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O direito humano ao meio ambiente saudável nas Cortes Internacionais
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O direito humano ao meio ambiente saudável nas Cortes Internacionais

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Diversas tragédias ecológicas ocorrem rotineiramente, muitas dessas com a participação ou conivência de Estados soberanos. Todavia, ainda se mostra escassa a responsabilização internacional ambiental por tais condutas, perante as Cortes Internacionais de Justiça e de Direitos Humanos. Buscando explanar essa peculiar problemática, esta obra analisa em minúcias a efetividade processual na seara do Direito Internacional Ambiental. Assim o faz no contexto pretérito, pelo histórico jurisprudencial do tema; no âmbito presente, diante da análise comparativa das decisões sobre proteção ambiental, proferidas pelas variadas Cortes Internacionais de Direitos Humanos; e, ainda, no prisma futuro, expondo novas perspectivas após o moderno reconhecimento da tutela direta do meio ambiente, como um direito humano fundamental. Desse modo, são abordados a natureza jurídica do direito ambiental, seus elementos conceituais, a análise cronológica da sua proteção, tratados e convenções internacionais sobre o meio ambiente, a jurisprudência verificável nos planos global e regionais e a nova definição expansiva dos chamados DESCA. Além disso, também são apreciados temas processuais atinentes às obrigações ambientais, às tutelas específicas e ao cumprimento de decisões e informes de órgãos internacionais de Direitos Humanos. Ao fim, a obra traça horizontes do tema, em especial sobre a prevenção e a responsabilização supranacional por condutas poluidoras aos ecossistemas planetários. Uma ótima leitura!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de ago. de 2023
ISBN9786525293677
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O direito humano ao meio ambiente saudável nas Cortes Internacionais - Timóteo Ágabo Pacheco de Almeida

1 A ORIGEM DO DIREITO HUMANO AMBIENTAL

Em Terra Pátria, munindo-se de uma linguagem quase poética, Edgan Morin descreve os nuances da história planetária, destacando os primórdios da problemática preservacionista. Com muita clareza, o autor enfatiza a rota de colisão entre as diversas ideias de exploração econômica da superfície terrestre e de tutela ecológica:

Esse grão de poeira cósmica é um mundo. Mundo por muito tempo desconhecido dos homens que não obstante haviam recoberto o planeta há várias dezenas de milhares de anos ao se separarem uns dos outros. A exploração sistemática da superfície da Terra efetuou-se ao mesmo tempo que se desenvolveu a era planetária, e dela expulsou paraísos, titãs, gigantes, deuses ou outros seres fabulosos, para reconhecer uma Terra de vegetais, de animais e de humanos. A partir do século XVIII, a investigação científica penetra os subsolos terrestres e começa a estudar a natureza física do planeta (geologia), a natureza de seus elementos (química), a natureza misteriosa de seus fósseis (paleontologia). A existência da Terra não é mais apenas de superfície, mas de profundidades. Ela não é mais estática, é evolutiva. Descobre-se que a Terra tem uma história (...). A Terra é um pequeno cesto de lixo cósmico transformado de maneira improvável não apenas num astro muito complexo, mas também num jardim, nosso jardim. A vida que ela produziu, da qual ela usufrui, da qual usufruímos, não surgiu de nenhuma necessidade a priori. Ela é talvez única no cosmos, é a única no sistema solar, é frágil, rara, e preciosa por ser rara e frágil. (2002, ps. 49 e 66 – g.n.)

Nesse cenário, em que a evolução humana findou por entrar em constante choque com a preservação do nosso lar, não tardaram a surgir as primeiras questões ecológicas. O meio ambiente começou a perder, com o passar do tempo, seu status finalístico prioritário de residência da espécie humana e de lar de convivência dos seus integrantes, começando a ser tratado como um simples meio fornecedor de bens e recursos a serem explorados, há séculos, por condutas humanas muitas vezes nocivas a toda a biodiversidade.

Exemplos não faltam de tais condutas, seja em nível minimizado e individualizado, seja no macro plano, de lesões sinérgicas e de amplo impacto. Romeu Thomé (2016, ps. 24 e ss.) apresenta uma gama de eventos dessa natureza, qualificando como fontes materiais do direito ambiental, por exemplo: o desastre de Minamata, os casos do petroleiro Torrey Canion, do acidente químico de Seveso, do vazamento de Amoco Cadiz, além dos famosos casos Bhopal, Chernobyl e Fukushima. No Brasil, o histórico não é diferente, lembrando o autor o caso Cubatão, ao qual se somam os danos já verificados nos incidentes de Belo Monte e, recentemente, na cidade de Mariana, na bacia hidrográfica do Rio Doce e em Brumadinho.

