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História de Madrid, História de uma vida
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E-book329 páginas4 horas

História de Madrid, História de uma vida

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Sobre este e-book

Todo o mundo conhece Madrid, mas a maioria desconhece sua história. O Gato Madriles, uma criatura atemporal que nasceu no ano 856, coincidindo com a construção da muralha árabe da cidade, conta-nos, em primeira pessoa felina e de manneira amena e divertida, a história da vila, desde seu nascimento até os nossos dias.

IdiomaPortuguês
EditoraBadPress
Data de lançamento17 de jan. de 2019
ISBN9781547566501
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    Pré-visualização do livro

    História de Madrid, História de uma vida - Manuel Garcia Sanahuja

    Quero dedicar este livro a toda minha família e amigos,

    que sempre estiveram aqui, mas especialmente

    aos dois faróis que iluminam minha vida,

    meus sobrinhos, Joaquín e Álvaro.

    À minha querida amiga Anya, que me apoiou e levantou

    nos momentos mais difíceis desta aventura editorial,

    e à minha afilhada Carolina, para que saiba o quanto a amo.

    Sumário

    PREFÁCIO DE MARIBEL PIQUERAS

    APRESENTAÇÃO

    INTRODUÇÃO

    Capítulo 1: Mayrit

    Capítulo 2: A chegada dos cristãos

    Capítulo 3: Consolidação cristã

    Capítulo 4: O século XIV em Madrid

    Capítulo 5: O século XV madrilenho e os Reis Católicos

    Capítulo 6: Século XVI: O início do reinado dos Áustrias

    Capítulo 7: Madrid, a Capital do Reino

    Capítulo 8: Século XVII – O Século de Ouro

    Capítulo 9: As construções do século XVII

    Capítulo 10: Século XVIII, o começo dos Bourbons

    Capítulo 11: Fernando VI e Carlos III A melhor regência de Madrid

    Capítulo 12: A Madrid de Carlos IV

    Capítulo 13. A Guerra da Independência e José I

    Capítulo 14: Fernando VII

    Capítulo 15: A regência de Maria Cristina e Espartero

    Capítulo 16: Isabel II

    Capítulo 17: Os últimos anos do convulso século XIX

    Capítulo 18: O início do Século XX

    Capítulo 19: A segunda década do século XX

    Capítulo 20: A ditadura de Primo de Rivera e a Segunda República

    Capítulo 21: A Guerra Civil Espanhola

    Capítulo 22: A pós-guerra e o franquismo

    Capítulo 23: A Transição

    Capítulo 24: O final do século XX aos dias de hoje

    BIBLIOGRAFIA

    PREFÁCIO DE MARIBEL PIQUERAS

    Quando Manuel me pediu que prefaciasse esta obra não tive nenhuma dúvida. Sempre apoiarei meus amigos e pessoas interessadas em Madrid, para expandir sua cultura e patrimônio, para expandir sua vida. Fundada pelos árabes, Madrid é uma cidade que acumula uma grande história e patrimônio. Sobretudo depois que a corte se instalou definitivamente aqui em 1561, reinando Felipe II. Desde o século XVI até os dias de hoje, vemos em suas ruas, prédios e jardins os melhores escultores, arquitetos, bronzistas, ebanistas, marmorários, literatos, políticos, jornalistas, artistas, músicos, pesquisadores, professores... e assim por diante. Todos deixaram e ainda deixam sua marca em Madrid. Que de forma alguma é uma cidade morta, mas sim muito viva e aberta às novas tendências, mas sabendo manter também suas tradições e patrimônios anteriores.

