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Vulnerabilidade no esporte (vol. 3)
Vulnerabilidade no esporte (vol. 3)
Vulnerabilidade no esporte (vol. 3)
E-book271 páginas3 horas

Vulnerabilidade no esporte (vol. 3)

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Sobre este e-book

Nesse terceiro volume que finaliza a coleção Vulnerabilidade no Esporte, os pesquisadores sem concentram em compreender as variáveis psicológicas e seu funcionamento em um ambiente de densa tessitura das relações de força e poder, de exposição, do risco e do dano físico, emocional e social que podemos ser vítimas e/ou algozes. Deve-se ter claro que não é o esporte e a atividade física em si que são os desencadeadores dessa vulnerabilidade, mas sim a fama, os encantos e a força de representação social do esporte e atividade física na busca do "vencer" a qualquer preço, do corpo mais belo e sarado.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de out. de 2021
ISBN9786587782010
Vulnerabilidade no esporte (vol. 3)

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    Vulnerabilidade no esporte (vol. 3) - Flávio Rebustini

    APRESENTAÇÃO

    Neste volume, diversos temas relacionados a psicologia aplicada do esporte são discutidos sob o viés da vulnerabilidade, que provém do latim vulnus e significa ferir ou estar ferido. É duro olhar para dentro e examinar as nossas feridas. Talvez seja ainda mais difícil se sentir vulnerável diante dos outros. Contudo, como Sócrates ensina, A vida não examinada não vale pena ser vivida… Precisamos refletir sobre as vulnerabilidades que vem de dentro e de fora.

    Por exemplo, a decisão de iniciar uma atividade física pode nos fazer vulnerável. Um ambiente esportivo, como o mundo do futebol, também pode ferir. A nossa idade, orientação sexual e gênero, etnia, e nacionalidade, são efeitos vulnerabilizadores. Às vezes a ferida corta fundo demais; precisamos discutir suicídio no mundo esportivo. Situações de risco no esporte e jogos de azar nos fazem vulnerável; ou talvez provemos o risco para estancar uma ferida? Sobretudo, conforme Rebustini e Machado salientam nessa coleção, o conceito de vulnerabilidade e atemporal. Noutras palavras, ferir ou estar ferido fazem parte do nosso passado, presente e futuro. E nossas feridas são multidimensionais; ou seja, elas podem ser físicas, psíquicas ou sociais.

    E preciso coragem para examinar, prevenir, tratar e aprender com as nossas vulnerabilidades. Logo, te convido a ler esse volume sem pressa e de peito aberto porque, como disse o poeta, O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.

    Prof. Dr. Edson Filho

    University of Central Lancashire

    1

    A CORRIDA DE RUA E SUAS AMBIGUIDADES: DA PROMOÇÃO DE SAÚDE ÀS SITUAÇÕES DE VULNERABILIDADE

    Isabela Amblard

    Fatima Maria Leite Cruz

    Introdução

    Este capítulo discute parte dos dados de uma tese de doutorado em psicologia defendida pela primeira autora e orientada pela segunda autora, que investigou os processos identitários implicados nas representações sociais de corredores de rua. Por corrida de rua¹ compreendemos uma atividade física realizada em nível amador, que prevê sua realização em parques públicos, ruas ou outros ambientes informais, em distâncias comumente variáveis entre 5 km e 42 km.

    A construção do objeto de pesquisa teve como referência as múltiplas demandas da vida moderna e sua velocidade de exigências e requerimentos de atualização, comunicação e performatividade que propiciam, cada vez menos, tempo livre aos trabalhadores e à população em geral. Na discussão sobre o tempo livre nesse contexto surge novamente o debate acerca do lazer, suas práticas e expressões, agora interpretado como uma necessidade vital vinculada à promoção de atividades saudáveis e diz respeito ao uso e apropriação desse tempo e dos espaços que possibilitam tais práticas, individuais e/ou coletivas, seja em ruas, parques e centros culturais ou de convivência, distintos dos espaços privados das casas e moradias.

    A partir do enfoque do lazer como direito, tal atividade passa a ser considerada como um direito social e um dever do Estado para toda a população, com políticas públicas e o oferecimento de equipamentos específicos de lazer nos centros urbanos (Stoppa et al., 2011). Nesta perspectiva cabe ao Estado a realização de intervenções que fomentam a prática de atividades físicas, com objetivos relacionados à integração nacional, educação cívica, preservação da saúde da população, melhoria da qualidade de vida, oferecimento de oportunidades de lazer, dentre outros (Bracht, 2005).

