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A Ruína de Thomas Malone: Série Detetive Angela Murphy
A Ruína de Thomas Malone: Série Detetive Angela Murphy
A Ruína de Thomas Malone: Série Detetive Angela Murphy
E-book380 páginas6 horas

A Ruína de Thomas Malone: Série Detetive Angela Murphy

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Sobre este e-book

Angela Murphi é uma detetive iniciante nas ruas perigosas de Glasgow quando o corpo mutilado de uma jovem prostituta é encontrado em um apartamento miserável. 

Chamada para investigar o macabro assassinato, Angela fica chocada e surpresa. Para seu chefe, Frank Martin, há algo terrivelmente familiar na cena. Ela já tinha visto isso antes.

Com recursos limitados e pouca experiência, Angela está desesperada para provar seu valor. Mas é realmente o trabalho de um imitador? O entusiasmo e determinação de Angela serão suficientes para levar o assassino à justiça antes que outra vida seja perdida?

IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de jul. de 2020
ISBN9781393238850
A Ruína de Thomas Malone: Série Detetive Angela Murphy

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    A Ruína de Thomas Malone - Elly Grant

    A Ruína de Thomas Malone

    Prólogo

    Thomas Malone lembrava muito bem da primeira vez em que ouviu a voz.  Ele tinha 12 anos, cinco meses e três dias.  Tinha certeza daquilo porque era 15 de janeiro, o mesmo dia em que sua mãe morreu.

    Thomas vivia com a mãe, Clare, na zona sul de Glasgow. Seu lar era um apartamento de uma porta em terraço vitoriano.  A área nunca foi nobre, mas em outros tempos abrigou diversos imigrantes na cidade. Primeiro os irlandeses, depois os judeus fugindo do leste europeu, italianos, poloneses, gregos, paquistaneses, todos se estabeleceram lá e criaram comunidades. Muitas dessas famílias se tornaram o pilar da sociedade de Glasgow. Mas a situação mudou, governos entraram e saíram, e agora os mesmos terraços viraram um despejo para imigrantes atrás de uma vida melhor sem intenção de trabalhar legalmente, em busca de uma existência fácil dentro do sistema de bem-estar social.

    Grande número dos imóveis estavam nas mãos de proprietários inescrupulosos que só pensavam em ganhar dinheiro. Eles não se importavam com quem abrigavam, contanto que o aluguel fosse pago. Então, tanto quanto pessoas burlando o sistema, havia também os vulneráveis que eram explorados. Viciados, alcoólatras, prostitutas, jovens mães solteiras sem apoio, eram alvos fáceis para os mafiosos. Toda a área e seus moradores cheiravam a decadência. Era um bairro que as pessoas decentes evitavam, mas para Thomas Malone era apenas seu lar.

    Thomas e sua mãe se mudaram para o apartamento na Westmoreland Street quando Clare brigou com os pais. A verdade é que não queriam mais a filha rebelde morando com eles.  Tinham vergonha dos amigos dela, odiavam as bebedeiras e música alta. Quando Clare ficou grávida, foi a gota d’água. Os avós de Thomas eram honestos, trabalhadores, pessoas de classe média que tinham duas outras crianças sob seu teto para cuidar. Então quando Clare saiu de casa um dia depois de outra briga com a mãe, eles a deixaram ir. Ela esperou por três semanas em um albergue para mulheres desabrigadas antes de perceber que eles não iriam buscá-la, e foi ali que Clare finalmente amadureceu e assumiu a responsabilidade por sua vida da única maneira que sabia fazer.

    Quando Thomas voltou andando da escola para casa na Westmoreland Street, ele não reparou que as fachadas dos prédios estavam desgastadas pelo tempo e escurecidas pela fumaça do tráfego. Para quem vê de fora, pareciam velhos e lembravam uma boca cheia de dentes podres, mas para Thomas eram familiares e reconfortantes. Ele não notou o lixo espalhado na rua, o estranho sapato jogado fora, trapos presos nas grades, ou as pichações dizendo ‘Joe é um idiota’ ou ‘Mag é escória’. Ele funcionava, a cada dia como no anterior, sem nunca questionar nada, porque nunca havia dinheiro sobrando.

