Inclusão Perversa: Uma Reflexão sobre o Sentido do Trabalho para Pessoas com Deficiência
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Sobre este e-book
Para tanto, recorre-se aos conceitos de sofrimento ético-político, sentido e significado, estima social, identidade e preconceito para analisar a vivência da busca por um trabalho, e de se tornar trabalhador nas condições de trabalho oferecidas pela Cota, tendo como pano de fundo a condição sócio-histórica desfavorável à inclusão oferecidas a esses sujeitos e os projetos de preparação para o trabalho que lhes são oferecidos. O método de investigação utilizado está embasado na concepção vygotskiana, que considera ação, trabalho e afeto como unidades indissociáveis da subjetividade, amparada na filosofia de Spinoza e na teoria marxista de sociedade. Os resultados atestam a defasagem entre reconhecimento jurídico e social em virtude de fatores como: ausência de estima social, preconceito, modelos de identidade pressupostas, desamparo e solidão a que são relegados, condição social vivida como sentimentos tristes de medo, humilhação e raiva comprometendo a potência de ação desses sujeitos.
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Inclusão Perversa - Naiara Roberta Vicente de Matos
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Aos meus pais, Cláudio e Irene, por toda trajetória de vida, por serem minhas principais referências e exemplo a ser seguido.
À Liz Soares, pelo grande aumento em minha Potência de Ação, por todo afeto e composição.
À professora Bader Sawaia, por me acolher, me aconselhar academicamente, pelos apontamentos e incentivos que me foram inspiradores durante esse percurso.
Ao meu doce afilhado, Gabriel, e aos meus queridos filhos, Pagú e Leônidas, pela poesia afetuosa, pura e inspiradora.
Aos sujeitos interlocutores desta obra, que oportunizaram a retomada reflexiva de suas histórias de vida e pela disponibilidade em dialogarem comigo.
Com muito afeto, a todos vocês!
APRESENTAÇÃO
Como bem colocou Artières (1998), interrogar para si passagens de nossa história que deixamos de nos espantar, é como se tivéssemos que fazer uma alusão à imagem de alguém que iniciou uma caminhada e, num certo ponto, fez uma parada, olhou para trás, tomou fôlego, reavaliou os objetivos do caminhar e se colocou em posição para retomar o percurso, podendo mesmo reorientar o próprio rumo em função da reflexão
e da recuperação que o ato de interromper a marcha promoveria.
O objetivo deste livro, pretende compreender as diferentes dimensões da exclusão no trabalho, ressaltando a dimensão objetiva da Lei de Cotas, a dimensão ética da injustiça e a dimensão subjetiva do sofrimento e do reconhecimento perverso.
Estudar sobre a temática de inclusão/exclusão no trabalho para pessoas com deficiência foi entender que, apesar de todo o avanço da legislação e o combate à intolerância, a criação de leis e regras de inclusão, com procedimentos que vislumbrem os direitos sociais básicos incondicionais à preservação da dignidade humana, as forças políticas dominantes trazem soluções pragmáticas
, fazendo com que a realidade seja completamente distinta das propostas de inclusão.
Para tanto, foi um momento de atualizar-se perante a vida e a profissão, talvez uma mudança de rumos. Nem a presença viva nem a fixação pela escritura conseguem assegurar a imortalidade; ambas, aliás, nem mesmo garantem a certeza da duração, apenas testemunham o esplendor e a fragilidade da existência e do esforço de dizê-la.
Esta obra contém buscas, encontros, rupturas, sentidos e significados, afetos e desafetos, dúvidas, decisões, apostas com possibilidade de novas realizações.
Compartilho um pouco da minha história de vida, mas como nos lembra Nietzsche, não podemos cair na ilusão narcísica de que a atividade intelectual e acadêmica possa encontrar sua justificação definitiva nesse trabalho de acumulação – pois o apelo do presente, talvez da vida no presente, também exige que o pensamento saiba esquecer. Sobretudo, saiba esquecer de sua complacência erudita para consigo mesmo, saiba desistir de seus rituais de autorreprodução institucional e ouse se aventurar em territórios incógnitos, sem definição nem inscrição prévia.
