O contencioso tributário sob a perspectiva corporativa: Estudo das informações publicadas pelas maiores companhias abertas do país
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O contencioso tributário sob a perspectiva corporativa - Ana Teresa Lima Rosa Lopes
Ana Teresa Lima Rosa Lopes
O CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO SOB A PERSPECTIVA CORPORATIVA:
ESTUDO DAS INFORMAÇÕES PUBLICADAS PELAS MAIORES COMPANHIAS ABERTAS DO PAÍS
Conselho Editorial
Celso Fernandes Campilongo
Tailson Pires Costa
Marcos Duarte
Célia Regina Teixeira
Jonas Rodrigues de Moraes
Viviani Anaya
Emerson Malheiro
Raphael Silva Rodrigues
Rodrigo Almeida Magalhães
Thiago Penido Martins
Ricardo Henrique Carvalho Salgado
Maria José Lopes Moraes de Carvalho
O CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO SOB A PERSPECTIVA
CORPORATIVA: ESTUDO DAS INFORMAÇÕES PUBLICADAS PELAS MAIORES COMPANHIAS ABERTAS DO PAÍS
Copyright: Ana Teresa Lima Rosa Lopes
Copyright da presente edição: Editora Max Limonad
ISBN: 978-65-88297-21-6
Editora Max Limonad
www.maxlimonad.com.br
editoramaxlimonad@gmail.com
2020
Ao Jorge e ao Benjamin, que me ensinam
diariamente as mais belas lições da vida.
APRESENTAÇÃO
Conheci Ana Teresa nas aulas de especialização em direito tributário da FGV – Direito SP. Sempre curiosa e aguerrida em defender os seus pontos de vista, aceitou o desafio de me auxiliar nas aulas práticas no curso de graduação da mesma instituição.
Após concluir seu curso de LL. M. na UC Berkeley, mergulhou a fundo na temática do Direito & Desenvolvimento, passando a ser pesquisadora do Núcleo de Estudos Fiscais – NEF e mestranda na FGV – Direito SP.
O resultado desta jornada é este brilhante trabalho que se tornou referência obrigatória sobre o contencioso tributário brasileiro, tendo sido inclusive objeto de publicações em veículos de comunicação como Exame, Valor Econômico e Istoé Dinheiro.
Há mais de dez anos, o NEF se propõe a aprimorar práticas do sistema tributário brasileiro. Desde o seu início percebemos que, se queremos mudar a realidade, devemos primeiro entendê-la e, para isso, a promoção da transparência em seus mais diversos modos é a única alternativa para que possamos alcançar este objetivo.
A carência de estudos empíricos não é exclusiva do campo tributário, a pesquisa em Direito no Brasil está tradicionalmente centrada no estudo dogmático do dever ser, atribuindo a outras ciências sociais aplicadas a missão em trazer resultados sobre o funcionamento de nossas instituições.
Partindo dos pilares do Direito & Desenvolvimento e com a tarefa de questionar a cultura formalista do direito tributário, a maior ousadia desta obra foi trazer dados empíricos que comprovam o grau de insegurança jurídica existente na relação jurídico-tributária.
No meio da opacidade, este estudo surge como uma lanterna que, de maneira inovadora, apontou para as informações publicadas pelas maiores companhias abertas brasileiras e revelou o alto grau de litigiosidade como uma das nuances da deformidade do sistema tributário brasileiro.
O total do contencioso tributário destas companhias, conforme divulgado em suas demonstrações financeiras, ultrapassou 283 bilhões de reais em 2014. Este valor representou, em média, 32% de seus respectivos valores de mercado. Estes números mostram que o sistema tributário é um dos maiores ofensores para a atividade empresarial no país.
O trabalho de Ana Teresa traz dados concretos que demonstram que a incerteza sobre a aplicação e interpretação da legislação tributária é uma das consequências da estabilização ineficiente de nossas instituições, especialmente as judiciais e legislativas. Sob outra perspectiva, o estudo também aponta que a baixa qualidade das informações divulgadas ao mercado contribui para a perpetuação da opacidade e insegurança nas relações jurídico-tributárias.
Recomendo aos leitores que desfrutem e absorvam cada ideia trazida por este estudo excepcional e que tive o prazer de acompanhar de perto o seu desenvolvimento. Boa leitura!
