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O colapso dos ecossistemas no Brasil: Uma perspectiva histórica
O colapso dos ecossistemas no Brasil: Uma perspectiva histórica
O colapso dos ecossistemas no Brasil: Uma perspectiva histórica
E-book543 páginas6 horas

O colapso dos ecossistemas no Brasil: Uma perspectiva histórica

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Sobre este e-book

Atualmente o Brasil vive duas graves crises: uma crise social e uma crise ambiental, sem que a sociedade tenha a consciência política de que são crises extremamente dramáticas para as condições de vida das atuais e futuras gerações de brasileiros. Neste livro, o economista Paulo R. Haddad, a partir de sua experiência profissional, procura analisar as raízes históricas da degradação de alguns dos principais ecossistemas do país (Mata Atlântica, Amazônia, Cerrados) e como essa degradação tem afetado o bem-estar social sustentável da nossa população, assim como a produtividade total dos fatores de produção. A análise destaca, historicamente, como os diferentes ciclos econômicos impactaram os ecossistemas desde 1500. O recorte dos capítulos inclui as florestas, as águas, as terras e os minérios do Brasil. O capítulo inicial constitui uma breve introdução aos conceitos e métodos da Economia Ecológica e da Ecologia Integral e o capítulo final traz uma análise das forças e fraquezas das políticas ambientais no Brasil. Finalmente, o Apêndice Técnico apresenta dois modelos matemáticos que procuram operacionalizar a concepção de Ecologia Integral.
IdiomaPortuguês
Editorae-galáxia
Data de lançamento31 de out. de 2019
ISBN9788584742790
O colapso dos ecossistemas no Brasil: Uma perspectiva histórica

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    O colapso dos ecossistemas no Brasil - Paulo R. Haddad

    Sumário

    CAPÍTULO 1

    Introdução: a grande aposta

    CAPÍTULO 2

    Meio ambiente e ecologia integral

    CAPÍTULO 3

    As florestas do Brasil

    CAPÍTULO 4

    As águas do Brasil

    CAPÍTULO 5

    As terras do Brasil

    CAPÍTULO 6

    Os minérios do Brasil

    CAPÍTULO 7

    Forças e fraquezas das políticas ambientais no Brasil

    APÊNDICE TÉCNICO

    Modelos matemáticos de sistemas integrados econômico-ecológicos

    Sobre o autor

    Diagramas, gráficos e figuras

    Quadros

    Para a elaboração deste livro, contei com a dedicação e a competência de Rosanna Margarita de Carvalho que participou, desde o primeiro momento, de sua edição, revisão e avaliação. Destaca-se a colaboração da equipe da BH Press, através, principalmente, de Ana Amélia Gouvêa (edição), Bruno Filogônio (design) e Alexandra Simões (fotografia). Os economistas Carlos Maurício de Carvalho Ferreira e Eduardo Amaral Haddad atuaram como leitores de capítulos específicos. Jeovane Moreira Gomes realizou um dedicado trabalho de digitação dos capítulos do livro.

    CAPÍTULO 1

    INTRODUÇÃO: A GRANDE APOSTA

    O Brasil vive atualmente duas graves crises: uma crise social e uma crise ambiental, sem que a sociedade tenha assumido a consciência política de que essas crises são extremamente dramáticas para as condições de vida das atuais e das futuras gerações de brasileiros. Neste livro, procuramos analisar as raízes históricas da degradação de alguns dos principais ecossistemas do País nos diferentes ciclos econômicos, desde o seu Descobrimento, em 1500, e mostrar que esse processo de degradação transformou a crise ambiental em crise social em algumas regiões, particularmente no Leste Brasileiro e na Amazônia.

    O livro estrutura os seus temas e argumentos apresentando uma nova concepção de Meio Ambiente, contrapondo-a à concepção tradicional arquitetada pelo pensamento dos autores marginalistas a partir dos anos 1870. Segundo a concepção tradicional, os indivíduos ao consumir e produzir bens e serviços, assim como ao acumular bens de capital, acabam tratando o Meio Ambiente como se fosse um mega almoxarifado de onde extraem recursos naturais renováveis e não renováveis para construir suas riquezas econômicas e financeiras e, ao mesmo tempo, um mega depósito de lixo onde lançam os dejetos e os resíduos poluentes no ar, nas águas, nos solos. No ato de produzir ou de consumir terminam por criar externalidades negativas para terceiros as quais se manifestam através da poluição ambiental verde, azul ou marrom.

