciplinas. Nas ciências humanas, história e Geografia, trata-se essencialmente das relações humanas, seja aquelas que se dão nas instituições políticas, econômicas e  sociais construídas pelos e entre os povos, seja as das sociedades com seu meio. Em Língua Estrangeira e Língua Portuguesa, deve-se considerar que a língua é um dos veículos da cultura do país onde é falada e que, portanto, carrega os valores dessa cultura, mais ainda, a linguagem, oral ou escrita, é também uma situação de comunicação que aproxima pessoas, coloca-as em interação; em Matemática, os usos que se fazem dos seus conhecimentos expressam valores. Veja-se, por exemplo, a realidade econômica, na qual se busca invariavelmente amenizar escolhas de caráter político ou moral pela suposta neutralidade dos números, dos dados; em Arte, nas diversas formas de manifestação artística da humanidade, revelam-se também visões de mundo e de valores. A produção artística guarda um diálogo com a sociedade onde é produzida, com seus valores inclusive; em educação física, as questões relativas à competição e cooperação, ao conhecimento dos limites e possibilidades do próprio corpo e sua aceitação, a autodisciplina, ao aprendizado e respeito a regras, à participação na construção em comum acordo de novas regras; em Ciências Naturais, questões como a neutralidade ou não do conhecimento científico, as relações entre esse conhecimento e as técnicas e tecnologias, as transformações sociais causadas pelas transformações tecnológicas, formam um pano de fundo no qual os conteúdos da área se desenvolvem.

    Assim, as reflexões deste projeto de pesquisa poderão servir para outras disciplinas refletirem sobre seu próprio conteúdo e incorporarem metodologias e intervenções que ajudem os alunos a perceberem e a vivenciarem os valores de forma mais refletida, consciente e autônoma.

    Em outra perspectiva, as relações sociais internas à escola também são pautadas em valores morais. Como agir na relação com o aluno, com o professor, com o colega? A prática dessas relações forma moralmente os alunos. Se as relações forem respeitosas e democráticas, os alunos poderão ter uma boa experiência de como conviver com a diferença de forma dialogada. As relações da escola com a comunidade também levantam questões éticas. De fato, a escola não é uma ilha isolada do mundo, da cidade, do bairro. Ela ocupa lugar importante nas diversas comunidades, pois envolve famílias, com seus hábitos culturais recheados de valores.

    Assim, a escola é um espaço privilegiado de formação ética e moral. Não podemos esquecer também que os alunos ocuparão vagas em muitos empregos no futuro, e ficamos imaginando que profissional eles serão. Se, em salade aula, o aluno não dá conta das regras mínimas de convivência, é de se esperar que, no futuro, se não forem feitas intervenções adequadas, essa postura se agravará. A escola tem que cumprir com o seu papel de instituição responsável pela formação humana desses alunos e fazer as intervenções possíveis.

    Vivemos também o que alguns autores estão chamando de crise de valores[7]. Faz-se necessário, então, melhores referências valorativas pautadas na construção de relações sociais mais justas, solidárias e democráticas, que respeitem as diferenças físicas, psíquicas, ideológicas, culturais, socioeconômicas, de gênero, entre outras, de seus membros. Para isso, os futuros cidadãos têm que incorporar, nas práticas cotidianas, os princípios e valores já conhecidos, mas nunca consolidados amplamente por nenhuma cultura. Documentos como a Declaração de direitos do homem, proclamada pela ONU (1948), nos faz lembrar o quanto a humanidade tem que caminhar. Por essa razão, vale a pena apostar em uma educação em valores, que leve o aluno a sair de sua dimensão puramente individual e se ver como um integrante de um grupo social maior que estipula direitos e deveres que foram amplamente discutidos e que ele precisa avaliar e refletir.

    Por outro lado, este livro tenta cumprir com a sétima consideração da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (ONU, 1948) que diz:

    Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta importância para dar plena satisfação a tal compromisso:

    A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.