    Manolo é generoso, e o tempo que tem livre dedica-se a compartilhar a cultura e a história de Madrid. Nesta obra, nota-se sua formação jornalística, sua facilidade linguística e de comunicação com os leitores. História de Madrid, História de uma vida é um livro agradável e prático de ler, no que se resume a história e evolução de Madrid desde sua fundação pelos árabes como cidade — porque não se pode esquecer que nessa mesma vertente onde foi fundada Madrid antes existiam povos romanos e visigodos cristãos que viviam em uma espécie de fazendas agrícolas ou pequenos núcleos, sendo assim ainda não era considerada uma cidade como agora —, até os dias de hoje. Em vista disso, Manolo fez um bom trabalho, além de ter percorrido todos os trajetos descritos. Muitas vezes em seu blog, Madrid, entre meu céu e meu chão ("Madrid, entre mi cielo y mi suelo"), encontramos artigos incríveis sobre esses momentos acompanhados de fotografias de ótima qualidade tiradas por ele mesmo. Sua grande curiosidade, suas habilidades de comunicador, sua simpatia e seu amor por Madrid estão resumidos em toda sua obra. O autor sabe tratar os diferentes acontecimentos históricos com bastante rigor e respeito, assim como o faz com bastante delicadeza.

    É notável o gosto de Manuel Gª Sanahuja pelos felinos, como podemos perceber na revista Rugidos, editada pela Associação Madrilense de Basquete Os Olhos do Tigre. Neste caso, nossos protagonistas são animais do cotidiano, mascotes, um casal de gatos: Madriles e sua irmã Cibelina que, através de suas sete vidas, e com uma grande imaginação por parte de Manuel, acabam nos desvelando a história de Madrid. Um magnífico resumo que se estende até o século XXI. Reconheço o mérito do autor para informar-se e saber sintetizar todas as informações acumuladas, um trabalho árduo que o levou a dias de leitura e concentração, para depois poder desenvolver uma trama na qual não nos falta nada.

    Ao longo da leitura da obra, História de Madrid, História de uma vida, nos adentramos em milhares de acontecimentos históricos, dos quais Manolo torna tudo muito fácil. Claro que há fatos, informações, datas, mas também há um enredo cheio de ação e fantasia, tal como um espaço com inúmeras anedotas e recursos com arte e monumentos. Recursos que tornam visível o invisível, recursos permitidos pelo autor para que possamos viver e introduzirmos dentro da obra, e acompanhar Madriles no decorrer de suas sete vidas em nossa querida cidade. Dessa forma, refere-se aos madrilenhos por gatos, como são chamados desde sempre.

    Considero que esta história de Madrid é de caráter divulgativo e que pode chegar de modo acessível a todo tipo de leitor. Inclui-se à moda de tantos livros, revistas e blogs sobre a cidade como existe desde 2010. Destacando a maneira como nos introduz ao universo de uma Madrid Medieval e dessa mescla cultural, na história dos Áustrias ou na mudança causada pela dinastia Bourbon em nossa cidade. Continuando pelo conturbado século XIX e a época dos palacetes construídos durante a Restauração. Contudo, a obra de Manuel faz com que também conheçamos o séc. XX e as mudanças na cidade com La Movida, o cinema, a literatura, os avanços arquitetônicos e econômicos nesta grande cidade europeia do séc. XXI. Eu acrescentaria a importância dos jardins, históricos ou não, de Madrid. Atualmente é a cidade europeia com o maior número de árvores por habitante. Rodeada pelo pulmão da Casa de Campo e da serra, apresenta em seu interior grandes extensões de jardins, como: O Bom Retiro, o Parque del Oeste, o Capricho, a Fuente del Berro, a Quinta de los Molinos e a Torre Arias, além de inúmeros passeios arborizados, bulevares e parques dentro da capital e de seus bairros.

    Animo o leitor a se aventurar na mais fascinante e completa história de Madrid, e agradeço ao Manuel por este grande trabalho realizado.