Mazzuoli (2013, p. 23) cita outro interessante exemplo, com consequências a curto e longo prazo. Trata-se do risco real de extinção de Estados insulares pela elevação do nível do mar devido ao derretimento das calotas polares¹. O jurista, ao expor sobre o fenômeno, menciona que o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [...] demonstra que há um risco real de que ocorra uma elevação nos níveis oceânicos em grau de magnitude capaz de comprometer a habitabilidade de pequenas ilhas oceânicas².

De igual forma, sobre os gravames ambientais que demandam o crescimento da preocupação com a tutela ecológica, Barbara Rose Johnston (1995, p. 112) explana que

A humanidade está lutando para sobreviver diante de desertos em crescimento, destruição de florestas, declínio pesqueiro, contaminação de alimentos/água/ar, extremos climáticos e eventos climáticos que continuam a se intensificar: inundações, secas e furacões. Muitas das crises ambientais atuais carecem de tangibilidade - é difícil vê-las, defini-las, compreender suas origens e entender suas consequências. Essas crises raramente se limitam a um local imediato - a radiação não conhece fronteiras. Em muitos lugares do mundo, informações sobre crises ambientais são retidas daqueles que experimentam as consequências adversas. E as crises ambientais não são experimentadas igualmente. (tradução do autor) ³

Assim, a crescente lesividade ambiental não apenas tem demonstrado, constantemente, a ineficiência da conservação dos recursos naturais, ante as práticas industriais de uma sociedade capitalista de risco – em inobservância ao próprio conceito primário de desenvolvimento sustentável –, como também torna inevitável a reinterpretação normativa dessa efetividade ambiental, destacadamente em seu caráter preventivo.

Não por outro motivo, antigos distúrbios no espectro ambiental da Terra, que remontam às primeiras décadas após o início da Revolução Industrial, somente agora, à luz de um novo enfoque e sob o filtro do recente pensamento biocêntrico, recebem a necessária ênfase, a ponto de entrar em pautas de urgência nas mais diversas cortes nacionais e internacionais.

Pereira Braga (1994, ps. 255 e 256) resume a ideologia antropocêntrica que levou ao áspero quadro atual, ao citar que o antropocentrismo iria consagrar a capacidade humana de dominar a Natureza que, agora dessacralizada (...), pode ser tornada objeto e, como não possui alma, pode ser dividida, esquartejada. O autor ainda realça tal constatação, ao lembrar que, na escalada do progresso, o homem deixou-se guiar egoisticamente pelas exigências do mundo artificial que criou, indiferente ao mundo que o criou.

A inquietação leva Celso Fiorillo (2013, p. 22) a questionar, ao fim, quem seria o real beneficiário do direito ambiental. Cabe-nos neste momento questionar: a quem o direito ambiental serve? Seria somente ao homem ou a toda e qualquer outra forma de vida?, indaga.

Assim, mostra-se claro que a origem do direito ambiental, como ramo jurídico autônomo, repousa no mesmo berço e se faz contemporâneo da preocupação mundial com os danos ecológicos. Contudo, para que se compreenda a atual mudança de paradigma, os elementos conceituais primários e a real natureza jurídica do direito ambiental, faz-se necessária uma prévia abordagem histórica do problema.

1.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TUTELA ECOLÓGICA

Ao contrário do que é difundido em algumas esferas acadêmicas, o surgimento do direito ambiental não se deu de modo instantâneo, após eventos e/ou convenções internacionais sobre o meio ambiente. Não se nega que a ênfase normativa do tema possui inquestionáveis marcos históricos, como, à guisa de exemplo, a Conferência de Estocolmo de 1972 e a Conferência do Rio de Janeiro de 1992. Todavia, a origem histórica da tutela ambiental precede a essas definidas balizas de referência.

Cronologicamente, podem ser destacadas cinco fases distintas da efetividade da proteção ambiental e da eficácia normativa desse ramo jurídico, assim sintetizadas:

(a) A fase da total irrelevância jurídica do direito ambiental: até meados da década de 1920, o direito ambiental não possuía qualquer proteção legal na quase unanimidade dos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo. Sua efetividade protetiva era praticamente nula, fundada na exploração ilimitada de recursos naturais, sob o arcaico argumento de que tais recursos seriam inesgotáveis e, portanto, não precisaria o ser humano destinar maior preocupação à manutenção, restauração ou prevenção contra a extinção dos mesmos.

