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Vozes de Opinião
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E-book166 páginas2 horas

Vozes de Opinião

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Sobre este e-book

Em fevereiro de 1965, sobre o palco do show Opinião, ganhava espaço no cenário artístico nacional Maria Bethânia Telles Vianna Veloso. O espetáculo, produzido pelo Teatro de Arena e dirigido por Augusto Boal, tivera sua estreia em dezembro do ano anterior, com um elenco formado por João do Vale, Zé Keti e Nara Leão, depois substituída por Bethânia.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de out. de 2020
ISBN9788547346058
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    Vozes de Opinião - Sylvia Toledo

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    Aos meus, já nos céus, tão queridos:

    Joana e Venicio.

    AGRADECIMENTOS

    À Tereza Virgínia de Almeida, por me conduzir pelos caminhos desta obra.

    À Senhora, pela ajuda em cada (entre)linha.

    À minha família.

    A mim.

    Não tenho nada com isso

    Nem vem falar

    Eu não consigo entender sua lógica

    Minha palavra cantada pode espantar

    E a seus ouvidos parecer exótica

    (Adriana Calcanhoto em Muito Romântico)

    APRESENTAÇÃO

    Antes fora esta uma obra investigativa que objetivava alcançar, tão somente, os alicerces da potência da performance poética de Maria Bethânia em Carcará, canção de João do Vale, que, inscrita no roteiro do espetáculo Opinião, transformou-se em canção-síntese do show, em epíteto de protesto e, sobretudo, em grito coletivo de uma nação silenciada. O contato com o espetáculo, contudo, expandiu os horizontes da investigação, ante o encontro com a máxima: poéticas da voz são poéticas que dão voz. Não é demais lembrar que Opinião estreou, justamente, no ano de 1964. Por sua riqueza poética e política, o show-verdade, que no ínterim da presente obra não pôde ser exaustivamente abordado, merece uma análise específica e acurada, que há de ser objeto de uma obra futura. Que fique claro, de todo modo, que se encontra aqui um de seus embriões. Por ora, atentemo-nos, então, aos pequenos postulados teóricos que permitiram a análise, ainda que superficial, do espetáculo e, de modo mais aprofundado, da cena poética de Maria Bethânia em Carcará.

    Em primeiro lugar, consideremos que, para além dos limites do texto escrito, encontra-se a sintaxe expressiva contígua que extravasa na performance poética. Isso significa observar que nesta obra consideramos literatura, da maneira mais ampla possível, aludindo a Antonio Candido, todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático, de todas as sociedades, em todos os tipos de cultura e em todas as suas formas. Eis o primeiro postulado. O segundo nos apresenta, por seu turno, a noção de performance: ação complexa por meio da qual a mensagem poética é, simultaneamente, transmitida e recebida. Devemos essa concepção a Paul Zumthor. Por fim, quando alcançamos, entre os elementos da performance poética (corpo, gesto, gestualidade etc.), o elemento primordial deste estudo, a voz, chegamos às derradeiras premissas sobre as quais foi edificada esta obra.

    Mais que um significante, a voz figura, em si mesma, como próprio significado. Em sua materialidade, a voz não apresenta apenas a fala, enquanto objeto, mas também quem fala, ou seja, o sujeito. Isso implica considerar que da materialidade da voz física emerge a voz metafísica que se impõe para além da palavra. Eis, pois, a razão pela qual a palavra poética é, também, a palavra política. Eis, ainda, a razão pela qual as poéticas da voz são, a um só tempo, poéticas que dão voz. Eis, por fim, a razão pela qual quando se compreende que o agir político coincide essencialmente com o exprimir e o comunicar poético, que remete ao próprio eu (agradeçamos à Adriana Cavarero), entende-se o alcance da potência da performance de Maria Bethânia em Carcará, no ínterim do espetáculo Opinião especificamente situado na primeira década da metade do século XX no Brasil, pouco depois do fatídico abril de 1964. E tudo quanto mais se possa observar a esse respeito, caríssimo leitor, consta das páginas seguintes desta obra. Passemos, pois, a elas.