Ainda na esteira de Gagnebin, (2006), a palavra rememorativa, certamente imprescindível, não tira sua força mais viva da conservação do passado e da perseverança de escritores, historiadores ou filósofos; mas do apelo à felicidade do presente, isto é, em termos filosóficos antigos, da exigência da vida justa dos homens junto a outros homens. Ouvir o apelo do passado significa também estar atento a esse apelo de felicidade e, portanto, de transformação do presente, mesmo quando ele parece estar sufocado e ressoa de maneira quase inaudível.
Naiara R. Vicente de Matos
PREFÁCIO
Ao receber o gentil convite de prefaciar este texto me deparei com a dificuldade em relação ao tempo para dar conta de mais esta tarefa em meio a um dia a dia cheio, com as diversas atribuições de um professor, como aulas na graduação, pós-graduação e exigências quanto à extensão e pesquisa. Atividades que fazem parte, principalmente, do cotidiano daqueles que optaram por estar numa universidade pública, mas que nos tempos atuais nos remetem a uma produtividade burocratizante e perigosamente desconectada com as demandas sociais. Em tempos de crise os ânimos acirram e o desanimo nos abate. Todavia suscita a busca de novos caminhos e sentidos, os quais nos fornecem alimentos, restabelecendo as forças, os ideais e a alegria de viver.
Creio que um dos caminhos seja uma reavaliação ético-política do papel enquanto professor e cidadão na transformação da realidade social. Nesse sentido, chegamos a uma primeira consideração do texto em questão: a preocupação da pesquisadora com a cidadania e autonomia das pessoas com deficiência. Essa parece ser uma das pontas do fio de Naiara, pois o percurso em meio a um labirinto de referenciais teórico-conceituais e metodológicos, deve indicar a proposição de políticas públicas sociais mais resolutivas. Esse caminho não é fácil de ser trilhado, pois não há um caminho dado, melhor dizendo uma verdade a ser descoberta, e adianto, nem várias como diria algum cientista pós-moderno. A verdade é construída na medida em que o pesquisador e sujeitos da pesquisa, contextualizados sócio-historicamente, se dispõem a trilhar um caminho juntos. A qualidade desse vínculo baseado no respeito e na confiança dará elementos para a validação desta pesquisa de caráter qualitativo.
Este texto sobre a Inclusão Perversa suscita reflexões teórico-metodológicas importantes e atuais, isto porque expressa aspectos da trajetória da pesquisadora enquanto protagonista de uma luta pela inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Esse tipo de envolvimento fornece toda a qualidade das informações obtidas para a análise, destacando os depoimentos de histórias de vida e as cartas escritas pelos sujeitos para a pesquisadora, contando suas experiências no trabalho. Dessa forma, valoriza a importância de aspectos ético-políticos na construção do percurso metodológico. Baseada na obra de Vygotsky, há uma concepção de sujeito que fala da imbricação do social na constituição do sujeito e da atividade como elemento crucial na formação da subjetividade. Então, aspectos do materialismo histórico dialético dão sustentação para uma pesquisa engajada.
Entretanto os pilares do materialismo histórico dialético, a atividade, linguagem e consciência, adquirem singularidade quando os afetos servem de fio condutor da compreensão dos sentidos adquiridos pelos sujeitos na experiência com o trabalho. Baseado em Spinoza, o texto nos fala de afetos que podem potencializar o sujeito em suas diferentes dimensões. Os afetos, sendo alegres ou tristes, nos fornecem os diferentes matizes do grau e/ou qualidade de inserção dessas pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Ainda, de maneira específica e baseada em Honneth, a autora traz os tipos de reconhecimento envolvidos na relação que esse sujeito estabelece com os atributos relacionados ao amor, aos direitos e ao status social.