    A despeito dessa necessidade, as práticas de lazer nessa configuração se confrontam com a situação de extrema vulnerabilidade dos centros urbanos no Brasil, e a população é atravessada pelo desalento e desesperança por variadas formas de violência, pela situação de desemprego, da falta de qualidade dos espaços coletivos, da saúde precária, da ausência de moradias e, sobretudo, da falta de expectativas de futuro. Nesta contextualização, a temática do lazer parece-nos pertinente, como um contraponto à realidade social e, ao mesmo tempo, como um repositório de alento que a população busca e adota na tentativa de encontrar ‘vida’ e ‘sentido de vida’.

    O recorte da pesquisa ora apresentado investigou as contribuições à saúde da corrida de rua como atividade física de lazer e, especificamente, situa as situações de vulnerabilidade suscitadas por esta prática esportiva, nos contextos urbanos brasileiros, atravessados, no cotidiano, por todas as mazelas decorrentes da desigualdade social.

    No dizer de Dumazedier (2012, p. 25),

    Nos dias de hoje, o lazer funda uma nova moral de felicidade. É um homem incompleto, atrasado e de certo modo alienado, aquele que não aproveita ou não sabe aproveitar seu tempo livre.

    Para Camargo (1992), há necessidades humanas básicas materiais e não materiais, e para os estudiosos do lazer, os sonhos e as alegrias fazem parte dessas necessidades não materiais. De modo recorrente, somos apresentados a uma nova forma de reivindicar a dignidade humana e de exercer a resistência política cidadã, ou seja, a partir de um estágio de civilização em degradação de valores que é inaugurado na atualidade, se passa a exigir a releitura e posterior (re)conceituação da pobreza, do desenvolvimento e da identidade social dos povos pertencentes aos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. No quadro das necessidades não materiais, compartilhamos da ideia de que a cultura esportiva se apresenta, então, como uma terceira via, a ser construída e desfrutada pela população, sobretudo, por quem se encontra em situação de desvantagem social.

    As necessidades básicas apresentadas pelas teorias psicológicas no início da construção da ciência da psicologia eram a fome, a sede e o sexo e, no momento atual, são várias em face dos diversos e ampliados níveis de estresse provocados pela convivência social, pelo trânsito, pelas condições de trabalho, pelas exigências suscitadas pelo consumismo, bem como por todas as outras obrigações cotidianas que assumem cobranças mais ampliadas e requerem performances com velocidade e aspectos plurais na interação. Assim, compreendemos que os contextos urbanos têm contribuído ao mal estar vivenciado pelos sujeitos que compartilham desses espaços, por provocarem preocupações e diversos outros malefícios à sua saúde, cotidianamente.

    A concepção de saúde, aqui compartilhada, alarga o olhar de uma condição física/orgânica à concepção integralizada que articula o bem-estar dos sujeitos nas dimensões físicas, mentais, culturais e sociais. Essa perspectiva ampliada tem repercussões diretas nos modos da psicologia compreender o desenvolvimento humano e os contextos desse desenvolvimento, haja vista a superação da clássica cisão entre corpo/mente, biológico/psicológico, saúde/doença, bem estar/mal estar físico e conforto/desconforto psicológico. Deste modo, a situação de vulnerabilidade a qual nos referimos assume uma dupla concepção: por um lado, na prática esportiva de lazer, os sujeitos podem ser acometidos, em sua condição integral, por lesões e traumas provenientes do esforço físico, portanto, privados dos benefícios à saúde que são propagados; e, por outro lado, os próprios contextos e espaços específicos nos quais praticam as atividades físicas podem estar relacionados a condições precárias que provocam instabilidade e insegurança àqueles que deles se utilizam, em face das frágeis condições de urbanismo de muitas cidades.

    De uma parte, vemos que as atividades de lazer ganham destaque na divulgação de várias mídias por promoverem uma condição de relaxamento favorável às pessoas, em particular, no enfrentamento cotidiano na tentativa de satisfação das necessidades básicas. Nesse debate, Camargo (1992) traz uma concepção integrada em relação ao trabalho, ao tempo livre e às atividades de lazer: em diversos países, inclusive no Brasil, os trabalhadores tendem a preservar um período relativamente homogêneo de tempo livre, independente das variações de horas trabalhadas. As variações se mostram em outros itens que levam ao consumo de tempo, sobretudo, nos deslocamentos nos espaços urbanos, pois, geralmente, os trabalhadores residem nas periferias distantes dos locais de trabalho e, ainda, no tempo dispendido no cumprimento das inúmeras obrigações familiares, seja nas tarefas de cuidado com a casa, com os filhos, e/ou com os cuidados pessoais (alimentação, higiene e sono).