    Por outro lado, a nova concepção de Meio Ambiente está articulada com a proposta de uma Ecologia Integral na qual o sistema humano e o sistema natural compõem um conjunto único, interdependente e multifacetado. Operacionalmente, essa nova concepção de Meio Ambiente está presente no atual sistema de contas sociais da ONU e da OCDE, o Sistema Integrado Econômico-Ecológico de Contabilidade Nacional (SEEA), o qual introduz, no registro das variáveis-fluxos, os valores dos fluxos de bens e serviços ambientais ou ecossistêmicos, lado a lado com a produção de bens e serviços finais durante determinado período; e, no registro das variáveis-estoque, os valores do capital natural (bacias hidrográficas, florestas, reservas minerais, etc.), lado a lado com os valores do capital técnico (máquinas, equipamentos, infraestrutura econômica, etc) em determinado ponto do tempo.

    Essa nova concepção se baseia em três fundamentos:

    atualmente, quase todos os bens não econômicos ou livres se transformaram em bens econômicos (úteis e escassos), dada a expansão da demanda, em escala global, de bens e serviços intensivos direta e indiretamente de recursos naturais;

    esses bens têm valor econômico e não apenas cultural para a sociedade, mesmo que não tenham preços de mercados estruturados;

    nem sempre os preços dos ativos e dos serviços ambientais podem ser estimados pelos preços de mercado, porque os interesses das gerações futuras não estão representados nos mercados, a não ser em situações especificas de algumas atividades de grandes projetos de investimentos de inquestionáveis impactos ambientais ou de políticas públicas pertinentes, quando sua representação se faz presente através do Ministério Público, das organizações não governamentais e dos movimentos sociais, em processos de negociações institucionalizados.

    Neste início do século XXI, as controvérsias sobre a necessidade de se construir uma nova ordem econômica, que permita compatibilizar o padrão de desenvolvimento com as disponibilidades dos recursos naturais do Planeta, estão cada vez mais presentes na vida intelectual e nos meios de comunicação social. Alguns eventos portadores de mudanças estão impulsionando essas controvérsias:

    as mudanças climáticas: segundo o último Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da ONU) o crescimento médio das emissões de gases de efeito estufa, que era de 1,3% ao ano entre 1970 a 2000, registrou uma aceleração entre 2000 a 2010, quando foram registradas taxa de crescimento de 2,2% ao ano; as implicações socioeconômicas e socioambientais das mudanças climáticas estão destacadas nos capítulos do livro que tratam das florestas, das águas, das terras e dos minérios do Brasil; essas mudanças climáticas estão tão aceleradas que será provável, ao ser divulgado o nosso livro, que novos indicadores de desenvolvimento sustentável poderão mostrar uma dramaticidade maior dos seus impactos socioeconômicos; segundo a Moody’s Analytics, as mudanças climáticas podem tirar até 0,48 ponto percentual do PIB do Brasil até 2048;

    três fatores primários estão dificultando a dinâmica do modelo de crescimento econômico, tal como é concebido atualmente (cf. Heinberg, R.):

    exaustão de importantes recursos naturais, incluindo combustíveis fósseis e minérios;

    a proliferação de impactos negativos sobre o meio ambiente resultantes da extração e uso dos recursos;

    rupturas financeiras devidas à instabilidade de nossos sistemas monetários, bancários e financeiros para se ajustar à escassez de recursos e aos dramáticos custos ambientais, embora atualmente quase 40 bancos centrais admitem que as mudanças climáticas tornaram-se um grave risco à estabilidade financeira; no livro, a análise focaliza os desastres e colapsos dos ecossistemas brasileiros numa perspectiva histórica e territorial;

    o desafio, segundo T. Jackson, se coloca da seguinte forma: a ideia de uma economia sem crescimento é um anátema para um economista (como atender às atuais e futuras necessidades básicas de 9 bilhões de habitantes do Planeta?); a ideia de uma economia crescendo continuamente é um anátema para o ecologista (a realidade desconfortável é que estamos diante do fim iminente de um padrão de crescimento baseado no uso acelerado dos recursos naturais do Planeta); como, pois, um sistema econômico crescendo continuamente pode se adaptar a um sistema ecológico finito preservando-o, conservando-o, reabilitando-o?

    Os problemas das desigualdades sociais e regionais de desenvolvimento, assim como os problemas de preservação, conservação e reabilitação dos ecossistemas, não se resolvem apenas com políticas econômicas de curto prazo como tem sido a política de austeridade fiscal no Brasil desde a crise de 2014. É necessário resgatar as experiências de planejamento do desenvolvimento sustentável, as quais não se limitam à elaboração de documentos com diretrizes gerais, escritas em linguagem genérica e sonora, com compromissos difusos e amorfos. Comumente, são documentos que, no fundo, tendem a convergir para uma equivalência fastidiosa de programas partidários que se assemelham a uma espécie de sopa de palavras. Nesses documentos, definem-se múltiplos objetivos sem se preocupar com a sua compatibilidade com os mecanismos institucionais e os instrumentos econômicos para a sua necessária implementação.

