Desafios para a educação democrática e pública de qualidade no Brasil
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Sobre este e-book
Este é o principal mérito da pesquisa de José Nobre e Samuel Mendonça. O tema inscreve-se num conjunto de estudos da área de Educação que vêm buscando revitalizar o pensamento de Anísio Teixeira e utilizá-lo para pensar problemas persistentes na educação brasileira há mais de uma década. Nobre e Mendonça apontam para uma discussão que interessa aos campos tanto da Política Educacional quanto da Filosofia da Educação, estabelecendo um desafio e uma interface comum. E, dessa forma, o livro instiga um uso mais interdisciplinar do pensamento de Anísio Teixeira e, com isso, abre novos caminhos para que sua obra seja compreendida de um modo vivo e atual.
Por essas razões, o livro convida os leitores a apreciarem este exercício de atualização do pensamento de Anísio Teixeira, que concorre para que sua obra se mantenha viva em nossa cultura, e, com isso, sejam provocados a enfrentar com os recursos intelectuais daí decorrentes os desafios para a democracia e a educação pública de qualidade em nosso país.
(Pedro Pagni)
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Desafios para a educação democrática e pública de qualidade no Brasil - José Aguiar Nobre
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
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Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO - POLÍTICAS E DEBATES
A nossa gratidão aos professores: Adolfo Ignácio Calderón; Guilherme Lunelli; Luiz Roberto Gomes e Pedro Ângelo Pagni pelas preciosas contribuições.
Prefácio
A obra Desafios para a educação democrática e pública de qualidade no Brasil, de José Aguiar Nobre e Samuel Mendonça, é um livro que discute um dos principais desafios da educação brasileira a partir do pensamento de um dos protagonistas de sua história.
Anísio Teixeira foi um dos principais defensores da educação pública e da democracia em nosso país. Mais do que defender essas ideias, ele fez dessas bandeiras uma verdadeira militância e, porque não dizer, um modo de vida com os quais foi rigoroso como intelectual e coerente como cidadão. Rigorosidade que demonstra em toda sua obra, onde podemos encontrar muitas vezes uma reflexão original sobre a apropriação de algumas categorias do pensamento de John Dewey para tratar de problemas de nossa cultura e de nossa educação. Coerência que, ao se apoiar na concepção de democracia desse filósofo estadunidense, não a faz somente retoricamente, mas como alguém que a aplica em seu modo de existir, ao ponto de se afastar da vida pública em todas as ocasiões em que enfrentou, historicamente, a emergência de Estados totalitários, como presenciou durante o Estado Novo e a Ditadura Militar.
Ao recobrar essa rigorosidade presente na obra e a coerência pública desse importante intelectual brasileiro, José Nobre e Samuel Mendonça não apenas retomam sua Filosofia da Educação para torná-la um objeto estanque do passado, mas para vislumbrar a sua vitalidade no presente. Para tanto, mostram que, por um lado, os problemas da democracia na educação brasileira e da qualidade da educação pública ainda persistem, mesmo depois da morte do educador baiano, e, por outro lado, o pensamento de Anísio Teixeira ainda pode trazer elementos para pensá-los. Dessa forma, este livro defende certa vitalidade do pensamento desse educador baiano ao retomar a sua Filosofia da Educação e, concomitantemente, evidenciar problemas que parecem, senão insuperáveis, ao menos persistentes em nossa história, em razão da resistência de certos setores de nossa sociedade, dentre outros fatores, em democratizar a educação pública e fazê-la com uma qualidade tal que, antes de servir ao mercado, priorize a formação do cidadão de acordo com os princípios da ética democrática.
Este é o principal mérito do livro de José Nobre e Samuel Mendonça, que a meu juízo inscreve-se num conjunto de estudos da área de Educação que vêm buscando revitalizar o pensamento de Anísio Teixeira e utilizá-lo para pensar problemas persistentes na educação brasileira há mais de uma década. Por sua vez, a originalidade de deste livro Desafios para a educação democrática e pública de qualidade no Brasil está em estabelecer uma interlocução com uma das principais críticas à teoria pedagógica do educador baiano, entabulada por Dermeval Saviani. Isso ocorre na medida em que argumenta que, não obstante a tendência liberal professada abertamente por Teixeira, a sua ação política não deixa de apelar à ampliação do acesso e da democratização do ensino público, assim como a sua Filosofia da Educação postula uma educação de qualidade e exige uma condução democrática, presente na sua pedagogia e, igualmente, na gestão da escola. Dessa forma, tais argumentos problematizam uma interpretação corrente acerca de que seu pensamento postulou: uma democracia para a escola para manter intacta a situação antidemocrática fora dela, na sociedade brasileira, e a meu ver indica uma interpretação mais consonante com aquilo que o leitor pode encontrar tanto na obra quanto na ação política do educador baiano. E é justamente desse ponto de vista que aborda algumas questões relativas à gestão escolar, o campo temático em que o pensamento de Teixeira vem sendo retomado com ciência dessas ressalvas.
