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Os Rios Amazonas e Madeira : esboços e relatos de um explorador
Os Rios Amazonas e Madeira : esboços e relatos de um explorador
Os Rios Amazonas e Madeira : esboços e relatos de um explorador
E-book393 páginas5 horas

Os Rios Amazonas e Madeira : esboços e relatos de um explorador

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Sobre este e-book

Franz Keller-Lëuzinger (1835-1890) foi um engenheiro alemão, botânico, explorador, desenhista e pioneiro da fotografia no Brasil que, em expedição liderada por seu pai, Joseph Keller, também engenheiro, percorreu a Amazônia entre 1867 e 1868, comissionado pelo Governo Imperial para realizar levantamentos estatísticos e medições dos leitos e margens dos rios Amazonas e Madeira, de forma a averiguar a viabilidade da construção de ferrovias na região. Embora os mapas e ilustrações da expedição sejam amplamente conhecidos e referenciados pela comunidade acadêmica, até o momento os relatos da comissão jamais haviam sido traduzidos para a língua portuguesa. A presente tradução nasceu da paixão do tradutor pela leitura de relatos de cronistas, viajantes, exploradores, naturalistas e aventureiros, objetivando, sobretudo, divulgar a um público maior essa riquíssima nova fonte de potenciais pesquisas interdisciplinares, bem como contribuir para a superação de quaisquer barreiras linguísticas que pudessem vir a afastar novos leitores do precioso conteúdo da obra original. Para compreender a Amazônia de ontem e de hoje, entretanto, não se deve apenas procurá-la nas páginas amareladas do passado: deve-se vivê-la.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de mai. de 2021
ISBN9786559568390
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    Os Rios Amazonas e Madeira - Franz Keller-Lëuzinger

    capaExpedienteRostoCréditos

    APRESENTAÇÃO DA TRADUÇÃO

    Nascido em Manheim, Alemanha, em 30 de agosto de 1835, o engenheiro, desenhista e fotógrafo alemão Franz Keller-Lëuzinger¹ se dedicou ao exercício da profissão junto ao pai, Joseph Keller² – engenheiro-chefe –, planejando e executando obras viárias a partir da década de 1850, a serviço do Império. Os projetos comissionados pelo Brasil lhe propiciaram presenciar in loco as condições e particularidades de suas principais províncias, além das mais remotas e inacessíveis, como à época era o caso do Amazonas, cuja navegação internacional apenas fora aberta por decreto imperial de 1867.

    O leitor que almeje ter contato primário com os escritos de Keller-Lëuzinger encontrará apenas um único livro de sua autoria³, publicado em alemão e inglês no ano de 1874, condensando as observações e esboços realizados durante sua expedição pela Amazônia, ocasião em que ele e o pai⁴ realizaram alguns dos levantamentos topográficos e medições necessárias para embasar os estudos prévios e projetos de construção de estradas de ferro na região.

    Em nosso vernáculo, houve ainda a publicação de um Relatório Técnico bastante sucinto, datado de 1869, apresentado ao Ministério da Agricultura brasileiro por Franz Keller e seu pai, Joseph Keller, engenheiro-chefe da expedição. Ademais, a revista Ilustração Brasileira⁵, em edição debutante de 1876 (pp. 05-07), publicou uma breve tradução para a língua portuguesa de alguns poucos excertos resumidos do livro de Keller, dedicando apenas duas páginas e um terço à memória da obra, com maior ênfase na exposição de três monumentais ilustrações: a Serra dos Órgãos e o Corcovado, no Rio de Janeiro; e um trecho das margens do rio Madeira, no Amazonas. No decorrer do ano de 1876, algumas outras gravuras da obra original foram sendo publicadas, acompanhadas de, geralmente, uma página de texto traduzido, de forma a contextualizá-las aos leitores. Jamais houve, porém, edição integral da obra de Keller na língua portuguesa, sistemática e integralmente traduzida, e nem mesmo os excertos mencionados foram considerados para subsidiar a presente tradução, uma vez que muitas das expressões e dos termos utilizados pela revista na década de 1870 dificilmente seriam compreendidos com facilidade por um público maior de leitores dos dias correntes.

    Na edição londrina, com a qual trabalhamos diretamente para esta tradução, contam-se sessenta e oito ilustrações da expedição que foram amplamente divulgadas à época, tanto nas grandes cidades do Brasil quanto no estrangeiro.