    Assim, este livro visa fornecer propostas que possam desenvolver nos alunos o respeito e reconhecimento dos direitos e liberdades proclamados na Declaração de 1948. Será isso importante? Será que os direitos estão plenamente realizados nos âmbitos institucionais e individuais? Será que as pessoas estão plenamente cientes e respeitosas dos direitos, deveres e liberdades proclamadas? Não é necessário muita perspicácia para observar e constatar a negativa para as questões anteriores. Na própria escola percebemos as arbitrariedades de alunos, professores, administradores; também na vida social, pelos jornais, diariamente são noticiados os desmandos, abandonos, violências, arbitrariedades em vários setores. A constatação que se faz é a da urgência de uma educação voltada para essa temática. No entanto, para isso, faltam materiais didáticos, falta a preocupação com essa temática nas próprias universidades que formam os futuros professores e formadores de valores. Até no próprio curso de filosofia que fiz, que tem uma grande afinidade com essa temática por envolver os aspectos éticos e axiológicos presentes na sociedade, não vi esforços no sentido de ampliar a discussão e promover a difusão dos direitos humanos através da formação dos futuros professores. Por tudo isso, este livro visa, em parte, suprir algumas deficiências, como a falta de material didático e, também, ampliar a discussão dessa temática no meio universitário.

    Apesar do descaso com esse tema, temos iniciativas valiosas como a do professor Ulisses Araújo[8], que escreveu o livro Os direitos Humanos na sala de aula, resultado de um grupo de estudos da UNICAMP. Com base nele, construiremos muitas propostas de atividades, no formato de uma aula, pois as propostas dele são excelentes, mas não contemplam a realidade dos diminutos espaços de tempos que os professores têm para trabalhar com temáticas transversais.

    A nova BNCC e os direitos humanos

    A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento que estabelece as diretrizes para o currículo escolar no Brasil, definindo o conjunto de conhecimentos, habilidades e competências que todos os estudantes devem desenvolver ao longo da Educação Básica. Em relação aos direitos humanos, a BNCC busca promover a formação de cidadãos conscientes, críticos e comprometidos com a promoção e defesa desses direitos.

    A nova BNCC, publicada em 2017, introduziu alguns avanços significativos no tratamento dos direitos humanos no contexto educacional brasileiro. Ela reconhece a importância de uma educação que promova valores éticos, cidadania, respeito à diversidade e aos direitos humanos, visando contribuir para a formação integral dos estudantes.

    Dentre os princípios que permeiam a BNCC, destacam-se a valorização da igualdade, da justiça, da liberdade, da autonomia, do respeito à dignidade humana e da sustentabilidade socioambiental. Esses princípios estão presentes em diversos momentos do documento, orientando a construção dos currículos e a prática pedagógica nas escolas.

    A BNCC prevê que os direitos humanos sejam abordados transversalmente em todas as áreas do conhecimento, de forma integrada, multidisciplinar e contextualizada. Isso significa que os temas relacionados aos direitos humanos devem permear as disciplinas tradicionais, como Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências, entre outras.

    Além disso, a BNCC ressalta a importância de se trabalhar com temas transversais, como ética, diversidade, igualdade de gênero, inclusão social, educação para a paz, combate ao racismo e à discriminação, direitos das crianças e dos adolescentes, direitos humanos dos povos indígenas, entre outros. Esses temas devem ser tratados de maneira interdisciplinar, estimulando a reflexão, o diálogo e a participação ativa dos estudantes.

    A BNCC também destaca a importância da formação dos professores para abordar os direitos humanos em sala de aula. Os docentes devem estar preparados para lidar com questões sensíveis, promover o respeito à diversidade, combater preconceitos e estereótipos, e contribuir para a construção de uma cultura de paz e de respeito aos direitos humanos.

    É importante ressaltar que a implementação da BNCC depende dos sistemas de ensino, das escolas e dos professores. Cabe aos gestores educacionais e às instituições de ensino garantir que as diretrizes sejam efetivamente incorporadas nos currículos e nas práticas pedagógicas, visando promover uma educação que valorize e respeite os direitos humanos.