    De outra parte, as práticas esportivas realizadas no contexto urbano provocam situações de vulnerabilidade, circunstanciadas ao ambiente e geopolítica desses espaços, seja pela violência urbana que afugenta a população das ruas; seja pela precariedade na manutenção dos logradouros públicos e suas reais possibilidades de danos aos seus usuários; ou, ainda, pelas graves questões de preconceito de gênero que impedem e/ou se tornam obstáculos concretos à circulação social, nas vias públicas, entre outros.

    Na direção emancipatória da vida social, nossos questionamentos são favoráveis ao lazer enquanto um direito social: As políticas públicas de acesso à cultura garantem o direito ao tempo livre como um aspecto do desenvolvimento humano que não pode ser secundarizado? Como as atividades de lazer ressignificam a vida da população excluída dos direitos sociais? No caso específico da corrida de rua, como esta atividade oportuniza a promoção da saúde? Como nesta atividade se dá o confronto com as situações de vulnerabilidade advindas dos contextos urbanos?

    As temáticas abordadas neste capítulo pretendem contribuir com o debate sobre as ambiguidades relacionadas à corrida de rua, na medida em que oportuniza experiências com sentidos simultaneamente distintos e antagônicos, de promoção de saúde e de exposição à situação de vulnerabilidade. Ao longo do texto, conceituamos o lazer e suas definições variadas; situamos as políticas públicas de lazer no Brasil enquanto fomento a manutenção/superação das desigualdades sociais e disciplinamento dos corpos; apresentamos o lazer como direito social e as políticas públicas de lazer na atualidade, com foco particular no caso das políticas de lazer da cidade de Recife; e por fim, delineamos a atividade física com a finalidade de lazer e suas funções no desenvolvimento humano, apresentando o caso da corrida de rua como uma opção pouco onerosa que possibilita muitos benefícios em prol da saúde, embora a exposição de seus praticantes a situações de vulnerabilidade também seja uma possibilidade.

    O lazer e suas distintas definições

    Os significados atribuídos ao lazer foram construídos distintamente através dos tempos, ou seja, as dimensões política, histórica, social e cultural envolvidas estão implicadas nesse processo e o constituíram. No mundo ocidental, o lazer apresenta traços específicos que configuram a civilização nascida da revolução industrial e, embora a categoria trabalho seja essencial à sua compreensão, não o encerra, pois, o lazer é permeado por uma série de situações complexas e recebe influências diversas de um contexto multifacetado (Dumazedier, 2012). Deste modo, para compreender o lazer, hoje, como um campo dotado de características próprias, definimos sua relação com a categoria trabalho e com momentos de não trabalho, e mais pontualmente articulado/não articulado às vivências de manifestações culturais construídas socialmente pela humanidade (Gomes, 2003). Outra perspectiva de sentido mais estritamente filosófico compreende o lazer como um meio de alcançar o prazer e o bem-estar, posto que seria uma forma de acesso à liberdade (Chemin, 2011).

    No conhecimento do senso comum, as categorias não trabalho, ócio, lazer, tempo livre e divertimento têm sido utilizadas como sinônimos (Chemin, op. cit. grifo nosso), no entanto, sugerimos uma diferenciação a tais termos. Assim, definimos que o não trabalho, se refere ao tempo em que o sujeito não está dedicado à atividade laboral, produtiva e remunerada; ao ócio, Camargo (1992, p. 19) atribui um sentido diferenciado, [...] pois ele acentua a ideia de um certo período de ausência de atividade compulsória em razão de uma determinada causa.

    O lazer, segundo Dumazedier (2012), não pode ser reduzido a uma atividade livre, caracterizada por satisfação imediata, ou contrária à atividade profissional apenas. É definido por oposição ao conjunto de necessidades e obrigações do cotidiano, ou seja, não há um significado em si mesmo, pois o sentido de lazer é construído a partir das vivências das pessoas, das práticas que adotam em seu cotidiano, e da forma que tais aspectos se relacionam e reagem entre si. Assim, uma atividade de lazer pode ser considerada para um grupo de pessoas e, para outro, apresentar um significado diferente.

