Mulheres no garimpo
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- Nota: 5 de 5 estrelas5/5Conheci Dra. Jeanne Gadelha, pessoa fantástica, mulher de fibra e determinada!!!
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Mulheres no garimpo - JEANNE LÚCIA GADELHA FREITAS
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Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS - SEÇÃO ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA
Às mulheres do Rio Madeira-Rondônia, protagonistas deste estudo, confiando a mim o testemunho de suas histórias de aventura, dores, alegrias e esperanças.
Cada uma ensinou-me uma lição diferente sobre coragem e resistência feminina, deixando um pouquinho de si, movidas pela saga do Eldorado.
Resta a esperança de que esta pesquisa venha a ser digna e, sobretudo, profícua de efeitos, da confiança e das expectativas que nela depositaram.
Além do exercício intelectual, existirá a condição que me manterá politicamente implicada com a transformação social dessas mulheres.
Além disso, dedico-lhes profundo respeito e admiração!
Com elas e por elas, sonho uma sociedade mais justa para os próximos anos.
À Virginia Tereza Neta Freitas,
Àquela que o tempo não esperou para viver muito de nossos sonhos,
Sua passagem foi tempo de aprendizado, amor, paciência, luz e descobertas.
Minha eterna saudade de sua companhia enquanto professora, amiga, mulher e tia.
(In memoriam)
AGRADECIMENTOS
À minha mãe, Luiza Gadelha. Com ela aprendi as falas do silêncio
, matéria-prima para escutar
outras mulheres e entender melhor o nosso universo feminino.
Aos meus filhos, Gabrielle e Daniel, e esposo, Izaquiel, pelo apoio incondicional no cotidiano da vida.
Ao professor doutor Ari Miguel Teixeira Otti, pela afortunada orientação e a quem devo parte da motivação e decisão de transformar o estudo em livro.
Aos colegas do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), pela troca de experiências pedagógicas na formação de enfermeiros(as).
Aos alunos do curso de enfermagem, em especial aos atuais e ex-integrantes do projeto de Extensão Universitária Saúde Sexual e Reprodutiva (Projeto Casadinhos). Em seis anos de atividades, todos me ensinaram muito sobre protagonismo juvenil.
Aos docentes e colegas do Programa de pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente da Universidade Federal de Rondônia (PGDRA/NCET/UNIR), pela gratificante convivência e aprendizado sobre os problemas sociais de nossa Rondônia, terra acolhedora que adotei desde a década de 1980.
Por fim, a quem de alguma forma, contribuiu com essa pequena obra.
Muito Obrigada!
APRESENTAÇÃO
A história de nós mesmos assemelha-se ao trabalho de Penélope, a cada momento temos de reconquistar o direito à cidadania, à educação, ao trabalho, à sexualidade e até mesmo, ao nosso próprio corpo.
(Eva Alterman Blay)¹
Desde cedo, minha trajetória profissional na educação e na saúde, instigaram-me a refletir sobre os problemas que cercam o universo feminino e, portanto, minhas próprias inquietações. Das experiências como enfermeira na gestão de serviços de saúde à assistência hospitalar e, por fim, no ensino superior de enfermagem, vivenciei diferentes situações, despertando-me para questões conexas de trabalho, saúde e gênero.
Nos últimos trinta anos, tenho atuado na área técnica e de pesquisa sobre as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) e da Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida (Aids)², e assim apreendi
diferentes histórias de vida de mulheres vivendo com o vírus ou a doença. Estas, ao serem alvos de ações de saúde nas unidades básicas, nos serviços de referência ou eventuais campanhas educativas, foram constrangidas e, muitas vezes, ignoradas pelo discurso médico tecnicista e evasivo nos aconselhamentos individual e coletivo em prevenção das DST/HIV/Aids.
