Discursos na Cultura do Direito: Uma Análise Interdisciplinar da História não Contada
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Discursos na Cultura do Direito - Carolline Leal Ribas
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS:DIVERSIDADE DE GÊNERO, SEXUAL, ÉTNICO-RACIAL E INCLUSÃO SOCIAL
Dedico esta obra à minha família, pelo incentivo e apoio em todas as minhas decisões. Possa eu um dia ser capaz de retribuir-lhes em igual medida.
AGRADECIMENTOS
Para ser mestre e, posteriormente, doutora, temos que passar por uma sabatina. Contudo, mesmo em posição desprivilegiada e cheia de medos e receios por ter o estudo exposto ao público, tive o prazer e a felicidade de contar com membros brilhantes e ilustres, cujas contribuições foram fundamentais para o aprimoramento desta obra, assim como para desdobramentos de estudos futuros.
Uma das maiores experiências que adquiri na jornada acadêmica foi a possibilidade de vivenciar experiências com pessoas brilhantes, em muitas das quais me espelho. Mesmo elas sendo bastante atarefadas, algumas delas detentoras de funções importantes, não deixam de zelar por aquilo que vejo como a maior herança da ciência do Direito: a troca e o compartilhamento de conhecimento.
Primeiramente, à minha querida amiga e orientadora de mestrado, Dr.ª Astreia Soares, só tenho a agradecer. Sou grata aos seus ensinamentos (pessoais e acadêmicos), às suas orientações, às suas palavras de incentivo, aos puxões de orelha, à paciência e à dedicação. Você é uma pessoa ímpar, em que busco inspirações para me tornar melhor em tudo o que eu faço e irei fazer daqui para frente. Tenho orgulho em dizer que um dia fui sua orientanda.
Aos professores do mestrado da Fumec, pelo aprendizado indescritível e por me mostrarem a alegria nos olhos que o conhecimento lhes proporciona.
Agradeço ao meu marido o auxílio silencioso e diário, e a todos os meus familiares e amigos, principalmente aos companheiros de caminhada, que, por meio das nossas proveitosas discussões, de algum modo, contribuíram para este estudo. Sem essas pessoas, com sentimentos e atitudes tão nobres, este livro não teria sido concretizado.
Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por suas origens ou por sua religião. As pessoas precisam aprender a odiar, e, se podem aprender a odiar, é possível ensiná-las a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que seu oposto. (MANDELA, 2013).
PREFÁCIO
O meio acadêmico receberá com grande satisfação o livro Discursos na Cultura do Direito: uma análise interdisciplinar da história não contada, de Carolline Leal Ribas. Minha convicção se dá diante da constatação de que os estudos interdisciplinares no campo do Direito são ainda poucos, sobretudo aqueles que trazem discussões situadas na interface entre Direito e Cultura.
A pesquisa da autora, que precedeu a publicação deste livro, exigiu um percurso com igual consistência teórica e metodológica no campo do Direito e no dos Estudos Culturais, área que nos traz um importante legado intelectual. Situadas nesse eixo, as amplas e sucessivas reflexões apresentadas pela autora são um convite irresistível para que o leitor percorra também caminhos pouco desvendados da cultura do Direito.
O tema central do livro são as mudanças culturais no cenário contemporâneo, que Carolline Ribas analisa pela ótica de seus impactos na esfera jurídica. Sem desconsiderar a perspectiva do positivismo jurídico e o caráter legal do Direito, a autora vai além dessa visão para elucidar que a ciência jurídica não está bem compreendida quando isolada da esfera cultural, das marcas da cultura nas sociedades atuais e das manifestações da sociedade civil.
Ao se propor a registrar e a analisar as correspondências entre as decisões jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal e os discursos levados a debate público pela sociedade civil organizada no Brasil, a autora acabou por nos apresentar também um diálogo bastante original entre teóricos como Stuart Hall, Terry Eagleton, Howard Becker, Néstor Canclini, Norbert Elias, Boaventura Sousa Santos e Jessé de Souza, cujas teses foram cotejadas com outros discursos considerados eminentemente jurídicos de Miguel Reale, Canotilho, Hans Kelsen, Antônio Carlos Wolkner e Maria Berenice Dias.
A autora revela sua preocupação acadêmica e pessoal com a promoção de uma sociedade justa e com a constituição de um Estado Democrático de Direito que amplie o acesso à justiça aos cidadãos considerados historicamente marginalizados, ao tomar como recorte de sua pesquisa os processos de reconhecimento e proteção dos direitos dos grupos não hegemônicos da nossa sociedade.
O livro nos apresenta uma análise singular sobre a relação entre justiça e sociedade civil na conquista dos chamados direitos das minorias, especificamente dos casais homoafetivos. Seu foco central se desenvolve em torno do reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar no Brasil. Para isso, debruça-se sobre o julgamento do Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 132 e estabelece um paralelo com manifestações públicas da sociedade civil por meio das ações como amicus curiae e decisões judiciais pós-Constituição de 1988. O resultado é um instigante cotejamento entre os discursos dos ministros do Supremo Tribunal Federal, da sociedade civil organizada e de entidades religiosas.
Estudos como este, que se voltam para a compreensão das mudanças culturais do nosso tempo, dentre elas da concepção das minorias sexuais e de suas buscas pela proteção de seus direitos, dificilmente teriam uma contribuição relevante a dar se não se estruturassem em torno de uma abordagem discursiva e crítica dos fenômenos jurídicos. A autora se vale da perspectiva do pluralismo jurídico para se aproximar da realidade de um grupo historicamente discriminado e para apresentar uma leitura contra hegemônica dos direitos, de seu reconhecimento e efetivação.