A partir da intersubjetividade e da qualidade dos vínculos podemos analisar a expressão das políticas públicas no cotidiano da vida das pessoas. Por meio do conceito de sofrimento ético-político cunhado por Sawaia, percebemos as consequências da desigualdade social, principalmente, em relação àqueles que são excluídos de seus direitos básicos. Segundo essa autora, as políticas públicas terão efetividade se as pessoas considerarem estas como de direito e não como favor. Neste trabalho a luta pela inclusão implica no enfrentamento de preconceitos, ou seja, da desnaturalização de rótulos e ideias que reduzem as pessoas a estereótipos. Creio que a proposta deste texto, ao apostar na mediação por intermédio do emprego apoiado, contribui na construção de uma política pública baseada numa inclusão cidadã de pessoas com deficiência.
Assim, reler este texto areja e renova nossas reflexões na busca de prosseguirmos numa luta que utiliza pesquisa implicada como instrumento de transformação de si e do outro, numa relação dialética que se constrói, como diria Paulo Freire, no fazer cotidiano.
Carlos Roberto de Castro e Silva
Prof. Dr. do Departamento de Políticas Públicas e Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo-Baixada Santista
Sumário
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
TEORIAS E MÉTODOS DE ANÁLISE
1.1. OBJETIVOS GERAIS
1.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1.2.1. Considerações sobre as bases materiais que sustentam os objetivos
1.2.2. Corpus
1.2.3. Reflexões metodológicas
1.2.4. Procedimentos de coleta de dados
1.2.5. Quadro de apresentação dos sujeitos
1.2.6. Análise
CAPÍTULO 2
SIGNIFICADO DA DEFICIÊNCIA NA RELAÇÃO COM O TRABALHO: BREVE HISTÓRICO
2.1. O ENFOQUE CIENTÍFICO
2.2. ABORDAGENS CONTEMPORÂNEAS
CAPÍTULO 3
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: PRINCIPAIS CATEGORIAS
3.1. DEFICIÊNCIA
3.2. O TRABALHO
3.3. TRABALHO, CIDADANIA E COTA
3.4. SOBRE O PRECONCEITO
3.5. IDENTIDADE
CAPÍTULO 4
O RECONHECIMENTO
4.1. A TEORIA DE RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH
4.2. O RECONHECIMENTO NA ESFERA DOS AFETOS: A EXPERIÊNCIA DO AMOR, O AMOR DE SI MESMO E A AUTOCONFIANÇA
4.3. O RECONHECIMENTO NA ESFERA DOS DIREITOS: A JUSTIÇA E O RESPEITO UNIVERSAL
4.4. O RECONHECIMENTO NA ESFERA DA ESTIMA SOCIAL: CARACTERÍSTICA, REALIZAÇÕES E SOLIDARIEDADE
CAPÍTULO 5
DIALÉTICA EXCLUSÃO/INCLUSÃO
CAPÍTULO 6
LEI DE COTAS: EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL
CAPÍTULO 7
EMPREGO APOIADO
7.1. BREVE HISTÓRICO DO EMPREGO COM APOIO OU EMPREGO APOIADO
7.2. BRASIL: EXPECTATIVAS SOBRE O EMPREGO APOIADO
CAPÍTILO 8
O PREPARADOR LABORAL
CAPÍTULO 9
ANÁLISE EMPÍRICA
9.1. PAULO
9.1.2. A alegria e o medo de perder o trabalho – o apoio da empresa e do preparador laboral: a luta pelo reconhecimento da família em tornar-se um cidadão de direitos. Emoção dominante: medo de perder o emprego
9.2. JOÃO
9.2.1. O amor da avó e a rejeição familiar – sofrimento e tristeza pelo fracasso e ausência de reconhecimento; consequências de duas perdas: a da avó e a do trabalho
9.3. MÁRIO
9.3.1. Entre o desejo de trabalhar e a segurança do benefício
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história.
Hannah Arendt¹
Políticas de inclusão social conferem tratamento favorecido à minorias ou aos grupos minoritários notoriamente em desvantagem dentro da sociedade,