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Faces da Reestruturação Produtiva: Disputas por Representação e Alterações no Mundo do Trabalho
Faces da Reestruturação Produtiva: Disputas por Representação e Alterações no Mundo do Trabalho
Faces da Reestruturação Produtiva: Disputas por Representação e Alterações no Mundo do Trabalho
E-book328 páginas4 horas

Faces da Reestruturação Produtiva: Disputas por Representação e Alterações no Mundo do Trabalho

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Sobre este e-book

A partir das últimas décadas do século XX, a globalização e a internacionalização do capital trouxeram mudanças significativas tanto ao mundo do trabalho em geral, quanto às estratégias dos sindicatos e às formas de organização da ação coletiva em específico. Nesse contexto, a Sociologia manteve um esforço permanente de criação de teorias e conceitos capazes de analisar tais transformações e as suas consequências para os sistemas de produção, para o trabalho e para os/as trabalhadores/as. Em Faces da reestruturação produtiva: disputas por representação e alterações no mundo do trabalho, Samuel Nogueira Costa faz o/a leitor/a percorrer esse instigante debate e aproximar-se, com precisão, de termos imprescindíveis para uma interpretação congruente dessas metamorfoses – tais como globalização, especialização flexível, toyotismo, neoliberalismo e terceirização.
Nesse vocabulário fundamental à compreensão da sociedade atual, o último dos termos ganha importância expressiva no livro, cujo principal objeto de estudo é a terceirização na Universidade de Brasília, a partir de uma perspectiva materialista e dialética. Por meio de entrevistas com dirigentes sindicais, aplicação de questionário a trabalhadores/as terceirizados/as, dados quantitativos e análise bibliográfica e documental, o autor investiga as mudanças econômicas e políticas no mundo do trabalho, os efeitos da reestruturação do capital e das políticas neoliberais, o processo de terceirização e o movimento sindical dos trabalhadores terceirizados da UnB. Nesse sentido, a leitura deste livro permite uma profunda reflexão sobre a terceirização, sobretudo no setor público, em seus contornos cada vez mais nítidos de flexibilização, precarização e intensificação do trabalho, com a vantagem de a visão apresentada ser construída sob a ótica dos/as próprios/as terceirizados/as e de sua organização sindical.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de abr. de 2020
ISBN9788547334031
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    Faces da Reestruturação Produtiva - Samuel Nogueira Costa

    SamuelNogueiraCosta_0006130.jpgimagem1imagem2

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2019 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Para Fernanda e Manuela

    Na esperança de que elas vejam um Brasil mais justo, livre e plural.

    AGRADECIMENTOS

    O conteúdo deste livro é oriundo da dissertação de mestrado defendida no Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), em junho de 2016, e realizada com bolsa de pesquisa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Algumas das ideias aqui discutidas foram apresentadas em congressos, artigos e seminários acadêmicos no Brasil. Agradeço às críticas e comentários obtidos nessas ocasiões.

    Neste momento não posso deixar de agradecer a todos os que contribuíram de alguma maneira para que este livro se tornasse viável. No entanto tenho a plena convicção de que meu aprendizado na universidade foi tão rico e intenso de experiências e conhecimentos que certamente me faltariam páginas se fosse me referir nominalmente a cada um. De toda forma, cito aqueles que foram imprescindíveis.

    Agradeço à professora Christiane Girard, pela confiança, apoio incondicional, diuturno incentivo, orientação e revisão cuidadosa deste livro.

    Ao professor Sadi Dal Rosso, pelo rigor na forma de transmitir seu conhecimento e despertar o potencial crítico de seus alunos, e pela paciência em debater as ideias aqui apresentadas.

    Aos professores Luiz Carlos Galetti e Aldo Antonio Azevedo, pelos comentários, críticas e sugestões para o desenvolvimento das formulações aqui expostas. Essas contribuições, sem dúvida, muito enriqueceram a elaboração deste livro.

    Ao professor Luís Augusto Sarmento Cavalcanti de Gusmão, pelas indicações de leitura, pelos comentários, críticas, sugestões de abordagens epistemológicas e zelo em preparar saborosas aulas.