    Ele estava acostumado com os muitos ‘tios’ que visitavam sua mãe. Alguns eram legais com ele e o davam dinheiro para ir ao cinema, mas outros eram bêbados e violentos. Thomas sabia que tinha que ficar longe deles. De vez em quando ele dormia nas escadas, e não na cama, para evitar qualquer conflito. Ele guardava um cobertor e uma almofada em uma caixa perto da porta para essas ocasiões. Muitas vezes, quando voltava da escola, encontrava a mãe com o rosto machucado e chorando, porque o último ‘tio’ foi embora para não mais voltar. Estava longe de ser a vida ideal, mas era tudo que ele conhecida e não tinha outras expectativas.

    Era um dia frio e, enquanto corria voltando da escola para casa, a respiração de Thomas congelava em grandes lufadas na sua frente. Ele era um garoto magro, pequeno para sua idade, com feições de duende comuns em filhos de alcoólatras. A camisa da escola e o casaco fino não o ajudavam a se aquecer, e ele esfregou as mãos nuas para tentar evitar a dor. Ele estava feliz que sua mochila da escola era de alças, porque podia colocar sobre os ombros para proteger suas costas do vento gelado. Com sua casa se aproximando, a caminhada rápida virou um trote, depois uma corrida, com os pulmões doendo ao respirar o ar frio, mas ele não se importava porque logo estaria do lado de dentro. Logo poderia abrir uma lata de sopa e esquentá-la para o jantar, para encher a barriga e se aquecer. E esperava que sua mãe tivesse lembrado de comprar pão para comer junto.

    Quando Thomas alcançou a porta da frente, algo parecia errado; ele via que estava entreaberta, e geralmente ficava trancada. Havia uma pegada de sapato marcada no degrau de entrada, vermelha e pegajosa, e Thomas pensou que era sangue. Havia uma mancha vermelha na pintura creme do batente, e ele tinha certeza que era sangue. Thomas empurrou a porta e ela abriu rangendo, com mais manchas de sangue no corredor.

    Thomas respirou fundo e prendeu a respiração enquanto seguia pelo corredor até a cozinha. Ele podia ouvir o som do rádio ao fundo. Alguém estava cantando ‘When I fall in love’. Ele sentia o cheiro do perfume de sua mãe, forte, como se todo o frasco tivesse sido derramado.  Parecia que uma bomba atingiu a cozinha.  Sua mãe não era muito cuidadosa, e a casa geralmente estava bagunçada, mas não desse jeito.  Havia louça quebrada e pedaços de vidro em todos os cantos, e o rádio ligado pendia pelo fio da tomada na parede, caindo pela frente do armário da cozinha.  Uma grande faca estava encravada na mesa, presa na madeira.  O chão estava cheio de sangue, com uma grande piscina dele espalhada da pia até a porta, e no meio dela o corpo da mãe de Thomas.  Ela estava de lado, com um braço estendido como se estivesse tentando alcançar a porta.  Os lábios estavam retorcidos em uma careta, os olhos bem abertos, e a garganta cortada de orelha a orelha.  O longo cabelo castanho de Clare estava grudado na cabeça e no chão com sangue, e seu roupão de algodão estava parcialmente rasgado para expor um seio também manchado.

    Thomas sentiu suas pernas magras bambearem, se ajoelhou e o sangue da mãe manchou sua calça e sapatos. Ele podia ouvir um som horrível preenchendo o ambiente, um lamento gutural, animal, que foi crescendo até se tornar um grito uivante.  O barulho ia e voltava, aterrorizando seus ouvidos e sua mente.  Então ele ouviu a voz na sua cabeça.

    Está tudo bem, filho, dizia.  Tudo vai ficar bem.  Eu estou com você agora e vou te ajudar.

    Ele sentiu braços fortes o levantando do chão e um policial o envolveu com um cobertor.

    Não se assuste, a voz disse. Vá com o policial. Alguém vai resolver essa confusão. Não é problema seu. Esqueça.

    Obrigado, ele sussurrou, mas nenhum som saiu de sua boca.