    Ao folhear entusiasmadamente as quase 200 páginas da edição de 1874, impressionam as pequenas descobertas em cada nova gravura: a precisão dos detalhes no tracejado, os sombreamentos primorosos, a exatidão das representações da fauna, da flora e dos tipos humanos com que a comitiva de Keller vinha a interagir em suas paradas. À medida que se avança na leitura atenta de suas descrições, observações e digressões, o conjunto das ilustrações aviva a imaginação.

    Mesmo nas ricas passagens e trechos que, infelizmente, não são premiados por ilustrações, com um pouco de empenho e criatividade os leitores também enxergarão com a mesma vivacidade os eventos narrados e, principalmente, verão tomar forma os personagens que cruzaram o caminho do nosso narrador, como os passageiros do vapor Belém: o "vendeiro português, incapaz de tomar gosto por qualquer coisa que não fosse a contagem de seu lucro, o colono americano, de um dos estados do sul dos Estados Unidos, que, desgostoso, emigrara logo após a derrota dos Confederados, o oficial da marinha peruana, que, discretamente à paisana, viera com ‘intenções amigáveis’ para ter conta do estado das coisas no país vizinho e para reportar ao seu governo os avanços, ou recuos, do Brasil nos esforços de embate a qualquer ofensiva surpresa dos peruanos, ou o monge capuchinho, de longas barbas, certamente saudoso dos tempos em que a batina e o escapulário dos religiosos serviam de fronteira intransponível entre o governo e os índios".

    Se, por um lado, alguns trechos dos escritos de Keller esboçam a associação das paisagens amazônicas a uma monotonia maçante e tediosa da qual o autor fala em mais de uma passagem⁷, por outro, essas representações, principalmente as da fauna e flora amazônicas, resgatam o deslumbramento pioneiro dos primeiros cronistas, e um engrandecimento muitas vezes passional e exagerado das belezas naturais das terras brasileiras, com o diferencial de à época já se revestirem do discurso integracionista e modernizador a serviço do capital industrial.⁸

    Como o próprio Keller esclarece na ampla introdução aos seus relatos, sua narrativa tem como principal propósito chamar a atenção das autoridades brasileiras para algumas ações prioritárias que, segundo ele, favoreceriam o real progresso e desenvolvimento do Brasil: (i) a abolição da escravatura, então em progressivo estágio de superação embrionária em nações ditas desenvolvidas, que gradualmente a substituíam por mão-de-obra livre; (ii) maiores incentivos à imigração de colonos alemães para o desenvolvimento da agricultura brasileira, assegurando-lhes melhores condições de vida e paridade na aquisição de terras em relação aos grandes latifundiários brasileiros; e (iii) a modernização dos meios de transporte e comunicação que serviriam à integração do vasto território brasileiro, dentre os quais Keller destaca a interiorização das estradas de ferro para o melhor escoamento dos gêneros coletados ou bens produzidos longe das zonas litorâneas

    Quando tangencia a temática social sob a perspectiva identitária da jovem nação em vias de formação, Keller o faz de modo incidental, não deixando de reproduzir as simplificações e reducionismos mais correntes à sua época. Se o autor dedicou mais tinta a um fim específico, foi buscando convencer o leitor (evidentemente, leitores europeus) da viabilidade fértil de seu projeto, aproveitando-se de uma brasilidade incipiente e disforme para incentivar iniciativas estrangeiras em solo brasileiro, de forma a europeizar e modernizar o Brasil. Todavia, não perde valor o conjunto da obra, que registrou para a posteridade aspectos humanos, sociais, econômicos e políticos dos lugares por onde a comitiva passou.

    Suas observações quanto à Amazônia, embora embasadas quanto aos aspectos naturais, físicos e geográficos (com anotações que demonstram um domínio virtuoso sobre os dados disponíveis à época, coletados por diversas expedições antecedentes devidamente referenciadas no texto original) não deixam de ser superficiais quanto à análise das populações inseridas naquele contexto, em especial os povos indígenas, ora infantilizados e romantizados, ora vistos sob o olhar ocidental inclemente, intolerante e por vezes preconceituoso. Considerado o curto tempo em que se deteve no Amazonas, e a ausência de interesse e formação específicos de Keller para a interpretação de suas tradições e estilos de vida, entende-se que tais registros, por mais valiosos que sejam para reconstruir parcialmente costumes e conhecimentos esquecidos, não se esteiam em base científica, não constituindo nem uma etnografia precursora, nem uma sociologia prototípica; é, em verdade, a típica miscelânea dos viajantes naturalistas dos séculos XVIII e XIX, arautos das ciências universais (e muitas das vezes não mais do que verdadeiros generalistas), a quem se permitia emitir opiniões acerca de todo e qualquer aspecto da realidade.

