A Teoria do Domínio do Fato e o Autor Imediato nos Crimes Contra a Administração Pública
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Sobre este e-book
O País passa por transformações morais no cuidado com a res publica. Dessa forma, apesar de a referida teoria ter sido iniciada na década de 30 do século passado, ela se mostra tão atual diante da conjectura político-administrativa nacional que merece atenção especial diante das novas dinâmicas relacionadas aos crimes praticados na Administração Pública e às formas de fiscalização e das investigações criminais, observando sempre a conduta daqueles que pela função pública detêm o múnus público.
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A Teoria do Domínio do Fato e o Autor Imediato nos Crimes Contra a Administração Pública - Bruno Rocha Rabelo
Reis
SUMÁRIO
1
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
1.1 CONCEITO
1.2 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
1.2.1 Concepção de crime
1.2.2 Crimes praticados utilizando a estrutura administrativa do Estado
1.3 DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA
1.4 IMPORTÂNCIA DA SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICA
1.5 RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO
1.5.1 Agente público
1.5.2 Responsabilidade penal
1.6 REPERCUSSÃO DOS CRIMES FUNCIONAIS NA ESFERA ADMINISTRATIVA
1.7 DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DECORRENTES DA SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICA
2
CONCURSO DE PESSOAS
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.
2.2 CRIME DE CONCURSO NECESSÁRIO
2.3 CRIME DE CONCURSO EVENTUAL
2.4 REQUISITOS DO CONCURSO DE PESSOAS
2.4.1 Pluralidade de agentes e condutas
2.4.2 Relevância causal
2.4.3 Liame subjetivo
2.4.4 Identidade de infração penal
2.5 TEORIAS SOBRE CONCURSO DE AGENTES
2.5.1 Teoria dualista
2.5.2 Teoria pluralista
2.5.3 Teoria monista
3
DA AUTORIA
3.1 TEORIA RESTRITIVA
3.2 TEORIA EXTENSIVA
3.3 TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO
3.3.1 Divergência da Teoria do Domínio do Fato no Direito
Penal Brasileiro
4
DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO NOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
4.2 A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
NOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
4.3 DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E DOS NOVOS DESAFIOS
4.4 TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO NOS CRIMES CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM DETERMINADA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
4.4.1 Poder de mando
4.4.2 Desvinculação do direito pelo aparato de poder
4.4.3 Fungibilidade do executor direto
4.4.4 A disposição essencialmente elevada dos executores ao fato
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
1
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
No primeiro capítulo, pretende-se conceituar a Administração Pública, preocupando-se com os principais princípios do regime jurídico-administrativo brasileiro e fazendo uma breve explanação em relação aos crimes contra a administração pública, bem como a importância da subordinação hierárquica e a responsabilização do agente em detrimento desses crimes, e sua repercussão na esfera administrativa.
Tal conexão entre esses tópicos é fundamental devido à explicação posterior que será tratada em relação aos crimes ocorridos em concurso de pessoas; e o liame entre a subordinação hierárquica e a teoria do domínio do fato guiará este trabalho, conforme conclusão deste capítulo.
1.1 CONCEITO
Com este tópico, há de se conceituar a Administração Pública, utilizando lições dos renomados doutrinadores na área do Direito Administrativo Brasileiro, manuseando os princípios que se alicerçam todo o regime jurídico-administrativo pátrio e definindo sua atividade, seus órgãos e seus agentes, para melhor entendimento do funcionamento do Estado na sua função típica executiva.
A legislação pátria não trouxe um conceito de Administração Pública, porém a doutrina brasileira tratou de definir como conjunto de órgãos e agentes que, por meio do desempenho sistemático e estrutural, o Estado atua para o benefício da coletividade.
Na lição de Hely Lopes Meirelles, Administração Pública é:
Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. A Administração não pratica atos de governo; pratica, tão-somente, atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes. São os chamados atos administrativos, que, por sua variedade e importância, merecem estudo em capítulo especial.¹
Como observado, pode-se definir a Administração Pública no sentido formal, material e operacional, dividida de forma didática, para melhor compreensão. Contudo, de modo amplo, a Administração Pública é a máquina de movimentação do Estado; é o aparelho competente para a realização dos serviços com o fim da satisfação dos administrados.
De acordo com a competência de cada órgão e agentes, essa administração pratica tão somente atos de execução, que é diferente de ato de governo. Dessa forma, deve-se ter cuidado para não confundir tais conceitos, uma vez que ambos os atos podem ser considerados de administração, mas aquele pratica tão somente atos administrativos.
