A divisão do trabalho na escola: Aspectos da função docente e da relação família-escola
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A divisão do trabalho na escola - Catia Corrêa Michalovicz
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
Ao pequeno Miguel, nosso maior presente.
AGRADECIMENTOS
Minha gratidão dirige-se a muitas pessoas que, de maneiras diferentes, foram importantes durante a caminhada do mestrado e da vida:
Ao meu pai, Amir, homem de coragem e força, que me ensinou os passos para uma vida segura e feliz. E à sua esposa, Anir, por toda torcida e apoio.
Às minhas irmãs Mônica e Isadora, pelo estímulo, companheirismo e carinho em todos os momentos.
Ao Roney, esposo e amigo, pelo apoio, incentivo, sobretudo pela paciência nos momentos difíceis, pelas palavras de conforto e pelos puxões de orelha
.
Aos amigos, pela compreensão da ausência e por todas as demonstrações de afeto e apoio.
Àqueles que, de forma direta ou indireta, participaram desta pesquisa. Às diretoras das escolas investigadas, por abrirem as portas à pesquisa. Aos professores e demais profissionais que permitiram as entrevistas e ajudaram na recolha de documentos.
Ao grupo Ateliê Sociológico: Educação e Cultura
, pelos encontros, discussões, sugestões e amizade.
Aos professores do mestrado em Educação da FURB, pela oportunidade de amadurecimento acadêmico. Às professoras Neide e Julianne, integrantes da banca de qualificação de minha dissertação, em especial, pela leitura do texto, sugestões e orientações.
À professora Marieta G. de Oliveira Penna, pela participação na banca de defesa, leitura criteriosa e pelo diálogo construtivo. Muito obrigada!
Ao professor Gilson R. de M. Pereira, orientador de minha dissertação de mestrado, pela dedicação, parceria e orientações sempre pontuais. Obrigada por acreditar em meu trabalho.
PREFÁCIO
Sinto muito orgulho ao escrever o prefácio desta obra de autoria de Cátia Corrêa Michalovicz. Trata-se da adaptação de sua dissertação de mestrado, intitulada O magistério à luz da atual configuração da divisão do trabalho na escola
, defendida em 2008 no Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Educação, da Universidade Regional de Blumenau, sob a minha orientação. Tornada agora disponível ao grande público leitor, a dissertação de Cátia resistiu ao teste do tempo e, por isso mesmo, mantém inteira atualidade, estando, pois, justificada a sua publicação.
Qual o problema sociológico examinado neste livro? Como o próprio nome da obra sugere, é a divisão do trabalho na escola brasileira. A proposição inicial da investigação resulta da constatação segundo a qual a divisão dos papéis educativos entre família e escola encontra-se, no nosso tempo, bastante embaralhada. As tradicionais atribuições de responsabilidades entre pais e mestres relacionadas às tarefas educativas de crianças e adolescentes encontram-se, por assim dizer, esfumaçadas. Isso é imediatamente perceptível nas resistências, ou talvez ambivalências, dos professores quanto ao trabalho pedagógico doméstico desenvolvido nas famílias, sobretudo nas famílias de baixa renda, por um lado, e, por outro lado, nas intromissões
dos pais, muitas vezes consideradas indevidas pelos professores, nas tarefas pedagógicas da escola. Além disso, essa confusão nos papéis educativos entre família e escola – as duas mais importantes instituições educativas do mundo contemporâneo – parece rebater na própria divisão do trabalho no interior da escola entre os diversos agentes que lá trabalham. Ou seja – e isso está bem descrito neste livro –, o trabalho pedagógico escolar parece resultar da sobreposição de especialidades o mais das vezes indistintas.
Uma das virtudes desta obra, produzida a partir de uma investigação sistemática em escolas públicas de Joinville, Santa Catarina, é a sua coerência metodológica e, mais do que tudo, o rigor conceitual com o qual o objeto é construído. Em razão disso, o que mais aprecio neste livro é a forma como tudo o que vem às mãos de Cátia, tanto em matéria de conceitos e teorias assim como o próprio material empírico, é mobilizado, com acurácia, na elucidação das interrogações desencadeadoras da investigação. A hipótese adotada pela autora revela, de saída, domínio do modo de inteligibilidade do real usado para compreender e dar a compreender o tema. Para Cátia, a confusão entre papéis educativos entre famílias e professores e a indefinição da divisão do trabalho na escola ocorrem em razão da atual configuração da divisão do trabalho escolar e da interdependência dos papéis entre professores e pais, resultado do adensamento das trocas materiais e simbólicas nas sociedades diferenciadas
.