    MARIBEL PIQUERAS

    Doutora em História, Prof.ª de Arte e História Moderna e Contemporânea

    Especializada em Divulgação do Patrimônio Histórico Artístico de Madri

    Redatora do Blog http://madridconencanto-siema.blogspot.com.es/

    Diretora de Programas Culturais em www.siema.es

    APRESENTAÇÃO

    Estimados leitores, eu confesso, estou apaixonado! Sim, estou apaixonado por Madrid, o lugar onde nasci e sempre morei. Dei-me conta dessa realidade quando descobri verdadeiramente a cidade há alguns anos quando alguns amigos russos vieram à Espanha pela primeira vez e tive que me fazer de guia-turístico. Pude observá-la desde outro ponto de vista, não o de cidadão que convive todos os dias com os congestionamentos, os empurrões no metrô, o barulho dos carros, a burocracia..., mas mais objetivamente, desde a perspectiva cultural, histórica, artística e, sobretudo, estética. Sim, queridos amigos, apesar do que algumas pessoas dizem espírito da contrariedade algo que todos temos, Madrid é uma cidade bonita, e diria mais, é uma cidade deslumbrante e, falando subjetivamente, MADRID É UMA CIDADE MARAVILHOSA!

    Com esses passos que dei pelo mundo guia-cultural, fui aprendendo partes da história da cidade, que não hesitava em mostrar a qualquer amigo que me visitava, inclusive, em certa ocasião, vi um grupo de garotas na rua se perguntando o que seria tal prédio, o Palácio de Santoña na rua do Príncipe, pois tinha uma fachada muito bonita. Quando escutei suas dúvidas as esclareci no mesmo instante, e comecei a conversar com elas. Era um grupo de amigas de Valência que estavam visitando Madrid e queriam conhecer o Bairro das Letras. Como eu não tinha nada para fazer, me ofereci para mostrar todos os cantos fascinantes da zona, e ficaram encantadas.

    Todas essas experiências fizeram com que um desejo de mostrar a cidade a todo o mundo crescesse dentro de mim, até mesmo aos madrilenhos que não a conhecem bem e, por que não poder conhecê-la melhor pouco a pouco. Mas havia um problema, não sou nem um erudito em temas sobre Madrid, muito menos um historiador. Nessa época, um amigo descobriu o blog Segredos de Madrid (Secretos de Madrid - www.secretosdemadrid.es), cujo proprietário é meu xará ao quadrado, Manuel García del Moral. Fiquei fascinado pelo blog, e ali vi uma porta para meu sonho de apresentar Madrid, não só aos meus amigos e conhecidos, mas também às pessoas de qualquer parte do planeta. Depois de alguns meses de dúvidas e medos, pois eu ficava horrorizado com a ideia de fazer papel de ridículo já que não confiava que pudesse fazer acontecer e que as coisas saíssem bem. Lancei meu próprio blog, chamado inicialmente de Entre Meu Céu e Meu Chão (Entre Mi Cielo Y Mi Suelo), com várias temáticas, e meses depois decidi focar na Capital, e mudei o nome para Madrid, Entre Meu Céu e Meu Chão (Madrid, Entre Mi Cielo Y Mi Suelo - www.madridentremicieloymisuelo.com). Conheci muitos lugares que eram inéditos para mim, e muitas pessoas encantadoras que me abriram portas de lugares privados, que não conhecia, e aos que nem todo mundo pode visitar.

    Logo surgiu a ideia de escrever um livro sobre os artigos que compunham o blog, e novamente apareceram alguns problemas, pois eu não sabia como reproduzir a informação que, sem as fotos, tinha que ser mais extensa e detalhada. Mas, milagrosamente, apareceu o protagonista deste livro, quem lhes apresentarei na Introdução, e que me pediu ajuda para concretizar a história de sua vida a qual, por sorte, caminha analogamente com a história de Madrid.

    Foram seis meses de um árduo trabalho de composição de um quebra-cabeça com todas as ideias, resenhas, histórias e fatos, que iam me proporcionando o personagem em questão, utilizava de sua memória e dos diversos livros e páginas web para relembrar determinados acontecimentos, dos quais estão detalhados na bibliografia. Segundo pude apreciar, para poder narrar os fatos cronologicamente o embasamento veio de três obras principais que, ao mesmo tempo, me serviram para demarcar historicamente os acontecimentos e organizar esse turbilhão de dados que me eram lançados, e são elas La Historia secreta de Madrid, de Ricardo Aroca, da Editora Espasa, Historia de Madrid, escrito por Rosalía Ramos e Fidel Revilla, da editora La Librería, e da mesma editora, Atlas Ilustrado de la Historia de Madrid, de Pedro López Carcelén.