Por um lado, os lemas de liberdade, igualdade e fraternidade, famosos ideais dos revolucionários franceses de 1791, já entoavam como direitos básicos humanos. Porém, tanto no cerne internacional normativo, quanto pela via jurisprudencial, muito se tardou para reconhecer o direito ao meio ambiente sadio como um direito fundamental. Para alguns, mesmo atualmente, não é possível defender tal premissa.

Curiosamente, a evolução da consciência ecológica se deu de modo muito anterior à própria Revolução Francesa. Renato Guimarães Jr. (1981, p. 114) cita que o homem conseguiu sair da Idade da Pedra para ingressar na Era das Civilizações somente quando associou noções de Direito ao conhecimento sobre Ecologia.

Em complemento, Luís Sirvinskas (2017, p. 73) menciona que no antigo Império Egípcio, a proteção ecológica já era explicitada na confissão negativa, constante do Livro dos Mortos, que data de três milênios e meio atrás. Nesta, descrita no capítulo 126 do livro, o falecido expunha em seu testamento o voto de não ter matado animais tidos como sagrados, nem tampouco prejudicado lavouras, sujado a água, usurpado a terra, cortado dique, dentre outras preocupações de viés protecionista ao meio ambiente. Porém, fica bem evidente o atraso de milênios no surgimento das primeiras normas jurídicas que priorizassem a consciência ecológica acima especificada, o que marcou o despontar da segunda fase.

(b) A etapa histórica da recognição da tutela ambiental como elemento passível de normatividade, mas sem eficácia jurídica imediata: com o advento das Constituições sociais – cujos paradigmas foram as Cartas Constitucionais do México de 1917 e de Weimar de 1919 –, os direitos sociais receberam maior atenção das ordens estatais ao redor do mundo.

Por consequência disso, as primeiras disposições legais começaram timidamente a surgir, sem, contudo, possibilitar maior ingerência judicial na proteção do meio ambiente. Exemplo disto se deu com a Constituição brasileira, de 1934, ao consagrar, em seu art. 5º, inciso XIX, alínea j, a competência privativa da União para legislar sobre riquezas do subsolo, mineração, metalurgia, água, energia hidrelétrica, floresta, caça e pesca e a sua exploração. Como se observa, uma tímida e incompleta tutela, que logo sofreu marcante evolução.

(c) A fase do surgimento dos direitos de terceira dimensão e o tratamento da tutela ambiental como norma programática: a partir da metade do século XX, a constitucionalização do meio ambiente se tornou uma tendência internacional, a evidenciar, finalmente, a formação de um novo ramo jurídico: o Direito Ambiental. Todavia, o foco da tutela jurídica ainda pairava sobre os direitos civis e políticos.

Em segundo plano, encontravam-se os direitos sociais e econômicos, mais defendidos pelas nações abertas ao regime comunista; porém, mesmo esses direitos eram considerados majoritariamente sem eficácia jurídica imediata, além de não incluírem em seu seleto rol os direitos ambientais.

Partindo-se dessa ideia, também presente na ordem transnacional, não causa surpresa a constatação de que, no íntimo dos principais tratados internacionais definidores de direitos humanos elaborados à época, a matéria ambiental não encontre expressa previsão nominal. É justamente esse o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), da Carta da Nações Unidas (1945), do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (1945), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950), do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969), dentre outros.

Mesmo quando a matéria era aventada, no contexto de convenções que deveriam dar enfoque ao tema, a pressão política e a visão dogmática da Era do Antropoceno, calcada no incontestável domínio humano sobre a natureza, ora impediam que fosse assegurada uma efetiva proteção normativa – por uma interpretação limitadora das disposições legais –; ora desviavam o foco para uma pseudopreservação, camuflada e relacionada, na interpretação dogmática da época, exclusivamente aos direitos sociais, cujo âmbito não abarcava a tutela precípua dos bens ambientais.

