O que nunca nos contaram sobre Turismo?: bastidores do trabalho
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O que nunca nos contaram sobre Turismo? - Fernanda Costa da Silva
forma.
TURISMO E ASSÉDIO: A VULNERABILIDADE DAS TURISMÓLOGAS
Alessandra Buriol Farinha
Sou Bacharela em Turismo desde 2005, Especialista em Patrimônio Cultural (2007), Mestra (2012) e Doutora (2017) em Memória Social e Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas. Durante todo o período de Graduação, atuei como estagiária em diversas empresas de turismo e hospitalidade (em agências de viagens, em atividades como condutora local e na hotelaria, entre outros). Meu primeiro emprego formal ocorreu na hotelaria (setor comercial, marketing, eventos, atendimento ao hóspede, recepção) e, a seguir, como agente de viagens (turismo emissivo nacional e internacional). Após a experiência na agência de viagens, pude voltar a estudar em nível de mestrado e doutorado, graças aos consistentes investimentos em educação superior e pós-graduação, oriundos do Governo Federal vigente à época, o qual disponibilizou mais financiamentos de pesquisa através de bolsas de estudos. Voltar a estudar abriu as portas da Universidade Federal do Pampa para o início de minha carreira docente, desde 2012, como professora substituta e, a partir de 2015, como docente efetiva. Atualmente, trabalho como docente e Coordenadora do Curso de Tecnologia em Gestão de Turismo nessa Universidade, campus Jaguarão, no extremo sul do Rio Grande do Sul, fronteira com Rio Branco, Uruguai.
A diversidade de experiências profissionais junto ao Turismo fez com que eu tivesse contato com muitos turistas e viajantes, além de gestores de turismo e de empresas do trade. Ao longo dessas experiências, posso afirmar que, desde as atuações em estágios, até em empregos formais, não só estive suscetível a diversas situações de assédio, como também fui submetida a elas. Tal assédio ocorria desde a forma mais sutil até a mais evidente, escancarada.
Tanto homens como mulheres podem ser vítimas de assédio. No entanto, na rotina do trabalho realizado no setor de Turismo, passamos a perceber que a mulher tende a sofrer mais com tal tipo de abordagem, em comparação, por exemplo, aos homens. A forma como as mulheres estão se posicionando em face deste tema parece ter mudado, ao menos em relação à época em que eu cursei a Graduação. Outrora, nós relativizámos, fugíamos, omitíamos, pois parecia ser algo naturalizado, algo da natureza masculina
.
Não nos contaram, por exemplo, que no mundo profissional do Turismo, da Hospitalidade e do Lazer, os trabalhadores, homens e mulheres, são confundidos com um atrativo inerente ao destino turístico. Eles estão ali para servir
, de maneira que suas palavras, seu corpo e seus gestos sejam acolhedores, de cortesia e amabilidade. Por vezes, esses atores (profissionais do turismo) são, eles mesmos, confundidos com o produto turístico, portanto, algo que pode ser consumido
.
Diariamente, dentro de suas empresas, ou no âmbito de suas atuações profissionais, as mulheres trabalhadoras do turismo sofrem constrangimentos pelo assédio de homens, sejam eles colegas, turistas ou outros. Isso se deve a diversos motivos, tais como o machismo institucional, a objetificação do corpo feminino, o incentivo ao turismo sexual – inclusive, promovido pelo Estado brasileiro (especialmente a partir da década de 1980) – e a negligência das empresas e de gestores, entre outros. Sob tal perspectiva, este capítulo busca apresentar a importância do debate acerca deste tema durante a formação profissional das Turismólogas e dos Turismólogos, assim como demonstrar como o assédio pode ocorrer nos mais diversos espaços profissionais e como se pode enfrentar e combater a questão junto às instituições.
Trabalhando com turismo: do sonho à realidade
Entrar na faculdade de Turismo foi a realização de um sonho. Já havia começado a cursar Administração de Empresas, mas desisti por não me sentir próxima aos temas que ali seriam abordados. Havia feito um teste vocacional que indicara profissões ligadas à Comunicação Social, Relações Internacionais e Diplomacia, entre outros. Nesse sentido, tudo indicava que o Curso de Turismo seria a escolha acertada. As disciplinas curriculares eram excelentes: Antropologia, Sociologia, Realidade Brasileira, Fundamentos do Turismo; ir para a aula era um prazer. Descobri que tinha facilidade para me comunicar, tanto que aprendi quatro idiomas estrangeiros durante a faculdade.
As primeiras oportunidades de estágio foram encaradas com muita seriedade. Eu queria mostrar serviço
, ser proativa, responsável, eficiente no desempenho das atividades. Logo consegui um estágio remunerado vinculado ao Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), oferecido por uma agência de viagens tradicional da cidade.
Era preciso estudar, aprender, e, naquela época, sem amplo acesso à Internet, e com poucos livros sobre Turismo na prateleira da biblioteca da universidade, o projeto mostrou-se como um enorme desafio. Na agência, o asseio pessoal era extremamente observado: requeria-se roupas neutras e discretas, maquiagem suave, bolsa e sapato social, linguagem protocolar. O estágio apresentava-se como uma preparação para o trabalho. Eu iria tratar com pessoas, clientes, deveria agir com respeito e cortesia, empatia e hospitalidade. Logo aprendi que a representação de uma empresa não constituía impedimento para que eu fosse assediada.
