Rayd e a lua do caçador - Volume 2: O Necromante
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Rayd e a lua do caçador - Volume 2 - daniel kloster
Direitos autorais © 2020 Dan Kloster Todos os direitos reservados
Essa história é ambientada na Prússia do Século XV. Baseada em fatos históricos reais e documentados. Tomei a liberdade de ajustar os lugares de acordo com o enredo. As cidades e Voivodias mencionados realmente existiram, mas sofreram modificações para se adaptar à trama. Os eventos históricos nela retratados também são reais, assim como alguns dos personagens. Ademais, os eventos fantásticos que permeiam a narrativa deste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou falecidas, é coincidência e não é intencional por parte do autor.
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de recuperação, ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão expressa por escrito da editora.
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Número de controle da Biblioteca do Congresso:
Impresso no Brasil por - Copyright© Dan Kloster, 2020
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Publicado originalmente por Daniel Augusto Kloster
Título Original: Rayd e a Lua do Caçador – Volume II
Preparação, Revisão e Diagramação: Dan Kloster
Diagramação e Imagem da capa:
Texto Descrição gerada automaticamente com confiança médiaPara Orcezi, Darlene, Matheus e Brunna
Sem vossas mercês ao meu lado, jamais teria realizado esse sonho.
Vos amo muito!
A vida é amarga e doce. Por isso não há outra forma de descrevê-la senão captando esses dois sabores!
Jim Harrison
Não há nada nobre em ser superior ao seu semelhante. A verdadeira nobreza é ser superior ao seu antigo eu!
Ernest Hemingway
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – MARTHA KOVACH
CAPÍTULO 2 - RAYD E A PRIMEIRA MORTE
CAPÍTULO 3 - MARTHA E O MENSAGEIRO
CAPÍTULO 4 – A EMBOSCADA
CAPÍTULO 5 – O REFÚGIO
CAPÍTULO 6 – RAYD E NOHRA
CAPÍTULO 7 – A DOCA DOS RATOS
CAPÍTULO 8 – AMBIÇÃO E VAIDADE
CAPÍTULO 9 – MARIELLE X KARVELIS
CAPÍTULO 10 – AS SALAS DA DOR
CAPÍTULO 11 – MARIELLE E A PRIMEIRA FUGA
CAPÍTULO 12 – O RITUAL
CAPÍTULO 13 – OS DESGARRADOS
CAPÍTULO 14 – O EMBARQUE
CAPÍTULO 15 – O SEGUNDO COMBATE
CAPÍTULO 16 – TYNUS E OS CARCAJU
CAPÍTULO 17 – OS IMPIEDOSOS CANINOS LONGOS
CAPÍTULO 18 – DO BRANDENBURGO A VILNIUS
CAPÍTULO 19 – REI CASEMIRO IV, O JAGUELÃO
CAPÍTULO 20 – CASEMIRO E O DIABO
CAPÍTULO 21 – O TERCEIRO COMBATE
CAPÍTULO 22 – GENERAL GUDRUK E AS TROPAS
CAPÍTULO 23 – O XERIFE E A CAÇADA
CAPÍTULO 24 – ALEK KARVELIS
CAPÍTULO 25 – O BISPO E O SANGUE
CAPÍTULO 26 – DE ELK A ZANTYR
CAPÍTULO 27 – RAYD E OS CANINOS LONGOS
CAPÍTULO 28 – O ESCOLHIDO
CAPÍTULO 29 – A BATALHA DE ZANTYR PARTE I
CAPÍTULO 30 – A BATALHA DE ZANTYR PARTE II
CAPÍTULO 31 – MARIELLE E A SEGUNDA FUGA
CAPÍTULO 32 – O ENCONTRO
CAPÍTULO 33 – MARIELLE E O MENSAGEIRO
CAPÍTULO 34 – ALGIMAS, O RATO
CAPÍTULO 35 – ESQUELETO E OS ESGOTOS
CAPÍTULO 36 – A ASSEMBLEIA DAS FERAS
CAPÍTULO 37 – A BANHEIRA
CAPÍTULO 38 – ELZA X ZORBAT
CAPÍTULO 39 – O RAPTO
CAPÍTULO 40 – ALDO E O ADEUS
CAPÍTULO 41 – AS AMARGAS SENSACÕES DO ADEUS
CAPÍTULO 42 – O RETORNO AO CAPÍTULO
CAPÍTULO 43 – ZORN E A RESISTÊNCIA
CAPÍTULO 44 – O NEVOEIRO
CAPÍTULO 45 – MARIELLE E O CAPÍTULO
CAPÍTULO 46 – E MAIS QUE TUDO, NÓS DOIS!
