Da História do Israel Antigo a uma História da Palestina Antiga: UCG EBOOKS, #6

De Emanuel Pfoh

Como domínio historiográfico autónomo, a história da Palestina Antiga tem uma existência muito recente. Apesar de existirem, ao longo de mais de um século, notáveis antecedentes deste campo de estudos, em regra estes surgem no quadro de uma história geral do Médio Oriente Antigo, como uma introdução à história do Israel Antigo; esta é uma historiografia frequentemente subordinada aos interesses Ocidentais em relação às suas origens bíblicas.

É em finais do século XX, no âmbito do debate sobre a historicidade das narrativas bíblicas no seio dos estudos bíblicos, que a Palestina Antiga surge como objecto de interesse historiográfico. Este processo enquadra-se nos progressos críticos ocorridos na epistemologia das ciências humanas, incluindo os estudos históricos, e não é estranho aos processos políticos em curso no Médio Oriente. Para compreender, então, como é que a história da Palestina Antiga se está a constituir como historiografia autónoma e qual a sua relação com o conflito israelo-palestino, procura-se com este ensaio, em primeiro lugar, passar em revista as mudanças fundamentais que tiveram lugar ao longo dos últimos quarenta anos no âmbito dos Estudos Bíblicos relativos à história de Israel e, a partir daqui, expor as relações entre o passado e a política no que diz respeito à prática arqueológica e à história da Antiguidade em Israel/Palestina.

• Idioma: Português
• Editora: KKYM P.OR.K
• Data de lançamento: 28 de dez. de 2023
• ISBN: 9789895306077

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1. Prelúdio

A história da Palestina Antiga, como domínio historiográfico autónomo, tem uma existência muito recente. Apesar de existirem, ao longo de mais de um século, notáveis antecedentes deste campo de estudos, em regra estes surgem no quadro de uma história geral do Médio Oriente Antigo, como uma introdução à história do Israel Antigo.¹ É em finais do século XX. no âmbito do debate historiográfico sobre a historicidade das narrativas bíblicas, no seio dos estudos bíblicos, que a Palestina Antiga surge como objecto de interesse historiográfico, mas este processo deve enquadrar-se também no âmbito mais lato dos progressos críticos ocorridos na epistemologia das ciências humanas (incluindo os estudos históricos) e nos processos políticos em curso no Médio Oriente.² Para compreender, então, como é que a história da Palestina Antiga se está a constituir como historiografia autónoma e qual é a sua relação com o contemporâneo conflito israelo-palestino, deveremos, em primeiro lugar, passar em revista as mudanças fundamentais que tiveram lugar ao longo dos últimos quarenta anos nos Estudos Bíblicos relativos à história de Israel e, a partir daqui, expor as relações entre o passado e a política no que diz respeito à prática arqueológica e à história da Antiguidade em Israel/Palestina.³

2. A renovação da historiografia do Israel Antigo

No período desde meados dos anos 1970 até 2009 ocorreram profundas mudanças na historiografia do dito «Israel Antigo».⁴ Com efeito, o enredo narrativo sobre os antigos israelitas que encontramos no Antigo Testamento foi desmontado e, de secção em secção, des-historicizado, quer dizer, despojado em grande medida de um referente histórico real, já que não existe uma verdadeira confirmação extra-bíblica quando se trata de personagens, descrições e acontecimentos específicos, salvo pontuais corroborações.⁵ Em meados dos anos 1970, partindo das perspectivas mais críticas nos estudos da história de Israel e do Antigo Testamento, o período dos patriarcas bíblicos foi o primeiro a ser seriamente posto em questão, no que se refere à sua historicidade, por estudos arqueológicos, linguísticos e literários.⁶ Entre os finais dos anos 1970 e começos de 80, foi a vez do êxodo dos israelitas vindos do Egipto e a conquista da terra prometida, junto com o período dos juízes bíblicos.⁷ Em meados da década de 1980, as histórias standard de Israel Antigo começavam com a monarquia unida de David e Salomão, como ponto de partida seguro da historiografia crítica.⁸ No início dos anos 1990, contudo, já não era seguro fazer referência à historicidade destas monarquias bíblicas e ao seu reino no Levante, em começos da II Idade do Ferro, por volta do ano 1000 a.C.⁹ Foi também nos anos 90 que esta desconstrução progressiva da historicidade da narrativa bíblica, desde o livro