    O policial pegou Thomas nos braços e o tirou da cozinha.  Foi a última vez que ele viu sua mãe e não conseguia mais lembrar agora como ela era antes de ser assassinada.  A voz na sua cabeça, a voz que o ajudou, continua com ele até hoje, guiando e instruindo, às vezes provocando, e comanda cada pensamento seu.  Às vezes Thomas tem raiva dela, mas sempre a obedece.

    Capítulo 1

    Faltavam dez para as seis da manhã na terça e Angela Murphy já tinha tomado banho e se vestido.  Seu terninho cinza-carvão da ‘Next’ parecia feito sob medida e se ajustava perfeitamente, se agarrando a seu corpo longo e magro nos lugares certos.  Você poderia ter a impressão errada sobre Angela quando ela usava aquela roupa, se já não fosse pela blusa branca séria, as sóbrias e opacas meias pretas e os sapatos de couro sensíveis que ela usava junto. Mas na verdade hoje era o segundo dia de Angela como detetive, e ela estava animada e nervosa porque tinha sido designada para um caso de assassinato.  Alguns detetives passam a carreira inteira sem se envolver com algo tão importante, mas como Angela estava trabalhando com Frank Martin ela ia onde ele fosse, e ele estava a caminho da investigação.

    Ela preparou um café da manhã substancial e, embora com pouco apetite por causa da ansiedade e animação pelo dia que viria, se forçou a comer tudo.  Quem sabe quando ela teria chance de parar e comer outra vez?  Parada na frente do espelho pela enésima vez, checou o cabelo e a maquiagem.  Seu rosto tinha a aparência fresca e saudável de quem gostava da vida ao ar livre, sua pele brilhava e seus olhos azuis cintilavam mesmo tão cedo na manhã.  Um cabelo preto, grosso e rico emoldurava seu rosto bonito em forma de coração e ela não conseguiu evitar sorrir para a imagem refletida.

    Você é inteligente, você é forte e você está pronta, disse ao reflexo.

    E você é muito gostosa, uma voz a surpreendeu por trás.

    Ela se virou para seu marido, Bobby.  Ele ainda estava sonolento, mas colocou a camisa da noite anterior e uma calça jeans para descer correndo e vê-la antes de sair para o trabalho.  O cabelo louro cor de areia dele tinha uma aparência despenteada que Angela achava atraente, e o sorriso atrevido derretia seu coração.  Bobby era professor, na verdade diretor de matemática da escola onde lecionava, e estavam em recesso - então ele poderia ter ficado na cama.  Ele era alto, forte e muito bonito, e parecia mais um atleta profissional do que um professor de matemática.  Angela se apaixonou quando se conheceram.  Na ocasião, ela tinha nove anos de idade e era nova na turma, e ele era o palhaço, o garoto ousado que fazia todo mundo rir, e a tratava bem.  Quando terminaram a escola primária perderam contato até anos depois quando, como uma jovem cadete da polícia, ela deu uma palestra aos alunos da escola em que ele trabalhava.  Depois daquele encontro por acaso, começaram a namorar e dois anos depois estavam casados.

    Você não precisava levantar tão cedo. Você está de férias.

    Queria te ver antes de sair, querida.  Você comeu bastante?  Quer que eu faça uma xícara de chá? perguntou Bobby.

    Não, obrigada, se eu beber mais chá vou ficar no banheiro o dia inteiro e não posso fazer isso em uma cena de crime.  Estou tão nervosa que já fui duas vezes em meia hora.

    Não fique assim, querida, lembre-se: você é inteligente, você é forte e você está preparada, ele respondeu piscando.

    Sim, tudo isso, mas eu também estou morrendo de medo.

    E você precisa sair agora, Bobby observou enquanto olhava o relógio na parede da cozinha.  Relutante, ele a guiou até a porta, e ela parecia tão sexy que queria tê-la guiado de volta para a cama.

    Depois de um último abraço e de um beijinho na bochecha, Angela foi para seu carro.  Ela tinha tudo que precisava, mas de maneira obsessiva conferiu a bolsa novamente antes de dirigir até o trabalho.