Prof. Eurico Marcos Diniz de Santi
LISTAS DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ADC – Ação Declaratória de Constitucionalidade
ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações
CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Mineiras
CIDE – Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico
COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
CVM – Comissão de Valores Mobiliários
DFP – Demonstrações Financeiras Padronizadas
EC – Emenda Constitucional
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FINSOCIAL – Fundo de Investimento Social
FISTEL – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações
FNT – Fundo Nacional de Telecomunicações
FR – Formulário de Referência
FUNTTEL – Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações
FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações
IAS – International Accounting Standard
IFRS – International Financial Reporting Standards
ICM – Imposto sobre Circulação de Mercadorias
ICMS – Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e Comunicação
INSS – Contribuição Previdenciária ao Instituto Nacional da Seguridade Social
IOF – Imposto sobre Operações Financeiras
IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados
IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano
IRPJ – Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica
IRRF – Imposto sobre a Renda Retido na Fonte
ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza
ITR – Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural
IVC – Imposto sobre Vendas e Consignações
LGT – Lei Geral das Telecomunicações
ISC – Imposto sobre Comunicações
NEF – Núcleo de Estudos Fiscais
NPC – Norma e Procedimento de Contabilidade
OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PIS – Programa de Integração Social
PUC – Prestação, Utilidade e Comodidade
RE – Recurso Extraordinário
Resp – Recurso Especial
RFB – Receita Federal do Brasil
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TFF – Taxa de Fiscalização de Funcionamento
TFI – Taxa de Fiscalização de Instalação
1. INTRODUÇÃO
1.1 Contextualização necessária
Este livro é a publicação integral da dissertação de mestrado em Direito e Desenvolvimento na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas – FGV Direito SP, defendida e aprovada em 2017[1].
Passaram-se aproximadamente três anos entre a aprovação do trabalho em banca e a sua conversão no formado deste livro. O transcurso do tempo se acentua quando considerado que a base de dados utilizada na pesquisa científica é do ano de 2014.
O distanciamento entre o momento da coleta de dados, análise de jurisprudência, elaboração do texto e o da publicação desta obra foi uma das ponderações feitas acerca da pertinência em seguir com este projeto.
Contudo, após diversas reflexões, prevaleceu o entendimento de que o caminho metodológico seguido bem como as conclusões apresentadas, apesar de desatualizadas, se mostram ainda válidas e relevantes para o cenário jurídico atual[2].
Assim, optou-se por não atualizar o estudo, mantendo-se a base de dados original bem como o posicionamento jurisprudencial à época da elaboração do trabalho. De lá para cá, houve julgamentos importantes que, apesar de terem conferido novas direções para algumas das disputas apresentadas neste livro, não tiveram o condão de encerrá-las.
Esta obra é apenas um retrato do cenário dinâmico e controverso do sistema tributário brasileiro. Fica o convite para outros pesquisadores do direito atualizarem as s conclusões e aperfeiçoarem os dados empíricos apresentados.
1.2 Um convite ao trabalho
Este trabalho tem origem nas discussões promovidas pelo Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP sobre transparência corporativa. Com a evolução do estudo da transparência na atividade pública mostrou-se necessário entender qual o seu papel no setor privado, especialmente na identificação das características da relação estabelecida entre Estado e empresas[3].
Entender como Estado e empresas se relacionam não é tarefa fácil. EVANS propôs uma escala de classificação da capacidade estatal entre os modelos histórico-ideais de Estado Predatório, de um lado, em que o Estado não tem a habilidade de prevenir que indivíduos busquem unicamente suas metas individuais, e Estado Desenvolvimentista, de outro, situação na qual o Estado torna-se o condutor do desenvolvimento econômico e transformação industrial por meio de estrutura burocrática eficiente e canais de comunicação que permitem uma contínua negociação de metas e políticas com o setor privado[4].
Na classificação proposta, o Brasil foi colocado pelo autor em lugar intermediário entre os dois modelos. Apesar de possuir uma burocracia moderna e ter em sua história momentos de grande industrialização, o poder oligárquico tradicional foi considerado fator de grande influência na estrutura de governo, o que potencialmente distorceria projetos desenvolvimentistas envolvendo capital público e privado.