    Assim, a nova BNCC brasileira reconhece a importância dos direitos humanos na formação dos estudantes e busca garantir que esses temas sejam abordados de forma transversal e integrada no currículo escolar. Ao promover a reflexão crítica, o respeito à diversidade e a valorização da dignidade humana, a BNCC contribui para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e democrática. Ao incorporar os direitos humanos como um elemento central do currículo, a BNCC busca formar cidadãos conscientes de seus direitos e responsabilidades, capazes de exercer sua cidadania de forma plena e contribuir para a construção de um país mais igualitário e respeitoso com a diversidade.

    No entanto, é fundamental que a implementação da BNCC seja acompanhada por políticas públicas consistentes, formação continuada de professores, recursos adequados e um ambiente escolar seguro e acolhedor. Somente assim será possível garantir que os direitos humanos sejam efetivamente promovidos e respeitados no contexto educacional brasileiro.

    Em suma, a nova BNCC brasileira representa um avanço na abordagem dos direitos humanos na Educação Básica, incentivando a formação de estudantes conscientes e comprometidos com a promoção da igualdade, da justiça e do respeito aos direitos humanos. Sua implementação efetiva é essencial para promover uma educação inclusiva e transformadora, capaz de contribuir para uma sociedade mais justa e equitativa.

    A BNCC e a inteligência emocional

    Como vimos, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento que estabelece as diretrizes para a educação básica no Brasil. Ela define os conhecimentos, habilidades e competências que todos os estudantes devem desenvolver ao longo da sua formação escolar. Então, a inclusão da inteligência emocional como um componente essencial na BNCC é um reflexo do reconhecimento da importância das habilidades socioemocionais no desenvolvimento integral dos indivíduos.

    A inteligência emocional refere-se à capacidade de reconhecer, compreender e gerenciar as emoções, tanto as próprias como as dos outros. Ela envolve habilidades como empatia, autorregulação emocional, automotivação e habilidades sociais, que são fundamentais para o bem-estar e o sucesso pessoal e profissional.

    A inclusão da inteligência emocional na BNCC é um avanço significativo, pois reconhece que as emoções desempenham um papel central no processo educacional. Através do desenvolvimento da inteligência emocional, os estudantes podem aprender a lidar de forma saudável com os desafios e adversidades, a tomar decisões mais conscientes e a estabelecer relacionamentos interpessoais saudáveis.

    Ao promover a inteligência emocional, a BNCC busca fomentar o desenvolvimento integral dos estudantes, levando em consideração não apenas o aspecto cognitivo, mas também o emocional e social.

    Afinal, a capacidade de lidar com as próprias emoções e de se relacionar de forma empática com os outros são habilidades essenciais para uma vida plena e para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.

    A inclusão da inteligência emocional na BNCC também implica uma mudança na forma como o processo de ensino-aprendizagem é concebido. Os educadores devem estar preparados para trabalhar não apenas o conteúdo acadêmico, mas também as habilidades socioemocionais dos estudantes. Isso requer uma abordagem pedagógica que valorize a escuta ativa, o diálogo, a reflexão e a prática de atividades que estimulem o autoconhecimento e o desenvolvimento das habilidades socioemocionais.

    Além disso, é importante ressaltar que a inteligência emocional não é uma competência que se desenvolve apenas na escola. A família, a comunidade e a sociedade como um todo desempenham um papel fundamental na formação emocional dos indivíduos. Portanto, a inclusão da inteligência emocional na BNCC também implica em uma articulação entre escola, família e demais atores sociais, a fim de promover um ambiente propício para o desenvolvimento integral dos estudantes.