CAPÍTULO 47 – FLECHAS DE FOGO
CAPÍTULO 48 – A BATALHA DO CAPÍTULO
CAPÍTULO 49 – O EXÉRCITO VERMELHO
CAPÍTULO 50 – DOIS REIS
CAPÍTULO 51 – MARTHA E OS ALTARES
CAPÍTULO 52 – A BATALHA DO VÍSTULA PT-I
CAPÍTULO 53 – NAS RUAS DE BALGA
CAPÍTULO 54 - A BATALHA DO VÍSTULA PT-II
CAPÍTULO 55 – MARIELLE E O DIABO
CAPÍTULO 56 – DE VOLTA AOS ALTARES
CAPÍTULO 57 – MARTHA E O FIM
CAPÍTULO 58 - A BATALHA DO VÍSTULA PT-III
CAPÍTULO 59 – ZIG E OS DESGARRADOS
CAPÍTULO 60 – MALBORK
CAPÍTULO 61 – TÓRUN
CAPÍTULO 62 – MÃE
CAPÍTULO 63 – RAYD E A SEGUNDA MORTE
CAPÍTULO 64 – A FLOR AZUL
CAPÍTULO 65 – A PRÚSSIA REAL
CAPÍTULO 66 – A CARTA
CAPÍTULO 67 – UM NOVO DESPERTAR
CAPÍTULO 68 – PARA SEMPRE E MAIS UM DIA
CAPÍTULO 69 – DE VOLTA ÀS NASCENTES
CAPÍTULO 70 – RAYD E O MENSAGEIRO
*As áreas mais escuras correspondem à Prússia no final do século XV entre 1442 e 1496.
* O mapa acima mostra o domínio dos Cavaleiros Teutônicos sobre a Prússia desde a invasão. O Império Teutônico é ladeado pelo Grão-Ducado da Lituânia e o Grande Reino da Polônia. Um mapa parecido é usado pelo Subxerife Zorn em sua Palestra.
Cidade de Tórun ou Thorn, ilustração de 1466 ano em que o Segundo Tratado de Paz de Tórun foi celebrado.
CAPÍTULO 1 – MARTHA KOVACH
Martha e o menino choravam no quarto, nos fundos da casa, enquanto o pai golpeava violentamente a pesada cadeira em tudo o que encontrava na sala. Se deleitava ouvindo tudo quebrar. A cabeça da pobre moça era um turbilhão de pensamentos desencontrados. Sua vida inteira passava diante de seus olhos, enquanto aconchegava e tentava acalmar o filho em seus braços. O que fizera para ter tanta infelicidade e sofrimento na vida? Agradecia profundamente o homem não saber que o menino não era filho dele, as coisas com certeza seriam ainda piores. Após um instante de silêncio, e alguns passos pesados, a porta do quarto abriu-se violentamente com um estrondo.
- Onde está mulher? Urrou o homem num gorgolejo ensandecido.
- Pela dama da aurora Dhemen, já disse, não tenho mais dinheiro algum. As últimas díviras que possuía foram bebidas por vossa mercê na Taberna! Exclamou se encolhendo, e esperando a surra que viria em seguida.
O homem olhou-a com uma fúria demoníaca enquanto partia sobre ela. Para a surpresa de ambos o pequeno se levantou, e num grito ensurdecedor golpeou o homem com uma força descomunal na lateral do crânio. Usou um dos pés de cadeira que também quebrada, jazia em um dos cantos. Os olhos do homem foram da fúria animal para um vazio infinito, desses que só os que não estão mais nesse mundo possuem no olhar. Martha não teve tempo de reagir, apenas assistiu o corpo do marido desabar sem vida no chão.
Saíram apressados pela noite morna e sem luar, carregando somente o essencial e as economias que Martha escondera cuidadosamente do falecido. Tinham de ser suficientes, tinham que durar até se restabelecerem em algum lugar, bem longe dali.