    A autora

    Sumário

    PRÓLOGO 15

    1

    A GAROTA DE OPINIÃO 19

    1.1 DEPOIS DAQUELE SÓLIDO SILÊNCIO TENEBROSO... 23

    1.2 DO ARENA AO CPC, DO CPC AO ARENA... 26

    1.3 PODEM ME PRENDER, PODEM ME BATER... 30

    1.4 MARIA BETHÂNIA... TU ÉS PARAMIM A SENHORA DO ENGENHO! 34

    1.5 CARCARÁ... PEGA, MATA E COME! 38

    2

    APONTAMENTOS DE UMA PERFORMANCE 43

    2.1 PARFOURNINR – O QUE É, ENFIM, A PERFOMANCE? 45

    2.2TODA ‘LITERATURA’ NÃO É FUNDAMENTALMENTE TETRO? 47

    2.3 A POÉTICA DE OPINIÃO 52

    2.4 MISE EM CÈNE: CARCARÁ 57

    2.4.1 Fenomenologia da recepção 58

    2.4.2 A mensagem poética 63

    2.4.3 O cenário 65

    2.4.4 O figurino 67

    2.4.5 O Corpo 68

    3

    DÊ-ME, PORTANTO, UM CORPO 77

    3.1 O GESTUS COMO LINGUAGEM 77

    3.2 A IMAGEM-GESTO 81

    3.3 O GESTO-VOCAL 87

    3.4 A GESTUALIDADE COMO GESTUS 100

    EPÍLOGO 107

    REFERÊNCIAS 117

    índice remissivo 125

    PRÓLOGO

    Celeuma. Do grego κέλευσμα, cujo significado é canto dos remadores. No Português do Brasil, o substantivo feminino recebe a definição canto dos barqueiros enquanto trabalham. Por extensão, surge a acepção vozearia de pessoas no trabalho. Ainda extensivamente, gritaria, algazarra. Por fim, no sentido figurado, discussão fervorosa. Em dezembro de 1964 estreava no Rio de Janeiro o espetáculo Opinião, dirigido por Augusto Boal e produzido pelo Teatro de Arena. Fruto de uma autoria coletiva, com roteiro assinado por Paulo Pontes, Armando Costa e Vianninha, o espetáculo trazia em seu elenco inicial João do Vale, Zé Keti e Nara Leão, representando, respectivamente, a figura do sertanejo nordestino, do sambista do morro e da bossanovista carioca. Vozes do Brasil daquele período, que sobre o palco apresentavam suas demandas e reivindicações em um grito coletivo de revolta e de protesto.

    Grandes esforços não são necessários para constatar que esse recorte sincrônico encontra-se diacronicamente situado no fatídico 1964: ano do início do regime militar no Brasil. Conhecedores que somos da ditadura cultural que acompanhou os anos iniciais do regime, notadamente ou pelo menos até a segunda metade da década de 70, quando surgem os primeiros ares de redemocratização, temos ainda claras na memória as marcas da perseguição que vitimou artistas e intelectuais opositores (ou não) do regime. Não nos parece difícil, portanto, conceber os riscos sofridos por quem ousava proclamar, em meio à censura, a sua voz, cujas marcas axiológicas sujeitavam-se a juízos de exceção e constrangimentos que variavam entre depoimentos no DOI-CODI e, nos casos drásticos, prisão e tortura. É Chico Buarque quem nós dá a notícia da sensação de medo intransitivo"¹, em meio àquele sólido silêncio temeroso.

    Trazer à tona a palavra celeuma para iniciar estes prolegômenos encontra pertinência na temática desta obra justamente em decorrência da etimologia do vocábulo: canto e, ao mesmo tempo, discussão fervorosa. Esta obra possui como objeto, de um modo geral, a abordagem das vozes que ressoaram sobre o palco do espetáculo Opinião, apresentando, por origens diversas, os gritos e reivindicações de uma nação, em meados da década de 60. Mais especificamente, possui como foco de análise a cena poética de Maria Bethânia em Carcará, canção que integrou o roteiro do Opinião e que gerou uma guinada na sintaxe global do espetáculo, após o ingresso de Maria Bethânia no elenco, em 1965.

    Para tanto, tratando-se, pois, de um estudo que, a partir de uma cena poética especifica, pretende imiscuir-se no campo da Crítica e da Teoria Literária, esta abordagem propõe uma análise da cena poética de Maria Bethânia a partir do conceito de performance poética, tal qual delineado no âmbito dos estudos de Paul Zumthor. Por performance Zumthor compreende a ação complexa por meio da qual uma mensagem poética é, simultaneamente, transmitida e percebida, juntamente ao seu aglomerado de elementos dotados de unidade significativa. Imagem, gesto, gestualidade e – o que nos é de maior interesse no âmbito deste estudo – vozes respondem pela grafia do corpo em cena, fazendo nascer a semântica da obra. Todavia não se trata apenas da grafia de um corpo em cena, mas da grafia do corpo na cena da segunda metade do século XX, sob o governo dos militares. Essa conjuntura, que doravante chamaremos de circunstância performancial, demarcou o espaço-tempo da ação e também integrou a semântica do Opinião, fazendo-se parte da performance ao lado dos demais elementos em cena. À luz dessa articulação, em toda a sua complexidade, é que se pretende abordar cada dimensão da sintaxe expressiva que caracterizou a cena poética de Maria Bethânia em Carcará, trazendo, em face do caráter literário dela, para a esfera da Literatura a importância da temática da performance.

    O primeiro capítulo desta obra é voltado à contextualização do cenário que recepcionou a montagem do Opinião, ainda em 1964, perpassando a trajetória do Teatro de Arena naquela conjuntura e a utilização da arte como instrumento de resistência e de propagação das vozes silenciadas pelo regime militar. O segundo capítulo aborda, precisamente, a poética de construção do espetáculo Opinião, propondo um aprofundamento na noção de performance antes de partir, pontualmente, para a análise da cena poética de Carcará. A mensagem poética (ou seja, a canção), o cenário, o figurino e o corpo em cena são isoladamente analisados, especialmente sob a

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