    Deste modo, mesclando as informações da vida do gato Madriles, com as da vida de Madrid e, ao mesmo tempo, com o que extraía do meu blog, pude matar três pássaros com uma cajadada, assim consegui realizar meu sonho de moldar em um livro os lugares que eu havia fotografado e estudado na minha página web, pude ajudar meu amigo a realizar sua eterna biografia, e tudo isso realizado por meio da minha cidade, Madrid. Espero que desfrutem desta obra tanto como eu desfrutei produzindo-a.

    Manolo G. Sanahuja

    HISTÓRIA DE MADRID, HISTÓRIA DE UMA VIDA

    INTRODUÇÃO

    "Madrid, Madrid, Madrid...

    Pedaço da Espanha onde nasci...

    Por isso te fez Deus...

    O berço do requebro e do chotis..."

    Quando escuto o popular chotis de Agustín Lara sinto uma coisa que não sei explicar, me arrepio inteiro, até mais do que ver um pitbull desafiador mostrando os caninos, e isso porque, na minha idade, nada mais deveria me afetar muito depois de tantos séculos de vida. Opa, esqueci de me apresentar, sou Madriles, o gato Madriles, e sou uma criatura atemporal, por isso que tenho muitos, muitos anos, tantos quanto esta maravilhosa cidade que me viu nascer no final do século IX na edificação da fortaleza ordenada pelo emir omíada Muhammad Bin Abd-Al-Rahman, Maomé I, em uma colina perto do rio Manzanares, para vigiar os ataques de castelhanos na terra muçulmana. Ufa, já falei mais do que deveria. Não quero adiantar acontecimentos, porque antes quero que me conheçam bem para assim confiar mais em mim e escutar atentamente a história da minha vida, que corre paralela à história da minha Madrid, meu sonho, minha paixão, o centro da minha sorte e a atalaia do meu destino.

    Devem estar se perguntando o que é isso de criatura atemporal. Muito simples, nossas células seguem seu curso de vida normal até que tenhamos dez anos. Despois desse tempo, elas estabilizam-se e deixam de envelhecer, sendo assim, se não sofremos acidentes ou não nos infectamos com alguma doença grave, não morremos de velhice, e vivemos o tempo que Deus Nosso Senhor queira que permaneçamos nesta Terra abençoada.

    Sou filho de uma família humilde de gatos cristãos que chegou há séculos nessas terras, de um país longínquo, perdido além do tempo e do espaço. Meus pais, o gato Carpetano e a gata Mantova, foram dois aventureiros, cujos nomes curiosos, segundo meu pai me contou algumas vezes, originam-se de lendas populares do lugar de onde vieram. Seguindo o rastro dessas histórias para constatar sua realidade, de tamanha alma inquieta que tinham, chegaram a esta região onde agora nos encontramos.

    Devido à minha natureza de gato, e ainda arriscando perder uma de minhas sete vidas (já sabem, a curiosidade matou o gato), eu quis saber mais a respeito desses contos que tanto me assombram e dispõe de toda minha atenção. Pesquisei e estudei durante muito tempo, até que consegui juntar todas as peças e trazer à luz a raiz da lenda de minhas origens, pois, afinal, não é mais que isso, uma lenda sem possibilidades de realidade, que polui a mente do povo e, claro, dos gatos.