    Quando Angela chegou à delegacia, havia dois detetives em suas mesas, Jack Dobson and Gordon McKay.  O turno deles estava chegando ao fim, pareciam muito cansados e suas roupas estavam amassadas.  O escritório estava aquecido e o ar estava abafado.  Sendo o auge do inverno, os homens haviam deixado o aquecimento no máximo durante a noite.  Angela não imaginava como seria se fosse permitido fumar lá dentro.  Do jeito que estava, ambos cheiravam a cigarro velho.

    O chefe ainda não chegou? ela perguntou inocentemente para cumprimená-los.

    Chegou e saiu, Jack respondeu sem levantar o olhar de sua revista ‘Classic Cars’.

    A perícia ainda está na cena e o corpo ainda não foi movido.  O chefe quer que você veja o corpo na cena.  Ele falou para você chamar um motorista e ir para lá quando finalmente desse o ar da sua graça, Gordon adicionou com um sorrisinho.

    Mas ele disse para encontrá-lo aqui às sete, mal passou das seis e meia, Angela protestou.

    Gordon deu de ombros e Jack sequer a respondeu.  Chateada com a injustiça, Angela foi até a mesa da frente para pedir um carro e um motorista.  Enquanto caminhava pelo corredor, ouviu Jack e Gordon rindo dela e percebeu que estavam zombando da garota nova.  Ela teve raiva de si mesma por ser tão inocente e ter mordido a isca.  Desgraçados, ela pensou, não vai acontecer de novo.

    Passaram alguns minutos até Angela encontrar um motorista em um jovem policial novato, cujo entusiasmo por ir até uma cena de crime era levemente preocupante. Ele falou por todo o caminho até Govanhill, e antes de chegarem ao destino Angela já conhecia boa parte de sua história de vida.  Foi um alívio finalmente sair do carro e entrar na calmaria do apartamento do assassinato.

    Frank Martin estava parado no apertado corredor em tons vermelhos do apartamento alugado.

    Você demorou disse, mal-humorado.  O que você fez com o motorista, mandou de volta ao trabalho?

    Bom dia para você também, Angela se limitou a responder.  Marcamos de nos encontrar no escritório às sete e eu estava lá às seis e meia, então por favor não fale comigo assim.  Eu posso ser nova, mas ainda mereço respeito.

    Geniosa, eu gosto disso.  Já vi que você vai me dar trabalho, senhorita.

    Ele sorriu para Angela e ela se acalmou, conseguindo retribuir com uma careta.  E não me chame de senhorita.  Sou a Detetive Murphy, ou Angela se estivermos sozinhos.

    Sim, senhora, Frank respondeu, rindo.  Me colocou em meu devido lugar.  Contanto que se lembre que o meu lugar é acima do seu.  Contanto que não se esqueça de que eu sou o chefe.

    Sim, chefe, Angela respondeu, determinada a ter a última palavra.

    Mande o garoto embora, ele disse, agora notando o jovem policial espreitando na porta.  Estou com meu carro lá fora. Depois volte aqui e, pelo amor de Deus, vista o traje e cubra seus sapatos.  Apesar da perícia ter finalizado, esse lugar está coberto de sangue.

    Angela voltou para a porta e disse ao policial que ele não era mais necessário, e ele relutantemente foi embora.  Ela limpou os sapatos com um lenço antes de cobri-los, porque estavam manchados de sangue.  Na pressa de entrar, não havia notado o estado do chão do corredor.  Tinha sorte de não ser sensível.

    Quando voltou, Frank tinha entrado na cozinha e estava ajoelhado ao lado do corpo de uma jovem mulher.  Frank era um homem grande.  Era alto e largo, com uma testa quadrada e mãos enormes e carnudas.  Ninguém o descreveria como bonito, e na verdade ele era mesmo feio.  Tinha um rosto gordo, com olhos de porquinho e um nariz de batata que havia quebrado mais de uma vez.  Sua pele lembrava a Angela uma salsicha de porco gordurosa.  Mas, incoerentemente, Frank se vestia com cuidado, e Angela tinha certeza que debaixo do traje de proteção suas roupas caras estariam imaculadas.  Seu cabelo era muito bem cuidado, sem um fio fora do lugar, e suas unhas feitas em manicure eram perfeitamente limpas.

