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Vulnerabilidade no Esporte – Volume 1
Vulnerabilidade no Esporte – Volume 1
Vulnerabilidade no Esporte – Volume 1
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Vulnerabilidade no Esporte – Volume 1

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Sobre este e-book

A coleção que se inicia neste volume remete-nos a uma temática que tem sido tratada de forma colateral e silenciosa no ambiente da atividade física e esporte. Apesar de algumas dos tópicos que encontrará neste livro já terem sido abordados de forma isolada ou mesmo como um problema/situação do ambiente esportivo, eles estão apartados de uma questão que os abarca todos: A VULNERABILIDADE. Usualmente associada às áreas sociais e de saúde, avulnerabilidade a partir de um olhar mais atento e arguto faz parte de todas as camadas que compõem o sistema esportivo: das políticas e legislações que orientam nosso esporte aos problemas decorrentes do processo de ensino da prática esportiva e da atividade física, do dirigente ao torcedor, todos estão expostos a situações de vulnerabilidade e, em muitos casos, são responsáveis por desencadear situações de exposição, de risco e de danos causados pela vulnerabilização, mas, também, na complexidade da temática estão vulneráveis.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de out. de 2018
ISBN9788546211890
Vulnerabilidade no Esporte – Volume 1

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    Vulnerabilidade no Esporte – Volume 1 - Afonso Antonio Machado

    Trois-Rivières

    Apresentação

    Tratar da vulnerabilidade no esporte foi um imenso desafio. Dentre eles está a escassez de literatura que trata do tema e mesmo a dificuldade de encontrar a associação da palavra vulnerabilidade ao cenário esportivo. Os temas tratados, na sua maioria, têm sido desenvolvidos na literatura esportiva, mas o fato essencial é que não há uma associação clara dessas temáticas com a vulnerabilidade, apesar dos postulados que definem a vulnerabilidade estarem presentes.

    Encontra-se ainda a dificuldade de estabelecer um rol de situações tipicamente esportivas que possam expor seus participantes a situações que se associem ao conceituo da vulnerabilidade; e a partir da exposição estabelecer quais os riscos e os possíveis danos: de curta a longa exposição, de baixa a alta intensidade, de dano temporário ao permanente, de pequena a grande extensão.

    Ao longo dos capítulos da coleção Vulnerabilidade no Esporte, composto por três volumes, nós poderemos identificar e verificar quais são os fatores e consequências da vulnerabilidade no ambiente esportivo nos mais diversos cenários e participantes. De aspectos como a relação da educação formal com o ambiente esportivo e suas consequências durante a carreira esportiva e após o período de competição. Compreender que muitas das consequências da vulnerabilidade no esporte extrapolam o período de formação e competição esportiva, como é o caso das lesões esportivas.

    O que se encontrará nos capítulos são temáticas sensíveis e delicadas como as questões relacionadas ao assédio moral e sexual, à corrupção, manipulação de resultados e ao doping. Perpassa pelas questões das mídias e das novas tecnologias, suas interações e consequências no ambiente esportivo.

    Deve-se ter como foco que a vulnerabilidade parte do esporte para o esporte, do ambiente externo para o esporte, do esporte para o ambiente externo. Afeta os atletas, técnicos e comissões técnicas, dirigentes, jornalistas, torcedores, familiares, patrocinadores que estão expostos e sofrem as consequências da vulnerabilidade, mas também são os mesmos atores responsáveis por sua perpetração e desencadeamento. O olhar apenas sobre essas interações é suficiente para nos dizer que estamos diante de um cenário complexo. É sobre essa complexidade que convidamos os autores dos capítulos a fazer suas reflexões trazendo olhares argutos.

    Com exceção do primeiro texto, no qual tratamos da conceituação da vulnerabilidade no ambiente esportivo, os demais capítulos da coleção e a divisão nos volumes não obedecem a uma hierarquia e necessariamente não fazem parte do mesmo conjunto de ações desencadeadoras da vulnerabilidade, mas têm em comum o ambiente esportivo e, de forma mais aguda ou tênue, estão interconectados pelos envolvidos no ambiente esportivo.