    Ao professor Raphael Lana Seabra, pela generosidade intelectual, leituras, críticas e comentários. Aos demais professores e servidores do Departamento de Sociologia da UnB, em especial, à Ana Paula Costa, à Patrícia Rodrigues e à Gabriella Carlos, pelo excelente trabalho prestado aos alunos.

    Aos professores Marco Aurélio Santana e Alexandre Barbosa Fraga, ambos vinculados ao Departamento de Sociologia da UFRJ, agradeço pelas aulas ministradas, comentários e sugestões na elaboração deste livro.

    Aos meus pais, Mário Rubens Monteiro Costa e Sandra Gomes Nogueira Costa, que sempre acreditaram em mim, apoiando-me moral, emocional e também materialmente, além de me ensinarem desde cedo que é preciso ter persistência para alcançar os objetivos almejados.

    Aos meus irmãos, Samara Rúbia Nogueira Costa, Suelber Nogueira Costa e Silas Nogueira Costa, pelo carinho incondicional.

    À Fernanda de Oliveira Siqueira e à Manuela Siqueira Nogueira Costa, por me ensinarem o que é o amor. A presença dessas duas foi condição indispensável para a conclusão deste livro.

    Aos colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (Gept) da UnB, pelas reuniões, palestras, seminários e congressos que, seguramente, tiveram papel fundamental na minha formação.

    Aos colegas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), pela convivência profissional repleta de descobertas, aprendizados e desafios.

    E aos colegas do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (Stiu-DF),

    Sindicato dos Eletricitários do Estado do Ceará (Sindeletro) e Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro), pelo apoio material e conhecimento adquirido ao longo das negociações coletivas e vivências no mundo do trabalho.

    Estes homens de vários acidentes,

    Pardos e pretos, tintos e tostados,

    São os escravos duros e valentes,

    Aos penosos trabalhos costumados:

    Eles mudam aos rios as correntes,

    Rasgam as serras, tendo sempre armados

    Da pesada alavanca e duro malho

    Os fortes braços feitos ao trabalho.

    (Alvarenga Peixoto)

    A soma dos meios de subsistência deve ser, portanto, suficiente para mantê-lo no nível de vida normal do trabalhador. As próprias necessidades naturais de alimentação, roupa, aquecimento, habitação etc., variam de acordo com as condições climáticas e de outra natureza de cada país. Demais, a extensão das chamadas necessidades imprescindíveis e o modo de satisfazê-las são produtos históricos e dependem, por isso, de diversos fatores, em grande parte do grau de civilização de um país e, particularmente, das condições em que se formou a classe dos trabalhadores livres, com seus hábitos e exigências peculiares. Um elemento histórico e moral entra na determinação do valor da força de trabalho, o que a distingue das outras mercadorias. Mas, para um país determinado, num período determinado, é dada a quantidade média dos meios de subsistência necessários. (Karl Marx)

    TERCEIRIZAÇÃO É SURPLUS-VALUE FRIENDLY

    Desde 2016, quando foi ativado o golpe político contra a presidente democraticamente eleita, os brasileiros têm passado por um momento histórico dramático, que afeta diretamente as condições de trabalho no país. Daquele momento em diante, e não há como antever até quando, o poder político que fazia um percurso decenal pelo terreno da centro esquerda, deslocou-se para a centro direita, em uma leitura moderada, com pinceladas ideológicas para conduzir o país a unir-se com a extrema direita mundial e com intuito de reescrever a história da ditadura civil-militar dos anos 1964 a 1985. O redirecionamento da nau foi acionado por pelo menos quatro anos com um poderoso respaldo eleitoral. Parte do giro à direita envolve trabalho: condições, direitos, legislação e todos os demais aspectos que o definem.

    Por essa razão saúdo a publicação do livro de Samuel Nogueira Costa. Ele se soma a um enorme esforço crítico de centenas de intelectuais das mais diversas áreas de conhecimento para desmistificar a terceirização da mão de obra e o significado desse processo que se expande para além das fronteiras nacionais. Típico do nacional é a generalização da terceirização para todos os setores da economia, anteriormente, ela estava restrita a atividades meio. A terceirização chega com a violência de um furacão, de um terremoto, da qual nenhum setor de atividade, nem meio, nem fim, escapa.