    Quando se procura distanciar de uma linguagem abstrata ao nível da instância teleológica, que tem sido utilizada para camuflar os conflitos implícitos em propostas abstratas, começam a surgir os verdadeiros dilemas (trade–offs) a serem enfrentados. Nestes, emergem aqueles entre a aceleração da expansão econômica e as regras fundamentais da sustentabilidade para o uso dos recursos naturais renováveis e não renováveis na fronteira agrícola, na fronteira minerária, nas áreas desertificadas, nas metrópoles congestionadas, etc.

    Usualmente, apresenta-se como alternativa para enfrentar a especificidade desses dilemas a adoção de uma postura pragmática para equacioná-los ao nível da instância processual. Contudo, ser pragmático significa adotar como critério de verdade a utilidade prática, identificando o verdadeiro com o útil. Mas, desde que existem conflitos nas ações finalísticas entre grupos e classes sociais, regiões ou setores produtivos, etc. na implementação de um processo de desenvolvimento sustentável, cabe a pergunta: útil para quem? Assim, o pragmatismo passa a ser uma dúvida a mais no processo e não um caminho para a solução dos conflitos.

    Ao nível das burocracias governamentais, as questões do Meio Ambiente no Brasil têm sido tratadas dentro de uma estrutura administrativa que disputa isoladamente os seus recursos humanos, financeiros e institucionais, visando a realizar sua missão institucional. Uma estrutura administrativa, contudo, sem capacidade de coordenar transversalmente os programas estratégicos e operacionais dos demais segmentos administrativos, que têm poderosos e, muitas vezes, irreversíveis rebatimentos sobre os ecossistemas regionais. Operacionalmente, o que tem sido proposto é reconsiderar, num plano de governo, o meio ambiente não apenas como um fator de produção a mais que apenas necessita ser utilizado sustentavelmente sob a égide de uma política pública setorial, mas como um elemento pivotal, dentro da sexta onda de inovações da dinâmica capitalista, que contém, provisiona e sustenta toda a economia no médio e no longo prazo, a qual se exprime através das características de diferentes Biomas (no caso brasileiro: a Mata Atlântica, a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal, os Pampas, o Semiárido).

    No curto prazo, as propostas mais consistentes das políticas públicas ambientais devem ser específicas também quanto ao que se denomina a Macroeconomia da Sustentabilidade. Esse novo olhar para a macroeconomia de curto prazo implica, do lado da demanda agregada, reorientar os investimentos públicos e privados para a segurança energética, para infraestruturas de baixo carbono, para proteção de valiosos ativos ecológicos, etc. Do lado da oferta agregada, devem-se utilizar os sistemas fiscais e financeiros para estimular intensamente a produtividade dos recursos naturais (matérias, energias), visando a atenuar, em uma ponta da cadeia de valor, a exaustão desses recursos e, em outra, os níveis de poluição.

    No livro, defendemos, com argumentos teóricos e narrativas de experiências históricas do Brasil, a necessidade de um novo paradigma de desenvolvimento para o século XXI, baseado na concepção de Ecologia Integral. A busca de um novo paradigma se faz presente, uma vez que as teorias dominantes do processo de desenvolvimento de um país ou de uma região estão sendo incapazes de explicar e predizer importantes indicadores socioeconômicos e socioambientais sobre o funcionamento da economia. Especificamente, a insatisfação nasce quando se observa que a crise social e a crise ambiental têm avançado concomitantemente, apesar do intenso progresso tecnológico da Humanidade, sem que as políticas públicas tenham condições de revertê-las fundamentadas nos padrões científicos prevalecentes.

    Para a Ecologia Integral, o ambiente humano e o ambiente natural se deterioram conjuntamente e não se pode combater a degradação ambiental a não ser que se atinjam as causas da degradação social e humana. Uma ilustração histórica: em torno de 1960, a Mata Atlântica estava razoavelmente preservada no Estado de Minas Gerais; nos anos seguintes, foram instaladas cerca de duzentas serrarias entre Muriaé e Governador Valadares para atender à demanda de madeira para a construção civil, para as guserias, para a indústria moveleira, etc.; concomitantemente, ocorreu intenso desmatamento da Mata Atlântica para a formação de pastagens no Leste do Estado. Consequências: a destruição dos ativos e dos serviços ambientais em áreas desse Bioma (assoreamento dos rios, perda da fertilidade dos solos, etc.,) implicando no empobrecimento dos municípios, como resultado da baixa produtividade dos recursos naturais regionais. Hoje, muitos desses municípios são considerados economicamente deprimidos, sobrevivendo graças às políticas sociais compensatórias para as famílias e às transferências fiscais do Governo Federal para as Prefeituras locais.