    O que de mais marcante resulta da análise dos escritos de Keller-Lëuzinger são, sobretudo, as suas próprias contradições. Afinal, de um modo ou de outro, toda obra reflete não apenas a personalidade e os interesses de seu autor, como as influências externas que o moldaram. Ao tratar dos tipos humanos, é com frequência que se notam esboços de um humanismo solidário que, não muitas linhas em seguida, é contestado por preconceitos gritantes e anticientíficos que o autor parece reproduzir irrefletidamente, ou talvez como estratégia de adequação de seus escritos (originalmente, demasiadamente técnicos) ao mercado literário de viagens muito em voga à época. Reconhece-se, também, no autor um espírito aparentemente democrático, justificado em interesses afinados aos do capital industrial europeu, a pretexto dos benefícios da modernização e do progresso civilizadores, mas que contrasta e conflita com a preservação de quaisquer regimes de pensamento e estilos de vida divergentes, sempre fadados a sucumbir diante da marcha irretratável da civilização.

    Contudo, merece destaque sua persistência desbravadora durante as expedições de que participou, em uma aparente demonstração de desprendimento material típico dos viajantes e exploradores mais virtuosos em seus encargos. Franz Keller-Lëuzinger foi, sem dúvida, um viajante multitalentoso. Seus relatos de viagem são um manifesto de seu tempo, de suas contradições internas e das iniquidades históricas e sociais do século em que viveu, certamente nos cabendo uma leitura crítica associada a uma interpretação compreensiva. Não fosse a resiliência e a coragem humanas de se sujeitar a perigos e obstáculos de terras distantes e desconhecidas, aos desconfortos e dificuldades de línguas e costumes diferentes, e a severas restrições de recursos com que se manter, a mente coletiva da humanidade pouco teria avançado em matéria de autoconhecimento. Homens e mulheres que, desde tempos muito remotos, rumaram ao desconhecido motivados tão-somente pela curiosidade em alcançar o horizonte, a despeito de quaisquer riscos, merecerão sempre a admiração e o respeito por seu legado.

    Manaus, 22 de março de 2021

    Adriano Gonçalves Feitosa

    REFERÊNCIAS

    KELLER-LËUZINGER, Franz. The Amazon and Madeira rivers. London: Chapman & Hall, 1874. 177 p. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/227325. Acesso em 20 dez. 2018.

    __________________. Viagem d’exploração ao Amazonas e ao Madeira. Illustração Brasileira, Ano I, N.º 1, de 1º de julho de 1876. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=758370&pagfis=1. Acesso em 15 de dezembro de 2018.

    KNAUSS, Paulo; OLIVEIRA, Claudia de; MALTA, Marize (orgs.). Revistas Ilustradas: modos de ler e ver no Segundo Reinado. Rio de Janeiro: MAUADX, 2011. 192 p.

    MAURY, Mathew Fontaine. O Amazonas e as costas atlânticas da América Meridional. Rio de Janeiro: Typographia de M. Barreto, 1853. 39 p.


    1 O sobrenome Lëuzinger foi adotado após o casamento com Sabine Christine Lëuzinger (1842-1915), filha de Georges Lëuzinger (1813-1892), célebre livreiro, editor e fotógrafo suíço radicado no Brasil.

    2 Para fins de obtenção de resultados mais amplos e abrangentes em eventuais pesquisas complementares, é importante esclarecer que os nomes de Franz e Joseph aparecem em registros da época ora na grafia original, ora aportuguesados para Francisco Keller e José Keller. Por vezes, Joseph também aparece grafado como Josef,

    3 The Amazon and Madeira Rivers - Sketches and descriptions from the notebook of an explorer. Londres: Chapman & Hall, 1874. 177p.