    Em resumo, a inclusão da inteligência emocional na nova BNCC brasileira reflete um reconhecimento da importância das habilidades socioemocionais no processo educacional. Essa abordagem busca promover o desenvolvimento integral dos estudantes, capacitando-os para lidar de forma saudável com suas emoções, estabelecer relacionamentos saudáveis e tomar decisões conscientes. A implementação efetiva da inteligência emocional na prática educacional exige uma mudança de paradigma, envolvendo educadores, famílias e sociedade em geral.

    Ética e valores

    Como falamos muito em ética e valores neste livro, vamos dissertar um pouco sobre esses temas.

    O que é a ética? Na filosofia a ética é justamente a reflexão crítica e racional dos valores morais da sociedade. Portanto, está diretamente ligada a proposta deste livro, que pretende buscar, através de textos e situações problemas, avaliar e refletir sobe os direitos humanos da Declaração de 1948, que são tidos até hoje como altamente desejáveis para qualquer sociedade que ser quer mais democrática, livre e justa.

    O que vem a ser valores? Essa palavra sintetiza uma dimensão do humano que consiste em apreciar as coisas do mundo em que se vive e sentir atração ou repulsa por elas. Através dessa ação valorativa dizemos que uma coisa é importante, bela, atraente, ruim, boa, agradável, gostosa, etc. Assim, temos valores de utilidade, beleza, morais (bem e mal), econômicos, religiosos. Nada escapa a esta ação valorativa dos seres humanos. Assim, as próprias ações humanas, a cultura gerada por esta ação, os objetos, a natureza, tudo enfim será avaliado e receberá certo valor, que nem sempre estará associado a algo útil ou necessário, mas de alguma forma mobilizaram nossa afetividade. Basta observar que os objetos de desejo nesta época de consumismo nem sempre podem ser assim classificados. Só no século XIX surgiu a teoria dos valores ou axiologia, que se ocupa das relações entre os seres e os sujeitos que os apreciam.

    A ação valorativa é tipicamente humana, uma vez que não se observa entre os animais esta característica e, por isso, podemos entender que de alguma forma essa capacidade está ligada à cognição, à inteligência, à racionalidade e, ao mesmo tempo, às emoções. Com a razão avaliamos os objetos e com as emoções nos sentimos ligados a eles.

    Avaliar é universalmente humano, mas o que se considera valioso ou destituído de valor nem sempre é consensual. Basta olhar para as inúmeras etnias e suas culturas no mundo para observar as infinitas variações valorativas. Esta ação está tão impregnada no existir humano que muitas vezes esquecemos que as coisas têm valor para aquele que valora e não em si mesmo. Assim, projetamos nossos valores no mundo e dizemos, por exemplo, que a natureza é boa, o terremoto é ruim, o tigre é mau, que a morte é detestável, mas esquecemos de que isso são apenas juízos pessoais daquele que valora. Se os seres humanos não existissem um terremoto seria apenas um terremoto, nada mais. O ouro e o diamante seriam apenas minerais entre outros, nada mais. Fica evidente, então, que valores são construções culturais, sociais, históricas, portanto altamente moldáveis e estão de fato em constante transformação.

    Mas afinal, a reflexão sobre nossa ação valorativa pode também ser importante? Se refletirmos sobre a vida humana podemos observar que toda ela se dá em torno de valores considerados importantes ou não. Assim, a forma como uma sociedade vive e se organiza está diretamente ligada ao que ela valoriza. Se existe guerra é porque foi considerada necessária e importante; se existe desigualdade e miséria é porque nossos valores estão configurados de tal forma que, mesmo que a miséria seja avaliadacomo algo ruim, este incômodo pode não superar o desafio de eliminá-lo, uma vez que algum preço terá essa ação afirmativa. Por outro lado, a miséria e as mortes causadas por ela podem ser avaliadas como menos importantes que o direito de uns poucos deterem a maior parte da riqueza do mundo. Então, os efeitos da ação valorativa são sentidos por todos, daí sua importância.