São dilemas femininos abordadas com intervenções de saúde que não conversam
com suas vidas reais, pois criam abismos entre o que é preconizado pelo modelo hegemônico médico e o que de fato é possível para estas mulheres. Enfim, como identificar situações de vulnerabilidades femininas ao HIV/Aids, reproduzidas por estruturas de dominação que passam pelo cotidiano das ações de saúde nas instituições e nas políticas de prevenção?
Como enxergar
mulheres vivendo em contextos de vulnerabilidade ao HIV/Aids e, portanto, à margem dos discursos e ações de prevenção ao vírus ou a doença?³ Como (re)pensar a prevenção ao HIV/Aids dentro de experiências femininas tão diferentes que considerem questões sociais e morais no exercício de sua sexualidade?
Essas reflexões, esmiuçadas durante o diagnóstico epidemiológico de Aids no estado de Rondônia em 2005, ampliaram meu olhar sobre a posição da mulher no âmbito da doença nessa região da Amazônia, constatado pela inexistência de estudos sobre tal problema. Até então, o que se tinha de concreto é que os dados apontavam a superposição de uma epidemia dentre as demais, impactando a saúde da população na região, sobretudo, pela alta prevalência de outros agravos como malária, tuberculose, leishmaniose, hepatites etc.
É nesse cenário que explorei questões de saúde sexual e reprodutiva de mulheres que, por condições adversas e/ou alheias às suas vontades, vivem em situações de vulnerabilidade ao HIV/Aids, como as que trabalham em garimpo. Regiões com esse tipo de atividade são quase sempre isoladas social e geograficamente da esfera pública, com difícil acesso, cercados por conflitos, mobilizando e/ou fixando um significativo contingente humano, no mais das vezes, desprovido de ações institucionais de saúde, educação, segurança e outros.
Esses espaços reordenam as relações de produção e reprodução entre homens e mulheres atuando em cenários inerentes ao nomadismo, rotinização/banalização da violência verbal e física, seja pelo confronto pessoal, disputas de espaço na fofoca⁴, privação financeira e de liberdade temporária, e ainda, por acidente ou morte.
Situações que expõem cotidianamente esses sujeitos ao HIV/Aids, seja pela subjetividade de mundo particular, seja pela objetividade na concretude das relações interpessoais no trabalho.
Isso posto, esta obra tem como objetivo compreender como a vida e o trabalho de mulheres no garimpo, podem determinar sua vulnerabilidade ao HIV/Aids, pela condição do ser e estar
nesse espaço, transversalizada por relações de gênero e classe e por sua percepção de autocuidado. Nestes termos, compreender como são assimilados, rejeitados e/ou reinterpretados tais discursos, se constitui em nós motivadores desta investigação.
O mérito do estudo é, portanto, dar visibilidade à face da mulher no garimpo, diante do crescente aumento de mulheres infectadas, ou seja, a feminização da epidemia, um problema de saúde pública que acompanha a pauperização e interiorização da doença, fenômenos tão próximos e pertinentes ao contexto de vida das mulheres que vivem no garimpo.
Lembro o(a) caro(a) leitor(a) que (re)visito este estudo após verificar que, passados nove anos, todas as mulheres que acompanhei durante meses, permanecem em situação de vulnerabilidade ao HIV/Aids, pois continuam trabalhando no garimpo nas mesmas circunstâncias encontradas à época. Fiz isso em diferentes ocasiões, em forma de (re)visitas às dragas ou encontros com elas na cidade, enfim, vendo e ouvindo
os mesmos roteiros de vida – com alternância apenas do seu trabalho em outras dragas e outros locais.
Assim, com a inquietação de que nesse tempo quase nada mudou
na vida destas mulheres, trago os resultados da pesquisa de mestrado nesse formato, para chamar a atenção do público em geral, mas particularmente aos profissionais, estudantes e pesquisadores da área de saúde e ciências sociais sobre a persistência da vulnerabilidade feminina na Amazônia, sobretudo em garimpo.