Neste campo, em interlocução com a literatura a respeito, procura advogar a perspectiva de democracia defendida por Teixeira como uma das possibilidades para a efetuação de uma educação para emancipação, revendo o modo clássico como tal postulação teria se dado na Filosofia da Educação e indicando-a como um dos desafios da escola brasileira. Assim, Nobre e Mendonça apontam para uma discussão que interessa aos campos tanto da Política Educacional quanto da Filosofia da Educação, estabelecendo um desafio e uma interface comum. E, dessa forma, seu livro parece instigar um uso mais interdisciplinar do pensamento de Anísio Teixeira e, com isso, abrir novos caminhos para que sua obra seja compreendida de um modo vivo e atual.
Por essas razões, convido os leitores a apreciarem este exercício de atualização do pensamento de Anísio Teixeira, que concorre para que sua obra se mantenha viva em nossa cultura, e, com isso, sejam provocados a enfrentar com os recursos intelectuais daí decorrentes os desafios para a democracia e a educação pública de qualidade em nosso país.
Pedro Angelo Pagni
Dr. em Educação e Livre-docente em Filosofia da Educação.
Atualmente é professor da UNESP/Marília/SP.
Se a ideia democrática tem qualquer valor, havemos de perceber que o seu sentido profundo e generoso consiste em proporcionar a todos os homens que nascem no solo livre do Brasil iguais oportunidades de triunfo e êxito na vida!
(TEIXEIRA, 2007b, p. 221)
SUMÁRIO
Introdução
Capítulo I
Contextos de John Dewey e Anísio Teixeira frente à educação democrática
1.1 Vida e obra de John Dewey na busca da educação para todos
1.2 O pragmatismo como fundamento de reflexão filosófico-educacional
1.3 Trajetória de Anísio Teixeira
1.4 O contato de Anísio Teixeira com a realidade educacional brasileira
1.5 Anísio Teixeira na luta pela educação democrática e pública de qualidade
Capítulo II
A educação democrática e pública de qualidade em Anísio Teixeira
2.1 Conceito de democracia em Anísio Teixeira
2.2 Democratização de acesso e a questão da gestão democrática da educação pública
2.2.1 Desafios da gestão democrática da escola pública hoje
2.2.2 As perspectivas da gestão democrática da escola pública da atualidade
2.3 Anísio Teixeira e o financiamento da educação pública brasileira
2.4 Reflexões educacionais de Anísio Teixeira no contexto da tecnologia
Capítulo III
Os desafios para a educação democrática e pública de qualidade
3.1 Da educação à cidadania: a autoconsciência e a formação do educador
3.2 Educação e emancipação: tecendo relações conexas
3.3 A mudança como ideal para a construção de uma nova mentalidade educativa
3.4 Um olhar educacional democrático, emancipador e além-fronteiras
3.5 A formação do educador: autossuperação em vista da cidadania ativa
Considerações Finais
Referências
Introdução
O presente livro discute a questão da educação democrática e pública de qualidade no Brasil atual. Ele nasce a partir do contato com a obra de Anísio Teixeira (1980; 2005; 2006a; 2006b; 2007a; 2007b; 2007c; 2009) que, por sua vez, foi inspirada na produção teórica do educador norte-americano John Dewey (1980; 1959; 1997; 2002; 2009). Evidente que a obra de John Dewey foi construída no contexto da sociedade norte-americana e, neste sentido, não se pretende considerar a sua contribuição em torno da democracia como válida, de forma direta, para o Brasil. Com efeito, mesmo com as diferenças culturais e geográficas, muito se pode considerar a partir das contribuições deste teórico pelo fato de que Anísio Teixeira pensou a atualização do saber de Dewey para o nosso contexto, embora em outro momento histórico. Enfim, esta advertência é importante para que tenhamos claro, desde o início destas reflexões, que não pretendemos aqui ignorar ou mesmo validar, sem que se tenha cuidado com as nuances das dimensões culturais, os conhecimentos cunhados por John Dewey nos Estados Unidos da América.
A motivação para esta investigação teve origem na inquietação acerca da situação educacional atual do Brasil que, de certa forma, muito do que Anísio Teixeira falou há anos, ainda permanece como desafio a ser superado. Para corroborar esta asserção, vejamos suas próprias palavras proferidas, em 1947, num pronunciamento à Assembleia Constituinte Baiana, sob o título Autonomia para a educação
:
Confesso que não venho até aqui falar-vos sobre o problema da educação sem certo constrangimento: quem percorrer a legislação do País a respeito da educação, tudo aí encontrará. Sobre assunto algum se falou tanto no Brasil e, em nenhum outro tão pouco se realizou. Não há, assim, como fugir à impressão penosa de nos estarmos a repetir. Há cem anos os educadores se repetem. Esvaem-se em palavras, esvaímo-nos em palavras e nada fazemos. Atacou-nos, por isso mesmo, um estranho pudor pela palavra. Pouco falamos os educadores de hoje. Estamos possuídos de um desespero mudo pela ação (TEIXEIRA, 2009, p. 105).