    A ação valorativa impõe um problema para a sociedade e para a educação: diante da multiplicidade de valores, muitos até contraditórios, quais serão selecionados como de fato importantes e merecedores de serem cultivados? A proposta deste livro é buscar valores que já foram amplamente discutidos e que se alcançou um nível razoável de consenso. É nesse parâmetro que se enquadram os direitos humanos e a Declaração Universal de 1948. Naquela data quarenta e oito países assinaram o documento, mas em anos subsequentes muitos outros países o referendaram, incluindo os direitos humanos em suas constituições, como fez o Brasil em 1988. Mas este livro tem como proposta a reflexão crítica, portanto, pretende oferecer aos alunos a possibilidade de analisar e refletir, e a partir da análise e discussão de farto material e questões problemáticas poder selecionar seu universo valorativo de forma mais consciente e madura, sem imposições.

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    REFERENCIAL TEÓRICO

    Para a elaboração das atividades do material pedagógico sobre os direitos humanos procurei autores que ofereciam reflexões que pudessem ser traduzidas em experiências práticas para a sala de aula. Após algumas leituras ficou claro que esse trabalho demandaria leituras transdisciplinares. Um pensador de peso que faz esse percurso é o La Taille, ele analisa estudos de psicanalistas, psicólogos, sociólogos, filósofos, educadores, antropólogos, pois muitos ofereceram reflexões parciais que, quando analisadas em conjunto, trazem possibilidades ricas para um trabalho em sala de aula. Como La Taille, primeiramente analisaremos estudos sobre a moralidade humana para depois justificarmos a abordagem da ética e moral em sala de aula através dos direitos humanos [9] .

    Analisaremos autores que põem ênfase no âmbito da afetividade, quando analisam a moralidade (Aristóteles, Espinosa, Hume, Stuarte Mill, Durkheim, Freud); autores que põem ênfase na racionalidade (Kant, Piaget, Kholberg); dois que tentam analisar as dimensões intelectuais e afetivas da moralidade (La Taille e Araújo) e, finalmente, um que procura sintetizar várias heranças anteriores (Puig).

    Veremos que em uma proposta metodológica para se trabalhar com o tema da ética em sala de aula, os autores que valorizam a razão como uma instância positiva e indispensável são os mais profícuos. Afinal, o trabalho em sala de aula é, muitas vezes, um apelo à razão e à reflexão. Acreditamos que seja indispensável abordagens que alcancem as emoções, isso ficará claro quando analisarmos as reflexões de La Taille, no entanto, esse trabalho ainda carece de ser transformado em propostas viáveis para a sala de aula. Mesmo assim, ensaiaremos algumas propostas baseadas nas ideias de Puig, como veremos na parte de metodologias.

    A contribuição de Aristóteles[10]

    No livro Ética a Nicômaco, Aristóteles disserta longamente sobre a ética. Para ele, a ética inicia-se com o estabelecimento da noção de felicidade. Embora o homem busque sempre a felicidade, para Aristóteles ela só pode ser verdadeiramente alcançada com o exercício da virtude, sob a orientação reta da razão. Portanto, a primeira coisa que a razão deve fazer é definir corretamente o que é uma virtude perfeita, estudando a natureza da virtude moral.

    Aristóteles define a virtude moral como a disposição para agir de forma deliberada e de acordo com a razão. Há virtudes intelectuais e morais, sendo aquelas adquiridas pelo ensino, necessitando de experiência e tempo, e, as outras, são adquiridas pelo hábito, que determina o que é bom ou ruim.

    As virtudes não são obra da natureza. Caso fossem, não poderiam ser alteradas pelo hábito. Mas a natureza predispôs o homem com a capacidade de adquiri-las e aperfeiçoá-las através do exercício e da prática. Por exemplo, tornamo-nos justos praticando atos justos. Assim, o homem é responsável por seu caráter.