Um dos pontos altos deste livro reside, no meu ponto de vista, na análise dos combinados
entre escola e família. A palavra combinado
designa os contratos, meio explícitos, meio tácitos, entre professores e pais quando da tarefa de educar. Esses combinados são estabelecidos nas reuniões de pais e mestres ou em outros conselhos escolares, assim como no cotidiano, isto é, nos encontros propositais ou fortuitos entre professores e pais de alunos. O que a análise de Cátia revela, segundo as palavras da autora, é que longe de serem verdadeiros combinados, no sentido literal da palavra [...] surgem como uma maneira de a escola antepor tanto a sua função e sua parcela de responsabilidade na educação, como também (e principalmente) a dos pais
. E, ao desvelar a alquimia simbólica subjacente a esses acordos, a autora continua:
[...] os combinados são uma espécie de pressão exercida pela escola sobre a família, para que se adapte à cultura escolar e facilite a vida escolar do filho. É um ímpeto normalizador
[...] um fenômeno sutil e que se refere à posição ocupada pelas famílias e à posição que a escola se coloca frente à família, de ditador
de regras.
Quanto à divisão do trabalho pedagógico entre os agentes da escola, as descrições densamente analíticas de Cátia expõem as angústias de professores muitas vezes assoberbados pela sobreposição de papéis e funções na escola. Sobre isso, notável é a interferência da ordem burocrático-administrativa da escola no trabalho propriamente pedagógico dos professores. Assim, em razão da junção de tarefas, eles se queixam de dificuldades do tipo: O professor parece que tem que resolver tudo [...] orientação, ensinar, dar valores, cuidar da fila, punir desrespeitos
; É muita papelada, muito documento, muita burocracia
.
Finalmente, gostaria de recomendar este livro, com ênfase, a todos os que se propõem a compreender o funcionamento da escola, mormente a pública, no estado atual do campo educacional brasileiro.
Gilson R. de M. Pereira
Professor na Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Coordenador do Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Educação, da UERN
APRESENTAÇÃO
Este livro, com algumas adaptações e atualizações, é resultado de uma pesquisa realizada para a elaboração de minha dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Regional de Blumenau, SC. A ideia de publicar tal trabalho em formato de livro surgiu da constatação, durante pesquisas para tese de doutorado, de que não há muita publicação sobre a divisão do trabalho na escola, tanto entre os profissionais ali atuantes como entre escola e família.
Ademais, a pesquisa de campo realizada no ano de 2016¹ evidenciou que muito daquilo quanto foi discutido em minha pesquisa de mestrado continua atual, vigente nas escolas públicas de ensino fundamental. Um exemplo seria a constatação da sobreposição de funções entre os profissionais ali atuantes, assim como uma maleabilidade constante em suas atribuições. É como se coexistissem uma sobreposição e uma indefinição de funções, ao mesmo tempo em que se procura mobilizar esforços para a não indefinição e para não sobrepor funções. Os sentimentos de cansaço e sobrecarga professoral discutidos neste livro também continuam atuais, além de muitos outros aspectos aqui discutidos.
O livro A divisão do trabalho na escola: aspectos da função docente e da relação família-escola parte de uma proposição, constatada tanto na prática docente quanto na literatura especializada: a divisão dos papéis educativos entre família e escola encontra-se, de certa maneira, embaralhada. As tradicionais responsabilidades atribuíveis a professores e pais já não são imediatamente perceptíveis. Essa falta de nitidez tem conduzido, em geral, a choques e conflitos nas relações entre família e escola: a jusante, famílias questionam o trabalho pedagógico desenvolvido na escola; a montante, professores reticentes às modalidades de trabalho educativo propriamente familiar.
Além disso, a própria divisão do trabalho no âmbito escolar, na contemporaneidade, parece pouco perceptível em razão da sobreposição de funções entre profissionais cujas especialidades não estão muito claras. Por que isso ocorre? A hipótese que adotei neste trabalho sugere que as razões devem ser buscadas na atual configuração da divisão do trabalho escolar e na interdependência dos papéis entre professores e pais, resultado do adensamento das trocas materiais e simbólicas nas sociedades diferenciadas.
Meu objetivo com o desenvolvimento da pesquisa foi compreender o estado atual da divisão do trabalho na escola e as formas contemporâneas assumidas pela interdependência dos papéis educativos entre família e escola. A investigação foi realizada em escolas da rede pública municipal de Joinville, Santa Catarina, a partir de entrevistas com profissionais das séries iniciais do ensino fundamental, além da recolha de documentos pertinentes às funções exercidas na escola e, também, da observação de reunião de pais e professores.
