As Fazedoras de Saberes: Diálogos das Mulheres Quilombolas do Mutuca com a Educação Ambiental, Gênero e Justiça Climática
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Sobre este e-book
Mutuca é uma comunidade quilombola que fica localizada no município de Nossa Senhora do Livramento a 60 quilômetros de Cuiabá, capital de Mato Grosso, onde moram 130 famílias. Descendentes de pessoas que foram escravizadas, a comunidade se estabeleceu ali há mais de um século. No passado, viveram muitos episódios de perseguições, despejos, injustiças, violência por conta dos fazendeiros da região que não admitiam que a comunidade fosse a verdadeira dona da terra.
A comunidade quilombola do Mutuca faz parte do Complexo do Quilombo Mata Cavalo, o qual tem sua população dividida em seis comunidades, com várias denominações utilizadas pelos moradores no processo de identificação das famílias: Comunidade Estiva (Ourinho); Comunidade Mata Cavalo de Baixo; Comunidade Mata Cavalo do Meio; Aguaçu (Passagenzinha); Comunidade Mutuca e Comunidade Mata Cavalo de Cima.
Tudo o que foi visto e conhecido durante as oficinas serviu de base para os trabalhos finais, que se tornaram este material para a publicação acordada como produto final desse processo. Assim foram escolhidos quatro temas principais e trabalhados em quatro grupos: A Natureza do quilombo; Mulheres Históricas: Mulheres de luta, parteiras, benzedeiras, rezadeiras e festeiras; Calendário de festas: nossa forma de celebração; Comidas típicas, receitas e seus ingredientes. Assim tudo o que foi construído pelo grupo, tanto nos dias das oficinas, como no trabalho de campo que foi orientado por cada uma/um de nós do GPEA, transformou-se em um capítulo desta publicação. Assinamos todas juntas, pois entendemos que foi uma linda partilha, na qual cada uma escreveu sua parte.
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As Fazedoras de Saberes - Giseli Dalla Nora
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO SUSTENTABILIDADE, IMPACTO, DIREITO, GESTÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
PREFÁCIO
É com muita satisfação que vejo As fazedoras de saberes: diálogos das mulheres quilombolas do Mutuca com a educação ambiental, gênero e justiça climática ser publicado.
O livro é um reconhecimento e forma de expressar os meios de resistência e existência dessas mulheres no meio rural, além do pertencimento étnico racial quilombola, pois se configura a vivência no quilombo por meio da historiografia cultural, ora nas festas de santos, ora nos afazeres domésticos, ora na culinária, ora nas roças, ora nos artesanatos e dentre outros inúmeros fatores.
A valorização e valoração às mulheres guerreiras reacende a esperança de poder lutar cada vez mais pelos seus espaços, sem perder a essência de ser mulher. Dessa forma saem da invisibilidade e perpassam a visibilidade de suas lutas e sonhos, que são transformados em realidade, pois o livro procura na integra trazer elementos do cotidiano da mulher quilombola em todos os aspectos.
A felicidade em poder fazer parte deste prefácio é contagiante para mim, principalmente por se tratar da vida das mulheres quilombolas da comunidade Mutuca, as quais devo toda a minha sabiência e gratidão, e ver todas as suas experiências e conhecimentos sendo expressos no livro, do jeito que elas veem e entendem, conhecimentos esses que foram passados de geração para geração e que procuram manter viva a ancestralidade do povo quilombola.
Destaco a importância das autoras em dar oportunidade às mulheres, para que pudessem contar e recontar suas histórias, gritar, cantar, chorar, sorrir e, acima de tudo, mostrar para a sociedade de modo geral as mãos quilombolas que tanto fazem e poucos conhecem, e o livro visa a demonstrar essa correlação de vivência com a terra, com a natureza, com o meio ambiente e a beleza da mulher negra, em especial as quilombolas, que são toda singularidade de poder e domínio dos conhecimentos.