Dois anos rápidos se passaram desde o acontecido, ainda assim, contra sua vontade, as amargas lembranças assaltavam Martha, vívidas como se fossem hoje. Sempre que isso acontecia, ela sacudia a cabeça com violência tentando dissipar as terríveis imagens que aqueles anos de sofrimento haviam entalhado em sua alma. Se pegou fazendo isso enquanto estendia as roupas no varal na frente da casa. Parou por alguns instantes para observar o garoto que brincava ao seu lado, e sorriu aliviada. Levavam uma vida serena agora, muito humilde, mas sem privações. Encontrara milagrosamente a cabana em que moravam, abandonada, mas relativamente bem conservada às margens do Rio Guber, quase na entrada da floresta de Alle. Da floresta tirava seu sustento, junto com suas hortas e suas cabras. Pensava nisso quando foi interrompida pelo som de uma carroça vindo da estrada, e com ele, uma cantoria alta e desafinada. Um leve sorriso se desenhou em sua boca fina e delicadamente emoldurada pelas sardas.
O jovem Aldo guiava a carroça com pressa pela estrada. Ia em direção ao seu melhor momento do dia, quiçá da semana. Cantarolava alto e feliz, enquanto as imagens da bela moça de cabelos vermelhos, tez branca e olhos de um verde escuro e profundo, dançavam em frente aos seus olhos.
Encontrou-a pela primeira vez na estrada de Vistotempil. Ao vê-la, freou imediatamente a carroça e ofereceu-se para levá-la. A moça trajava um vestido humilde e encardido, trazia ao seu lado uma grande cesta com frutas e geleias e um menino. Iria vendê-las no vilarejo contou ao homem. A moça recusou timidamente a carona, mas não a compra de alguns potes de sua inigualável geleia de framboesa e mirtilos.
- E o menino, por quanto vai vendê-lo? Perguntou Aldo numa troça indisfarçável.
A moça, apesar de tímida, tinha um aguçado senso de humor, e não pôde conter o riso solto que a declaração provocou. O riso sincero saindo daquela boca linda e salpicada de sardas remexeu as tripas do homem. Não conseguiu mais tirá-la da cabeça desde então, e arrumava qualquer desculpa para frequentemente visitá-la. Aos poucos foi conquistando o coração de ambos. Aldo Garzulis era seu nome, o ferreiro mais famoso da região, mais por seu bom humor contagiante do que pelas ferramentas que fabricava. Alegre e fanfarrão fazia-se amigo de todos os que por um acaso viessem a cruzar o seu caminho. Tinha sempre uma palavra carinhosa e uma piada pronta para dirigir aos conhecidos. Apesar de não possuir uma beleza digna de nota, conquistava amigos e algumas moçoilas graças a esse seu carisma inigualável. Mas nada mais tocara seu coração desde que conhecera Martha Kovach, que misteriosamente criava seu filho sozinha, na pequena cabana às margens do Guber.
Martha afastou os lençóis do varal e se dirigiu até à cerca que separava o imenso quintal da estrada. Caminhava olhando fixamente para o rapaz que descia da carroça. Estranhou o fato de ele estar tão bem-vestido, de banho tomado e cabelos bem penteados. Aldo cumprimentou-a com um suave beijo nas mãos enquanto despenteava a cabeleira escura do menino, que tímido, se postara ao lado da mãe.
- E como está esse pequeno lobo? Perguntou ao garoto.
- Sou um grande lobo Tio Aldo, não temo nada nem ninguém! Disse o menino orgulhoso estufando o peito.
- É verdade, vossa mercê cresceu rápido nesses últimos tempos garoto, está praticamente um homem! Respondeu.
- Aceita um chá Aldo? Perguntou Martha enquanto apontava a entrada da casa.
Ambos se sentaram na mesa que ficava no primeiro dos dois cômodos que servia de sala e cozinha e era contíguo ao quarto de ambos. O menino deixou-os assim que se sentaram, e sumiu pelo quintal. A conversa girou por um bom tempo sobre amenidades. Em determinado momento Aldo assumiu um tom sério e grave, tão formal que Martha estranhou.
- Que houve Aldo, algo o preocupa?
- Martha, eu venho já a algum tempo tentando tomar coragem para vos falar, creio....quer dizer..., confesso que se eu não externar meus sentimentos agora, sinto que vou enlouquecer!
Martha corou num misto de pudor e preocupação, mas nada respondeu.