    4 Analisando registros de movimentação portuária em periódicos contemporâneos à expedição, surpreendemo-nos ao descobrir que Franz e Joseph viajaram ao Pará e ao Amazonas acompanhados das senhoritas Sabine Keller, esposa de Franz, e Pauline Keller, irmã de Franz – ambas com nomes aportuguesados para Sabina e Paulina –, inicialmente fazendo-nos cogitar se não teriam acompanhado toda a extensão da jornada, o que não seria incomum, porém pouco frequente, a exemplo da célebre Elizabeth Agassiz, que acompanhara o marido Louis Agassiz em expedição prévia, e a quem devemos os registros meticulosos dos acontecimentos daquela expedição. Todavia, encontramos em edição do periódico Amazonas, Ano II, N.º 104, p. 2, de 30 de maio de 1868, despacho publicado com determinação para concessão de passagens de Estado a Sabine e Pauline em embarcação da Companhia do Amazonas, de Manaus a Belém do Pará, e, na mesma edição, despacho à Tesouraria da Fazenda para cobrir (às custas do Ministério da Agricultura) as despesas de Joseph e Franz, que em 25 de maio de 1868 requisitavam passagens em vapor de Manaus rumo a Serpa, de onde seguiriam até o rio Madeira. Em 26 de maio, são mencionados os engenheiros que seguem em desempenho de sua comissão exploradora do Rio Madeira José Keller, Francisco Keller e José Manoel da Silva, acompanhados de dois assistentes, a quem se concedem as passagens requisitadas no dia anterior. Em 27 de maio, noticia-se a partida da comissão, oficiando as autoridades de Serpa, Borba, Crato e Santo Antônio, no Amazonas, e o comandante do forte do Príncipe de Beira, no Mato Grosso, para prestarem apoio e auxílio na consecução de seus trabalhos. As senhoritas Sabine e Paulina retornam sozinhas ao Rio de Janeiro, em 19 de junho de 1868, com desembarques registrados no periódico carioca Correio Mercantil, Ano XXV, N.º 170, p. 3, de 20 de junho de 1868. Franz e Joseph apenas retornariam ao Rio de Janeiro em 1869.

    5 Revista integralmente digitalizada pela Biblioteca Nacional brasileira, e disponível na Hemeroteca Digital Brasileira, e cuja referência apenas alcançamos por mérito do trabalho organizado por Knauss, Oliveira e Malta (2011). A revista em si se encontra integralmente disponibilizada para consulta virtual em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=758370&pagfis=1.

    6 As ilustrações da obra, reconstruídas com base nos esboços de Franz, foram gravadas em madeira na oficina gráfica de Adolf Cloß (1840-1894), como ficou registrado na folha de rosto da edição alemã de 1874. Não há, portanto, nenhuma prova de envolvimento direto de Ferdinand Keller (1842-1922), professor de pintura histórica e irmão de Franz, na elaboração das ilustrações, exceto um breve agradecimento de Franz aos conselhos de composição recebidos de seu irmão. A propósito, Ferdinand nem sequer esteve presente na expedição, sua presença no Brasil limitando-se a períodos entrecortados em sua juventude. No período de tempo específico em que Joseph e Franz cruzavam a selva amazônica e as intrépidas corredeiras do rio Madeira, Ferdinand excursionava pela Europa aperfeiçoando sua técnica e inserindo-se nos principais círculos artísticos da época.

    7 A propósito, posteriormente, tornar-se-iam comuns em escritos de outros viajantes observações similares a respeito do ritmo lento e maçante da região amazônica. Com bastante frequência, os autores da época repetem a dualidade que disciplina a vida amazônica, ora submetida ao tédio das águas calmas e da sucessão de cenários indistinguíveis entre si, ora à violência e inclemência das chuvas e cheias tropicais, agravantes permanentes das longas distâncias, dos obstáculos naturais a serem vencidos a todo instante, e das dificuldades quase homéricas de comunicação com determinadas localidades.

    8 O que, todavia, não representou ineditismo à época. Citem-se, por exemplo, os protestos principalmente dos Estados Unidos da América quanto às restrições do rio Amazonas à navegação internacional, que vigoravam antes de 1867, com remissão especial ao episódio capitaneado pelo tenente Matthew Fontaine Maury, oficial da Marinha estadunidense, em 1853: em publicação no Correio Mercantil do Rio de Janeiro, o oficial clamava pela intervenção das autoridades de seu país, sob o pretexto de que o espírito nipônico (em referência ao isolacionismo japonês na era Meiji) adotado pelo Brasil obstava o progresso de todas as nações copossuidoras do rio Amazonas, e que o Império, valendo-se de sua posição geográfica, coagia egoisticamente as repúblicas menores do entorno a celebrarem tratados bilaterais prejudiciais ao desenvolvimento da região e ao máximo aproveitamento dos recursos amazônicos por todas as nações efetivamente merecedoras.