    Tem alguma coisa errada aqui, Frank murmurou.  Estou tendo um deja-vu.  Já vi essa cena de crime antes.  Aquela faca encravada na mesa e o rádio pendurado na tomada, já vi tudo isso antes.

    Angela não comentou. Ficou parada ao lado do corpo.  Ela não ficava enjoada facilmente, mas nada poderia tê-la preparado para a brutalidade do que viu.

    Você vê a forma como o corpo está coberto naquele roupão com um seio para fora?  E a forma como ela está tentando alcançar a porta? Eu vi essa mesma disposição antes.  Foi cerca de dez anos atrás.  Bem depois da esquina da Westmoreland Street. Eu era novo no cargo, assim como você, e tinha uma criança envolvida, um garotinho magrelo de uns 12 anos.  Ele voltou da escola e encontrou a mãe morta, com a garganta cortada, assim como essa aqui.  Isso é muito estranho, é a mesma cena de novo.  Acho que alguém montou isso.  Acho que pode ter uma conexão.

    Depois de mais duas horas com Frank murmurando e Angela tomando muitas notas, eles reuniram toda a informação que conseguiram tirar do apartamento.  Quando saíram para a calçada, Angela se viu piscando com a claridade do sol.  Ela se impressionou com o contraste entre a luz do dia e a luz sombria, escura e artificial do interior, e precisou se apoiar segurando nas grades ao lado do prédio.

    Você não vai desmaiar aqui, vai? Frank perguntou enquanto a segurava pelo cotovelo.  Você parece um pouco desconfortável, você está bem?

    Está tudo bem.  Foi só a claridade do sol depois da escuridão lá dentro. Eu não desmaio, mas obrigada por se preocupar.

    Angela afastou seu cotovelo de Frank.  O grandalhão olhou acanhado e limpou a garganta.

    Nós temos meses de verão sem um pedacinho de céu azul, só cinza e chuva todo dia, e agora, no meio do inverno, olha só isso.  Ele apontou para cima com o dedão.  Mas um frio danado, deve estar temperatura negativa.  Depois do clima daquele apartamento preciso de algo para aquecer.  A van de investigação chegou no fim da rua, vamos andar até lá e ver se eles já têm café.

    Angela gostou de sair do apartamento depressivo e respirou fundo para tentar limpar a mente.  Ela não havia percebido como o cheiro era ruim lá dentro até pisar na rua.  Era uma mistura enjoativa de óleo de cozinha velho com perfume barato, além de privação e desespero.  Angela pensou não ser provável que a garota morta pudesse imaginar como a outra metade vivia, e provavelmente nunca havia visto o interior de uma casa suburbana limpa.

    Frank e Angela desceram a rua até a van e, quando entraram, receberam imediatamente copos plásticos de café quente de uma jovem policial.  Frank pegou as duas únicas cadeiras e a pequena mesa e, enquanto sentavam no espaço apertado bebendo seus cafés, planejou o resto do trabalho da manhã.  Ele sugeriu que Angela fosse entrevistar a vizinha que fez a primeira ligação para a polícia.

    Veja se consegue levar um policial de rua com você, Frank disse.  Não posso abrir mão de ninguém.  Estamos no limite porque tem algumas pessoas de licença médica com gripe.  Deve ser fácil conseguir o que precisa daquela mulher, completou.  Me disseram que a sra. Ali é a fofoqueira da vizinhança, então deve ter muito a falar.  Tente peneirar o que é útil até chegar no que ela realmente viu ou ouviu.  Provavelmente vai levar o resto da manhã.  Estou voltando para o escritório.

    Mas você está com o carro, Angela protestou.  Como eu vou voltar quando terminar com a sra. Ali?  Você me falou para mandar embora o outro carro.

    Para uma garota esperta você pode ser burra às vezes.  Espero que você não seja uma daquelas rabugentas, reclamando o tempo todo, Frank respondeu discretamente para não ser ouvido.  Quando eu sair dessa van você é a maior patente aqui.  Você está no comando.  Chame um carro quando precisar e alguém vai vir buscá-la.  Pelo amor de Deus, não deixe ninguém aqui pensar que não está à altura do cargo ou vão cair em cima de você como hienas.  Lembre-se, você está no comando, certo?