Nesta versão, atualizei as informações sobre HIV/Aids no Brasil e no mundo bem como na região onde o estudo foi realizado, ou seja no município de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, Amazônia brasileira. Tal cuidado é de extrema relevância, pois tanto o vírus como a síndrome por ele causada continuam desafiando os gestores públicos, o indivíduo, família e comunidade no que tange sua prevenção e controle.
Esta pequena obra compõe-se de capítulos apenas para contextualizar e nortear o objeto do estudo, ou seja, a vida e o trabalho da mulher no garimpo, alinhavada
pelas questões de gênero enquanto um dos elementos de vulnerabilidade para a infecção pelo HIV/Aids.
No primeiro capítulo, situo o HIV/Aids em termos clínicos, epidemiológicos e sociais, seu impacto nas mulheres em nível mundial, nacional e regional na Amazônia brasileira, especificamente Porto Velho, capital de Rondônia. Destaco os fenômenos da interiorização, pauperização e especialmente a feminizacão
da epidemia de Aids, ou seja, o aumento de casos de mulheres infectadas pelo HIV. Nesse ponto, reforço a intersecção das condições materiais e simbólicas de mulheres no garimpo na concepção de vulnerabilidade social.
Finalizo o capítulo refletindo sobre as repercussões do HIV/Aids nas fronteiras amazônicas do Brasil, com as contribuições do historiador Victor Leonardi⁵, para entender a interiorização e feminização da epidemia e sua conexão com cenários como o garimpo. São arranjos sociais ligados à produção e exploração da força de trabalho flexível, móvel e excluída, gerando uma ecologia favorável à emergência de doenças como o HIV/Aids, em que a face oculta
feminina traduz a persistência e o aprofundamento das desigualdades sociais, sobretudo de gênero, classe e raça/etnia, direcionando a trajetória desta epidemia.
No segundo capítulo, trago o referencial de vulnerabilidade de Jonathan Mann e Daniel Tarantola⁶ e outros autores, para compreender que pessoas ou grupo sociais são mais suscetíveis ao HIV/Aids, quando desprovidos do acesso a serviços ou recursos sociais. Há também aspectos como relações de gênero, sexualidade, crenças religiosas e pobreza, que influenciam a capacidade de reduzir a vulnerabilidade pessoal ao HIV/Aids.
No campo de gênero, trago como referência Heleieth Saffioti⁷ e outras autoras que tematizam gênero enquanto aprendizado social, sobretudo o conceito de transição de gênero de Karen Giffin⁸, idealizado sob a égide da nova mulher
, revelando mudanças sofridas por essas representações na atualidade. O que inclui mulheres que buscam no trabalho sobrevivência e visibilidade social à própria identidade feminina e se mostram capazes de acionar estratégias de resistência e sobrevivência nos domínios dos fortes
.
Busco também no olhar do historiador francês Michel de Certeau⁹ o pensar
dos supostamente fracos diante da hegemonia dos fortes. Para tanto, insisto em retirar o véu da invisibilidade
social da mulher trabalhadora no garimpo, atribuindo-lhe o devido valor à sua condição feminina, trazendo nas suas falas e gestos a emergência de conteúdos significativos à compreensão de vulnerabilidades do ser mulher no garimpo
e sua percepção diante da possibilidade do risco de adoecimento pelo HIV/Aids.
Encerro o capítulo destacando a influência histórico-cultural na definição e interpretação dos significados e padrões de experiência sexual de grupos sociais, aplicadas ao entendimento da vulnerabilidade individual ao HIV/Aids. Me apoio em Erving Goofman¹⁰, sociólogo mais influente do século XX, para compreender práticas sexuais como desempenho de roteiros dos cenários e seus atores na conduta interpessoal diária, contendo estratégias de interação nas negociações sexuais na lógica própria a cada indivíduo.