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    PREFÁCIO

    Em junho de 1867, meu pai e eu estudávamos mapas e planos de uma prévia expedição à província do Paraná, quando fomos comissionados pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, no Rio de Janeiro, para explorar o rio Madeira e projetar uma ferrovia acompanhando suas margens, onde, em razão das corredeiras, a navegação é quase impossível.

    Desde o fim do século passado – quando em consequência do Tratado de Ildefonso, em 1777, astrônomos portugueses e oficiais do censo subiram o rio Madeira –, não mais se executaram planos de exploração com regularidade ou credibilidade no imenso vale coberto pela floresta. A ousada descida do rio efetuada há cerca de vinte anos por Gibbon, oficial da Marinha dos Estados Unidos da América, devo observar, foi demasiado apressada e realizada com muitas limitações. Outra expedição, comandada por um engenheiro brasileiro, major Coutinho, provou-se um completo fracasso, muito embora certamente não por falta de esforços.

    Até a celebração da paz, após a longa guerra com o Paraguai, a antiga necessidade de se estabelecer um meio de comunicação entre o litoral brasileiro e a província do Mato Grosso permanecia à frente da pauta. Quando um sagaz diplomata, Conselheiro Felippe Lopez Netto, também conseguiu entabular com sucesso um tratado de fronteiras e comércio com a Bolívia, assegurando-se a passagem através do vale do rio Madeira, fez-se necessária uma expedição mais minuciosa a ser realizada nas fronteiras. A atenção geral direcionava-se, ainda, aos mais remotos cantos desse vasto reino em razão do súbito aparecimento da nova Companhia de Navegação a Vapor do Baixo Madeira, e pela recente abertura da navegação do rio Amazonas às bandeiras de todas as nações, cujos potenciais benefícios ainda dependem da extensão de tal medida à navegação e exploração de seus rios afluentes.

    As páginas seguintes abarcam, em conjunto com um sumário dos mais importantes resultados hidrográficos da viagem, minhas impressões acerca de seus habitantes, de sua vegetação, insumos e manufaturas, e outros tópicos de interesse sobre estas paragens, não na forma seca que se presume de um diário, mas em forma de capítulos, mais convidativos aos leitores interessados, e cuja leitura mais acessível há de acrescentar maior valor ao todo.

    As ilustrações, que considero suplementos indispensáveis à descrição de cenas que nos são tão estranhas, originam-se de esboços feitos no local e que, para preservar-lhes a mais alta fidelidade, desenhei eu mesmo.

    Em breve, todavia, não haverá necessidade de que expedições bem equipadas visitem estas paragens da ultima thule.¹⁰ Luxuosos navios a vapor levarão turistas de Liverpool ao Pará em viagens de dezoito dias. Em sete dias mais, poderão estar na foz do rio Madeira, e em uma semana a mais poderão chegar à primeira corredeira de Santo Antônio. A partir daí, não mais do que brevemente, locomotivas poderão levá-los floresta adentro, onde antes se chegava somente após longas e dificultosas jornadas de três meses de duração partindo da foz do rio Madeira.

    Uma vida agitada e intensa será infundida ali. Borracha, cacau, madeira de lei, corantes e resinas não mais se estragarão pelo transporte dificultado, e a agricultura e a criação de gado irão restringir – se não suplantarão – a existência semisselvagem de todos aqueles que ainda subsistem somente da caça e da pesca.

    Mesmo após nosso retorno para casa, deixando para trás a América do Sul após uma ausência de dezessete anos, tivemos a satisfação de ver assegurada e garantida a execução de nosso projeto ferroviário. Encarregado do projeto está um americano, o coronel George Earl Church, bem familiarizado com esta parte do mundo, e que obteve as licenças governamentais exigidas no Brasil e na Bolívia, tendo tido pouca dificuldade em angariar fundos na Inglaterra.

    Se as páginas seguintes, nas quais me esforcei para manter uma visão balanceada entre otimismo e pessimismo, conseguirem auxiliar no convencimento das autoridades brasileiras que as venham a ler acerca dos reiterados e perniciosos abusos e erros perpetrados, e demonstrar que, a despeito do inquestionável progresso recente, os esforços em prol de melhoramentos ainda não se exauriram, e se estas páginas forem bem sucedidas em inflamar o Velho Mundo com o interesse pelo bem-estar dos recantos isolados do Novo Mundo, pelo menos algumas das minhas mais caras aspirações terão se realizado. Essas terras de fato demandam atenção, ao menos no sentido de algum dia poderem vir a servir de escape aos elementos que tanto têm ameaçado nossa populosa Europa nos tempos recentes.