Este discurso inaugurou os debates com os deputados sobre o capítulo da Educação e Saúde, na época em que Anísio era Secretário de Educação e Saúde do Estado da Bahia. Em certa medida, notamos a atualidade do pronunciamento de Anísio Teixeira em relação ao deficitário estágio da atual educação brasileira. Nas palavras de Clarice Nunes, que o desespero mudo pela ação do qual fala Anísio Teixeira nos sirva de bandeira de luta para não abdicarmos da liberdade de pensar, de nos renovarmos constantemente como intelectuais
(NUNES, 2009, p. 20). A obra de Anísio Teixeira reivindica a necessidade de ressignificação da educação brasileira.
Assim, esta obra é elaborada à luz da Filosofia da Educação. É importante que se evidencie a compreensão de seu caminho e como o método é compreendido por Anísio Teixeira:
Nenhuma das soluções pode ser definitiva ou dogmática. A filosofia de uma sociedade em permanente transformação, que aceita essa transformação e deseja torná-la um instrumento do próprio progresso, é uma filosofia de hipóteses e soluções provisórias. O método filosófico será, assim, experimental, no sentido de que as soluções propostas serão hipóteses sujeitas à confirmação das consequências (TEIXEIRA, 2007c, p. 144).
Ainda sobre como Anísio compreende a questão do método e de busca da verdade, é possível compreender suas palavras ao tratar da liberdade da cátedra universitária: Muito ciosa das conquistas feitas de liberdade de pensamento e de crítica, a Universidade não as dispensa para viver. Não terá ela nenhuma ‘verdade’ a dar, a não ser a única verdade possível, que é a de buscá-la eternamente
(TEIXEIRA, 2007b, p, 125). É neste sentido que a acepção filosófica da Educação é tomada neste texto, isto é, como busca constante da verdade, e não de sua posse.
Folscheid (2006), por sua vez, esclarece que:
Com efeito, escolhe-se geralmente seguir uma formação filosófica porque essa disciplina, apesar de sua abstração, corresponde a interrogações e a interesses existenciais e porque envolve convicções e valores pessoais. No entanto, a filosofia, desde a sua origem, apresentou-se como uma atividade do espírito que pede que suspendamos as opiniões imediatas, que nos mantenhamos afastados das discussões espontâneas, na medida em que estas só nos remetem a preconceitos e a nossas crenças irrefletidas. (p. IX).
O desenvolvimento da temática, que no seu bojo discorre estruturada da forma como reflete o fragmento acima, convida a suspender as opiniões imediatas, a fim de que possamos ir além das discussões espontâneas e aprofundar na questão da educação democrática de acesso para todos.
A perspectiva liberal derivada da pedagogia de John Dewey (1980; 1959), com foco no desenvolvimento do indivíduo, é o referencial teórico desta investigação, ou seja, a análise será feita a partir do liberalismo e do pragmatismo.
O que se pretende, em verdade, é compreender a importância de Anísio Teixeira para a busca da qualidade da Educação no Brasil. O instigante é que, apesar de datados, seus textos permanecem atuais e contemporâneos
(NUNES, 2009, p. 12).
A obra de Anísio Teixeira (2007c) reivindica a conquista da cidadania por meio da escola pública e democrática para todos. Anísio estava tão convencido do papel da escola para a construção da democracia que chegou a afirmar: Só pela escola se pode fazer uma democracia
(TEIXEIRA, 2007b, p. 221). Apesar dessa asserção de Anísio Teixeira, vale ressaltar que a escola (educação formal) diz respeito, no Brasil atual, a uma forma sistemática de construção da cidadania. No entanto, é preciso argumentar que existem outras instituições¹ que podem também contribuir para a formação dos cidadãos. É neste sentido que a leitura de Anísio Teixeira deve ser feita em seu tempo histórico. As ações educacionais de Anísio Teixeira foram sempre voltadas para a necessidade de articulação entre a teoria e a prática. Ele, como um dos iniciadores da Filosofia da Educação no Brasil², sempre esteve à frente da crítica rigorosa e bem fundamentada acerca das questões educacionais do Brasil.
O livro, do ponto de vista formal, está organizado em três capítulos. O primeiro contextualiza John Dewey e Anísio Teixeira frente à educação democrática, ressaltando primeiramente a vida e a obra do educador norte-americano, John Dewey, com destaque para a sua atuação tanto no meio acadêmico quanto no ambiente popular. Os seus escritos resultam de suas palestras e reflexões acerca das questões de seu tempo. Dewey evidencia que o ensino deve se sustentar em atividades que interessem aos alunos e que possuam uma meta a ser atingida por eles. Anísio Teixeira, por outro lado, é apresentado como fundamental para a luta pela educação democrática e pública de qualidade, com destaque para as suas reflexões