Mais recentemente, LAZARINNI mostrou ser difícil identificar onde termina o Estado e começa a inciativa privada no Brasil. Ao estudar a estrutura societária das grandes companhias nacionais, o autor constatou que após o processo de privatização o BNDES e fundos de pensão de grandes empresas estatais passaram a ser utilizados como agentes conectores de aglomerações empresariais, fazendo com que a participação do governo na economia e seu potencial controle sobre as atividades produtivas aumentassem[5].
Neste contexto de opacidade, a tributação se torna um interessante objeto de estudo: como e quanto as empresas recolhem de tributos pode dizer muito sobre como é a sua relação com o Estado. A relação tributária, apesar de compulsória, é revestida de inúmeras peculiaridades e complexidades que a tornam única e exclusiva em cada situação estudada. Sob a perspectiva macroeconômica a tributação pode ser um instrumento eficiente para controlar a balança comercial e a geração de empregos. Adotando o viés microeconômico a tributação também é elemento-chave para a política industrial e a formação de preços no mercado.
Diante desta caraterística econômica da tributação, foram feitas as primeiras perguntas de pesquisa: Como a classe empresarial enxerga o sistema tributário brasileiro? O sistema tributário brasileiro representa um risco para a atividade empresarial? Tendo em mente estas perguntas, escolheu-se estudar as Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP) e Formulários de Referência (FR) das 30 maiores companhias abertas com valores mobiliários negociados em Bolsa de Valores no Brasil.
Existe vasta produção acadêmica utilizando estes documentos como objeto de estudo. Entretanto, por serem essencialmente financeiros, os trabalhos produzidos são em sua maioria da área contábil e econômica[6]. Assim, um dos grandes desafios deste trabalho está na análise jurídica destas informações financeiras. Por meio delas, pretende-se fazer uma ponte entre economia, contabilidade e direito.
Em um primeiro momento, a falta de algumas informações consideradas relevantes pelos pressupostos de pesquisa, tais como condições dos benefícios fiscais usufruídos pelas empresas e adesão a programas de parcelamento, frustrou o objetivo inicial de obter um panorama geral da relação jurídico-tributária das grandes companhias brasileiras. Além disso, apesar de existir regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a forma de preenchimento das DFP e FR, em muitas situações ela não se mostrou suficiente para garantir a padronização das informações e com isso possibilitar um agrupamento analítico de dados.
Superadas estas limitações, os dados coletados permitiram chegar à conclusão de que o contencioso tributário, assim entendido o conjunto dos processos administrativos e judiciais que discutem matéria tributária, representa um dos maiores riscos para a atividade econômica das empresas estudadas. De acordo com o levantamento realizado, são 283 bilhões de reais em disputas fiscais. Este valor é 7,18 vezes maior que as disputas em matéria trabalhista e 3,66 vezes maior que as disputas cíveis.
Com base neste número surgiu o desafio de identificar o que estaria por detrás dele. Para tanto buscou-se fazer um mapeamento das teses jurídicas mais recorrentes nos processos judiciais e administrativos mencionados nos documentos analisados de modo a identificar potenciais ineficiências do sistema tributário brasileiro. As percepções coletadas nesta pesquisa empírica apontam que, a par dos problemas relacionados à tecnicidade da regra tributária, as grandes disputas tributárias também envolvem problemas de interpretação, especialmente relacionados à falta de parâmetros interpretativos, o que leva ao questionamento do papel institucional do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das demandas desta natureza.
Como poderá ser observado nos capítulos seguintes, ao apresentar um diagnóstico atual do contencioso tributário com quantificações objetivas sobre o seu volume e escopo, o presente trabalho pretende contribuir para o debate sobre pesquisa empírica no Direito, bem como para as discussões sobre reforma tributária.
1.3 A crise do formalismo e o desafio da pesquisa empírica no direito tributário
GRECO aponta que a sistematização jurídica do direito tributário é recente e tem como primeiro referencial histórico o Código Tributário Alemão de 1919. No Brasil, o direito tributário apareceu no bojo da ciência das finanças na década de 1940 e, com o passar dos anos, passou a sofrer influências tanto da vertente do direito constitucional quanto do direito administrativo[7].
A sua primeira grande sistematização nacional veio com a edição do Código Tributário Nacional (CTN) em 1966. GRECO explica que, nesta época, as discussões de caráter substancial sobre