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Meu amor é político
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E-book84 páginas28 minutos

Meu amor é político

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Sobre este e-book

Neste livro, que marca a estreia de Dalgo Silva na literatura, as questões mais urgentes de uma sociedade atravessada por violência e ressentimento são enfrentadas com cenas da meninice, imagens cotidianas, encontro de corpos delicados e vibrantes. Meu amor é político, vencedor do Prêmio Cepe Nacional de Literatura na categoria de poesia, reúne um conjunto de textos que articula intimidade com problemas coletivos, como a homofobia e os conflitos de classe. O que existe de desamparo no mundo é apropriado a partir do que é vivido e visto muito de perto; do mesmo modo, o que existe de alegria e vitalidade também é colhido nesses mesmos becos da experiência. Ecoando preocupações atuais da literatura brasileira, o autor concilia o que há de mais importante na reflexão da identidade com o exercício formal do texto poético que brinca com a oralidade e inventa uma política dos afetos.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de jan. de 2024
ISBN9786554391733
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    Meu amor é político - Dalgo Silva

    víada

    víada era ispilicute na hora do banho dominical. podia ser o que quisesse. banheiro-santuário: a família expiava pecados; víada botava brasa com seu radinho de pilhas. a escova de pau era seu microfone. a cortina, seu traje à la madonna. a toalha, seu cabelo longuíssimo. a privada, o público naquele mundo privado. a telha quebrada, a câmera que registrava seu espetáculo. às vezes, víada convidava estrelas inacreditabelíssimas para dividir o palco: de houston a garland, do cabo de vassoura ao tambor d’água para os rodopios luxuriantes. o ponto alto era o abba: having the time of your life… see that girl… ser a girlnum vai sair desse banho não, minino? tá de viadage? olha os côro, hein?! víada pegava ligeiro. ser viva assim era obsceno. ao ser apontada com desprezo, se indagava: por que eu viva só no banheiro escondida? escola era estar em evidência. estar em evidência era comer o pão que o diabo amassou. o homem-castigoso condenara do púlpito: quer ser tão amostrada com essa voz, víada? que seja pública. o mundo para víada era interdito. não interditavam os insultos, os apelos, as más-graças ao seu corpo. o seu zé da bodega obrigava a bixinha a dizer chiclete com um zumbido no final da palavra, como se fosse pneu de bicicleta vazando infinitamentcheeeeeee… o terror disfarçado de graça. quem conseguiria viver num mundo em que víadas são violadas? a víada só quer ir ao topo da serra olhar a lua bafônica. não quer sempre ser a lua. às vezes, quer só testemunhar a dança cósmica das estrelas, que é pra ver se deixa um tanto de ser pública quanto lhe impuseram. pois que viva, víada, visível, anônima, serena, estridente, como tu queiras.

    noda de caju

    as tardes de mucunãs

    tinham meimundo

    de cajueiros, castanhas

    e garotos.

    eu catava,

    atrepada no galho

    mais exaltado.

    era bom estar

    a dois mil pés de casa.

    não dava pra escutar

    a mãe gritar:

    desce desse cajueiro,

    minino,

    senão tu bota noda

    nessa roupa.

    dito e feito, mãe.

    a gente até se acostuma

    com a noda na roupa,

    com o rasgo na cara

    da queda livre

    de cima dos cajueiros

    mais soberbos.

    mas a gente não se acostuma

    de ver a noda aprendiz,

    de se espatifar no chão

    e de doer.

    é sempre a primeira vez.

    a

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