    Pela emancipação de crianças nascidas escravas, a vigorar a partir do primeiro dia de janeiro de 1872, é certo que a abolição da escravatura, que deve ser o marco para o progresso real, tornou-se simplesmente uma questão de tempo. Mas é preciso esperarmos a equalização política da imigração com os nativos, e a concessão do direito ao matrimônio civil¹¹, antes que possamos em sã consciência aconselhar nossos fazendeiros da mais fina estirpe a se assentarem por lá. Trabalhadores e caixeiros-viajantes, pobres e tão numerosos entre nós, certamente auferirão lucros altos, mesmo diante das atuais condições. Apenas a imigração da raça alemã, que realmente se assente e colonize o novo lar, compartilhando o fardo do Estado, poderá de fato ajudar este país tão escassamente povoado.

    O Brasil, que ano após ano vê milhares de portugueses desembarcando em seus portos para logo em seguida voltarem à terra natal com algumas centenas de mil-réis acumuladas, é um país especialmente qualificado para julgar a diferença radical entre as nações latinas e a alemã. Parlamentares obstinados, como finalmente parecemos ter nesse lado do Atlântico, particularmente no Rio, certamente protegerão os interesses dos colonos alemães no Brasil, e após determinado tempo resolverão quaisquer conflitos e outros incidentes inconvenientes relacionados ao assentamento.

    Em conclusão, desejo ainda que me permitam aqui expressar agradecimentos ao meu pai, que foi meu fiel companheiro e colega de ciência nessa cansativa jornada, além de também agradecer ao meu irmão, professor Ferdinand Keller, especialista em pinturas históricas, cuja consultoria quanto às ilustrações me foram de inestimável valor.

    Karlsruhe, janeiro de 1874

    Franz Keller-Lëuzinger

    Abacaxis, cajus, bananas etc...


    9 Outra expedição liderada pelo Sr. Coutinho no rio Purus, um afluente do rio Solimões, apresentou resultados negativos similares. Aquele rio mais tarde ficaria melhor conhecido pela empreitada do Sr. Chandless.

    10 Nota do Tradutor: expressão utilizada na cartografia antiga, significando última fronteira; confins do mundo.

    11 Em junho de 1873, o governo brasileiro rompeu abertamente com o bispo de Pernambuco, e consequentemente com Roma, a respeito de uma Encíclica contra os maçons, que são muitos entre os mais altos oficiais brasileiros. Por interesse de paz e decência para com os colonos protestantes, o governo foi forçado não apenas a declarar a validade de uniões celebradas pelo rito protestante, contra a decisão do bispo, mas também a processar duas esposas de colonos que haviam se convertido ao catolicismo apenas para se casarem uma segunda vez, bem como os dois padres católicos que realizaram tais cerimônias.

    SUMÁRIO

    Capa

    Folha de Rosto

    Créditos

    PREFÁCIO

    LISTA DE ILUSTRAÇÕES

    INTRODUÇÃO

    CAPÍTULO I. DO RIO DE JANEIRO ÀS CORREDEIRAS DO RIO MADEIRA

    CAPÍTULO II. AS CORREDEIRAS DOS RIOS MADEIRA E MAMORÉ

    CAPÍTULO III. VIDA NOS ACAMPAMENTOS E NAS CANOAS

    CAPÍTULO IV. PESCA E CAÇA NAS PROVÍNCIAS DO AMAZONAS E MATO GROSSO

    CAPÍTULO V. A VEGETAÇÃO DA MATA VIRGEM ÀS MARGENS DO AMAZONAS E MADEIRA

    CAPÍTULO VI. AS TRIBOS SELVAGENS DO VALE DO RIO MADEIRA

    CAPÍTULO VII. OS ÍNDIOS MOJOS DA ANTIGA MISSÃO JESUÍTA NA BOLÍVIA

    VOCABULÁRIO DOS DIALETOS INDÍGENAS AINDA FALADOS NO DEPARTAMENTO DO RIO BENI – BOLÍVIA

    APÊNDICE

    Landmarks

    Capa

    Folha de Rosto

    Página de Créditos

    Sumário

    LISTA DE ILUSTRAÇÕES

    Com explicações curtas

    PREFÁCIO

    Vinheta: abacaxis, caju, bananas etc.

