Xantipa
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Xantipa - Edomberto Freitas Alves Rodrigues
Xantipa
A mulher de Sócrates
Edomberto Freitas Alves Rodrigues
Clube de Autores (independente)
O autor
Edomberto Freitas Alves Rodrigues. Formado em História pela UFMG e Filosofia pela PUC-MG. Professor de história em BH e Betim. Pesquisador de espiritualidade e filosofia. Escreveu a coleção Religare e outros livros espiritualistas. Agora ele traz seu novo romance: Xantipa. Nele, o leitor encontrará várias questões filosóficas e de autoconhecimento. Essa obra não se desconecta das anteriores, pois ainda apresenta as buscas e pesquisas espiritualistas do autor.
Capa: Edomberto Freitas
Abertura dos capítulos:https://br.freepik.com/fotos-gratis/uma-mulher-rezando-no-antigo-tumulo-gerado-por-ia_41147195.htm#page=2&query=mulher%20grega%20antiga&position=34&from_view=search&track=ais&uuid=69913a29-3d30-44db-97b5-816691043daf>Imagem de vecstock no Freepik
Sumário
Introdução
Uma mulher em Atenas
Sócrates, meu prometido
Minha família, meus sonhos
Sócrates na guerra
Sonho da maternidade
As mulheres na Grécia
Meu casamento
O desapego de Sócrates
Meu primeiro filho
Cuidando do lar
Com o segundo filho, mais preocupações
Sócrates na guerra novamente
A educação de nossos filhos
Quando conheci Aspásia
Amor e sentido da vida
O Oráculo de Delfos
A sabedoria feminina
Um sofista em minha casa
Crianças, filósofas naturais
Minha religiosidade
Os sonhos dos meus filhos
Minha luta por Sócrates
A parteira, mãe de Sócrates
Sócrates e a democracia
O ódio a Sócrates
Os julgamentos em Atenas
O julgamento se aproxima
O julgamento de Sócrates
Meu reencontro com Sócrates
Prezado leitor,
É com uma sensação de profundo respeito e reverência pela história que lhe apresento este livro. Nele, você encontrará as memórias de uma vida entrelaçada com um dos maiores filósofos de todos os tempos, Sócrates, contadas através dos meus olhos, Xantipa.
Este não é apenas um relato de eventos passados, mas uma viagem ao coração de uma época que moldou o pensamento humano de maneiras inimagináveis. Ao folhear estas páginas, você será transportado para as ruas de uma Atenas antiga, vibrante e desafiadora, onde as ideias floresciam e os debates ecoavam pelas ágoras.
Você testemunhará os desafios e triunfos de Sócrates, não apenas como um filósofo, mas como um homem cuja vida e legado ainda ressoam em nossos dias. Por meio de nossas experiências compartilhadas, espero oferecer uma perspectiva íntima e humanizada desse ícone da história.
Neste relato, há amor, conflito, sabedoria e a eterna busca pela verdade. Prepare-se para uma jornada que transcende o tempo, uma que oferece um vislumbre de um mundo que, embora distante, continua a influenciar profundamente o nosso.
Com sincera expectativa de que estas palavras enriqueçam sua compreensão e apreciação de um período fascinante da história humana, convido-o a mergulhar neste relato.
Atenciosamente,
Xantipa
Abertura capítulo 01.jpgUma mulher em Atenas
Envolvida pela paz do mundo espiritual, uma nova compreensão ilumina minha mente. Aqui, afastada das limitações da vida mortal, a história da minha existência em Atenas se revela, tingida pelas cores vivas da memória e do entendimento recém-encontrado.
Agora, com uma clareza que nunca tive em vida, recordo os dias ao lado de Sócrates, meu esposo, o pensador que questionou e moldou uma era com suas ideias. Como sua companheira, fui testemunha não só do homem que instigava os cidadãos atenienses com suas indagações, mas também do parceiro, do pai, e da pessoa, com todas as suas singularidades e contradições.
Meus pensamentos, livres das amarras temporais, me levam de volta àquelas épocas distantes, agora vistas sob uma luz diferente. As ruas de Atenas, os debates intensos, as alegrias e tristezas, tudo ecoa em minha essência com uma nova percepção. Percebo as conexões ocultas que entrelaçaram nosso destino, os elos de pensamento e emoção que uniram Sócrates a mim, a seus discípulos, e à própria cidade.
Neste espaço eterno, posso navegar pelas correntes da memória, revisitando não apenas os momentos que vivenciei, mas também aqueles que me foram desconhecidos naquela época. Observo agora os pensamentos íntimos de Sócrates, suas inquietudes internas, suas conversas mudas com a própria alma, tão nítidas como se estivessem se desdobrando diante de mim.
Antes de mergulharmos nesses tempos remotos e suas ressonâncias infinitas, permitam-me apresentar-me não apenas como a companheira de um grande homem, mas como Xantipa, um espírito com sua própria trajetória, seus sonhos, e agora, com uma visão que ultrapassa as barreiras do tempo...