- Nutro por vossa mercê um sentimento incontrolável de amor. Todos os meus dias e noites são povoados por sua imagem e a do menino. Minha preocupação convosco me tira o sono e o apetite. Cada vez que me despeço...hum..digo, ao sair daqui, parece que um pedaço de mim ficou para trás. Um pedaço do meu coração! Falou o homem esperando uma reação.
Martha ainda ruborizada olhava em silêncio para o chão. Aldo continuou.
- Por esse motivo não vejo como adiar mais. Martha por favor case-se comigo!
- Preciso tê-la perto de mim até o fim dos meus dias, e o seu menino claro eu....eu....tenho muito apreço por seu menino. Tenho-o como se fosse meu, e nada em seu passado me interessa, apenas o nosso futuro. Juntos. Isso é tudo que me importa agora!
Martha ainda permaneceu um bom tempo em silêncio até erguer os olhos para o ansioso pretendente.
- Oh Aldo, tenho tantos fantasmas em meu passado, que não sei se seria honesto de minha parte desposá-lo, e dividir esse pesado fardo com vossa mercê!
O homem segurou as mãos de Martha apertando-as, estavam frias como a brisa da madrugada.
- Já vos disse e torno a repetir minha amada. Nada em vosso passado me importa, não quero que me conte e sequer lembre dos fatos que o compuseram. Apenas ....so...somente me aceite como parte de um futuro cheio de amor e cumplicidade!
O homem a olhava profundamente emocionado, uma lágrima escorria lentamente de seu olho esquerdo. Martha feliz e receosa aceitou a proposta com um leve sussurrar e olhos marejados. Sentia que ao lado daquele homem tão gentil e generoso sua vida poderia ser diferente daqueles anos de inferno que viveu. No fim da tarde, Aldo saiu em disparada pela estrada, feliz como um menino. Viria no dia seguinte e juntos rumariam a Vistotempil para oficializar a união junto com sua família. O homem não cabia em si, se sentia flutuar. Martha sorriu vendo sua corrida desajeitada e olhou o pequeno que a abraçava pela cintura. Se sentia feliz como talvez nunca tivesse se sentido e isso a deixou desconfortável, uma sombra de medo encobriu seu coração. A felicidade para ela sempre fora efêmera, como a calmaria antes da tempestade.
CAPÍTULO 2 - RAYD E A PRIMEIRA MORTE
Martha adicionava as frutas calmamente no caldeirão da lareira. Mexia devagar para que o açúcar natural apurasse nas chamas brandas. Todo o processo era lento e cuidadoso, o que resultava nas melhores geleias da região. Com as frutas encontradas na floresta e o seu jeito naturalmente cuidadoso, conseguia ajudar no sustento da casa fazendo vendas das compotas no vilarejo. Tão imersa estava em seus afazeres e pensamentos que não notou a chegada do pelotão na estrada.
Um relincho mais forte trouxe-a de volta à realidade. Assustada saiu para o quintal e de longe viu o menino que conversava com os soldados. Seu coração disparou. Aflita, lembrou-se dos conselhos de Aldo.
Cuidado Martha, se soldados um dia baterem à sua porta, fuja! Todas as baixas patentes desse exército maldito são constituídas por mercenários. Bárbaros, que fugindo de seus locais de origem, são recrutados pelos Teutões da Germânia. Estes se dizem puros, e não querem sujar as mãos com o sangue dos pagãos. São homens cruéis, sem escrúpulos, capazes de qualquer atrocidade para saciar o seu apetite, seja qual for!
Eram no total de cinco, e o que deveria ser o comandante já desmontara, e fazia perguntas ao menino. Ao ver Martha se aproximando, desviou a atenção para ela com olhos sequiosos e selvagens.
- Saudações, minha senhora, estávamos de passagem e paramos para um pequeno descanso. Espero que não se importe? Falou o homem.
- Claro, por favor fiquem à vontade. Eu tenho algumas coisas para terminar, então, se me derem licença! Respondeu ansiosa e ofegante.
- Filho preciso de sua ajuda. Pode vir comigo? Martha estendeu a mão ao garoto, mas foi surpreendida pelo soldado.
- Então vossa mercê não se importaria se tomássemos um pouco da água de seu poço? O homem insistiu apontando para o local em que a fonte de água se encontrava, entre a estrada e a casa.