    Ainda não conseguimos adotar um modelo circular de produção capaz de preservar os recursos naturais para as gerações presentes e futuras, limitando ao máximo o uso de recursos não renováveis, moderando o seu consumo, maximizando o seu uso eficiente, reuso e reciclagem. Não é possível manter e reproduzir o nível atual de consumo dos países desenvolvidos e dos segmentos mais ricos da sociedade, nos quais os hábitos de desperdício e de descarte atingiram níveis sem precedência. A exploração do Planeta já excedeu limites aceitáveis e ainda não se resolveram os problemas da pobreza e da miséria de muitos povos e grupos sociais.

    O cidadão brasileiro tem percebido a crise ambiental em virtude das mudanças climáticas e da crise hídrica em muitas regiões do País. Não associa, contudo, essa crise com a necessidade de mudanças do estilo de vida, dos modos de produção e dos padrões de consumo. Muitas das pessoas pobres vivem em áreas particularmente afetadas por fenômenos relacionados com o aquecimento global e os seus meios de subsistência são amplamente dependentes das reservas naturais e dos serviços ecossistêmicos, como a agricultura, a pesca e a silvicultura sem perceber que estão envoltas por um ecossistema integrado ao seu cotidiano.

    Qual foi o impacto da crise econômica de 2014 a 2018 sobre as desigualdades sociais no Brasil? O Centro de Políticas Sociais da FGV divulgou, em setembro do ano passado, um relatório que procura responder a essa questão. Os números são preocupantes.

    Hoje temos quase 24 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, número equivalente a 11,2% da nossa população, com um aumento de 33% entre o final de 2014 e o final de 2017, o que significa um número absoluto maior do que a população total do Chile. A miséria aumentou nos últimos quatro anos: são 6,3 milhões de novos pobres. Durante a crise de 2014 a 2018, o Brasil tornou-se uma economia recessiva em termos de crescimento, excludente em termos de desigualdades sociais e politicamente complacente com o avanço da miséria e do mal-estar social.

    O que esperar da nova administração do Governo Federal quanto à sua capacidade de mitigar essas mazelas socioeconômicas? Os problemas de desigualdades sociais de uma economia têm melhores condições de serem equacionadas num ambiente de crescimento econômico, desde que se adote um modelo de desenvolvimento sustentável, fundamentado na tríplice integração da competitividade, da sustentabilidade e da equidade.

    Infelizmente, não há uma perspectiva favorável no horizonte de curto prazo para a expansão da renda e do emprego na economia brasileira. A atual equipe econômica tem apresentado uma proposta questionável sobre a retomada do crescimento, qual seja: aprovada a reforma previdenciária, consumidores e empreendedores irão dinamizar os mercados e os negócios, e a demora da retomada é porque o melhor ainda está por vir (sic).

    A reforma da Previdência é uma questão crítica, ligada à insolvência financeira do País e, uma vez aprovada, não tem, por si só, o poder de alavancar um processo de desenvolvimento, com base somente na eventual reversão de expectativas dos agentes econômicos. Há algumas ações programáticas que podem ser desencadeadas pela atual Administração Federal que terão o poder de mitigar as assimetrias sociais entre os brasileiros. Essas ações são de natureza regulatória, fiscal e financeira, utilizando os mecanismos e instrumentos de política econômica disponíveis de forma inteligente e responsável.

    Em primeiro lugar, o Governo Federal pode consolidar as melhores práticas das políticas sociais compensatórias (Bolsa Família, Lei Orgânica de Assistência Social, Previdência Rural) que, ao transferir renda para as famílias mais pobres, evitaram que a pobreza no Brasil assumisse um recorte de padrão africano.

    Em segundo lugar, é possível realizar mudanças infraconstitucionais no sistema tributário nacional, no qual há distorções que aprofundam as desigualdades sociais no País. Entre essas distorções, destaca-se que a carga tributária é bem maior para os mais pobres do que para os mais ricos e as isenções e incentivos fiscais bem maior para os mais ricos do que para os mais pobres.

    Finalmente, é indispensável reforçar, na estrutura de gastos públicos, as despesas de custeio e de investimentos, que impactam diretamente a qualidade de vida dos mais pobres, dando-lhes uma renda indireta e maior bem-estar social sustentável; são os bens públicos tradicionais ou Smithianos (educação, saúde, justiça, segurança).