    Sim, chefe, Angela retrucou, envergonhada por sua gafe.  Ela nunca ficou no comando antes e estava animada com a perspectiva.  Quando Frank saiu, Angela fez uma rápida ligação para Bobby.

    Adivinhe, meu bem, começou.  Estou no comando. Não é legal?

    Fantástico, respondeu entusiasmado.  Sabia que você ia se sair bem.  Você é inteligente, você é forte e você está pronta, certo?

    Ela deu um leve sorriso, incapaz de esconder a satisfação.

    Eu fui ao mercado 24 horas em Toryglen e vou fazer minha massa especial para o jantar.  Tem uma garrafa de rosé na geladeira para bebermos.  Tudo bem?

    Perfeito, parece perfeito.  Estou tão feliz que você não comprou carne, porque depois do que eu vi não conseguiria engolir.

    Angela notou que a jovem policial que fez os cafés estava aguardando pacientemente o fim da ligação.

    Tenho que ir agora, entramos em contato depois, ela disse no telefone, tentando parecer uma ligação de negócios.

    Eu entro em contato com você a hora que quiser, Bobby retrucou sugestivo.

    Angela riu para si mesma, Tchau agora disse, encerrando a chamada.

    Fui designada para você, a policial disse, quando Angela guardou o telefone no bolso.  Sou a Cabo Brown, Liz Brown.

    Prazer em conhecê-la, Liz, Angela respondeu estendendo a mão.  Sou a Detetive Murphy, Angela Murphy.

    Liz pegou a mão estendida de Angela e apertou vigorosamente.  As duas mulheres não poderiam ser mais diferentes.  Liz era baixa, enquanto Angela era alta.  Liz tinha jeito de esportista e mais músculos que muitos colegas homens, enquanto Angela era magra e elegante.  Angela parecia uma modelo, mas Liz parecia uma atleta.  Ambas tinham rostos naturalmente bonitos.  As duas mulheres sentaram na mesa por alguns minutos e discutiram como iriam lidar com o interrogatório da sra. Ali, então saíram de dentro da van e desceram a rua até a casa dela.

    Capítulo 2

    Estúpida, vadia estúpida.  Olha o que me obrigou a fazer.  Ele estava certo. Eu sabia que estaria, todos os sinais estavam lá, bebida barata, perfume barato e aquela cozinha imunda. Eu tentei ignorar.  Quase me convenci que você era minha amiga, mas ele sabia que você era só uma vagabunda.  Por que você fez isso?  Não entendo.  Se precisava de dinheiro eu teria dado, é o que amigos fazem, eles se ajudam.  Você só precisava pedir.

    Estúpida, vadia estúpida.  Agora olha só você, caída na sujeira.  Eu podia ter sido seu amigo.  Mas não, tinha que me oferecer seu corpo nojento em troca de dinheiro para comprar drogas.  Como se eu fosse querê-la desse jeito.  Eu não sou um otário.  Suja, vagabunda suja.  É tudo sua culpa.  É tudo sua culpa.  Olha o que você me obrigou a fazer.

    ***

    Angela achou difícil tirar a imagem da garota morta da sua cabeça.  Era tão chocante.  Ela pensou que quando estivesse fora do apartamento poderia tirar de sua mente, mas na verdade tudo parecia mais vívido enquanto andava pela rua ao ar livre.  Se Frank Martin estivesse certo sobre a cena de crime ser montada e ligada a um assassinato anterior, com que tipo de monstro eles estariam lidando?

    Você está bem? Você está tão quieta e bastante pálida.  Não está se sentindo bem?

    As palavras de Liz quebraram a linha de pensamento de Angela.  Desculpe, Liz, eu estava distante.  Estou bem, só um pouco atordoada por estar naquele apartamento.  Foi horrível lá dentro.

    Podemos dar uma volta no quarteirão antes de interrogar a sra. Ali, se preferir, Liz ofereceu.

    Obrigada, Liz, mas melhor não.  O tempo é importante e ela pode saber algo que vai nos ajudar a pegar o desgraçado que fez isso.