Os dados da pesquisa evidenciam, de diferentes maneiras, que a escola se preocupa com a tomada de posição das famílias em relação ao desempenho escolar de seus filhos e, em função disso, procura inculcar nessas famílias modos de proceder relativamente à educação da prole. Para as professoras, isto é o que mais as sobrecarrega: essa necessidade de educar
também a família. Outro resultado é a constatação da sobreposição de funções presente na escola, fruto da maleabilidade encontrada nesse ambiente. É preciso ser maleável, diariamente, para manter a escola funcionando, mesmo na ausência de determinados profissionais, fato esse que promove certo grau de indistinção entre as funções e aumenta as lutas simbólicas travadas no ambiente escolar.
A autora
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
capítulo 1
A DIVISÃO DO TRABALHO E A ESCOLA
1.1 A divisão técnica do trabalho na escola
1.2 A sobreposição de funções na divisão interna do trabalho
1.3 A maleabilidade funcional e o regime de urgência
1.4 A maleabilidade funcional e o efeito de instituição
capítulo 2
A FUNÇÃO DOCENTE E A DIVISÃO DO TRABALHO NA ESCOLA
2.1 Sobreposição de funções e relação família-escola
2.2 O magistério num sistema de posições – a missão a cumprir
2.3 Como se aprende a ser professor na prática
2.4 Função de professor: a formação em pauta
capítulo 3
O PROFESSOR E A FAMÍLIA
3.1 Imposição e anteposição de funções: uma trama desigual
3.2 Um recurso oculto: o sentido prático do jogo escolar
3.3 Mérito, esforço individual e ideário pedagógico
3.4 Trabalho pedagógico e omissão parental: desencontros na divisão de trabalho
3.5 Mudança na estrutura escolar – horizontalização do diálogo
capítulo 4
A DIVISÃO DO TRABALHO NOS COMBINADOS ENTRE ESCOLA E FAMÍLIA
4.1 A escola vai à familia: a educação dos pais
4.2 A ordem é participar
: as tentativas de acordo
4.3 A família é chamada à escola – encontros, reuniões e documentação
4.4 As cartilhas e seus ensinamentos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Para a maioria de nós, o jugo da sociedade parece suave [...] porque quase sempre desejamos exatamente aquilo que a sociedade espera de nós. Queremos obedecer às regras. Queremos os papéis que a sociedade nos atribuiu².
Peter L. Berger
A divisão do trabalho na escola é o tema central deste livro, envolvendo tanto aspectos da atual configuração da divisão do trabalho pedagógico entre família e escola, quanto aspectos da divisão interna do trabalho na instituição, a divisão técnica. Lança-se luz na função docente na contemporaneidade, nos papéis assumidos pelo professor na sua prática docente, assim como na maleabilidade de tal função.
O trabalho docente, aqui, é entendido como o desempenho de uma função específica, parte de uma estrutura de funções e posições que formam a sociedade. Adota-se o pressuposto segundo o qual cada função desempenhada nas sociedades diferenciadas é dependente de tantas outras funções exercidas. A sociedade constitui-se, assim, como uma estrutura de funções e relações de interdependência, na qual os indivíduos desempenham funções sobre as quais têm uma margem de intervenção menor ou maior dependendo da posição que ocupam na rede de relações³.
Na maioria das vezes, a escolha de um objeto de estudo parte de uma experiência vivida, ou se dá como decorrência de certas leituras e/ou estudos. No caso presente, minha experiência profissional em escolas de ensino fundamental foi importante para lapidar o objeto de estudo. Além disso, a divisão do trabalho no âmbito escolar tornou-se objeto de investigação a partir de uma proposição constatada tanto na prática docente quanto na literatura especializada⁴, qual seja, a divisão dos papéis educativos entre família e escola encontra-se, atualmente, embaralhada. Isto é, as tradicionais responsabilidades atribuíveis a professores e pais já não são imediatamente perceptíveis. O rol dos deveres e tarefas comumente associado a pais, por um lado, e a professores, por outro, já não parece tão nítido quanto o foi no passado, e essa ausência de nitidez na divisão do trabalho entre família e escola tem conduzido, em geral, a choques e conflitos nas relações entre as duas instituições.
Para além da constatação do embaralhamento nas funções desempenhadas por escola e família, toma-se como pressuposto o fato, de resto, observável, de que a própria divisão do trabalho no âmbito escolar, na contemporaneidade, parece pouco perceptível em razão da sobreposição de funções entre profissionais cujas especialidades, na prática, não estão muito claras. As fronteiras entre umas e outras funções não parecem tão perceptíveis, nem consistentes, porém parecem esbatidas, flexíveis. Quanto a esse esbatimento das fronteiras – e antecipando resultados –, essa investigação indica que há