Martha relutou, mas teve que retirar os travessões da cerca e liberar a passagem para os soldados que, sem qualquer cerimônia entraram na propriedade. Martha se sentia perdida, a situação toda era muito tensa e o desconforto lhe causava engulhos de aflição. Ela pegou o menino pelas mãos e caminhou rapidamente na direção da casa.
- Qual a idade do rapazinho? Perguntou o comandante.
- Doze anos! Martha respondeu sem se virar.
- Ora ora, é exatamente a idade em que a Ordem dos Cavaleiros Teutônicos começa a treinar seus pajens e cavalariços. Então meu rapaz, não gostaria de entrar para o exército? Tornou o soldado num tom simpático.
O menino já ia responder, mas foi puxado pela mãe que agora apressara o passo. O homem numa pequena corrida bloqueou o caminho de ambos.
- Onde está o vosso marido? O homem agora segurava o braço de Martha enquanto olhava para os lados a procura de algo, ou alguém.
- Não é de vossa conta? Martha respondeu irritada.
- Ora minha bela, é apenas uma preocupação com vossa segurança. Como deveis saber, uma mulher sozinha com uma criança em um local tão ermo, é bastante perigoso nos dias de hoje! O homem falava devorando-a com os olhos.
- Meu marido se encontra em Vistotempil, foi tratar de negócios, mas já deve estar voltando! A moça respondeu furiosa, o pânico e a raiva pela impotência tiravam seu fôlego. No fundo se sentia dividida, queria que Aldo estivesse ali, mas sabia que se estivesse, sua vida também estaria em perigo.
- Por certo! Respondeu o homem parecendo não ouvir. De súbito abaixou-se para olhar nos olhos do pequeno, enquanto apertava dolorosamente o punho da mulher.
- Então meu jovem, o que acha se juntar ao Exército Teutônico e viver grandes aventuras? Nós podemos conversar com seu pai, ele com certeza vai aprovar a ideia!
O pequeno Rayd não sabia como reagir, olhava sofregamente para a mãe e de volta para o soldado. Sua respiração foi ficando entrecortada e uma estranha expressão tomou conta de seu rosto. A curiosidade infantil deu lugar a uma fúria incontida. Ele parecia pressentir o perigoso rumo que as coisas iam tomando.
- Pois eu acho que é isso que vamos fazer. Vamos ficar aqui, e aguardar o retorno de seu pai. Vamos contar-lhe a grande novidade não é mesmo?
E então, como no passado, o menino reagiu. Com uma velocidade impressionante o rapazinho roubou a adaga do soldado que não teve tempo de reagir. O menino cortou sua garganta cortada numa fração de segundos. O corte foi extenso e profundo, o sujeito se engasgava em estertores enquanto tentava segurar o jorro de sangue. A cascata vermelha começava a empapar o colete do uniforme quando Rayd agarrou a mão da mãe e ambos fugiram para a floresta. Os outros soldados, mais distantes, estranharam ao ver mãe e filho fugindo para as árvores. Ao se aproximarem do comandante viram-no desabar sobre a poça de sangue. Boquiabertos frente ao inacreditável, saíram no encalço de Martha e seu filho, berrando e brandindo espadas.
O menino corria muito rápido, a mãe por vezes era quase que arrastada. Eles podiam ouvir os soldados se aproximando. Rayd percebeu que não conseguiria despistá-los, nem ganhar a distância que certamente conseguiria sozinho. Nesse momento, parou de correr e voltou-se para a mãe.
- Mamãe, deveis seguir sozinha daqui eu vou distraí-los e levá-los para longe! A estranha e repentina maturidade que o menino assumiu, surpreendeu a mãe. Um lado que ela jamais havia visto. A morte daquele que achava ser seu pai, pelas suas próprias mãos, parecia tê-lo marcado profundamente, mas ela nunca teve a certeza disso. Agora constatava atônita, a frieza e lucidez com que ele enfrentava mais uma vez uma situação de vida ou morte.
- Não meu querido, não vou me separar de vossa mercê, não te deixarei. Esses homens são assassinos frios, e ainda mais, movidos por essa sede de vingança contra nós, não tereis a mínima chance!
- Mas vai ter que ser assim, não posso deixar que caia nas mãos desses animais. Vossa mercê tem que me prometer que fará o impossível para sobreviver! Respondeu, segurando a mãe pelos ombros e olhando profundamente em seus olhos.
- Eu simplesmente não posso meu filho, como suportarei essa existência miserável sem vós meu amor!