    O trabalho terceirizado altera as relações de trabalho. Não apenas as deforma. Elas se tornam alvo das formas as mais diversas de precarização laboral. É facilmente demonstrável que a terceirização, assim como também a quarteirização, é uma forma de intensificar, densificar e fazer com que o trabalho renda mais, que produza mais valia de forma mais abundante. Penso que nesse ponto reside o toque da racionalidade capitalista básica do sistema de terceirização. Quando comparadas sob a ótica da produção de mais valia ela se mostra mais racional para as empresas. As empresas se desfazem de mão de obra que lhe são de alguma maneira obstáculo e somente contratam aquela mão de obra que lhe aumenta o fluxo de mais valia. É, portanto, uma relação de trabalho surplus-value friendlier, mais amiga da mais-valia do que outras relações. Tal argumento não tem nada a ver com a especificidade nacional. É um argumento que se aplica à generalidade de países e a qualquer circunstância desde que sua aplicação seja surplus-value friendlier. As especificidades podem dizer apenas quais atividades são candidatas a tal forma de emprego.

    Se a terceirização surplus-value friendly é racional para os empreendimentos capitalistas privados, eles apenas se antecipam às atividades de Estado no processo de buscar maior rendimento.

    No Brasil, o serviço público tem sido um setor incentivador da terceirização desde a primeira fase de sua instalação, quando os governos queriam livrar-se dos concursados públicos ineficientes e ineficazes. A título de ilustração, apenas, a mão de obra terceirizada na UnB acumula formas de trabalho que denunciam as características de intensificação, de flexibilização e de precarização. Os trabalhadores terceirizados trabalham lado a lado aos concursados, ainda que não usufruindo dos mesmos direitos trabalhistas. Se os concursados beneficiam-se de trabalhar seis horas ao dia, totalizando 30 horas por semana, os terceirizados trabalham doze horas consecutivas, totalizando 40 horas por semana. Lado a lado, tarefas semelhantes, uns perfazendo trinta horas, outros quarenta. Uma dicotomia que demonstra o tipo de desigualdade instaurado no espaço físico e social da mesma instituição. Em sua especificidade, essa é a demonstração da possível razão pela qual a terceirização da mão de obra ganha cada vez mais espaço no território do serviço público. No setor privado, ainda mais.

    Nos assim ditos três poderes – legislativo, executivo e judiciário –, serviços tais como vigilância, portarias, limpeza de prédios e jardins, restaurantes universitários, categorias profissionais como motoristas, ascensoristas, atendentes, recepcionistas, e infinitos outros somente são contratados a partir de empresas de fornecimento de mão de obra terceirizada ou quarteirizada. Na segunda etapa de introdução da terceirização nas relações de trabalho, não há mais limites para as atividades fim no horizonte. Que significa isso para os docentes universitários públicos das instituições federais, estaduais e municipais? Que todas as esferas de atividade podem ser organizadas com mão de obra levada a termo pela relação de terceirização? Seriam os docentes universitários uma categoria destinadas a esse futuro? Os docentes universitários no Brasil e no exterior sempre tiveram no concurso público a forma de sua seleção e, portanto, uma estabilidade permanente. Com a generalização da terceirização por todos os setores de atividade não seria de nada surpreendente se os docentes de universidades públicas viessem a ser contratados de agências de mão de obra. Desse modo, restariam apenas a estabilidade e as atividades definidas burocraticamente como típicas de estado e sua confederação de sindicato, a CONACATE – Confederação Nacional das Carreiras e Atividades Típicas de Estado?

    Processos de terceirização ou de quarteirização implicam em relações laborais e sindicais que resultam em conflitos entre as partes. Por exemplo, entre que atores se estabelecem as relações laborais? Entre os trabalhadores terceirizados e as empresas contratantes ou entre os terceirizados e as empresas contratadas? Entre as fronteiras nacionais, por mais que a legislação tente definir e repartir responsabilidades, ainda assim subsistem os espaços de dúvidas e de incertezas. No âmbito internacional, a quem cabe a responsabilidade laboral quando a contratante é uma empresa do país A, a contratada pertence ao país B, e os trabalhadores terceirizados são de um país C e o acidente, por exemplo, ocorre no espaço territorial do país D? À medida que a internacionalização dos negócios se amplia, os problemas tendem a aumentar. Imagine, então, a complexidade das relações sindicais daquelas organizações voltadas a atender os interesses reais do proletariado mundial.