    Essas e outras ações programáticas compõem estratégias de mitigação que estão politicamente ao alcance do Poder Público. A sua implementação nos lembra de que, numa sociedade dividida de forma abissal pela renda e pela riqueza, frequentemente um pouco dos que têm muito pode significar muito para os que têm pouco.

    Ao longo dos diferentes capítulos do livro, procuramos elaborar propostas de mudanças socioeconômicas e socioambientais levando em conta as restrições e condicionalidades do momento atual da economia brasileira. É muito difícil o desenvolvimento de um país cujas finanças públicas se encontram em profundo desequilíbrio e o endividamento fora de controle, com os déficits fiscais se acumulando ano a ano. Quando os desequilíbrios das contas previdenciárias se agigantam, o déficit público se torna estrutural, aumentando as incertezas sobre a solvência das finanças dos três níveis de governo. Da mesma forma que um pequeno barco não consegue guinchar um transatlântico inerte num porto, déficits estruturais não são resolvidos através de medidas de ajustes incrementais de impactos inexpressivos. Reformas de base político-institucionais são indispensáveis para o equilíbrio macroeconômico sustentável.

    Neste contexto de incertezas, as taxas reais de juros tendem a permanecer muito elevadas, pressionadas pela demanda de empréstimos do governo para administrar uma dívida crescente (atualmente em torno de quatro trilhões de reais) e pelo prêmio de risco que o mercado financeiro impõe face às perspectivas desalentadoras das eventuais alternativas para o futuro político do País. Keynes já nos alertava, no início dos anos 1930, que, quando uma mudança no noticiário afeta a opinião e as necessidades de cada um de forma precisamente idêntica, a taxa de juros (tal como é indicada pelos preços de títulos e dívidas) se ajustará imediatamente à nova situação, sem necessidade de quaisquer transações de mercado.

    Ora, é longa a lista de problemas de desenvolvimento socioeconômico e socioambiental que o País está enfrentando. O atraso científico e tecnológico está nos distanciando das novas revoluções industriais que ocorrem em nível mundial. O número de pobres e miseráveis tem aumentado, desde 2014, num ritmo de quase dois milhões de brasileiros por ano. Há um processo de empobrecimento da classe média em andamento. Os desequilíbrios regionais de desenvolvimento persistem, com a formação de quase dois mil municípios que podem ser classificados como áreas economicamente deprimidas, apesar de apresentarem elevadas potencialidade de crescimento competitivo.

    Enfatizamos que esses problemas estruturais são mais bem equacionados num ambiente de crescimento econômico. Num quadro recessivo da economia, eles resistem, envelhecem e se agravam. Não podemos aguardar a implementação de uma segunda geração de reformas de base para que o Brasil volte a crescer. Há fortes argumentos para que se possa iniciar um novo ciclo de expansão econômica no próximo lustro.

    O processo de desenvolvimento é uma aposta da geração presente no seu futuro e no futuro das novas gerações. E, em economia, o que se projeta para amanhã reduz as incertezas no presente, podendo gerar uma profecia autoconfirmada sobre o crescimento futuro.

    A nossa experiência histórica sinaliza para grandes possibilidades de se configurarem novos ciclos de expansão econômica no longo prazo, mesmo que as reformas político-institucionais sejam de um lento e tenso processo de negociação em torno de interesses legítimos e de interesses velados de diferentes grupos sociais. É preciso levar em conta que o Brasil dispõe de uma base de recursos naturais, renováveis e não renováveis ampla e diversificada, que lhe dá vantagens comparativas internacionais para o crescimento mais acelerado e vantagens competitivas para a formação de poderosas cadeias mundiais de valor. E que o nível de evolução das instituições políticas e das organizações econômicas atingiu um patamar, no Brasil, que favorece a formação de um modelo de desenvolvimento a partir das nossas forças endógenas.

    Incertezas no mundo econômico não se eliminam, mas mudam de características. O processo de desenvolvimento é uma sequência de desequilíbrios que trazem incertezas. Mas, como dizia Kant: avalia-se a inteligência de um indivíduo pela quantidade de incertezas que ele é capaz de suportar.

    Na verdade, o Brasil não vive um ciclo de expansão da economia nem um processo de estagnação. Não está com as veias abertas, mas convive com uma fase de homeostase econômica. Nessa fase, há uma tendência autorreguladora do organismo econômico que permite manter pelo menos o estado de equilíbrio interno dos principais grupos de interesse com maior vocalidade política. De um lado, os 10 por cento mais ricos, que estão usufruindo, sem trabalho atual e sem risco, de uma das maiores taxas de juros reais do Mundo desenvolvido e emergente; do outro lado, os grupos sociais de baixa renda, que sobrevivem através das transferências oriundas das políticas sociais compensatórias.