- Eu vou lutar mamãe, esses porcos assassinos sentirão a minha fúria. Eu os matarei e voltarei para buscá-la!
- Siga por ali, não temos mais tempo eles estão chegando!
Dizendo isso, o garoto sumiu entre as árvores fazendo o máximo de barulho possível.
Martha ainda ficou alguns instantes tentando absorver a forma como o filho lhe falou. Sua voz, seus olhos, não parecia mais o menino frágil de outrora, parecia estar possuído por algo além desse mundo. Saiu do transe com os gritos alucinados dos soldados cada vez mais próximos. Olhou na direção apontada pelo garoto e percebeu uma pequena trilha de animais seguindo por entre moitas espessas de espinheiros. Quase oculta, ficava à esquerda do caminho que o filho havia tomado. Contrariada, seguiu por ali, mas na entrada do espinheiro o vestido enroscou-se impedindo-a de prosseguir. Puxou-o com violência, ele se soltou, mas não sem antes deixar um pedaço de tecido num dos ramos de espinhos.
Martha se arrastava pelo emaranhado odioso de forma lenta e sofrida. As lágrimas se misturavam ao sangue que escorria dos pequenos cortes em seu rosto. Pensava muito em desistir da fuga e ir atrás do filho, mas sentia que, de alguma maneira, poria tudo a perder. Os quatros soldados chegaram rapidamente ao ponto onde mãe e filho haviam se separado. Os três primeiros ouviram os gritos do menino e seguiram naquela direção. O quarto, achou estranha a situação e se manteve no local. O menino não lhe interessava, tinha alguma coisa errada ali, e ele queria a mãe. Farejava o local como um animal, só o vislumbre de possuir aquela bela mulher de tez branca e cabelos vermelhos já o deixava excitado em um nível anormal. A baba branca e pastosa escorria dos cantos da boca e os olhos injetados eram um indício do estado de loucura provocado pelo desejo bestial. E então ele viu, quase oculto pelas moitas, um pedaço de tecido.
O dia ia terminando quando a mulher saiu da tortuosa trilha, uma clareira se abria para um pequeno córrego de águas cristalinas que terminava em uma singela cascata. Ela caminhou trôpega e deitou-se para beber um pouco de água enquanto tentava se recompor.
Rayd meu anjo como estarás? Rogo por sua proteção!
Pensava ela, entre soluços.
Foi interrompida pelo barulho de algo cortando a vegetação, abrindo caminho por onde ela viera. Alguém se aproximava e ela precisava se esconder e rápido.
O homem desferia violentos golpes com a espada, mas a vegetação teimosa, não cedia. Aquilo alimentou ainda mais a ira que o consumia por dentro. Saiu para a clareira o rosto banhado de sangue, o que o tornava ainda mais assustador. Era um sujeito grande de barba e cabelos desgrenhados, tudo tingido de vermelho. Não parecia um soldado, mas um bárbaro Skalvio. Martha ao ver aquela figura aterrorizante escondeu-se atrás da árvore. Assim que pudesse, pensou ela, correria para o outro lado do riacho e sumiria na floresta. Esperou com o coração na garganta que o homem desistisse da busca e fosse embora.
O bruto assim que se viu livre da estreita trilha e seus espinhos, esbravejou alto, erguendo a espada acima da cabeça, para em seguida cravá-la no chão. Em seguida esfregou o rosto com as mangas do uniforme praguejando alto. Grunhia e roncava como um javali no cio enquanto vasculhava a sua volta. Martha ouvia encolhida os terríveis sons que o homem emitia, caçando-a como um animal predador. O pavor começou a amortecer o seu corpo, sentiu as pernas adormecerem e a respiração falhar. Nem percebeu quando a enorme mão tapou a sua boca.
Ele puxou-a para junto do seu corpanzil e afundando a cara em seus cabelos, cheirava e gemia.
- Te encontrei minha pombinha, somos só nos dois agora!
A pressão dos braços sobre a cintura e a boca eram sufocantes, Martha livrou a boca e mordeu com todas as forças a mão do sujeito, até sentir o gosto do seu sangue. O homem, num grito, jogou-a no chão. Ela cuspiu o sangue com pedaços da pele do sujeito e saiu correndo desesperada e sem direção. Foi alcançada, e facilmente jogada ao chão pelo sujeito que se atirara sobre ela. Perdeu o fôlego ao bater no chão sentindo o peso descomunal sobre as costas.