    O autor enfatiza, de forma inédita, como os processos de terceirização da mão de obra estabelecem obstáculos à organização sindical dos trabalhadores. No fundo, o empecilho, o impedimento, o obstáculo da organização de uma forma de associação entre proletários, que alcançou reconhecimento secular internacionalmente, faz parte também do momento no qual o capitalismo neoliberal dirige uma flecha contra os sindicatos. O neoliberalismo opõe-se ao sindicalismo combativo, que defende os direitos dos proletários e das proletárias. Por outro lado, também existem as disputas entre organizações sindicais pela filiação da mesma mão de obra em um ambiente legalmente organizado na forma da unicidade sindical como neste país.

    A observação de campo é realizada no ambiente de uma universidade pública brasileira, constituindo um caso no campo científico. Todo caso de estudo é um caso, e um caso tem relevância metodológica, sim. Ele é reconhecido como argumento suficiente para colocar em dúvida uma tese. Ou pelo menos para iniciar o questionamento de uma proposição aceita naturalmente. Nessa perspectiva uma boa pesquisa de campo é a melhor garantia se comparada a uma discussão em torno de um esboço teórico repleto de abstrações.

    No momento em que este prefácio é redigido, abriu-se uma linha de confrontação entre o governo de extrema direita e os sindicatos existentes. Ora, o sindicato brasileiro de trabalhadores não é composto apenas por atores políticos de centro esquerda. A centro esquerda no sindicalismo pode ser medida pelo número de sindicatos que são autônomos em relação ao Estado e a outras instâncias, por garantirem sua sustentação econômica com base apenas na taxa de filiação, descontada mensalmente. Estimo que tais sindicatos, com um grau de autonomia proveniente do recolhimento por meio da contribuição de filiação, não ultrapassam a 20% do sindicalismo organizado no país. Outro é o sindicalismo que vive do imposto sindical e por causa disso tem pés de barro. E mais: amplos setores do sindicalismo conservador apoiaram o candidato de direita nas eleições presidenciais de 2018. Pois bem, o governo abriu uma aparente frente de confrontação com todo o sindicalismo brasileiro que mantém sua sustentação econômica com base na arrecadação compulsória do imposto sindical sobre todos os trabalhadores de base. O sindicalismo reagiu com pronunciamentos em redes de comunicação. O governo aprofundou as medidas, tornou obrigatório o pagamento da mensalidade por meio de boleto bancário. Os sindicatos reagiram com ações jurídicas nos tribunais. O governo prometeu retrucar com o fim da unicidade sindical. E daí em diante. No fundo, no fundo, o governo não quer indispor-se a uma de suas bases de sustentação, que é o sindicalismo convencional existente. Por isso, a despeito dessas escaramuças, é de se esperar que a direita no governo reconcilie-se com uma de suas importantes bases de sustentação política. Na verdade, o governo corporativista quer acertar contas com o sindicalismo combativo, que faz oposição real ao objetivo de redirecionar a sociedade brasileira para os padrões econômicos, sociais e políticas da direita mundial.

    Brasília, 15 de março de 2019

    Sadi Dal Rosso

    Professor titular do Departamento de Sociologia da UnB

    Autor de O ardil da flexibilidade pela Boitempo Editorial.

    APRESENTAÇÃO

    Rumo ao passado e agora?

    O livro que vocês – leitores e leitoras – têm em mãos levanta uma série de questões que está no cerne das promessas do moderno mundo ocidental. Dentre algumas dessas promessas encontramos aquelas que afirmavam ser a industrialização a porta para o reino da liberdade, de uma produtividade e consumo sem limites, em que a tendência seria sempre mais e melhor, e a substituição da força humana no processo de produção pelo poderoso maquinário finalmente libertaria a humanidade do trabalho degradado, sem sentido, monótono, bestializado, dando início a uma vida de fruição, socialização e cooperação social. Outra grande promessa era proveniente da forma política liberal, as possibilidades de construção da cidadania na qual os indivíduos livres como pássaros seriam protegidos das arbitrariedades de um Estado – até então absolutista e tirânico – que representaria uma força constrangedora e violenta sobre as iniciativas individuais e a participação política do povo nos assuntos nacionais e na constituição real da soberania. Se não é preciso muito esforço para perceber que tais promessas não foram jamais cumpridas nos países capitalistas centrais, o que dizer sobre suas possibilidades nos países dependentes, como o Brasil e nossos irmãos da América Latina?