O curso das ideias propostas pela autora passa primeiramente pela caracterização das culturas contemporâneas nas sociedades complexas, marcadas por instâncias multiculturais e híbridas nas quais se evidencia a derrocada das possibilidades de respostas que os antigos binarismos tentaram dar para uma diversidade cultural cada vez mais ampliada. Uma abordagem múltipla da cultura não está, como nos aponta a autora, desligada da fundamentação dos precedentes jurisprudenciais. Nesse sentido, entende-se que o mundo globalizado e multicultural trouxe novos desafios que o Direito não pode deixar de enfrentar, sobretudo aqueles que dizem respeito aos vulneráveis, às minorias e à invisibilidade relegada à significativa parte desses grupos.
Tal debate, vale ressaltar, exige criteriosa discussão conceitual, uma vez que não há consenso no debate jurídico em torno do tema das minorias. A complexidade dessa questão, entretanto, é tratada de acordo com sua real importância, uma vez que autora assume como seu pressuposto que as imprecisões atribuídas ao termo não podem servir de justificativa para a negligência jurídica para com grupos sociais que demandam tutela do Poder Público para ter seus direitos constitucionais assegurados, mesmo que tradicionalmente sejam colocados na invisibilidade e em situação de vulnerabilidade social.
A seguir, encontraremos uma criteriosa recuperação sócio-histórica e jurídica do reconhecimento da união homoafetiva no Brasil, o que implica a configuração de um perfil constitucional adequado a um novo conceito de família efetivamente em circulação na sociedade atual. Esse cenário é traçado para tornar mais compreensível a abordagem jurisprudencial que se segue, sobre a constitucionalização da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal.
A corte suprema no Brasil parece ter evitado, de muitas formas, enfrentar a questão das uniões homoafetivas, que, por muito tempo, foram tidas como sociedades de fato, sem que fossem reconhecidas como entidade familiares. A autora se propôs a compreender como se deu esse processo – por longos anos adiado , analisando, para isso, o processo decisório dos julgadores. As declarações de voto dos ministros, calcadas em princípios da imparcialidade e na postura apolítica, foram comparadas com as expressões forjadas no seio da sociedade civil, com o objetivo de verificar possíveis correlações entre os discursos dos ministros, das igrejas e de setores organizados da sociedade civil acerca do reconhecimento da união homoafetiva. Os referidos discursos são tratados aqui como fenômenos práticos decorrentes de uma interação cultural e jurídica de mão dupla.
Na visão de Carolline Ribas, o julgamento representou um marco histórico no que se refere à cidadania e à conquista de direitos no país. Nos campos social e cultural, o julgamento em favor de um direito importante dos grupos LGBT+ implica a formulação de uma nova prática da população, mais ativa e influente.
Tendo como referência incontestável a Constituição Federal em seus princípios da igualdade e da liberdade, em favor da dignidade humana e contrária a toda forma de discriminação, a autora conclui que, mesmo que o Poder Legislativo não tenha tratado especificamente o caso da união homoafetiva, a ausência de uma lei não pode justiçar a ausência de um direito.
O leitor facilmente verificará que este livro, que tenho a honra e o orgulho de prefaciar, veio completar os estudos jurídicos e os estudos culturais no Brasil, cuja produção acadêmica vem vencendo a timidez com relação às pesquisas interdisciplinares, com sua abordagem do Direito como instância cultural. O leitor tem em mãos uma alternativa à visão tradicional e restrita do Direito enquanto normas positivadas, que o levará a refletir sobre o discurso forense justaposto às vozes que emergem das lutas sociais por Direito.
Astreia Soares Batista
Doutora em Ciências Humanas – Sociologia – pelo PPGSA/IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006), com bolsa sanduíche na Universidade de Estocolmo/Suécia; mestre em Sociologia da Cultura (1993) e graduada em Ciências Sociais (1981) pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora titular I da Universidade Fumec/MG.
APRESENTAÇÃO
Este estudo faz uma análise interdisciplinar do Direito brasileiro em seus aspectos culturais, com a intenção de oferecer uma alternativa à visão tradicional que o coloca como uma ciência restrita às normas positivadas. Reflete acerca das relações entre a esfera jurídica e a esfera sociocultural, no sentido de se demonstrar como valores e fatos culturais implicam percepções diversas no discurso forense. O objetivo principal foi apontar correlações diretas entre os discursos jurídicos e o da sociedade civil, no caso específico das mudanças na concepção das minorias sexuais na sociedade brasileira contemporânea, sobretudo na compreensão e proteção de seus direitos. Busca-se uma abordagem discursiva, por meio de uma análise crítica dos fenômenos jurídicos, que, como qualquer outra produção da cultura, retrata ideologias impostas pelos dominantes a grupos historicamente discriminados. Por meio da perspectiva do pluralismo jurídico, faz-se necessário levar em consideração discursos produzidos pela própria sociedade, a fim de comprovar que o Direito não deve se limitar ao mero estudo de leis positivadas e impostas, fechando os olhos
para os problemas sociais. Para isso, analisou-se o caso do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da união estável para casais do mesmo sexo, decorrente da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. O cotejamento entre o discurso dos ministros e de representantes de setores da sociedade civil organizada pelo reconhecimento jurídico da união homossexual estável como entidade familiar sugere um possível paralelismo entre as ações, demonstrando indicadores de que o ordenamento jurídico brasileiro, ao prezar pelo direito positivista, não desconsidera aspectos culturais como os costumes e outros expressos na opinião pública, uma vez que funciona como fator que constrói a cultura e, também, reproduz seus valores.