    Flávio Rebustini

    Afonso Antonio Machado

    Organizadores

    1

    VULNERABILIDADE NO ESPORTE

    Flávio Rebustini

    Afonso Antonio Machado

    A vulnerabilidade em todas as suas formas é um tema quase proibido ou ignorado no esporte. Ela não coaduna com a imagem do vencedor ou do que comumente é exposto nas chamadas da mídia do atleta invencível, do super-humano, das grandes estrelas esportivas usualmente conjugadas com a superação. Os problemas do sistema esportivo não podem estar presentes e não podem ser considerados, a não ser quando associados a um passado sofrido e de privação que possibilite a potencialização da vitória ocorrida, que possa vir a tornar a reportagem ou a história mais atraente (Rebustini, 2012). Assim, há dois objetivos nesse texto: apresentar os conceitos de vulnerabilidade existente na literatura e transpor esses conceitos para o ambiente esportivo.

    Para os pesquisadores Schinke e McGannon (2015), no editorial da revista Psychology of Sport & Exercise, é mandatório estudos mais inclusivos no esporte e exercício, já que os atuais estão centrados no homem, branco e de nível educacional médio. O editorial trata da necessidade de aumentar a diversidade de públicos e temáticas estudadas. Nesse cenário fica possível depreender que os pesquisadores não têm se debruçado sobre temáticas primais para o esporte, mas têm se concentrado em buscar dados significativos estatisticamente ou temáticas da moda, deixando de lado os outliers¹. Não tratamos como outliers apenas os indivíduos que podem ser considerados pontos fora da normalidade e também as temáticas que não têm recebido importância, pois a política de pesquisa e de publicação não está voltada para elas. Nesse sentido, pode-se aplicar a abordagem de Laar (2014) de que a vulnerabilidade não é apenas atribuída ao pesquisado, mas também ao pesquisador. Esse posicionamento alinha-se com a abordagem de Henderson (2004) de que a vulnerabilidade é uma via de mão dupla.

    A literatura sobre a vulnerabilidade está, iminentemente, focada nas questões geográficas/ambientais (Turner et al., 2003), bioéticas (Renaud, 2009; Diniz; Ghilhem, 1999), geopolíticas (Ezell, 2007; Sarewitz; Pielke Jr.; Keykhah, 2003), de saúde (Dunkley et al., 2011; Sesay, 2010; Meyer et al., 2006; Eplov et al., 2006) e de grupos (Bellenzani; Malfitano, 2006; Furini, 2003) os quais pode-se chamar de especiais ou de risco, inclusive partindo para o desenvolvimento de índices (Duncan; Schaller; Park, 2009; Schmidtlein; Deutsch; Piegorsch; Cutter, 2008; Carvo; Dercon, 2005).

    De acordo com Renaud (2008), a vulnerabilidade evoca o "vulnus" e a ferida acrescenta que agir e sofrer, atividade e passividade delineiam a estrutura de base da reflexão sobre a vulnerabilidade.

    Turner et al. (2003) e Proag (2014) definem a vulnerabilidade como sendo o grau a que um sistema, subsistema ou um componente do sistema é susceptível a experimentar dano devido à exposição a um perigo. Esse perigo apontado pelos autores atenta sobre as múltiplas camadas do contexto e pode ser originário de um risco único ou de múltiplos. Dependerá também da sensibilidade do sistema individual ou coletivo de responder adequadamente ou não ao risco, bem como é possível que fragmentos, partes ou combinações dos elementos que compõem o sistema respondam com intensidades e direções diferentes, essencialmente apontamos a não linearidade que opera sobre e no sistema, resultando na imponderabilidade e no intangível de múltiplas respostas. Em síntese, a vulnerabilidade é formada por um sistema tripartite, composto pela exposição, risco e dano (Rebustini, 2012).

    A complexidade entre as variáveis é elevada, tanto que, para Czeresnia (2004), os modelos de análises de risco, ao terem como critério a experimentação, exigem o controle de todos os fatores que podem interferir na experiência, a fim de que sejam criadas as condições que permitam observar uma relação de causa e efeito. Entretanto, como indica a autora, a construção desses modelos estabelece um processo de purificação que cria uma abstração do fenômeno estudado e, por consequência, reduz a sua complexidade.