Nesse derradeiro grupo, exemplifica-se a atividade hermenêutica utilizada na leitura do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 12, 2, b) e do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Protocolo de San Salvador (art. 11), os quais preveem, respectivamente, que:

Artigo 12

1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar: (...)

b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;

Artigo 11 - Direito ao Meio Ambiente Sadio

1. Toda pessoa tem direito a viver em meio ambiente sadio e a dispor dos serviços públicos básicos.

2. Os Estados-Partes promoverão a proteção, preservação e melhoramento do meio ambiente.

Apesar das divergências, o avanço do tema representou uma louvável medida. Sob a influência da Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo, em 1972, surgiram as primeiras Constituições Ambientais, como, verbi gratia, as da Grécia (1975), de Portugal (1976) e da Espanha (1978). Entretanto, o tratamento legal dado à proteção ecológica ainda era notoriamente desapreciado, pois abordava-se o direito ao meio ambiente como uma norma meramente programática, sob a qual não incidiria a máxima da eficácia imediata dos direitos fundamentais.

(d) A fase da proteção jurídica ambiental exauriente, mas indireta ou por ricochete: nesta etapa, iniciada no fim do Século XX, destacaram-se os posicionamentos de diversos pretórios internacionais – especialmente as Cortes de Direitos Humanos –, quanto à reinterpretação de tratados internacionais relacionados à temática ambiental. É essa também a posição ainda adotada em alguns setores específicos do Direito Comparado.

No seu âmago, a tutela ambiental se tornou inquestionável direito fundamental, apto a ser processualmente efetivado e garantido; porém, sob a condição de que sua apreciação ocorra de modo indireto ou por ricochete, em relação a outro direito – civil, político, cultural etc –, que tenha sido atingido no mesmo caso sub judice.

Tal premissa ganha relevância e se faz, ainda hoje, muito presente em diversos países, pela elevada dificuldade que alguns ordenamentos jurídicos possuem em aceitar o viés processual coletivo dos direitos fundamentais, especialmente em regimes jurídicos clássicos de civil law, onde a responsabilização civil sempre se deu em face de fatores individualizados.

(e) Por fim, tem-se a derradeira fase do reconhecimento direto do direito ambiental como direito humano e fundamental da personalidade de cada indivíduo, além do seu forte viés coletivo intergeracional. As cortes e convenções internacionais têm começado a caminhar nessa mesma direção, como se nota do ordenamento protetivo da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, do entendimento adotado na Opinião Consulta n. 23/17, da Corte IDH, e de recentes julgados das Cortes Regionais de Direitos Humanos.

A Carta Democrática Interamericana também fixou, em seu art. 15, que o exercício da democracia facilita a preservação e o manejo adequado do meio ambiente, devendo cada nação implementar políticas de proteção ambiental, respeitando os diversos tratados e convenções, para alcançar um desenvolvimento sustentável em benefício das futuras gerações⁶. Na mesma esteira, a Carta Africana de Direitos Humanos, de modo mais vanguardista, se comparada às americana e europeia, proclama, em seu art. 24, que todos os povos têm direito a um meio ambiente satisfatório e global, propício ao seu desenvolvimento⁷.

Especificamente sobre o dano ambiental, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 1982, impõe o dever de cada Estado de não causar prejuízos ambientais por poluição marinha, e estabelece que:

Os Estados devem tomar todas as medidas necessárias para garantir que as atividades sob sua jurisdição ou controle se efetuem de modo a não causar prejuízos por poluição a outros Estados e ao seu meio ambiente, e que a poluição causada por incidentes ou atividades sob sua jurisdição ou controle não se estenda além das áreas onde exerçam direitos de soberania, de conformidade com a presente Convenção.

De igual modo, a ratificada Convenção Internacional sobre o Salvamento Marítimo, cuja eficácia no ordenamento pátrio somente se viu perfectibilizada pelo Decreto n. 8.814, de 18.07.2016, estabelece uma série de regras sobre danos ambientais marítimos, como a obrigação do salvador, proprietário e comandante do navio de prevenirem ou minimizarem danos ambientais (art. 8º), a exceção ambiental ao contrato de salvamento (art. 6º), a cooperação internacional ambiental (art. 11), a compensação ambiental especial pela reparação do dano (art. 14) etc. Define também, logo em seu art. 1º, o dano ambiental como o considerável prejuízo físico à saúde humana ou à vida marinha ou recursos costeiros ou das águas interiores ou ainda das áreas adjacentes, originado por poluição, contaminação, fogo, explosão ou incidentes de vulto semelhantes⁹.

