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Olhar Além
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E-book75 páginas41 minutos

Olhar Além

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Sobre este e-book

A origem insular de Anna Fresu transparece nessa coleção de histórias que põem o olhar nos “esquecidos do mundo”. Histórias em que a “saudade” de sua ilha se mescla com a “saudade” portuguesa, a que a sua vida pessoal a acercou antes mesmo de chegar em Moçambique onde viveu por onze anos.

Foi naquela terra distante, massacrada da guerra, que se empenhou na ajuda humanitária através de projetos sociais de educação e cultura. Testemunha dessa experiência é o primeiro conto “A Judite ficou sozinha” onde Anna aparece junto às vendedoras do mercado as quais se dirige nos raros momentos de repouso de um pesado e cansativo trabalho cotidiano.Uma empatia com a terra e a gente africana que se traduz na capacidade literária de trazer uma vida na vida de cada um de nós; de refletir-se na solidão de quem te passa ao lado por acaso o de quem encontres todas as manhãs. São vidas diferentes, mas que tem em comum um destino de marginação: infâncias infringidas, histórias de amor eternas ou nunca começadas, solilóquios que tentam o dialogo. Protagonistas homens também, mas principalmente mulheres que enfrentam as dificuldades da vida com a inocência de quem se vê mãe antes ainda de virar mulher, com a dignidade de quem, pisoteado, usa as próprias forças interiores.

Os contos se desenvolvem em períodos curtos e ritmados ou se lançam em uma crónica amarga e desencantada, misturando mitos e velhas histórias narradas pelas anciãs das aldeias a pedaços de vida cotidiana. Eis então que emergem miseráveis internos de casas com os tetos de lata, sandálias de plástica e vestidos pobres, lavados e lavados ao infinito para manter um digno decoro da pessoa, cansativas horas de trabalho nos campos ou nas fábricas, aldeias dissipadas e ambientes destruídos, atitudes semi-coloniais, principalmente em relação às mulheres, mantidas por quem deveria contribuir à paz e ao desenvolvimento.Mas se notam também grandes locais e cafés cheios de gente onde se bebe, se dança e se ouve a música, panoramas e colores de tirar o ar pintados de laranja e saudade, mares e ressacas que cantam a eterna canção.

De vez em quando se insinuam os versos de Craverinha, poeta mito de Moçambique junto com o orco Xitukulmukumba, pesadelo das crianças ou as lágrimas da jovem Naika que chora a perdida do seu Nuamberi.

O tema do “sul do mundo” é presente também como o “sul do mundo que se move”: então aparece o verdureiro paquistanês, a garota africana fugida dos venenos da cultivação intensiva de rosa em Kenya, mas também o homem da Sardenha que passa o tempo nos bancos fingindo ler o jornal, que voltou em Itália depois de anos de emigrado em Argentina em busca de fortuna, a quem resultam incompreensíveis as atitudes xenófobas de alguns italianos.

A sua é uma prosa poética que sabe traduzir em imagens o desconforto dos “esquecidos”, dos pobres ricos somente de esperança, de quem sabe viver e esperar, dos desiludidos aos quais a vida parece não mais tolerável. A coleção vê nos últimos contos prevalecer a experiência pessoal da autora: a hospitalização, as  horas de imobilidade guardando uma cidade na verdade desconhecida, a figura da mãe morta evocada, a imagem da personificação da morte com os tratos de literatura visionaria e lírica tão querida à nossa escritora.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento18 de dez. de 2015
ISBN9781507126509
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    Olhar Além - Anna Fresu

    Anna Fresu

    ––––––––

    Olhar além

    Capa de Emanuele Caurla

    Índice

    A Judite ficou sozinha 6

    Xiluva 9

    O poeta13

    O vestido de Ilda15

    Não obrigada, nenhuma rosa17

    A dança19

    O rio e a menina21

    Blues24

    Nuvens27

    Um homem, de noite29

    Milonga sentimental31

    Nada33

    Laranja austral37

    O círculo39

    A espera41

    Posfácio43

    Biografia45

    Olhar além

    ––––––––

    O Além é tudo aquilo que não conhecemos e que tentamos entender, é o que procuramos, é o que nos espera na esquina; é o país que não conhecemos, os rostos que não conhecemos, mas que por um segundo entram nas nossas vidas; é, às vezes, o que nos dá medo e queremos evitar; é o que dorme no nosso profundo e, só de vez em quando, consegue emergir. O Além é o outro, quem quer que seja ou, simplesmente, nós mesmos.

    A Judite ficou sozinha

    Dji xile ua anja, Anna. O que vamos fazer hoje? Judite me recebe como sempre, com o seu sorriso largo que começa no coração passa pelos olhos e só então floresce nos seus lábios. O mercado está fechado a essa hora, vazio de gente e de mercadorias, algumas laranjas e mexericas verdes, suculentas e docíssimas, qualquer manga, três ou quatro mamões, uma lata de amendoim... Judite, Felismina, Margarida, Áida e as outras vendedoras do mercado não voltaram para casa com os últimos clientes. Aquelas duas horas antes da reabertura não são para descansar, são usadas com a alfabetização, as danças e as histórias. O teatro. É aqui que entro eu. Judite e as suas amigas são incansáveis; eu gostaria mais de perder um pouco de tempo pra não deixar ver que aguento pouco as tardes nesse começo de março ainda muito quente e sinto o peso de ter madrugado às seis da manhã pra poder começar as lições às sete e meia.

    Judite se levanta às quatro. Não espera o galo cantar. Não há nada mais traiçoeiro que os galos de Maputo; cantam a todas as horas, não seguem nenhum relógio. Mas ela é já em pé apenas o dia clareia: vai no quintal, olha se na lata embaixo da calha ainda tem água que ótimo um verão no qual chove principalmente de noite e assim se evita a fila na fonte e o peso da lata na cabeça prepara o fogo pra esquentar a água para o banho e para o chá o açúcar comprei ontem com as laranjas que vendi, para o pão Naima foi quem fez a fila a manhã inteira, ainda bem que na escola tinha o turno da tarde depois acorda as crianças, primeiro Naima que ajudará Zé e Carlitos a lavar-se e a vestir-se. Perde tempo Judite, ela gosta de ficar no quintal sozinha, antes da confusão. Observa se o mamão tem frutas novas, se tem alguma mexerica pra colher se os filhos da bananeira estão crescendo bem, se o uniforme uma vez azul de Naima se secou, se o rosado da porta, da qual ela se orgulha tanto, tem que ser repassado, os losangos cor-de-rosa e castanhos pintados com os fundos de tinta jogados fora da algum mulungo.

    "Menino gordo assoprou

    assoprou assoprou

    o balão inchou

    inchou e rebentou!

    Meninos magros apanharam os restos e fizeram balõezinhos."

    Ela gosta dessa poesia de Zé, Zé Craveirinha, o nosso poeta, é por isso que quis que seu filho se chamasse Zé.

    A primeira vez que ouviu as suas poesias foi no Msaho, lá no Jardim Tunduru como se chamava naquela época? Debaixo das

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