***
Minha jornada começou muito antes de Sócrates entrar em minha vida, numa Atenas onde o pulsar da democracia e da filosofia ainda estava em sua infância. Eu era uma jovem nascida em uma família de classe média, nem nobre nem pobre, mas com a suficiente dignidade e educação que marcava os cidadãos daquela cidade vibrante.
Desde cedo, fui ensinada nas artes consideradas apropriadas para uma jovem de meu status: tecer, administrar um lar, e, acima de tudo, manter uma postura de respeito e modéstia. A vida de uma mulher, mesmo em uma cidade tão avançada quanto Atenas, era limitada pelo domínio masculino. Nossas vozes raramente eram ouvidas em público, e nossos destinos, frequentemente, decididos por outros.
O casamento era visto como um dever, um meio de assegurar alianças e sustentar a ordem social. As jovens muitas vezes se casavam ao atingir a puberdade, por volta dos quatorze anos, com homens significativamente mais velhos. Essas uniões não eram construídas sobre o amor, mas sobre conveniência e estratégia. O coração de uma jovem, seus sonhos e desejos, raramente eram considerados.
Naqueles anos de minha juventude, eu observava o mundo ao meu redor com olhos curiosos e um espírito questionador. Havia em mim uma sede de conhecimento e compreensão, um desejo de transcender as paredes de nossa casa e participar das ricas discussões filosóficas que reverberavam pelas ruas de Atenas. Mas, como uma jovem mulher, essas eram aspirações que eu deveria manter em segredo.
Quando conheci Sócrates, eu era uma jovem na flor da idade, e ele, um homem já estabelecido em seus caminhos filosóficos. Ele era diferente dos outros homens que eu conhecia – havia nele uma profundidade de pensamento e uma peculiaridade de caráter que me intrigava e, ao mesmo tempo, me desafiava.
Nosso casamento foi arranjado, como era o costume, mas descobri nele uma oportunidade inesperada: a chance de estar perto de alguém que questionava o mundo tanto quanto eu, ainda que de maneiras diferentes. E foi assim, ao lado de Sócrates, que comecei a tecer a trama de minha própria vida, entre as sombras e luzes da Atenas antiga.
***
Ao refletir sobre os dias de minha juventude em Atenas, uma verdade inegável se impõe: as mulheres daquela era, e de tantas outras, raramente tiveram voz. Nossas vidas se desenrolavam nas sombras, longe das ágoras e dos debates, onde os homens construíam a história e a filosofia. Nós, mulheres, éramos silenciadas, nossos pensamentos e opiniões confinados às paredes de nossos lares.
Esta narrativa, que agora se desenrola diante de vocês, é mais do que o relato de minha vida ao lado de Sócrates. É uma reivindicação, um ato de dar voz àquelas que foram silenciadas ao longo das eras. Em cada palavra que ofereço, há um eco das vozes não ouvidas de minhas irmãs atenienses, das mães, filhas e esposas que viveram, amaram, sofreram e sonharam em um mundo que pouco valorizava seus sussurros.
Na Atenas de minha época, a mulher era muitas vezes vista apenas como guardiã do lar, responsável por criar os filhos e manter a ordem doméstica. Nosso papel na sociedade era definido e restrito, e raras eram as ocasiões em que podíamos expressar abertamente nossas opiniões ou exercer influência fora do âmbito familiar. A educação formal, especialmente no campo da filosofia e da política, era quase exclusivamente masculina, deixando-nos à margem dos grandes debates que moldavam nosso mundo.
Mas não se enganem, mesmo naquela época, havia entre nós mulheres de grande sabedoria e força. Em nossos encontros, longe dos olhares e ouvidos dos homens, compartilhávamos conhecimentos, sonhos e desafios. Havia uma riqueza em nossas conversas, uma profundidade de entendimento sobre a vida e suas complexidades, que raramente encontrava espaço no mundo exterior.
Portanto, ao contar minha história, eu também celebro e trago à luz as histórias de inúmeras mulheres invisíveis na narrativa da história. É uma forma de honrar a sabedoria e a resiliência femininas, que, embora muitas vezes ignoradas ou minimizadas, sempre foram uma força vital na trama humana.
Agora, ao olhar para trás, do outro lado do véu do tempo, vejo com clareza que cada uma de nós, de maneira silenciosa ou não, contribuiu para o tecido da história. E é com essa visão que desejo contar não apenas a minha história, mas também prestar homenagem a todas as mulheres cujas vozes merecem ser ouvidas.
***
À medida que minha juventude se desdobrava em Atenas, meus sonhos e expectativas, embora moldados pelo tempo e pela cultura em que vivia, eram repletos de um desejo ardente de conexão e significado. Como muitas jovens da minha época, esperava encontrar no casamento uma parceria que transcendesse as convenções e as necessidades materiais, ansiando por uma união que tocasse minha alma e meu coração.