    As virtudes, segundo Aristóteles, poderiam ser destruídas pela carência ou pelo excesso. Caberia, então, à razão mediar as virtudes, buscando uma justa medida. A virtude seria um equilíbrio entre sentir em excesso e não sentir nada. Ser virtuoso, então, seria buscar uma harmonia entre emoções opostas pelo excesso e a falta. O meio termo é experimentar as emoções certas, no momento certo, em relação às pessoas certas e de maneira certa. Por exemplo, na relação do homem com o meio social, pode surgir o sentimento da vergonha. Se o homem deixar esse sentimento pecar pelo excesso, ele dará origem à timidez. Se ele pecar pela falta, surge um comportamento que chamamos de sem-vergonhice. Se o homem procurar o justo meio, surgirá a modéstia. Ou seja, o homem não silenciaria suas emoções, mas buscaria uma proporção que o levaria a uma adequação, sob a perspectiva moral.

    Aristóteles considera, então, as dimensões racional e emocional do homem. A dimensão emocional, por sua vez, deve estar sob o governo da razão, caso contrário, não teríamos o comportamento virtuoso. Como aluno de Platão, ele herda a noção de que a dimensão racional seria uma melhor instância em nós, cabendo a ela a orientação para a vida correta.

    Há dois elementos, porém, não explicitados por Aristóteles e, sem eles, a mediania não seria possível: a observação de si mesmo e o autoconhecimento, habilidades exploradas na inteligência emocional. Sem eles, o homem não conseguiria averiguar seu comportamento e seus hábitos, para aferir se estão de acordo com o justo meio proposto por Aristóteles e, assim, aprofundar o estudo de si mesmo.

    Por outro lado, se a virtude está situada entre dois extremos, evitando o excesso e a deficiência, essa ideia pode ser aplicada de maneira relevante na educação em valores e direitos humanos, pois nos convida a buscar um equilíbrio entre diferentes perspectivas e comportamentos, promovendo a compreensão, o respeito mútuo e a igualdade.

    Ao aplicar a ideia da mediania de Aristóteles na educação em valores, é fundamental buscar um meio-termo entre a imposição de valores e a relativização total. A educação em valores deve fornecer um espaço para o diálogo aberto e crítico, no qual os estudantes possam explorar diferentes perspectivas e construir um entendimento informado sobre o que é certo e errado. Isso implica uma abordagem pedagógica que promova o pensamento ético e a reflexão sobre valores universais, como a dignidade humana, a liberdade, a justiça e a solidariedade.

    Além disso, a mediania de Aristóteles pode nos ajudar a abordar a educação em direitos humanos de maneira equilibrada. Os direitos humanos são princípios fundamentais que protegem a dignidade e a liberdade de todos os indivíduos, mas sua aplicação pode ser complexa em determinadas situações. Por exemplo, o direito à liberdade de expressão pode entrar em conflito com o direito à proteção contra discurso de ódio. Nesses casos, a ideia da mediania nos convida a buscar soluções equilibradas, que garantam a liberdade de expressão, mas também protejam os direitos e a dignidade dos grupos marginalizados.

    A educação em valores e direitos humanos também requer um equilíbrio entre a teoria e a prática. Os estudantes devem aprender sobre os valores e direitos humanos, mas também devem ser encorajados a aplicá-los em suas vidas cotidianas. A mediania de Aristóteles nos lembra da importância de encontrar um ponto intermediário entre o conhecimento teórico e a ação prática, desenvolvendo a capacidade dos estudantes de tomar decisões éticas e agir de acordo com os valores e direitos humanos que aprendem.

    Em suma, a ideia da mediania de Aristóteles pode ser valiosa para pensar uma educação em valores e direitos humanos. Ela nos lembra da importância de buscar o equilíbrio, evitar extremos e promover uma abordagem ponderada e reflexiva em relação aos valores e direitos fundamentais. Ao adotar essa abordagem, podemos cultivar cidadãos conscientes, críticos e comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

    A contribuição de Espinosa

    Aristóteles, com sua teoria sobre a ética, dominou o cenário intelectual durante séculos. Muitos enxergaram a conquista da virtude e do comportamento moral nos moldes traçados por ele e por Platão. Veremos que alguns pensadores vão redimensionar esse peso. O primeiro deles é Espinosa.