    De acordo com o que descobri, a origem de toda essa história está na guerra de Tróia, cidade da qual fugiu o príncipe Bianor II, filho de Bianor I recém-assassinado por Agamenon. Depois de atravessar a Grécia e chegar à Albânia, fundou um reino que, em sua morte, foi herdado por seu filho Tibério que, por sua vez, tinha dois filhos, um legítimo chamado Tibério, como o pai, e outro ilegítimo, chamado Bianor, como o avô. Bianor era filho de uma bela aldeã chamada Manto. Para evitar problemas na sucessão, Tibério pai expulsou sua amante e seu filho Bianor do reino depois de prover-lhes de uma extraordinária fortuna para que não tivessem problemas de sobrevivência no futuro. Foram para o norte da Itália, e ali fundaram a cidade Mântua, chamada então de Mantova.

    Bianor era um jovem ousado e jovial, muito querido por seu povo e bem preparado para substituir sua mãe à frente do reino recém-criado. Certa noite, ele teve um sonho em que o deus Apolo lhe aconselhava recusar a herança de sua mãe e viajar para a terra onde morre o sol. Antes de partir, para evitar problemas com seu meio-irmão, sua mãe o orientou que mudasse seu nome para Ocno, que significa dom de ver o futuro nos sonhos.

    Em sua longa viagem que durou dez anos, pararam para pernoitar no lugar que agora ocupa Madrid. Essa noite, Ocno voltou a sonhar com Apolo, quem lhe disse que nesse mesmo lugar, um terreno valioso, cheio de vegetação de azinheiras e madronhos, e com abundância de água, devia fundar uma nova cidade a qual, em um futuro, tinha que oferecer sua vida. Perto dali, viviam eventualmente um povo pacífico de pastores nômades, os Carpetanos, cujo nome significava sem cidade, esperavam um sinal dos deuses para se assentarem definitivamente em algum reino.

    Ocno contou seu sonho para seus hostes e logo foram construir uma muralha, casas, um palácio e um templo, em seguida, os Carpetanos quando viram ali o sinal que tanto haviam esperado, foram ajudá-los. No entanto, surgiu um problema. Quando estavam construindo o templo, começou uma disputa, pois alguns eram seguidores de Apolo e queriam consagrar ao seu deus, mas outros não. Então Apolo voltou a aparecer em um dos sonhos de Ocno, e lhe disse que se queria resolver o conflito, o templo devia consagrar à deusa da terra, Metragirta, também chamada de Cibele e, além disso, lhe avisou que já havia chegado a hora de oferecer sua vida para que encerrassem os conflitos e, assim, salvar a cidade.

    Quando acordou, fez com que cavassem um poço profundo, depois de Ocno entrar, fecharam com uma base espessa. Quando seu povo estava ao redor orando por ele, de repente, caiu uma grande tempestade, e das montanhas de Guadarrama, descendo em uma nuvem tomada por leões, a deusa Cibele levou Ocno de sua tumba e o fez desaparecer.

    Existem outras lendas sobre a fundação de Madrid, mas eu, como um bom gato e com a difícil vida que levo, não confio em nada e nem ninguém, apenas no que vejo. Minha única pretensão é lhes contar as transformações da cidade que vivenciei pessoalmente, ignorando toda essa conversa fiada sobre mitologia inventada que, na verdade, não me inspira a menor confiança. Com tudo isso que vou narrar não quero fazer nenhuma tese doutoral, e nenhuma análise pormenorizada e detalhada da vida e dos costumes dos madrilenhos no decorrer da vida na cidade, não, só pretendo fazer de vocês conhecedores da história, sem entrar em particularidades dignas de um historiador, de um erudito ou de um estudioso de Madrid, porque não o sou e nem pretendo ser, sou apenas um gato que viveu todos esses momentos e que posso contar em primeira pessoa felina. Portanto, não esperem um trabalho científico e perfeitamente documentado, pois essa não é a intenção, apenas desejo divertir, entreter e lhes mostrar somente o que aconteceu ao longo do tempo na Minha Madrid, Nossa Madrid.

