Chapadas à Padrasto
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Sobre este e-book
“Chapadas à padrasto”, expressão celebrizada por Guilherme Duarte, no seu blogue “Por falar noutra coisa” é também uma metáfora para o que vai encontrar neste livro. Texto após texto, o autor, que também é capaz de ser meiguinho e até de comover os leitores, dispara chapadas a torto e a direito: mas só para quem merece.
Nesta edição gold, premium, gourmet e VIP, para ler ao brunch ou ao sunset, num rooftop, vai ainda a ficar a saber coisas fascinantes e indispensáveis como:
– Dez tipos de personagens nas praias portuguesa
– Como é a vida de um estudante de Engenharia
– Quais os diferentes tipos de mães
– Coisas que se aprendem a viver com a namorada
– Tipos de assaltos na Buraca: dicas e quebra-gelo
– Tipos de pessoas no dia dos namorados
– O que acontece numa viagem de finalistas do liceu
– E um ensaio sobre os limites do humor
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Chapadas à Padrasto - Guilherme Duarte
FICHA TÉCNICA
info@culturaeditora.pt I www.culturaeditora.pt
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© Guilherme Duarte e Cultura Editora
A presente edição não segue a grafia do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Título: Chapadas à Padrasto
Autor: Guilherme Duarte
Revisão: Sérgio Fernandes
Paginação: Gráfica 99
Capa: Ideias com Peso
Fotografias de capa: © Pau Storch Photography
1.ª edição em papel: Outubro de 2017
Impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.
Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo electrónico, mecânico, fotocópia, fotográfico, gravação ou outros, nem ser introduzida numa base de dados, difundida ou de qualquer forma copiada para uso público ou privado, sem prévia autorização por escrito do Editor.
O prefácio que Deus sempre quis escrever
Fiquei um pouco surpreendido aquando do convite do autor, que Me propôs prefaciar esta sua obra. Primeiro, pelo facto de o Guilherme não acreditar em Mim. Bem sei que, olhando à volta, pode parecer que Eu não existo e que seja fácil estar desiludido Comigo, mas ser Deus não é fácil. Se vós achais que recebeis muitas mensagens e e-mails de SPAM, imaginai a Minha caixa de correio repleta de preces e oferendas. Sabeis quantos pedidos de Enlarge My Penis recebo, por dia, de homens inseguros, que vão à igreja rezar por um membro maior? Tenho o WhatsApp cheio disso!
Sinto uma dicotomia de emoções, pois, por um lado, estou lisonjeado pelo convite do Guilherme, mas, por outro, ao ver que no seu primeiro livro o escolhido para fazer o prefácio foi António de Oliveira Salazar, não consigo ignorar que tal se deva ao facto de o autor encontrar semelhanças entre Mim e um ditador. Bem sei que tenho uma imagem austera e que há aquela lista de mandamentos e não sei quê, mas não tenho nada que ver com isso. Por Mim é tudo à vontade, desde que se tratem bem uns aos outros. Sexo com preservativo e antes do casamento? Claro que sim, até recomendo, caso contrário tenho de lá ir Eu dar conta da moça, como foi com a Maria, cujo marido parecia que tinha nojo de lhe tocar. Sim, tinha bigode e então? Também é filha de Deu… de Mim! No sentido figurativo, atenção! Incesto não é Comigo! Já com o Adão e a Eva, mal percebi que os filhos deles teriam de procriar entre si, parei logo com aquilo. Um gajo às vezes faz projectos à pressa e não pensa nas variáveis todas! Acontece, mas vi o problema a tempo e remediei, embora haja muita gente que realmente parece fruto de milhares de anos de consanguinidade.
Estes erros acontecem. Ando à beira de um esgotamento nervoso. Imaginai o que é chegardes a uma empresa e darem-vos tarefas para as quais vós ainda não tendes experiência. É um stress constante. Bem sei que parte da culpa é Minha, que meti no CV competências que não possuo, como a omnipresença e a omnipotência, mas nunca pensei que me contratassem para este cargo. É muita coisa e não pagam assim tão bem. Sim, é bom currículo, chegas a uma operadora telefónica a dizer que o teu último trabalho foi ser Deus e entras logo para supervisor do call center, na boa, mas isto está a dar cabo da Minha saúde. Acabas um relatório sobre o número de crianças que morreram em África e aparecem cheias em Porto Rico; tentas fazer multitasking e malabarismo entre as duas coisas e, quando a coisa até está a correr bem, pumba, terramoto no México! Quando penso que já estou no limite, rebenta-se-me um gajo em Paris e, pronto, já sei que vou fazer directa e trabalhar no domingo. É que Eu sou só um! As pessoas pensam que há vários, mas isto é unipessoal. Tenho um ou outro estagiário, mas não dão conta disto. Quando há um atentado, é preces e parabéns de um lado, do outro enviam orações e rezam pelos mortos, e um gajo não sabe para onde se virar! Já oiço o barulho de notificações de telemóvel quando estou no banho, saio a correr e afinal foi só na Minha cabeça!