    Tais informações demonstram que o lazer se beneficia da redução da jornada de trabalho, embora o tempo gasto com outras obrigações e necessidades do cotidiano não permita, para a maioria da população, a experiência de usufruir o tempo livre. Para a compreensão do debate sobre o lazer, temos então que compreender a industrialização e a urbanização como processos relevantes para esta diferenciação, em especial, no caso brasileiro, pelo fenômeno da migração interna ter se tornado uma prática recorrente, por levar as pessoas do campo para as cidades, em função do descaso das políticas públicas para a vida campesina e da apresentação dos centros urbanos como o eldorado de salvação das vidas dos trabalhadores rurais e de suas famílias. A urbanização, no caso brasileiro, passou a acontecer de modo autônomo e não apenas dependente da industrialização, sem a base prévia de qualidade de vida voltada, exclusivamente, para a necessidade de distribuição de produtos criados pela indústria.

    Neste hiato entre produção e condições favoráveis de vida, os valores e costumes foram repensados, reconstruídos e moldados de acordo com as novas demandas aparentes advindas das cidades. Como exemplo, citamos o poder da família, do trabalho e da religião (Camargo, 1992; Dumazedier, 2012), que passaram a ser ressignificados e a assumir, na vida urbana, distintos contornos da anterior vida rural. Na configuração trazida pela industrialização, implicações se expressam nas relações de poder, nas quais o pai de família, assim como o chefe político e o líder religioso têm o poder diminuído e contestado, juntamente com os valores arraigados às suas condutas, e que anteriormente eram controlados por uma geografia estritamente afetiva e por uma rede de relações restritas.

    Diante do despreparo para o trabalho urbano, o cotidiano das pessoas oriundas da vida campesina passa a ser amplo e diferente daquele que estavam adaptadas. O trabalho dos pais é modificado e uma multiplicidade de contatos substitui a intimidade entre os habitantes dos pequenos núcleos onde viviam, assim como são ampliadas as interações, para além dos graus de parentesco com os quais as pessoas se relacionavam anteriormente, pautadas apenas pela afinidade de gostos, interesses e aspirações, que também passam a ser modificados (Camargo, 1992).

    No mundo industrial, os movimentos sociais urbanos parecem ganhar mais velocidade no surgimento de aspirações novas, ao mesmo tempo em que demonstram maior engajamento entre as pessoas e as ações propostas e realizadas. Um exemplo dessa organização são as diferentes configurações e luta dos trabalhadores, a partir de associações e legalização dos sindicatos, cuja organização em corporações permite a conquista de direitos e manutenção de condições de trabalho; a luta dos jovens, em grupos e associações, por uma sociedade mais autêntica, menos autoritária, mais referendada no prazer, e que inclua uma maior participação política; os idosos, envolvidos em reinvindicações coletivas para serem reconhecidos como pessoas íntegras, com o direito de decisão sobre sua vida e uso do tempo livre, resultantes da aposentadoria; e, por fim, o empenho das mulheres, em busca de condições igualitárias e de equidade de gênero no que diz respeito ao direito de acesso ao trabalho, à remuneração e ao tempo de lazer (Camargo, op. cit.).

    Quanto às questões de gênero implicadas no lazer, Marcellino (2007) refere o desfavorecimento das mulheres em comparação aos homens, por não terem muito tempo de usufruto do lazer devido à dupla jornada de trabalho desenvolvida, no lar e na atividade laboral formalizada, após sua inserção no mundo do trabalho, embora já se perceba variações e mudanças qualitativas na gestão do âmbito privado das famílias. Stoppa et al. (2011) afirmam que, embora as mulheres tenham conquistado um lugar social de maior reconhecimento nas últimas décadas, continuam a viver em uma sociedade machista que privilegia o masculino, sem atentar aos direitos amplos das demais expressões de gênero, na perene perpetuação da subordinação e exclusão nas diversas áreas da vida social: empregos, salários, participação política e lazer, ainda sonegados ou com direitos inferiorizados.

    Segundo Camargo (1992), na modernidade, a industrialização traz grandes diferenças relacionadas ao cotidiano dos trabalhadores e impõe uma cultura peculiar: de foco na economia, na busca por alta produtividade, no acúmulo de bens e de capital, e com tais referências fixa mudanças bruscas no contexto laboral, bem como na vida social. No meio rural, se cotejarmos com essas referências da vida industrial, vemos as diferenças no que concerne ao trabalho que era iniciado e concluído no período em que havia luz solar, com eventuais pausas impostas pelo cansaço, pela chuva, pelos dias de domingo, feriados e entressafras. Dentre as características do trabalho rural, ainda permanece, nas indústrias, a longa jornada laboral nos picos de safra, sem que haja, no entanto, na segunda, o contato que se tinha anteriormente com a natureza, com os animais e com a família. A este respeito, comparando as duas realidades, a vida campesina e a vida urbana,

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