A título de exemplo dessa citada tendência, ainda podem ser citados os seguintes instrumentos normativos: a Convenção da Basileia sobre o Controle dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – incluídas a Carta do Rio e a Agenda 21, que foram adotadas na Conferência sobre Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro –, a Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável, o Protocolo de Montreal sobre a camada de ozônio, o Protocolo de Kyoto sobre o efeito estufa, o recente Acordo de Paris, dentre outros.

Todavia, embora examinada a gradação histórica da tutela ambiental, persistem questionamentos, também elementares, quanto à definição de certos institutos, à natureza jurídica destes e ao estabelecimento de premissas terminológicas. Assim, passemos a eles.

1.2 OS ELEMENTOS CONCEITUAIS DO DIREITO AMBIENTAL

O nível de complexidade conceitual do direito ambiental já se destaca pela própria definição da expressão meio ambiente. Édis Milaré (2007, p. 111), em ímpar explanação, descreve como meio ambiente:

[...] o conjunto de elementos abióticos (físicos e químicos) e bióticos (flora e fauna), organizados em diferentes ecossistemas naturais e sociais em que se insere o homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro das leis da natureza e de padrões de qualidade definidos.

Antônio Beltrão (2009, p. 20), por sua vez, critica a tradicional definição de meio ambiente, citando que o termo possui uma redundância interna. O ambientalista descreve que:

A expressão meio ambiente (...) é claramente redundante. Meio e ambiente são sinônimos, designam o âmbito que nos cercam, o nosso entorno, onde estamos inseridos e vivemos. (...) De fato, meio significa, entre outras acepções, conjunto de elementos materiais e circunstanciais que influenciam um organismo vivo. Ambiente, por sua vez, consiste no que rodeia ou envolve por todos os lados e constitui o meio em que se vive; tudo o que rodeia ou envolve os seres vivos e/ou coisas; recinto, espaço, âmbito em que está ou vive.

De modo similar, Fiorillo (2013, p. 25) ensina que, verificando a própria terminologia empregada, extraímos que meio ambiente relaciona-se a tudo aquilo que nos circunda. Menciona, ainda, que é usual criticar tal termo, porque pleonástico, redundante, em razão de ambiente já trazer em seu conteúdo a ideia de ‘âmbito que circunda’, sendo desnecessária a complementação pela palavra meio.

Entretanto, a par da intrincada abordagem conceitual sobre o meio ambiente, percebe-se sem muita dificuldade que o direito ambiental, seja este abordado objetivamente como ramo jurídico autônomo e interdisciplinar que possui o meio ambiente como objeto de estudo, seja analisado como direito subjetivo à pretensão certa de gozar – e manter – o conjunto de elementos bióticos e abióticos acima definidos, remete a um ideário complexo e mutável¹⁰.

Desse modo, o Direito Ambiental se apresenta objetivamente como um ramo metodológico cujo objeto de estudo, análise e pesquisa é o próprio meio ambiente planetário¹¹. Tal ramificação, apenas destacada por critérios academiais, ainda se subdivide em outras seções, sendo uma das principais destas o Direito Ambiental Internacional.

Ao sintetizar a premissa acima exposta, Luís Sirvinskas (2017, p. 108) explana que Direito Ambiental é a ciência jurídica que estuda, analisa e discute as questões e os problemas ambientais e sua relação com o ser humano, tendo por finalidade a proteção do meio ambiente e melhoria das condições de vida do planeta.

Por sua vez, no aspecto subjetivo, munindo-se das clássicas lições de Canotilho (2010, p. 25), direito ambiental – ou direito ao meio ambiente – pode ser entendido como a situação jurídica, consagrada por uma norma, através da qual o titular tem direito a um determinado ato face ao destinatário, sendo este ato, no viés aqui empregado, a própria manutenção, preservação e conservação ambiental.

Por óbvio, o viés difuso da tutela ambiental dificulta seu encaixe nesta clássica moldura conceitual. Isto se dá pela complexidade relacionada à situação jurídica da norma ambiental – como destacado, verbi gratia, ao se indagar qual seria sua natureza jurídica, a moldura do ato tutelável, a responsabilização prática por eventual lesão ecológica etc –, e a quem seriam exatamente os titulares e destinatários desses direitos.

Paulo de Bessa Antunes (2010, p. 16), ao exemplificar a complexidade verificada neste último ponto – sobre os destinatários da proteção ambiental –, relacionando-a ao disposto no art. 225 da Constituição da República (CRFB/88),

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