- Porque a pressa meu pãozinho branco, ainda não terminamos por aqui!
O bafo fétido entrou pelas narinas da jovem provocando náuseas insuportáveis. Ela vomitou. O homem vendo isso levantou o tronco, mas manteve-se sobre as nádegas dela, enquanto arrancava o colete e soltava o cordão que prendia as calças.
- Vamos ver agora se sois vermelha embaixo também! Dizendo isso, soltou uma gargalhada rouca e sufocada, tossindo em seguida.
O monstro então recuou, prendendo as coxas de Martha na altura do joelho. Ela então sentiu a faca cortando o tecido da saia e subindo até os laços das costas da camisa. O homem cortava cada laço enquanto cantarolava numa língua estranha. Terminando, puxou a saia e a blusa para os lados, deixando-a seminua.
Martha estremeceu de repulsa ao sentir o membro quente do homem tentando encontrar um caminho entre suas pernas. Fechou os olhos aflitos e começou a gritar suplicando para que o ele não fizesse aquilo. Implorava, chorava pensando em morrer, mas lembrou-se da promessa feita ao filho. Já sentia o falo em seu interior quando repentinamente ouviu um som estranho vindo de cima. Ossos quebrando, gorgolejos convulsivos, estertores e em seguida, um líquido quente que espirrou em suas costas. Sentiu a pressão nas pernas sumir e em seguida um baque surdo ao seu lado. Virou seu rosto na direção do som e viu o homem caído, uma espada saía de sua boca.
Martha virou-se assustada, e viu incrédula, o menino em pé atrás dela. Seu filho, o pequeno Rayd estava vivo. Ela se levantou agarrando o que sobrara do vestido, e abraçou o menino com todas as suas forças.
- Rayd meu amor, vós conseguistes, escapou deles, estais vivo e... mas como, como conse...?
- Estou bem mamãe, um pouco cansado e com sede, mas estou bem! Gemeu.
Martha afastou-se e reparou na profunda palidez do menino. Examinou-o de cima a baixo e notou a grande mancha de sangue no lado direito do abdômen.
- Estais ferido...oh...pela aurora, temos que voltar para casa rápido, preciso encontrar Aldo e....! O menino desabou em seus braços.
- Preciso de água mamãe, me leve até o rio! Sussurrou.
Martha carregou o menino até o riacho, amparou sua cabeça com uma das mãos, enquanto com a outra molhava seus lábios. Os olhos esverdeados do filho estavam estranhamente mais claros que o normal. Martha já vira isso outras vezes, irradiavam um profundo e infinito amor pela mãe. Ele então sussurrou.
- Mãe, olha.............. lá em cima.........é a lua!
- Sim meu querido, a lua, agora descanse por favor, tudo acabou agora. Eu vou procurar ajuda, preciso que aguente firme!
- Não mãe, nada acabou ainda! Disse o menino, com a voz sumindo.
- Sim, acabou meu pequeno, os soldados se foram. Não sei como conseguistes, mas cumpriste a promessa, salvou-me!
- Não, não acabou mãe, e preciso que continue viva. Preciso de vós mais do que nunca. Prometa que sempre estará junto a mim!
- Prometa que seguirá em frente!
- Sim, prometo, claro sempre estarei convosco. Mas porque estais falando isso? Vais sobreviver, e sairemos juntos disso tudo. Dessa loucura, de todo esse inferno! Tornou a mãe cada vez mais angustiada.
- Fique junto de tio Aldo, ele vos ama verdadeiramente. Tem por vós quase uma devoção. Per....permaneça junto dele! Falou o menino reunindo as últimas forças que lhe restavam. Em seguida olhou novamente para o céu.
- Mamãe a lua do caçad.......ela vai....!
A voz do menino estava quase inaudível ao final da frase, sua respiração foi diminuindo, diminuindo até parar. Seus olhos permaneceram vidrados, fixos no céu. Refletiam a lua que agora assumia um estranho tom avermelhado.
- Filho!
Nada além do silêncio. Martha enlouqueceu.
- Eu não vos dou esse direito, não podeis morrer. Não permito que me deixes aqui, o que serei eu sozinha nesse mundo!
- Rayd.....filho?
Em choque, a mulher passou a sacudir violentamente o menino enquanto gritava desesperada. Olhava para cima depois para os lados