Dentro de mim, havia um profundo desejo de cuidar e nutrir, não apenas no sentido físico de manter um lar, mas em um nível emocional e espiritual. Eu aspirava a criar um espaço de apoio mútuo e entendimento, onde tanto eu quanto meu futuro esposo pudéssemos crescer e prosperar. Havia em mim uma inclinação natural para a empatia e para a compreensão dos outros, um anseio de estar profundamente envolvida nas vidas daqueles ao meu redor.
Ainda assim, em meio a esses sonhos, havia uma consciência da realidade que me cercava. Sabia que o casamento, na maioria das vezes, era uma transação, uma aliança entre famílias, e não um encontro de almas. Mas em meu coração, mantinha a esperança de que, de algum modo, encontraria um companheiro com quem pudesse compartilhar um laço mais profundo.
Quando fui prometida a Sócrates, um homem conhecido por sua mente brilhante e seu caráter incomum, senti um misto de expectativa e incerteza. Ele era conhecido por seu intelecto aguçado e sua natureza questionadora, características que despertavam em mim uma curiosidade intensa. No entanto, também sabia que ele era um homem de pensamentos e reflexões profundas, frequentemente absorto em suas indagações filosóficas, talvez distante das necessidades emocionais e práticas da vida doméstica.
Naquele momento, eu não poderia prever como nossas personalidades distintas se entrelaçariam. Eu, com meu desejo de proximidade emocional e cuidado, e ele, com sua mente sempre voltada para os mistérios da existência e do conhecimento. Esta união prometia ser um encontro de mundos diferentes, um desafio que poderia nos transformar de maneiras que ainda não podíamos imaginar.
E assim, à beira dessa nova fase da minha vida, eu me encontrava repleta de esperança e de perguntas, pronta para embarcar em uma jornada ao lado de um dos maiores pensadores de Atenas, sem saber ainda que esta jornada me levaria muito além dos muros de nossa casa e da vida que eu imaginava.
Abertura capítulo 02.jpgSócrates, meu prometido
Minha primeira interação com Sócrates, o homem que se tornaria meu esposo, foi um evento que permanece vívido em minha memória, mesmo agora, neste plano espiritual. A notícia de nosso iminente casamento chegara a mim através das conversas familiares, tingida de expectativas e conselhos. Naquela época, Sócrates já era um personagem conhecido em Atenas, não tanto pela sua posição ou riqueza, mas pela sua maneira única de pensar e interrogar o mundo ao seu redor.
Recordo-me do dia em que fui levada para encontrá-lo, acompanhada por minha família. Meu coração estava repleto de uma mistura de nervosismo e curiosidade. Ao chegar, fui apresentada a um homem de aparência comum, que não exibia sinais de riqueza ou status. Seu olhar era penetrante, e havia uma seriedade em sua postura que imediatamente chamava a atenção.
Sócrates, ao me ver, ofereceu um sorriso gentil, uma expressão que parecia transbordar sabedoria e uma calma profunda. Ele me cumprimentou com respeito, mas sua saudação estava desprovida da formalidade excessiva que muitos homens de sua estatura adotavam. Em vez disso, havia uma simplicidade e uma sinceridade em suas palavras que me surpreenderam.
O que mais me impressionou, no entanto, foi a maneira como ele iniciou nossa conversa. Ao invés de falar sobre o casamento ou sobre as expectativas que acompanhavam tal união, ele fez uma pergunta sobre minhas próprias percepções e pensamentos. Era uma pergunta simples, sobre minha visão de Atenas e seu futuro, mas revelava um interesse genuíno em minha mente e em minha pessoa, algo raro e inesperado.
Naquela breve conversa, percebi que Sócrates não era um homem comum. Ele possuía uma mente inquisitiva e um espírito que buscava entender não apenas o mundo ao seu redor, mas também as pessoas que nele habitavam. Embora nossas interações iniciais fossem breves e circunstanciais, elas plantaram a semente de um relacionamento que, com o tempo, se revelaria complexo e profundamente influente em minha vida.
Foi assim, através dessa troca inicial de palavras e olhares, que comecei a conhecer Sócrates, o homem que viria a ser meu marido. Uma figura que, mesmo naquela época, eu já intuía que me levaria por caminhos de questionamento e descoberta que eu jamais poderia ter imaginado.
Naquele dia, sob a luz suave do sol ateniense, fui introduzida a Sócrates. Ele me observou com um olhar ponderado, e depois de uma breve saudação, ele falou com uma voz calma e inquisitiva:
— Saudações, Xantipa. Dizem-me que você cresceu aqui, na vibrante Atenas. Como você vê esta cidade que está sempre em fluxo, sempre a mudar?
Fiquei um tanto