No terceiro capítulo, apresento o percurso do estudo. Minha escolha pela abordagem qualitativa reside no fato de que o sujeito/objeto de estudo se inscreve no campo da subjetividade e das representações simbólicas. A análise se fundamenta nas contribuições da abordagem hermenêutico-dialética, auxiliada pelo olhar de Maria Cecília de Souza Minayo¹¹ ao captar o movimento, as contradições e os condicionamentos históricos que a envolvem, reconhecendo o lugar da pertença e da presença do outro.
As técnicas utilizadas para coleta de dados foram entrevistas semiestruturadas com dez mulheres que trabalham como cozinheiras ou diaristas nas dragas e balsas que exploram ouro aluvial¹² no Rio Madeira. São trazidos à luz das discussões os critérios de seleção, estratégias de inserção e trabalho de campo, elaboração dos roteiros das entrevistas e observação de campo e o processo de execução.
No quarto capítulo, apresento os achados, com um breve perfil socioeconômico das mulheres entrevistadas para apreciação do(a) leitor(a) na compreensão das categorias de análise que emergiram nas falas dos sujeitos. Para organização, análise e apresentação das categorias emergentes do discurso, recorri ao método de análise dialética-hermenêutica, por se mostrar pertinente às características e objetivos do estudo proposto.
No quinto capítulo, apresento o ambiente do garimpo por meio de fotografias como forma de captar o cenário pesquisado, evidenciando o trabalho feminino e suas dimensões de vulnerabilidade social e programática (ou institucional) no garimpo, onde estas encenam seu cotidiano, suas práticas, representações da doença e percepções de risco ao HIV/Aids.
Aportar e (re)conhecer o garimpo, enxergando
o lugar da mulher e o olhar de si mesma me permitiu testemunhar uma face pouco vista (ignorada) da nossa sociedade, constituindo-se em desafio empreendido neste projeto. As imagens e as narrativas das mulheres endossadas pelo olhar de Michel Certau falam por si, melhor que qualquer tentativa minha de mostrar as muitas maneiras do fazer
dessas corajosas protagonistas e denunciar a omissão de uma sociedade incapaz de mitigar suas vulnerabilidades.
Enfim, as questões aqui levantadas não se esgotarão, mas desejo que o(a) leitor(a) enxergue
as interfaces das mulheres, do HIV/Aids e do trabalho no garimpo, por meio de suas histórias de vida singulares e, ao mesmo tempo, infinitamente complexas. Afinal, sem considerar as situações concretas em que essas cidadãs vivem e trabalham, é impossível imaginar ações, serviços ou apoio necessários para essa parcela da sociedade.
PREFÁCIO
Os pesquisadores da Amazônia são sujeitos que se deslocam para a região, por prazo fixo e determinado, em busca do seu objeto
. Eles são residentes em outros estados do Brasil ou em outros países atraídos pela mística e pelo exotismo. Viajar para a Amazônia é uma aventura cuidadosamente planejada e o trabalho de campo começa no aeroporto de destino. A recompensa é significativa, pois quando voltam ao conforto de suas casas e cidades estão ungidos pela capacidade de sobrevivência em ambientes tão inóspitos.
Os pesquisadores na Amazônia vivem suas vidas cotidianas aqui mesmo e transitam entre cidades e aldeias, viajam em estradas e rios, porque é assim que se viaja na região. Não se percebem como fazendo parte de nenhuma aventura, mas apenas indo a campo coletar seus dados que iluminem a complexidade da biodiversidade, da sociodiversidade e do multiculturalismo da região.
Jeanne Lúcia Gadelha Freitas é uma pesquisadora na Amazônia. Ela é também professora doutora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de Rondônia. Ao tempo em que estava coletando dados nos garimpos do Rio Madeira, na metade da década passada, era aluna do mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, e eu era seu orientador.
Então, várias vezes, ela me anunciava que passaria uma semana nas dragas dos garimpos em trabalho de campo, fazendo observação participante, conhecendo a vida e a labuta das mulheres que viviam acima das águas. Ela estava interessada em entender e revelar a vulnerabilidade feminina ao HIV/Aids no cenário do garimpo, partindo da realidade do ouvir e olhar