    Para manter a homeostasia, o meio interno deve preservar certos valores sem alterações. No caso da economia brasileira, destacam-se entre esses valores a necessária vitalidade e o dinamismo dos mercados financeiros (bancos se financiam no mercado interbancário à taxa básica de juros e emprestam a valores de agiotagem, tudo à sombra do Banco Central) e as políticas compensatórias do Governo Federal (que distribuem, a cada início de mês, quase 25 milhões de pagamentos referenciados ao salário mínimo, que cresceu 60 por cento acima da inflação desde o início do século XXI).

    Sabe-se que, quando o meio interno não está em equilíbrio, seja por mudanças externas seja por disfunções internas, ocorre uma perturbação da homeostase. Mudanças e disfunções não estão, contudo, fora do nosso horizonte: uma crise política paralisante das expectativas otimistas de empresários e famílias, o avanço do protecionismo da economia de Trump, o agravamento da crise fiscal levando a cortes no financiamento das políticas sociais compensatórias, etc. Ou seja, mudanças e perturbações capazes de inflexionar e romper a autorregulação do sistema.

    Nesse contexto, em que a economia cresce, mas não se desenvolve e em que está bem, mas vai mal, sobram o desalento e a desconfiança dos jovens convivendo com taxas de desemprego em torno de 30 por cento, quanto ao seu futuro no incerto futuro da Pátria Amada. Vêm à sua cabeça as palavras finais da Elegia 1938, de Carlos Drummond de Andrade: Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

    A análise e a avaliação dos processos de degradação e dos colapsos dos ecossistemas brasileiros se processaram em quatro capítulos do livro, destacando-se os seguintes resultados:

    No Período Colonial (1500–1808), a primeira impressão que os navegantes portugueses tiveram foi de a de uma região com uma natureza exuberante e diversificada, mas, ao contrário das regiões ricas do Oriente, onde encontravam valiosas especiarias para escambo, os portugueses não identificaram nas novas Terras de Santa Cruz excedentes produtivos para um tráfego comercial normal, ou povoações estabelecidas para serem ocupadas e exploradas (como os espanhóis encontraram no Peru e no México). Entretanto, vislumbraram a abundância do Pau-Brasil na Mata Atlântica, uma madeira extremamente valiosa à época e iniciaram a sua exploração de forma bastante intensa e acelerada para aquele contexto histórico.

    O ciclo do Pau-Brasil foi o primeiro ciclo econômico do Brasil. Foi uma experiência histórica, no Período Colonial, de exploração extrativista de um recurso natural renovável, para o qual havia uma demanda estruturada em alguns países da Europa por causa das características de sua madeira para a produção de móveis finos e de sua matéria corante, como bem de luxo para as novas elites econômicas. A exploração de Pau-Brasil foi predatória e não sustentável, levando à destruição de áreas de florestas ao longo da costa brasileira que se estendem do Cabo São Roque (RGN) a Cabo Frio (RJ), destacando-se o trecho entre o Cabo de Santo Agostinho (Pernambuco) e o Rio Real (Bahia), onde ocorria a melhor e mais intensa exploração.

    Calcula-se que, na chegada das naus de Cabral, havia cerca de 70 milhões de espécimes que foram degradadas por um extrativismo rudimentar. Do ponto de vista socioeconômico, o modo de produção extrativista, que utilizou intensamente a mão de obra dos indígenas escravizados ou catequizados, não teve intensidade e sequenciamento suficientes para gerar um processo de crescimento sustentado nos territórios de sua influência exploratória, deixando, em seus rastros, povos e povoados empobrecidos. Do ponto de vista socioambiental, o Meio Ambiente foi tratado como se fosse um almoxarifado de recursos naturais, de onde principalmente portugueses, franceses e holandeses vieram extrair as suas fontes de riqueza financeira e comercial, através de práticas beligerantes. O Pau-Brasil não se apresentava em aglomerações espaciais, de tal forma que a sua exploração não gerava as imagens típicas de um processo de degradação ambiental.

    No livro, há um especial destaque para os ciclos econômicos de exploração da Mata Atlântica, particularmente o ciclo da economia canavieira, com sua etapa inicial durante o século XVI no Brasil Colonial e o seu declínio a partir de 1700, e o ciclo da economia cafeeira que, durante a segunda metade do século XIX e o início do século XX, tornou-se o componente mais dinâmico do modelo de crescimento primário-exportador do Brasil, o qual se estendeu até a II Grande Guerra.