De Plácido e Silva, em seu vocabulário jurídico, define Administração Pública da seguinte forma, observada a diferenciação seguinte:
Num sentido amplo, administração pública pode ser compreendida como uma das manifestações do poder público na gestão ou execução de atos ou de negócios políticos. Assim se confunde com a própria função política do poder público, expressando um sentido de governo, cujo conceito, por vezes, se entrelaça com a da administração, por tal forma que, dificilmente, se poderá, de pronto, traçar uma diferenciação exata entre os órgãos que estruturam o governo propriamente dito e as funções que indicam seu setor administrativo. Todavia, se o governo, em sentido amplo, significa a totalidade de órgãos representativos da soberania, a administração pública, subordinada diretamente ao poder executivo, alcança simplesmente o complexo de funções que esse órgão exercita no desempenho de atividades, que interessam ao Estado e ao seu povo. Desse modo, em conceito estrito, administração pública, sem divergir do sentido equivalente em administração privada, significa a simples direção ou gestão de negócios ou serviços públicos, realizados por todos os seus departamentos ou institutos especializados, com a finalidade de prover às necessidades de ordem geral ou coletiva. Cada um desses departamentos da administração pública, na esfera de atribuições que lhes forem assinaladas em lei, pois, representa apenas uma de suas ramificações e mostrando simplesmente uma das facetas por que a administração pública se executa. A administração pública se diz: federal, quando se refere à direção dos negócios afetos à ou próprios da União; estadual, quando se relaciona com os serviços ou negócios públicos administrados pelos estados federados; municipal, quando representa o conjunto de serviços e negócios administrados pelos Municípios. A EC n. 19, de 04.06.98, modificou o regime e dispôs sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal.²
Conforme definido, o conceito de Administração Pública confunde-se com a sua própria estrutura orgânica, bem como o modo que a atividade do Estado é exercida. Dessa forma, ao exercer a sua função administrativa e executar as atividades por meio de seus órgãos e agentes, que em nome da sociedade realiza os serviços administrativos para benefício da coletividade, a Administração Pública está agindo para atingir os objetivos do Estado.
Preleciona Carvalho Filho afirma que:
Há um consenso entre os autores no sentido de que a expressão administração pública
é de certo modo duvidosa, exprimindo mais de um sentido. Uma das razões para o fato é a extensa gama de tarefas e atividades que compõem o objetivo do Estado. Outro é o próprio número de órgãos e agentes públicos incumbidos de sua execução. Exatamente por isto é que, para melhor precisar o sentido da expressão, devemos dividi-lo sob á ótica dos executores da atividade pública, de um lado, e da própria atividade do outro.³
Por isso o cuidado ao conceituar Administração Pública, visto que esse termo pode possuir mais de um sentido, conforme exposto anteriormente, desde os órgãos e agentes até a própria atividade desempenhada por eles.
Diante dessa afirmação, e com base nos princípios da supremacia do interesse público e no princípio da indisponibilidade do interesse público, estes chamados por Celso Bandeira de Mello como as pedras de toque
do regime jurídico-administrativo brasileiro, toda a atividade desempenhada por tais sujeitos (órgãos e agentes) são exercidas em nome de toda a Administração Pública que, por conseguinte, atua em nome da sociedade.
Assim define o ilustre doutrinador:
A este sistema, reportado ao direito administrativo, designamos regime jurídico-administrativo. Feitas estas considerações preliminares, importa indicar quais são, em nosso entender, as pedra de toque
, do regime jurídico-administrativo. Partindo do universal para o particular, diríamos que o Direito Administrativo entroncado que está no Direito Público, reproduz, no geral, as características do regime do Direito Público, acrescidas àquelas que o especificam dentro dele. O regime do Direito Público resulta da caracterização normativa de determinados interesses como pertinentes à sociedade e não aos particulares considerados em sua individuada singularidade. Juridicamente esta caracterização consiste, no Direito Administrativo, segundo nosso modo de ver, na atribuição de uma disciplina normativa peculiar, que fundamentalmente, se delineia em função da consagração de dois princípios: a) supremacia do interesse público sobre o privado; b) indisponibilidade, pela administração, dos interesses públicos.⁴
Como definido, o agente está restrito a exercer sua função com base nesses dois princípios que regulam todo o ordenamento jurídico-administrativo, de forma que o agente não é o detentor da coisa pública, observando-se que este tem apenas o dever de zelo na condução de suas atividades, sem dispor do interesse público.
O agente que tem o dever de cuidado com o bem público não pode renunciar da tutela que a lei lhe impõe, visto que o interesse público é o da coletividade, que, consequentemente, é de incumbência do Estado, como bem explica Meirelles. Este, ao delimitar tal interesse, ressalta que dele decorre o princípio da indisponibilidade do interesse público:
Dele decorre o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral da coletividade, nem renunciar os poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é o titular do interesse público, cujo titular é o Estado como representante da coletividade, e, por isso, só ela, pelos seus representantes eleitos, mediante lei, poderá autorizar a disponibilidade ou a renúncia.⁵
A Administração Pública não pode dispor daquilo que a lei reservou como bem da coletividade e, devido a isso, a legislação pátria tratou de desigualar do particular, já que aquele é a representação dos interesses da coletividade. Então, em determinado conflito de interesses entre a coletividade e o particular, o Estado não poderá dispor desse interesse, e com fundamento na tutela dos direitos sociais, deve impor a supremacia do interesse público sobre o privado nos limites que a lei definir sua atuação para que não existam arbitrariedades por parte do Estado.
Como exemplo, pode-se citar a intervenção do Estado na propriedade, quando em nome da coletividade a Administração Pública intervém sobre a propriedade particular para que atinja a finalidade do coletivo, chamado também de intervenção vertical.
Carvalho Filho define essa intervenção:
No caso da intervenção na propriedade, o Estado age de forma vertical, ou seja, cria imposições de que alguma forma restringem o uso da propriedade pelo seu dominus. E o faz exatamente em função da supremacia que ostenta, relativamente aos interesses privados. Quando o particular sofre imposição interventiva do Estado em sua propriedade, sua reação natural é a de insatisfação, e isso porque seu interesse foi contrariado. Mas toda intervenção visa ao atendimento de uma situação de interesse público e, sendo assim, há de justificar-se a atuação estatal, mesmo contrária ao interesse