Saliento que as histórias relatadas por essas mulheres são riquíssima porque ajudam a compreender e entender a forma de vida no quilombo. Sou grata a essas mulheres que oportunizaram ao quilombo um novo olhar, espia só elas: Ana Paula André, Ana Estevam dos Santos, Anisia Ferreira de Jesus Silva, Berenice Lemes do Espirito Santo, Camila Antonia Pinto dos Santos, Dalva Coelho de Jesus, Débora Regina da Silva, Diogenia Maria de Jesus, Elizabeth Maria Miguel, Epifania Ferreira da Silva, Graziele Evangelista da Silva, Jessica Loreana da Silva, Jocelia Ferreira da Silva, Josiane Ferreira da Silva, Josicelia Ferreira da Silva, Justina Ferreira da Silva, Leila Ferreira da Silva, Lemarcia Ferreira da Silva, Marcia Greze Ferreira da Silva, Maria Renata de Jesus, Maria Auxiliadora da Silva, Maria Benedita de Jesus, Maria Josefina dos Santos, Maria Nailza Moreira, Miriam Vitória Félix da Silva, Nair Gonçalves de Souza, Narcisa Ferreira de Jesus, Rosimeire dos Santos Ferraz, Silene Cândido da Silva, Suellen Cândido de Jesus e Tatiane Cristina da Silva.
Enfim, toda mulher negra é um quilombo! Sendo todo quilombo um símbolo de resistência, a fim de garantir a sua própria (re) existência.
Laura Ferreira da Silva
Quilombola da Comunidade Mutuca – Nossa Senhora do Livramento (MT)
Nossa Senhora do Livramento, 6 de novembro de 2018.
FIGURA 1 – QUILOMBOLA SÉRIE 1
FONTE: Mimi Sato
APRESENTAÇÃO
No contexto mundial das mudanças climáticas, os vários relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) ¹ apontam que estamos chegando a uma situação extrema de devastação que afeta diretamente o clima da Terra. Muitos pesquisadores já falam em mudanças globais pela magnitude das consequências. Sabemos, por pesquisas, que de uma maneira ou de outra seremos todas (os) atingidas (os) por esse fenômeno, entretanto, alguns são mais vulneráveis que outros devido à dependência de sua sobrevivência estar diretamente ligada à natureza, como é o caso das comunidades tradicionais².
E nesse contexto correlacionamos a vulnerabilidade às Mudanças Climáticas e ao entendimento de Injustiça Climática³, pois ocorre quando uma determinada comunidade tem que suportar sozinha uma carga maior de degradação ambiental e maiores consequências das mudanças climáticas em nome do chamado bem-estar e desenvolvimento da sociedade.
Entretanto, mesmo dentro das comunidades vulneráveis, alguns indivíduos são mais vulneráveis que outros, uma vez que isso dependerá da maior ou menor condição da pessoa em gerir crises. Dentro dessa vulnerabilidade maior estão sendo consideradas as mulheres das comunidades que exercem, em seu dia a dia, diversas atividades, tanto domésticas como profissionais, ligadas ao ambiente e principalmente à água.
Historicamente a mulher é responsável pelo cuidado da família, que inclui todos os serviços domésticos da casa, o cuidado com as crianças e com os idosos. Por sua vez, a lida diária das mulheres rurais também está acrescida do cuidado com a horta e o pomar do quintal da casa e dos animais domésticos. Para Marcon e Sauci⁴, é atribuído à mulher o título de cuidadora, pois no domicílio ela está sempre disponível às solicitações dos seus familiares, nos cuidados com a higiene, na alimentação e no tratamento dos enfermos.
Nesse contexto de cuidadora
da família, a mulher tem no elemento água sua grande companheira de lida, pois está estreitamente ligada a todas as atividades domésticas exercidas pela mulher e, tal como a mulher, a água se dilui em cuidar e garantir o