    É apresentado, no Capítulo 3, um breve resumo da história da destruição da Mata Atlântica, a primeira região ocupada no Brasil e também a mais devastada ao longo do processo de colonização, com sua degradação se estendendo até o século XX. A análise é feita de forma sucinta, considerando historicamente os diferentes ciclos econômicos do Pau-Brasil, da cana-de-açúcar, do café, da pecuária extensiva, da indústria madeireira. Destaca-se o colapso ambiental em várias áreas da Mata Atlântica nesses ciclos em termos da produtividade total dos fatores e do bem-estar social sustentável da população brasileira. Em números: a Mata Atlântica ocupa 15 por cento do Território Nacional, onde vivem mais de 130 milhões de brasileiros, sendo que as áreas bem conservadas e grandes o suficiente para garantir a sua biodiversidade no longo prazo não chegam a 8 por cento do que eram na época do Descobrimento do Brasil e de menos de 2 por cento nas áreas de Araucária.

    Ainda no Capítulo 3, são analisados os processos de destruição de inúmeros ativos e serviços ambientais na Amazônia ao longo do tempo, considerando duas experiências históricas de colonização e de ocupação do território diferenciadas quanto aos seus compromissos explícitos com os ecossistemas da Região. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) estima que, até 2015, a área desmatada acumulada historicamente na Floresta Amazônica foi de 40 por cento no Maranhão, de 37 por cento em Rondônia, em 23 por cento no Mato Grosso, em 21 por cento no Pará, etc. O processo de desmatamento continua como tendência na economia da Região, embora a série histórica mostre flutuações erráticas em relação ao seu crescimento ano a ano. Em 2015, por exemplo, foram desmatados 6.147 Km² ou um valor equivalente ao tamanho oficial de 861 mil campos de futebol.

    A Amazônia é o mais amplo e multifacetado ecossistema brasileiro, que presta serviços ambientais para o bem-estar social sustentável de toda a Humanidade. A Região vem sendo objeto de um processo de degradação que vem desde o Período Colonial, passando pelo Império e pela Primeira República, e que se acelerou a partir de 1970 durante o ciclo dos grandes projetos de investimentos diretamente produtivos e de infraestrutura econômica. A Amazônia perdeu mais de 20 por cento da floresta prístina e, a partir das mudanças climáticas, assiste-se ao risco de sua ruptura ecossistêmica através de um processo de savanização da Região. Se não houver uma reversão nas práticas da pirataria ambiental, que tratam o meio ambiente como se fosse um almoxarifado de recursos naturais a serem pilhados sem sustentabilidade, as futuras gerações assistirão ao colapso do ecossistema da Amazônia num período não muito distante.

    No capítulo 4, que se refere às águas do Brasil, são apresentados alguns indicadores elaborados pela Agência Nacional de Águas (ANA) sobre a conjuntura dos recursos hídricos do Brasil em 2018, destacando-se:

    dos 5570 municípios brasileiros, 2560 (48%) decretaram Situação de Emergência ou Estado de Calamidade Pública pelo menos uma vez, de 2003 a 2017; cerca de 89% (2375) desses municípios estão localizados nas regiões Nordeste, Sul e Sudeste; quanto à seca ou à estiagem cerca de 51% (2839) dos municípios brasileiros decretaram Situação de Emergência ou Estado de Calamidade Pública no mesmo período;

    em 2017, cerca de 38 milhões de pessoas foram afetadas por secas e estiagens no Brasil, quase 13 vezes mais que por cheias; num retrospecto dos últimos cinco anos, 2017 foi o ano mais crítico quanto aos impactos da seca sobre a população;

    cerca de 80% das pessoas afetadas por secas, em 2017, vivem na Região Nordeste. Bahia, Ceará e Pernambuco totalizam 55,5% dos registros do País; no Distrito Federal, foi registrada a maior média de pessoas afetadas por evento, pois toda a população foi impactada pelo racionamento de água no ano de 2017, em função da crise hídrica que se instalou na Capital Federal.

    O Brasil apresenta uma rede hidrográfica com rios extensos e de grandes volumes de água (Bacia Amazônica, Bacia do Araguaia-Tocantins, Bacia do São Francisco, Bacia Platina) dando a todos a impressão de que água não é um bem escasso no País e que, portanto, pode ser tratada como um bem não econômico de livre acesso. Nesse contexto, os rios do Brasil estão passíveis de vivenciar a tragédia dos bens comuns, de Garrett Hardin, definida como uma situação em que indivíduos, agindo de forma independente e racionalmente de acordo com seus próprios interesses, comportam-se contrariamente aos legítimos interesses de uma comunidade, esgotando algum recurso comum.