    Espinosa defendia o monismo, que diz que tudo tem uma mesma origem, que para ele seria Deus. Ele é substância, originária e autofundante, causa de si mesma[11]. Tudo o mais são atributos ou modos dessa substância. Assim, Deus manifesta essa substância de infinitas formas e os atributos, produzindo a diversidade de tudo o que existe.

    Espinosa entende que uma substância material e outra espiritual só diferem em seus atributos, pois ambas seriam modificações da substância divina. Assim, o homem, em Espinosa, será também uma expressão única, em que o corpo e espírito são expressões de uma mesma coisa. Então, para o problema mente versus corpo, posto por Descartes, em que existiriam duas substâncias, a matéria extensa e a matéria pensante, Espinosa apresenta a solução de comunicação entre essas duas substâncias. A solução de Espinosa é de que, na verdade, existe apenas uma substância, Deus, a partir da qual tudo tem sua existência. Deus é imanente a tudo, e a diversidade é atributo e modo dessa substância única.

    Pensamento e afeto também seriam atributos de uma mesma individualidade, portanto, precisam estar ligados de alguma forma. Nesse ponto, o problema posto por Platão, como vimos no capítulo anterior, da contradição entre nossa melhor parte, a razão, e a nossa parte apetitiva, torna-se interessante aqui. Afinal, como ficaria o autodomínio em Espinosa? A mente pode ter poder absoluto sobre os afetos? O autodomínio implica contradição, oposição e domínio de uma parte sobre outra, mas aqui temos que afeto e pensamento não se opõem em essência.

    No entanto, Espinosa ainda mantém a percepção de contradição e oposição existente em nossa intimidade. Além disso, ele também se pergunta qual domínio que podemos ter sobre nossas paixões. Em Espinosa, o atributo pensamento e o atributo afeto agem simultaneamente para produzir a ação, havendo um certo entrelaçamento entre os dois.

    Na proposição VII[12], Espinosa afirma:

    Uma paixão não pode ser reprimida nem suprimida senão por uma contrária e mais forte do que a paixão a reprimir.

    Mais à frente, Espinosa diz que o atributo do pensamento tem império sob os afetos, na medida em que pode despertar afetos contrários e mais fortes. Na proposição XIV, Espinosa diz:

    O conhecimento verdadeiro do bom e do mau não pode, à medida que é verdadeiro, reprimir paixão alguma, mas sim somente enquanto é considerado como paixão.

    Tomando a expressão teórica do amai vossos inimigos como exemplo, podemos dizer, nessa ótica, que o simples conhecimento dessa expressão não é capaz de reprimir uma paixão de ódio e produzir o perdão. Isso só pode acontecer quando inserirmos, nesse princípio, um valor afetivo maior que o ódio e que seja capaz, portanto, de reprimi-lo ou substituí-lo. Para um princípio se tornar uma vivência, temos que associar algum valor afetivo a ele.

    Na proposição XV, Espinosa afirma que o desejo que nasce do conhecimento do bem e do mal pode ser extinto ou reprimido por muitos outros desejos que nascem das paixões pelas quais somos dominados.

    Espinosa não abandona totalmente a ideia platônica do governo da razão para superarmos a escravidão das paixões. Ela ainda é um aspecto diretor, direcionador, que aponta para o que é melhor e útil para nós. No entanto, o que Espinosa acrescenta é que, para alcançarmos essa meta de autogoverno, razão e afeto devem interagir de modo que o pensamento produza afetos que possam oferecer o elemento de contradição, força e domínio. Assim, é necessário que desejemos e amemos o caminho apontado pela razão, para que possamos ter uma ação virtuosa.