Achais que gosto de deixar morrer crianças? Quem tem filhos sabe que ter um já é uma correria, cheia de choros e bolçados espontâneos em cima do fato antes de irmos trabalhar, agora imaginai uma casa aonde todos os dias chegam milhares e milhares de crianças novas. Cheias de fome, sempre! É que vem tudo aqui para cima! Crianças é tudo Comigo, porque ainda não pecaram para ir ter com o Belzebu. Jesus deu-me trabalho, mas era só um!
Como vedes, a vida de Deus é como a das pessoas normais: stressante e com mais momentos maus do que bons. Por isso, é com bons olhos que vejo este livro. É bom chegar a casa depois de um dia de trabalho e conseguir relaxar e largar uns sorrisos, esquecendo, por momentos, a Minha vida profissional (e pessoal, mas não falemos disso agora), que tão pouco Me preenche.
Ajudai o Guilherme, já que fiz com que ele jogasse a este jogo dos humoristas em modo difícil, não lhe dando nem pais ricos, nem amizades com influência no meio. Prometo conceder-vos mais pontos no cartão de cliente celestial caso comprem este livro do que se fordes a arrastardes-vos de joelhos até Fátima. Nem sei bem onde é que aquilo fica no mapa. Nunca fui lá.
PS: obviamente, este texto foi escrito pelo autor e não por Deus. À partida, Deus não existe, mas a existir não ta erá sentido de humor suficiente para entrar numa brincadeira destas.
A viagem de finalistas de um grupo de choninhas
Deu-me para a nostalgia e, como tal, vou contar-vos a minha viagem de finalistas do 12.º ano, coisa que aconteceu há cerca de 13 anos. A viagem foi a Lloret del Mar, essa bela e sofisticada cidade de nuestros hermanos, conhecida por, ali na altura da Páscoa, ser invadida por adolescentes imberbes, sedentos de álcool, sexo e javardice no geral. Como em qualquer escola em que os meninos não têm pais ricos para subsidiar a viagem, vendemos rifas e bolos. Como era uma escola da Damaia, podíamos também ter vendido droga, ou juntado o melhor dos dois mundos e vendido bolos de erva. Não o fizemos, mas lá conseguimos angariar dinheiro que pagasse cerca de metade da viagem, e os pais meteram o resto. Não sendo ricos, também não são pés-rapados e têm mais é que abrir os cordões à bolsa para os filhos se irem desgraçar para Espanha.
Lá chegou a tão esperada data e às oito da manhã estávamos à porta da escola, com uma excitação desmedida e a euforia de irmos fazer algo totalmente diferente. Era um momento importante, um ritual de passagem para a fase adulta, mas nós sentíamo-nos mais crianças do que nunca. Chegou o autocarro, ainda vazio, pois haveríamos de passar em mais escolas a recolher os restantes finalistas.
Dissemos adeus aos pais, alguns de lágrimas nos olhos por saberem que, provavelmente, os filhos iriam falecer, ser presos, ou apanhar a sida.
Passámos por uma escola em Loures onde nos esperavam meninos e meninas aparentemente bem-comportados. Vimo-los, pela janela, a abraçar os pais e a entrar ordeiramente no autocarro. Sentaram-se e o autocarro avançou enquanto eles acenavam, uma vez mais, aos seus entes mais queridos. Nisto, o autocarro dobrou a esquina e começou tudo aos berros, como javalis a pisar legos, saltaram garrafas das mochilas, e começou, automaticamente, a cheirar a ganza. Nós, como éramos todos meio choninhas, achámos de mau tom estarmos a levar com aquele fumo todo, já que na altura nunca nenhum de nós tinha sequer experimentado um charro. Fomos pedir, educadamente, para que não fumassem lá dentro, já que os motoristas não faziam nada, com medo de levar uma facada no lombo.
— Olhem, podem não fumar aqui dentro? É que o fumo vai todo ali para trás.
— E então? Vocês são da onde?! — perguntou um deles, com o seu chapéu da Lacoste.
— Damaia.
— Ah, OK, é na boa, nós só voltamos a fumar quando pararmos. Malta, apaguem aí as ganzas, para não incomodarmos os nossos sócios da Damaia.
A partir daí, a viagem correu docemente; foram cerca de dezoito horas entre muitas peripécias, como ver os motoristas do autocarro a revezarem-se em andamento, enquanto um saía da cadeira do condutor, com uma mão a segurar o volante, e o outro se sentava no seu lugar. Tudo altamente seguro e controlado, claro. Lembro-me, também, de alguns alunos quererem comprar VHS pornográficas na bomba de gasolina, mas o condutor alegou motivos religiosos para não as passar na TV do autocarro. No entanto, o outro autocarro que também ia de viagem não tinha um condutor tão choninhas e iam todos a ver cacetada de chicha à grande. Ao dar-se conta disso, o nosso condutor encontrou um buraco (salvo seja) nas regras da sua religião, e encostou-se, lado a lado, ao outro autocarro, para que pudéssemos todos ter uma bela sessão de cinema em conjunto. Há pessoal mesmo prestável.