    Há fatores que levam as pessoas a considerar a água um bem livre:

    a oferta renovável de água no Planeta, governada pelo ciclo hidrológico (a troca contínua de água na hidrosfera, entre a atmosfera, a água do solo, águas superficiais, subterrâneas e das plantas); um sistema de circulação contínua da água, embora apenas uma fração da abundante água circulada fique à disposição para uso humano;

    a falta de percepção de que do total da enorme quantidade de água do Planeta apenas 2,5% é água doce;

    a ausência de uma perspectiva sistêmica da disponibilidade e da demanda de água para o conjunto do Território Nacional, principalmente entre habitantes de regiões contíguas às grandes Bacias ou entre aqueles circunstancialmente afetados por cheias (inundações, enxurradas e inundações).

    Assim, usam os rios, lagoas, lagos e aquíferos como se fossem um estoque inesgotável de um bem fundamental direta ou indiretamente para o seu bem-estar ou como um lixão onde depositam os resíduos e dejetos de seus hábitos de consumo ou padrões de produção. Pouco se preocupam com a deterioração da qualidade das águas por falta de saneamento básico ou pela poluição das atividades produtivas; ou com os impactos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos; ou até mesmo que a crise hídrica nas grandes metrópoles ou no Semiárido acabe por penalizar os mais pobres e miseráveis, que não têm mecanismos de renda e de riqueza para protegê-los.

    No Capítulo 5, são analisadas, de forma resumida, as relações entre o uso das terras do Brasil durante cinco séculos e as questões ambientais decorrentes. Para isolar a terra de algumas de suas características especiais (fertilidade, vegetação, minérios, etc), a análise utiliza a concepção de Terra Ricardiana, definida como uma estrutura física que nos dá suporte, a qual é capaz de capturar a radiação solar e a chuva que nela cai... e um sítio que tem propriedades econômicas não relacionadas com a produtividade do seu solo e é assim distinta da terra como fonte de nutrientes e de minerais. A terra Ricardiana é simplesmente um espaço físico capaz de capturar a luz solar e a chuva, enquanto as várias qualidades da terra são classificadas como serviços ambientais ou ecossistêmicos. Nesse caso, os critérios de alocação da terra têm que levar em conta simultaneamente eficiência econômica e equidade social.

    Na análise do uso das Terras, a referência teórica é a de David Ricardo, o autor clássico que, juntamente com Von Thünen no século XIX, deu maior atenção ao papel das terras na sua interpretação sobre os processos de criação de valor econômico e sua distribuição entre as diferentes classes sociais. Enquanto Ricardo explicava a formação da renda da terra pelas diferenças em seus serviços ambientais, Von Thünen priorizava a localização das terras como fator explicativo.

    No Período Colonial, durante os diferentes ciclos produtivos primário-exportadores, o uso das terras se processava utilizando tecnologias tradicionais, sem a preocupação com as características edafoclimáticas necessárias às atividades agropecuárias diferenciadas por área geográfica e por processos tecnológicos, com a seleção e adaptação de sementes e mudas para cada plantio ou com a utilização racional dos recursos escassos (água, por exemplo) e dos resíduos nas colheitas e primeiros beneficiamentos, etc. (ver Capítulo 3). Assim, quando no início dos anos 1950 se procurou um modelo de desenvolvimento econômico para o País alternativo ao modelo primário-exportador, diagnosticava-se que a agropecuária brasileira tinha baixo nível de dinamismo econômico, lento progresso tecnológico e incapacidade para gerar emprego e renda para uma população que crescia à taxa média de 3,5 por cento ao ano enquanto a demanda nos mercados de trabalho se expandia e se diversificava de forma acelerada.

    O agronegócio é, atualmente, o segmento produtivo mais importante para a economia brasileira. Do ponto de vista macroeconômico, o agronegócio tem evitado um desarranjo mais grave na balança de pagamentos do País e contribuído para que a recessão econômica de 2014 não mergulhasse numa depressão econômica. Desde o início do século atual, tem também contribuído significativamente para a formação das reservas cambiais, um colchão de liquidez internacional fundamental para períodos de crise econômica. Já em 2012, gerou um superávit de 80 bilhões de dólares na balança comercial, suficiente para cobrir, com certa folga, os déficits comerciais crescentes da indústria nacional que vem perdendo competitividade em escala global. O crescimento desse superávit é impressionante, pois, em 2002, era apenas de 20 bilhões de dólares e continua atualmente em plena expansão. A soja, a carne de frango e bovina, o açúcar bruto, a celulose, o café e o farelo de soja em conjunto foram responsáveis por 27 por cento de um total de US$ 218 bilhões exportados pelo Brasil, em 2017.

    O dinamismo do

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