    Como parte da história de ocidentalização do mundo, muitas vezes somos definidos pela dialética dos extremos, marcada ora pelas ausências, ora pelos excessos. Inseridos pelas mais atrozes violências na dinâmica mundial do capitalismo, nossos excessos tornam-se evidentes na violência estatal sobre povos, na superexploração da força de trabalho, na aberrante desigualdade social, na suposta barbárie de nossa corrupção, personalismos e fraquezas político-institucionais. Como contrapartida, nossas ausências manifestam-se como baixa propensão ao trabalho duro e à poupança, como a limitadíssima estabilidade política em uma história repleta de golpes políticos e quarteladas de todas as cores e, claro, como a carência de modernização, de desenvolvimento, de progresso, de absorção das instituições e relações sociais capitalistas. A questão da Terceirização do Trabalho e o sindicalismo obviamente encontram-se no centro dessa tensão dialética entre excessos e ausências da ocidentalização, como parte de uma dinâmica mundial altamente contraditória e hierarquicamente estruturada, não poderia ser diferente. Mas perversamente essa tensão responde a uma lógica com signos invertidos, quer dizer, a terceirização do trabalho responderia à modernidade, enquanto o sindicalismo responderia ao tradicionalismo. Isso quer dizer que uma organização social nascida em plena dialética do desenvolvimento capitalista, não apenas como forma defensiva, mas de luta e conquista de direitos, de socialização e politização de uma classe, no contexto da luta inconciliável entre capital e trabalho, é lançada forçosamente à obsolescência como parte do passado, do tradicional; enquanto isso, a forma laboral terceirizada altamente precária, que despolitiza e que dessocializa aqueles que são submetidos ao seu regime de trabalho, que em última instância corrói direitos constituídos em plena modernidade ocidental, é implementada como se fosse o futuro, o moderno.

    Não há espaço para percorrer todas as etapas do desenvolvimento neoliberal desde o final dos anos 1960 até o momento, mas seguindo as pistas levantadas neste livro e tendo em mente a conjuntura deste início de século XXI, tudo sugere que adentramos uma nova etapa de reestruturação capitalista neoliberal, um neoliberalismo que reconstitui repúblicas oligárquicas. Esse novo momento não sequestra ou subordina o Estado, e a destruição das formas organizativas do mundo do trabalho, as terceirizações, subcontratações e demais formas de trabalho flexíveis e desprotegidas jurídica e socialmente no interior do Estado contrariam tais leituras. O Estado é neoliberal, ele é uma estrutura complementar e essencial à acumulação capitalista, logo, ocupar o aparato estatal é condição sine qua non para dar prosseguimento a esse processo de neoliberalização das relações sociais, mas para isso é necessária a reelaboração da hegemonia dominante – os programas de transferência de renda e os direitos trabalhistas são os responsáveis pelo desemprego e não estimulam a meritocracia; os gastos com saúde pública e com aposentadorias são responsáveis pelo déficit público; as cotas e a gratuidade do ensino superior público incentivam a vadiagem e promovem doutrinação política; as políticas públicas de educação sexual e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis destroem as famílias e a fé cristã; os custos da folha de pagamento de servidores públicos são os responsáveis pelas dívidas dos Estados; as políticas de igualdade de gênero e raça pervertem as famílias e estimulam a preguiça etc. – de maneira que caberia aos indivíduos exporem-se a riscos, a concorrer e lutar pelo merecimento de suas condições de existência, a instauração e entronização da pura lei do mercado, da ausência de qualquer regulação, de qualquer legislação que proteja os cidadãos e cidadãs das arbitrariedades impostas pela acumulação como fim em si mesmo. Novamente a tensão dialética entre excessos e ausências com signo invertido, a grande propriedade privada, o pagamento rigoroso do serviço da dívida, a repressão aos movimentos sociais organizados são política e juridicamente garantidos e preservados como claros excessos que se tornam virtudes da modernidade, mas o desemprego, a insegurança social e econômica, a superexploração, a militarização

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