    INTRODUÇÃO

    ◊ Inicial: coroa de palmeira com flores e frutas.

    CAPÍTULO I

    ◊ Inicial: grupo de cipós (lianas), cercando uma pequena palmeira.

    ◊ Entrada da baía do Rio de Janeiro, vista do Corcovado: uma vista magnífica deleita os olhos do observador desde o topo do Corcovado, cume que pode ser facilmente alcançado a três horas de distância do centro da cidade. Um amplo panorama se estende por céu e mar, por sobre montanhas rochosas, o porto, ilhas paradisíacas, vilarejos semiescondidos entre ruas agitadas e o verde vívido da vegetação. A ilustração mostra a entrada da baía, com o Pão de Açúcar visto por detrás.

    ◊ Os picos enrugados da Serra dos Órgãos: a mais interessante parte da Serra da Estrela, que se ergue aos fundos da baía do Rio de Janeiro a uma altitude de 7.000 pés, é a Serra dos Órgãos, com suas montanhas e picos. Como todas as montanhas que circundam o Rio, ela é formada de rochas metamórficas do tipo gnaisse. A vista retratada na ilustração foi esboçada a partir de uma trilha de mulas muito íngreme e mal pavimentada que leva a Teresópolis, numa altitude de cerca de 2.500 pés.

    ◊ A entrada da baía do Rio de Janeiro: esta vista foi registrada a partir da costa oposta à cidade. Ao fundo, vê-se o Pão de Açúcar, cuja altitude é de cerca de 1.000 pés. Em frente, avista-se o antigo Forte de Santa Cruz, que controlava a entrada da baía. Entre os dois, no horizonte longínquo, as águas azuis do Atlântico; montanhas à direita e o cume do Corcovado, imediatamente atrás da cidade, a 3.000 pés de altitude.

    ◊ Jangada nas ondas: a jangada, uma pequena e leve balsa usada principalmente para pescar, é bastante popular nos litorais de Pernambuco ao Ceará. As praias rasas e a escassez de pontos de atracagem não permitem a aproximação de barcos pesados. Apesar da habilidade e destreza dos índios e mestiços em manobrar as jangadas, não é incomum que eles ocasionalmente se vejam submersos ou derrubados por ondas maiores, e assim também os passageiros dificilmente escapam de um leve banho de mar.

    ◊ Os diferentes tipos de solo.¹²

    ◊ Urna funerária dos índios Manáos (Igaçaba): estas igaçabas foram encontradas não apenas em diversas regiões do Brasil, como também na Bolívia, do outro lado dos Andes, às margens do Oceano Pacífico. As urnas bolivianas ainda continham corpos muito bem preservados, aparentemente em razão do clima seco.

    ◊ Igarapé do Espírito Santo, ou Igarapé do Correio, em Manaus: as belas palmeiras às margens do igarapé pertencem à família do miriti, do gênero Mauritia, enquanto as plantas na densa fileira próxima à água são chamadas de aninga, muito semelhantes às nossas calla (lírio copo de leite), pertencendo ao gênero Colocasia.

    ◊ As embarcações dos rios Amazonas, Negro e Madeira: coberta, batelão, igarité e montarias no porto de Manaus. As longas folhas usadas para cobrir o teto da cozinha improvisada são da palmeira uauaçu, do gênero Attalea. Às margens, um depósito de pedra canga, mineral ferruginoso que se esfarela facilmente e é encontrado ao longo de toda a bacia do Amazonas.

    ◊ Casa de um próspero seringueiro: no centro, a casa coberta por folhas de palmeira; no primeiro plano, à direita, bananeiras-da-terra (pacovã), ou bananas nativas, das quais um indígena tira um cacho amarelo e leva à cozinha.

    ◊ Caça de tartarugas no rio Madeira.¹³

    ◊ A sararaca e o veneno usado.¹⁴

    ◊ Vinheta: arpão, rede de pesca e caniços.

    CAPÍTULO II

    ◊ Inicial: tronco com orquídeas, bromélias e samambaias.

    ◊ A Cachoeira do Teotônio, no rio Madeira: também conhecida como Salto do Teotônio; em razão de sua considerável largura (700 metros), a principal queda (de 11 metros) aparenta ser menor do que

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