    Cutler (1996) relaciona várias definições sobre a vulnerabilidade nos diversos ambientes de aplicação. De forma sintética, a vulnerabilidade é entendida como o desajuste entre ativos e a estrutura de oportunidades, proveniente da capacidade dos atores sociais de aproveitar oportunidades em outros âmbitos socioeconômicos e melhorar sua situação, impedindo a deterioração em três principais campos: os recursos pessoais, os recursos de direitos e os recursos em relações sociais (Kaztman, 1999). Assim, o conceito de vulnerabilidade implica a mensuração do risco associado com aspectos físicos, sociais e econômicos e as implicações sobre como o sistema pode resistir aos eventos (Proag, 2014).

    Hopenhayn (2002) aponta um dos grandes eixos da vulnerabilidade da cidadania: a ausência do sentido de pertencimento, que se pulveriza e se fragmenta, através da desvinculação (des)estabelecida entre Estado-cidadania-identidade. Esta vulnerabilidade se expressa, portanto, no cerceamento dos direitos, sejam eles econômicos e/ou políticos e/ou culturais.

    Então, quando nos apropriamos desses conceitos, podemos dizer que o esporte pode vulnerabilizar os participantes? As seletivas esportivas dos que postulam ser atletas não são uma forma de cercear, impedir e neutralizar o sentido de pertencimento do jovem que quer praticar o esporte de competição. O esporte também cerceia o direito de ir e vir; no alto rendimento com a aplicação das concentrações, muitas vezes, prolongadas, inclusive com jovens atletas, vide os centros de formação e treinamento juvenis, que alijam os atletas da vida cotidiana ou nos países em que o esporte é um dos vértices de propagação e propaganda do regime político. Nesses casos, as crianças e jovens são afastados da família e passam a estar inteiramente tutelados pelo Estado, com o único propósito de representar o sistema político (Rebustini, 2012).

    A dialógica do indivíduo com o contexto e como ocorrem as dinâmicas desencadeadas desse processo determinam se ele se tornará vulnerável ou não. Para La Mendola (2005), os princípios do racionalismo individualista devem guiar as condutas dos agentes, sustentando que os perigos devem ser enfrentados de forma individual. Para Palma et al. (2003), é possível pensar numa vulnerabilidade individual, isto é, um estado ou condição particular de um indivíduo que o torna vulnerável. A vulnerabilidade pode manifestar-se não só em decorrência das condições individuais, biológicas e/ou geográficas, mas, sobretudo, das condições sociais de vida desfavoráveis.

    Se pensarmos na vulnerabilidade no esporte eliminando as questões da individualidade do atleta, estaremos desrespeitando um dos princípios norteadores do treinamento desportivo. Além das diferenças pertinentes a cada modalidade, a individualização do treinamento é ponto central da organização e do planejamento do rendimento desportivo. É exatamente a individualização do treinamento, das técnicas, dos materiais, da alimentação, dentre outros fatores que são feitos sob medida para cada atleta, que garantem o alto rendimento.

    Assim, torna-se iminente encontrar maneiras de identificar, analisar, refletir, mensurar, equalizar os sistemas e estruturas que estejam latentes à vulnerabilidade. Fica patente a complexidade e interações que envolvem a vulnerabilidade e a atenção necessária aos fatores e conexões que a potencializam no binômio Humano-Ambiente (Turner et al., 2003). Para Schnell et al. (2014), se considerarmos que o comportamento de risco é, pelo menos parcialmente, necessário para melhorar ou maximizar o desempenho esportivo, uma vontade moderada a assumir riscos precisa ser aceita, a fim de fazer parte do sistema desportivo elite. Essa condição ou exigência de assumir riscos, com treinamentos mais complexos, intensidades mais altas, regimes de prática diferenciados em condições diferenciadas, alimentação, novas tecnologias – como treinamento em realidade virtual – e agendas mais intensas com a mídia, não expõe os atletas a riscos maiores? Diante destes aspectos, onde estão os estudos sobre a vulnerabilidade no esporte? O humano-atleta não é vulnerável?