    Capítulo 1: Mayrit

    Começarei meu relato pelo meu nascimento que aconteceu ao final do século IX em terrenos que, segundo ouvi falar, estavam quase desabitados, estavam ocupados apenas por um pequeno povoado fortificado de visigodos de caráter rural chamado Matrice, perto da importante estrada romana Via XXV que unia Césaraugusta (Zaragoza) à Emérita Augusta (Mérida) e Toletum (Toledo), estrada da qual antigamente estava rodeada de algumas vilas romanas agrícolas e pecuárias, já desaparecidas. Foi aqui que se instalaram os muçulmanos após sua invasão na Península Ibérica em 711. Foi nessa terra onde nasci, ao lado de uma espécie de cabana rústica onde pernoitavam os soldados sarracenos que estavam construindo uma fortaleza que, como deixei escapar anteriormente, em meados do século 856 o emir omíada Muhammad Bin Abd-Al-Rahman, Maomé I, ordenou construí-la para vigiar ataques castelhanos nos reinos muçulmanos.

    Meu nascimento foi complicado, pois minha mãe estava só no momento do parto, já que meu pai tinha saído em busca de comida. No meio de tantas dores tanto minhas como dos meus irmãos e, sobretudo, dela, cheguei ao mundo entre sangue, terra e sofrimento. Quando pude reagir e ter consciência de minha existência, comprovei estupefato que quem havia me dado a vida, essa gata ousada e aventureira, havia perdido a sua por amor a suas pequenas crias e, alguns dos meus quatro irmãos, três exatamente, também se foram. Sobrevivemos apenas minha irmã Cibelina e eu.

    Meu pai cuidou de nós durante meses e nos ensinou tudo o que sabemos. Contava muitas histórias onde sonhávamos maravilhados com mundos inimagináveis e mitológicos. Tudo foi muito bonito até que, nas obras de extração de um esqueleto enorme que haviam encontrado ao escavar um fosso para a muralha, uma enorme ossada caiu em cima dele esmagando sua cabeça, perdeu suas sete vidas de uma só vez deixando minha irmã e eu órfãos de pai e mãe. Segundo os habitantes da fortaleza, esse esqueleto pertencia a uma criatura gigantesca com forma humana, vamos, outra lenda absurda que aparecia nas muitas histórias da mitologia árabe, mas é claro que devia pertencer a uma espécie de dinossauro dos que abundavam aqui há milhares de anos.

    Nós dois crescemos na soldadesca árabe junto aos grupos de pessoas de diversas profissões que iam se instalando no interior do forte recém-construído. Devido aos numerosos grupos de civis que chegavam constantemente, decidiram construir uma almudaina, cujo significado é núcleo urbano fortificado, dentro do recinto para abrigar a toda essa nova população que ia crescendo e que, pouco a pouco, ia formando um povoado que ficou conhecido pelo nome de Mayrit, que é um composto da palavra árabe Maǧra que significa leito ou curso de água, e o sufixo românico it, que indica abundância, originando, assim, o significado de lugar abundante em água. Com o passar do tempo e das diversas culturas que transitaram por essas terras, seu nome foi mudando até chegar ao definitivo Madrid, o que conhecemos atualmente e, aliás, posso dizer com orgulho que tenho a mesma idade que o amor dos meus amores, minha Madrid!

    Nossa vida continuava tranquila entre o povo muçulmano que, seguindo os conselhos de seu profeta Maomé, nos cuidavam e nos davam carinho, pois segundo al-Bukhari, um sábio que compilou a maioria dos hadiths, lendas e mandamentos de Maomé, ele tinha uma gata chamada Muezza que, certo dia, acabou dormindo sobre a manga de sua vestimenta, mas Maomé precisava sair e não queria incomodá-la, então pegou uma tesoura e cortou sua túnica para que a gata pudesse dormir sem inconvenientes. Depois, quando voltou para casa a gata o recebeu com muita alegria arqueando suas costas, Maomé então outorgou a todos os gatos a graça de cair de pé e de entrar no paraíso.