    Os degraus que levavam até o apartamento de uma porta da sra. Ali estavam limpos e brilhantes, e o metal envolvendo a campainha estava polido minuciosamente.  Quando Angela tocou a campainha, a porta foi aberta por uma mulher rechonchuda e baixa de cerca de 40 anos.  Ela tinha uma aparência clara e pálida, e estava vestida com um terninho de duas peças feito com tecido de seda alaranjado.  Barulho de gritos e risadas de crianças vinham de trás dela.

    Sra. Ali? Angela perguntou.  Sou a Detetive Murphy e essa é a Cabo Brown.

    Férias escolares, disse a mulher, as cumprimentando.  Não deixam vocês loucas?  Era mais uma afirmação do que uma pergunta.

    Ela as guiou até a grande sala da frente e ofereceu sentarem no sofá de couro cor de creme.  A sra. Ali desapareceu por alguns minutos para ir atrás das crianças curiosas e barulhentas em outra sala, deixando Angela e Liz observando o local.  A sala tinha uma mistura estranha de estilo e cores.  O carpete tinha um padrão de azul e, na janela, pesadas cortinas de seda em roxo e dourado pendiam até o chão.  Papéis Regency cor de vinho adornavam as paredes.  No teto havia um magnífico candelabro de cristal dourado, e mesas de vidro foram colocadas em vários pontos.  Tudo era impecavelmente limpo e tinha cheiro de verniz.  Angela estava impressionada: embora não fosse do seu gosto pessoal, não havia dúvidas que muito dinheiro, tempo e esforço foram gastos para criar e manter esse ambiente.

    Gostariam de um pouco de chá? Perguntou a sra. Ali com um forte sotaque de Glasgow quando voltou para a sala.  Angela olhou para Liz, que sorriu e balançou a cabeça.

    Não, obrigada, gostaria de começar com minhas anotações se você não se importar, Angela respondeu, e Liz pegou caderno e caneta no bolso.

    Sinto pena da mãe daquela pobre garota.  Imagine descobrir que sua filha era uma prostituta.  Imagine a vergonha, começou a sra. Ali.  O nome dela era Magrit, sabe, todo mundo sabia o que ela era.

    Margaret como em M.A.R.G.A.R.E.T.? Liz soletrou.

    Sim, isso, Magrit, Magrit Deacon.  Quando ela se mudou para cá disse que era enfermeira, e me perguntou se eu sabia de algum trabalho de babá.  Como se alguém fosse deixar seus filhos aos cuidados de uma prostituta viciada.  Todos sabiam o tipo de garota que ela era.  Homens visitavam dia e noite, ela não enganava ninguém.  Isso costumava ser uma comunidade decente, sabe.  Mas então a Câmara começou a alugar apartamentos para todos os tipos e agora temos uma prostituta morta na porta de casa.  Falei para o meu marido que precisamos nos mudar. Não quero minhas crianças expostas a essa imundície.

    Você pode nos dizer o que viu e ouviu na noite passada que a fez pensar que havia algo errado? Angela interrompeu.

    Sim, sim, deixe eu pensar agora. Eu estava parada na rua conversando com a sra. Rehman na porta da casa dela.  Ela mora ao lado de Magrit.  Estava perto das seis e eu tinha acabado de voltar do hortifruti para comprar cebolas quando Magrit e um homem magro e alto de casaco entraram na casa.  Eu pensei que era outro de seus clientes.  Às oito eu estava passando lá de novo para buscar minha filha, Nusrat, da casa de sua amiga onde estavam estudando.  Minha filha é uma boa aluna, meu marido e eu esperamos que tire notas altas no vestibular, sabe  Ele diz que ela pode conseguir entrar na faculdade se tirar notas boas.  No meu tempo, garotas raramente iam para a universidade porque se casavam cedo e construíam família, então não tinham tempo para educação.  Mas é diferente agora, as garotas têm muito mais oportunidades.

    O que aconteceu às oito? Angela conduziu, tentando fazer a sra. Ali voltar à pergunta.

    Eu estava passando pela casa de Magrit e a porta estava aberta.  Eu ouvi gritos vindo de dentro. Ela hesitou e pareceu incomodada.  "Desculpem, mas não

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