    A abordagem de Espinosa sobre o pensamento e o afeto pode ser uma fonte valiosa de insights para o desenvolvimento de práticas pedagógicas que promovam uma educação em valores. Sua visão integrada do pensamento e do afeto oferece uma perspectiva única sobre como os seres humanos podem cultivar valores positivos e construir uma sociedade mais ética.

    Para Espinosa, o pensamento e o afeto estão intrinsecamente relacionados. Ele argumentava que nossos pensamentos são acompanhados por afetos, ou seja, emoções e sentimentos que influenciam nossa maneira de ser e agir no mundo. Segundo ele, nossas ações são motivadas pelos afetos que experimentamos e, por sua vez, nossos afetos são moldados pelas ideias que temos. Essa interação entre pensamento e afeto é essencial para a formação de valores em uma perspectiva educacional.

    No contexto da educação em valores, a abordagem de Espinosa pode nos auxiliar de várias maneiras. Primeiramente, ela nos lembra da importância de fornecer aos alunos um ambiente educacional que estimule o pensamento crítico e reflexivo. Ao promover a análise e a discussão de ideias, estamos capacitando os estudantes a desenvolverem sua capacidade de pensar de forma autônoma e independente.

    Além disso, Espinosa destaca a necessidade de cultivar afetos positivos que possam guiar nossas ações. Isso implica incentivar a empatia, a compaixão, o respeito e a solidariedade entre os alunos. Uma prática pedagógica que valorize a escuta ativa, o diálogo aberto e o cuidado mútuo podem ajudar a promover esses afetos positivos e, consequentemente, contribuir para uma educação em valores.

    Espinosa também nos alerta sobre a importância de compreender as causas e as origens dos afetos negativos, como o medo, o ódio e o preconceito. Esses afetos muitas vezes são baseados em ideias equivocadas ou estereótipos e podem levar a comportamentos prejudiciais. Portanto, uma prática pedagógica voltada para a educação em valores deve fornecer oportunidades para desafiar essas ideias preconceituosas, promovendo a conscientização e a compreensão mútua.

    A abordagem de Espinosa também destaca a importância da autotransformação. Ele argumenta que, ao compreender nossas próprias emoções e pensamentos, podemos buscar uma maior autonomia e liberdade. Na educação em valores, isso implica ajudar os alunos a refletir sobre suas próprias crenças e valores, a fim de promover um processo de autodescoberta e autorreflexão.

    Em suma, a abordagem de Espinosa sobre pensamento e afeto pode fornecer um arcabouço teórico valioso para pensar práticas pedagógicas que promovam uma educação em valores.

    A contribuição de Hume

    No século XVII, outro pensador contestou o peso da racionalidade no comportamento humano, dando mais atenção à dimensão emocional.

    Nas palavras de Hume:

    Como a moral, portanto, tem uma influência sobre as ações e os afetos, segue-se que não pode ser derivada da razão, porque a razão sozinha, como já o provamos, nunca poderia ter tal influência. A moral desperta paixões, e produz ou impede ações. A razão, por si só, é inteiramente impotente quanto a esse aspecto. As regras da moral, portanto, não são conclusões de nossa razão.[13]

    Mais à frente, Hume pondera que a razão pode influenciar nossa conduta de duas maneiras: a) despertando uma paixão ao nos informar sobre a existência de alguma coisa que é um objeto próprio dessa paixão, b) descobrindo a conexão de causas e efeitos, de modo a dar meios de exercer uma paixão qualquer. No entanto, esses juízos podem, frequentemente, ser falsos e errôneos.

    Então, Hume afirma ser impossível que a distinção entre o bem e o mal da moralidade possa ser feita pela razão, já que essa distinção influencia nossas ações, coisa que a razão, por si só, é incapaz de fazer. A razão e o juízo podem, é verdade, ser causa imediata de uma ação, estimulando ou dirigindo uma paixão. Hume não pretende afirmar que um juízo dessa espécie seja acompanhado, em sua verdade ou falsidade, de virtude ou vício. Quantos aos juízos causados por nossas ações, eles são ainda menos capazes de

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