    Cibelina e eu passeávamos alegremente ao longo dos nove hectares de terreno que circundava a robusta muralha de uns dois quilômetros de comprimento. A construção era dividida em três áreas diferentes: o ponto norte, do alcácer ou castelo, imponente, com três torres que davam um ar de inexpugnável; no centro, uma ampla zona vazia chamada almuzara que era utilizada como campo de manobras, a qual eu havia proibido que minha irmã se aproximasse para que não sofresse nenhum acidente, pois se tratava de um lugar perigoso e que, posteriormente, foi chamado de Campo do Rei e, atualmente, Praça de la Armería; e ao sul, a almudaina, que, em um princípio, alojava a população tanto militar quanto civil composta principalmente por oleiros, pecuaristas, camponeses, ferreiros, artesãos e famílias em geral que guarneciam aos soldados do destacamento o necessário, por esse motivo que ali foi construída a Grande Mesquita. Era nela que entrávamos pela noite para resguardarmos do frio, apesar de sermos cristãos, mas como não havia intenção religiosa não era nenhum pecado, bom, isso foi o que sempre pensei.

    Gostávamos, acima de tudo, de andar pelo alto da muralha e pular de um lado a outro, de torre em torre, percorrendo toda sua extensão desde o começo, nas paredes do castelo, seguindo a borda do despenhadeiro do atual Campo del Moro, até a Cuesta de la Vega, onde se abria uma porta chamada Al-vega (Puerta de la Vega), que segue à beira do moderno Viaduto. Nas inúmeras torres que demarcavam todo o percurso e que serviam para dar uma maior resistência à construção, brincávamos de esconde-esconde e, às vezes, dávamos sustos em outros gatos nos escondendo em suas curvas. Perto da Puerta de la Vega, nos adentrávamos em um pequeno espaço da fortaleza que dava na Torre Narigués, um posto de vigilância avançado acima do riacho, que mais tarde foi chamado de São Pedro. Depois voltávamos para a muralha e nos perseguíamos por ela até chegar à atual rua Mayor onde, em frente à rua Factor, abria-se outra porta chamada Arco de la Almudena, apesar de que depois os cristãos chamaram-na de Porta de Santa Maria. Desde ali, nosso caminho seguia para o norte até chegar à Plaza de Oriente, onde terminava nosso jogo pelo castelo, mas não sem antes passar pela Puerta de la Sagra, que se encontrava perto da edificação maior.

    Nossa porta predileta era a de Al-vega, porque era utilizada pelos agricultores que lavravam os campos férteis do rio Manzanares, e sempre nos davam frutas e verduras, dos quais Cibelina e eu degustávamos com voracidade. Ao contrário da Puerta de la Sagra que íamos poucas vezes, já que por ali passavam apenas as autoridades militares, o que era bem chato de se ver. Mais divertido era o arco da Almudena, frequentado pelos soldados que sempre passavam cantando e dizendo coisas engraçadas e quando nos viam, na maioria das vezes nos cumprimentavam com carícias e palavras bonitas.

    Gostávamos de nos perder pelas ruas da almudaina, sempre estreitas, sinuosas e irregulares que, pouco a pouco, iam se enchendo de mercadores, artesãos, camponeses e alguns grupos de desfavorecidos como os pobres ou as prostitutas que vinham pelas poucas moedas que podiam obter. Chegava tanta gente no povoado que o lugar ficou abarrotado e então começaram a criar as primeiras aldeias fora da muralha. A mais importante delas foi a que se formou em frente à Puerta de la Vega, do outro lado do córrego que corria onde hoje é a rua Segovia, em um morro posteriormente chamado de Las Vistillas, onde se instalaram principalmente comerciantes e artesãos. Para salvar o pequeno riacho, foi construída uma ponte que mais tarde foi conhecida como pontícula de São Pedro. Outra aldeia, esta de menor importância, se formou de maneira dispersa em frente à Puerta de la Sagra, do outro lado do despenhadeiro que hoje forma a Costa de San Vicente, ocupado em sua maioria por camponeses.

    Sem dúvida nenhuma, o lugar que menos gostávamos de ir era no interior do castelo, onde era a residência do alcaide, um sujeito

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