Falar-se sobre viagens e turismo, aparentemente, é algo sedutor
. Expõe-se sobre o prazer de estar em um local, de contemplar uma paisagem específica, de apreciar a gastronomia... Até mesmo a descrição das unidades habitacionais – se elas possuem ou não banheira, ou sauna, ou piscina etc. – pode ser motivo para olhares, risadinhas e convites para se acompanhar o cliente em outras viagens. Nessa experiência como estagiária, eu tinha de fazer visitas em domicílio, quando se tratava de clientes mulheres; se fossem homens, visitava-os em seu ambiente de trabalho. Aprendi a me manter mais séria do que gostaria e a falar o necessário, sem aparecer
muito, salvo raras exceções. Afinal, é isso que se espera de uma mulher profissional
.
Representei a agência de viagens na qual eu era estagiária em eventos de turismo. Fui a um evento de nível internacional, pela primeira vez, extremamente entusiasmada. A situação não foi diferente do cotidiano da agência. Mesmo estando eu na condição de trabalhadora do trade, ocorreram diversos tipos de assédio. Naquela época – começo do século XXI –, o faturamento das operadoras de turismo estava aumentando significativamente e as feiras eram luxuosas. Bebidas alcoólicas eram disponibilizadas em vários estandes e alguns clientes eram convidados a beber com o representante da agência para conhecer o produto oferecido. Por duas vezes, tive a impressão de que, supostamente, não era apenas o produto turístico que estava sendo apresentado. Quando agradecia a um convite, ou a uma bebida, havia a insistência para que entrasse e bebesse
, que não fosse boba
. Foi então que experimentei mais uma vez o assédio como trabalhadora do turismo.
Ao me graduar, consegui o primeiro emprego em uma rede de hotéis. Na ocasião, trabalhei, primeiramente, no setor comercial, de eventos, com atendimento ao hóspede, gestão de reclamações do cliente, etc. O perfil dos clientes era de homens, que vinham a trabalho e permaneciam no hotel de segunda a quinta-feira, portanto, tratava-se de um hotel de negócios. Às vezes, as pesquisas de satisfação e as reclamações eram acompanhadas de piadinhas, como podia ter sido melhor
, ou destacavam a beleza de determinadas funcionárias do hotel – algo que, evidentemente, não fazia parte da pesquisa.
Por sua vez, nos eventos... Quem já trabalhou no setor sabe que é de costume a equipe de trabalho estar à disposição para quaisquer solicitações do cliente, incluindo auxílio com equipamentos e informações, entre outras. Novamente, quando de meu estágio, essa disponibilidade era interpretada, por alguns clientes, de forma equivocada. Relembrando algumas dessas experiências em eventos, recordo-me de ter usado menos maquiagem, de sorrir menos e de me apagar
para que não houvesse qualquer motivo para o assédio, fosse do cliente, fosse dos participantes.
O assédio não precisa ser evidente e escancarado para ser assédio: ele pode ser sutil. Por exemplo, se um colega de trabalho fala sobre sexo com outro colega na sua frente, sem que você queira que isso aconteça, a conversa pode ser considerada assédio. Se o colega finge estar sexualmente excitado e faz questão de demonstrar, isso é assédio. Se ele toca – mesmo que de brincadeira – colegas de trabalho, na sua frente, tentando abraçar ou beijar, ou fala sobre pornografia, ou outros atos semelhantes, isso é assédio. É assédio, porque você se sente desrespeitada, até mesmo insegura para trabalhar. Você passa a ficar desconfiada do que os colegas possam falar enquanto você vai ao banheiro, por exemplo, o que interfere diretamente no seu desempenho de trabalho e na sua estabilidade emocional. Isso significa que você precisa estar atenta às possibilidades de ser assediada e, com elas, estar preocupada durante as 24 horas do seu dia, quando sai de casa, no caminho do trabalho, no trabalho e na volta para casa.
Após atuar no setor comercial, passei a atuar como encarregada de turno na recepção do hotel. Ouvi falar, na empresa, que meu deslocamento para esse setor devera-se ao fato de eu falar inglês, pois havia uma demanda importante de clientes estrangeiros. Também teriam considerado minha aparência, afinal, quem fica no check-in precisa ser atraente, ter boa aparência
, já que esse pode ser um fator decisório à permanência ou não do hóspede no hotel – como no caso de um cliente walk-in, por exemplo. Já no check-out, pode haver um funcionário qualquer
, que saiba cobrar e engrossar
se for o caso. Mas, no check-in...
Certamente, foi na hotelaria, sobretudo no setor de recepção, que ocorreu o maior número e as mais variadas formas de assédio. Algumas delas mencionei anteriormente: a concepção da mulher como produto inerente ao destino, a conversa de colegas sobre sexo durante o expediente (não comigo, mas em alto e bom tom, para intimidar) e a tentativa de colega para agarrar
colegas, entre outros tipos de abordagens. A minha sorte
foi ficar grávida e ser mais respeitada
ou menos desrespeitada
por esse motivo. Depois que tive minha filha e voltei a trabalhar, os clientes que sabiam de meu estado civil e familiar eram absolutamente respeitosos, mas os que não sabiam agiam da mesma forma desrespeitosa. A alegria dava-se nos finais de semana, quando recebíamos famílias para turismo de lazer, e eu podia atender com sorrisos e mais disponibilidade. Por tudo isso, o assédio foi um dos fatores que transformou aquela recém-formada, que queria ser eficiente e produtiva para a empresa, em uma profissional que fazia o básico, com o pé atrás
em todas as situações que poderiam ser potencialmente constrangedoras.
Quando saí do hotel, trabalhei por dois anos em uma agência de viagens e turismo, no setor de turismo emissivo. Lá, o assédio era raro, pois se tratava de uma empresa familiar, de pequeno porte. Fui importunada poucas vezes nessa empresa, apenas quando estava sozinha na sala e um cliente