    A expansão significativa do esporte durante o século XX está intimamente conectada a duas instrumentalizações apontadas por Bourg e Gouguet (2005): de um ponto de vista político, o esporte é utilizado como forma de propaganda de ideologia e de regimes, a contagem de medalhas ou vitórias torna-se uma questão política de primeira importância. Do ponto de vista econômico, o esporte entra resolutamente na era da mundialização e da globalização financeira com riscos de submissão ao reinado do lucro. Os meios (econômicos) suplantam a finalidade (esportiva), o conjunto do sistema se inverte e chega à sua própria negação: carreirismo, doping, corrupção, trapaças, etc. Hamilton e Coyle (2012) destacam muitos desses aspectos em seu livro sobre a Volta da França de Ciclismo.

    Apesar de raramente as ciências aplicadas ao esporte utilizarem o termo vulnerabilidade, o olhar atento do leitor poderá, diante das definições da vulnerabilidade, encontrar diversos contextos e fatores que podem expor de forma sistemática e recorrente; de forma intensa ou moderada; aguda ou crônica os personagens do cenário esportivo à vulnerabilidade. Pode-se tomar como referência os efeitos do excesso de treinamento – abandono, lesões, redução da imunidade (Caine; Purcell; Maffulli, 2014; Kreher; Schwartz, 2012; Thiel et al., 2011; Meeusen et al., 2010; Pearce, 2002; Hughes; Leavey, 2012; Cristakou; Lavallee, 2009), do doping (Hauw; Bilard, 2011; Sabino, 2004), da transição de carreira (Wylleman; Reints, 2010; Stambulova et al., 2009; McKnight et al., 2009), da mídia (Reed, 2011; Garrison; Salwen, 1989; Weis, 1986); das novas mídias e redes sociais (Rebustini, 2012; Moioli, 2013), da torcida (Machado, 2011; Foer, 2004), do assédio moral ou sexual (Fasting; Brackenridge; Kjolberg, 2011; Martill, 2009; Moioli, 2004; 2013; Smith; Stewart, 2003), racismo (Leonard; King, 2011), corrupção (Masters, 2015; Chadwick, 2014; Duvinage, 2012), gênero (Hargreaves; Anderson, 2014; Aitchison, 2007; Wellard, 2007; Fuller, 2006), o corpo e imagem corporal (Papathomeas; Lavallee, 2014; Zanetti, 2013), as políticas esportivas (Mezzadri et al., 2014), as questões morais e éticas (Moioli, 2013), dentre outras temáticas.

    Estas não são zonas de vulnerabilidade causadas pelo esporte? Temas como a vergonha (Elison; Partridge, 2012; Lavoura, 2007) e o medo (Elison; Partridge, 2012; Lavoura, 2007) são tocados levemente na ciência esportiva e raramente abordados na prática. Como se o atleta de alto rendimento não fosse humano e não pudesse ter sentimentos, emoções, além daqueles que ressaltem sua divindade originária do Olimpo. Já é possível até aos robôs expressarem rudimentarmente emoções, mas é exigido, muitas vezes, do atleta o pleno domínio das emoções, que não devem ser expressadas fora do contexto do desempenho. Todos estes fatores mencionados, emanando de forma isolada ou combinada, podem resultar no abandono da carreira esportiva e perdurar fora do ambiente esportivo pela vida dos atletas (Rebustini, 2012).

    Esses apontamentos conduzem para a complexa visão do esporte como forma de resolução social e saúde, reforçada intensamente pela mídia contemporânea. De um lado, a formação dos heróis e a valorização da superação, e de outro lado, o esporte que fragmenta o atleta, o qual explora ao máximo as energias e as habilidades. Quantos são os atletas que encerraram suas carreiras com problemas de saúde e lesões? Um fato muito marcante é o processo coletivo movido por ex-atletas de futebol americano em razão dos efeitos das concussões cerebrais sofridas ao longo da carreira (folha.com, 25/12/2011).

    McKnight et al. (2009) destacam as diferenças entre os atletas de alto rendimento e as outras profissões quanto ao momento de transição de

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