Lá chegámos ao nosso hotel, de três estrelas, onde fomos recebidos por um staff antipático que nos deu um sermão de meia hora, ao longo do qual nos mostrou a lista de todos os itens dos quartos e respectivos preços, julgando que éramos animais e que iríamos ajavardar aquilo tudo, como tinha sido costume nos anos anteriores. Claro que isso não serviu de nada e, nos dias seguintes, todo o hotel parecia a Faixa de Gaza, vendo-se marcas da destruição em vários locais. Havia, na altura, a febre das armas de airsoft, que se compravam nos indianos. Formaram-se trincheiras e fortes no corredor do hotel e o tiroteio era constante de ambos os lados da barricada. Para entrarmos no quarto tínhamos de nos movimentar como o Neo, para não levarmos com uma bala perdida entre a rixa dos gangues de Loures e Portimão. Houve televisões a serem atiradas para a piscina, lançadas das varandas. Houve quartos que se fundiram num só, após paredes serem deitadas abaixo, e houve, inclusivamente, fogueiras entre as quatro paredes dos aposentos.
Quem vem das barracas não consegue passar sem um bom acampamento à moda antiga e, parecendo que não, com uma fogueira à mão a ganza desfaz-se melhor.
Escusado será dizer que os funcionários do hotel tinham razão para não gostar do grupo de portugueses e para nos dar aquele sermão inicial. Havia barulho a toda à hora e nós, os mais choninhas, queríamos dormir, para aproveitar bem o dia seguinte. Uma vez, andavam nos corredores a bater em todas as portas e a fazer chinfrim, quais peixeiras do gueto. Abrimos a porta e pedimos para não voltarem a dar-lhe pontapés. Um grupo de três gajos, todos confiançudos, perguntaram:
— Vocês são da onde?
— Damaia — respondemos, em uníssono.
— Nós somos de Portimão! Viva a Damaia e viva Portimão!
Foram à vida deles, vida essa que consistia em continuar a fazer merda e pontapear portas, mas o que é certo é que na nossa nunca mais tocaram. Não se deixem enganar; nós também éramos uns traquinas! Um dos nossos divertimentos no hotel era ligar para os outros quartos através do telefone fixo, chamadas essas que eram gratuitas. Desde dizer que era da recepção e que tinham de fazer mais barulho, até ao bate coro descarado com uma desconhecida ou com um gajo que tinha a voz fininha e não dava para perceber que possuía pénis. Entre essas brincadeiras, havia a célebre chamada das «fodas mágicas», que consistia em ligar para outro quarto e perguntar: «Queres uma foda mágica?» Normalmente, havia uma pausa e depois perguntavam-nos no que é que aquilo consistia. A resposta era sempre a mesma: «Então... fodemos e depois... desaparecemos!» Havia, invariavelmente, risos, mostrando que, além de sentido de humor, no outro lado da linha estava uma badalhoca. Chegámos a colocar um cartaz na porta do nosso quarto a anunciar a oferta de fodas mágicas a possíveis candidatas. Um desses telefonemas foi parar à pessoa errada e o namorado ficou bastante irritado. Veio ao nosso piso com mais quatro amigos, munidos de tacos de basebol, imprescindíveis em qualquer mala de viagem de finalistas, já que as mães deles devem ter dito que levassem protecção e, como seria impossível perderem a virgindade com aquela cara, eles pensaram que se referiam aos tacos. Como somos muito ninjas, colocámos, sem qualquer tipo de remorsos, o cartaz noutra porta, até porque se tratava do quarto de uns gajos palermas. Os outros vieram lançados, cheios desse SWAG do princípio do milénio, que não era mais do que um andar coxo, e começaram a bater à porta. Houve gritaria da boa, mas não chegou a haver porrada. Nós rimo-nos que nem perdidos da nossa cobardia choninhas.
Talvez o mais choninhas de todo o nosso grupo tenha acabado por ser a maior personagem da viagem. Uma espécie de Murphy: tudo o que lhe poderia correr mal correu ainda pior:
• Na viagem de ida, adormeceu, e numa curva foi dar de queixos no chão do corredor do autocarro, provocando a risota geral;
• Perdeu 100 euros no primeiro dia. «Ah e tal, isto de levar dinheiro é que é seguro, porque cartões nunca se sabe...»;
• Alugámos scooters e fomos dar uma volta. Não era preciso licença e ninguém sabia conduzir aquilo muito bem, mas ele mostrou porque é que é preciso tirar a carta. Esbardalhou-se todo numa curva, porque decidiu ir a conduzir e a tirar fotografias ao mesmo tempo. Perdeu o equilíbrio e foi de rojo pelo alcatrão, todo pimpão, partindo uma parte considerável da mota. Ao ver que ele tinha caído, um amigo perguntou-lhe, preocupado, «Estás bem?!», ao que ele respondeu afirmativamente, levantando-se de pronto. «Pronto, siga então, que ainda temos meia hora.» E o sinistrado ficou lá a recolher os plásticos partidos;
• Na última noite, alguém lhe deve ter colocado droga na bebida, porque ele não bebeu nada e ficou que parecia um atrasado mental acabado de sair de uma anestesia geral. Tivemos de o