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A chef Arrogante: Descobertas, crônicas e receitas
A chef Arrogante: Descobertas, crônicas e receitas
A chef Arrogante: Descobertas, crônicas e receitas
E-book259 páginas2 horas

A chef Arrogante: Descobertas, crônicas e receitas

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Sobre este e-book

A chef arrogante descobertas, crônicas e receitas não é apenas um livro de receitas comum, mas uma obra com "pitadas" literárias e histórias profundas. De autoria da chef Fabiane Mendes Grudzinski, as receitas compartilhadas são sempre antecedidas por crônicas, as quais têm como propósito "incrementar" a receita que segue, e dar significado maior aos ingredientes descritos. Desse modo, aprendemos uma nova receita e também todo o percurso até chegar ao prato final. É um passeio gastronômico literário, guiado por uma chef que sabe das coisas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de jan. de 2022
ISBN9786558401919
A chef Arrogante: Descobertas, crônicas e receitas

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    Pré-visualização do livro

    A chef Arrogante - Fabiane Mendes Grudzinski

    Prefácio

    Arrogante, a chef?

    Estranhei o título deste livro. Seria a Fabi petulante, presunçosa? Mas arrogante também quer dizer altivo, audaz. Acho que a autora deixou no cardápio de suas páginas a opção de escolhermos qual característica da Fabi queremos saborear. Ela está repleta de temperos neste livro, tal como na cozinha. Ao final das páginas, vocês sentirão que provaram de tudo e ficaram com gosto de quero mais.

    Penso que o semeado na cozinha caseira e na da avó Hilda G. germinou quando foi inoculado pelo aroma das pílulas de alho do padre Hammes, na Unisinos, e depois se fortaleceu na cozinha de Paco Muñoz, na Valência das artes e das ciências. E Fabi transferiu-se da ciência do Direito para as artes gastronômicas, em que comer é saborear, degustar, sentir - prazeres muito além do jardim dos alimentos.

    O leitor, comensal destas páginas, vai descobrir também que na cozinha de Fabi se viaja além das panelas, bem acima da chaminé ou da coifa. Navega-se em lembranças, viaja-se com suas receitas de vida degustada, levando seu perfume permanente, e com a simplicidade cozinhada. Encontram-se pepitas de ouro em leitura, como, por exemplo, uma bela e realista definição do amor conjugal. Ou quando Fabi desperta na gente lembranças da infância, provocando a saliva das gemadas bem-batidas nos bons tempos.

    As receitas vêm antecedidas de crônicas que acrescentam mais significado aos ingredientes e suas dosagens. E a gente aprende como nasce uma receita estrelada, porque os aromas, cores e gostos já chegam antes - como os prazeres da fecundação, que vêm antes do parto. Este livro tem a constatação de que uma boa crítica vale mais que um elogio - o que derruba a arrogância alegada por um anfitrião descortês, como o leitor vai perceber. E nada mais vou antecipar, porque o melhor é ser surpreendido com a simplicidade das coisas - como sugere a autora.

    Você que escolheu este prato literário, vai se deliciar, aposto.

    Alexandre Garcia

    Apresentação

    Sérgio Stangler

    Em uma dessas histórias cotidianas que ocorrem sem que a gente consiga vislumbrar, na ocasião, a dimensão que atingirão foi que eu tive o privilégio de ver com proximidade o desabrochar de uma escritora madura, sincera e divertida.

    De uma contenda a respeito de gotas de adoçante no café, em que o arrogante fui eu ao discutir com uma chef, surge um sentimento - negativo, a princípio - que foi mola propulsora desse belo livro que mistura histórias de vida que podem ser de todos nós com histórias relacionadas a receitas que podem ser aproveitadas por todos nós. Uma bela sacada original só possível de ser realizada por pessoas genuinamente autênticas.

    Como não se identificar com uma exposição tão honesta e pessoal, num relato que transita da frustração profissional ao desencanto e à reinvenção de si próprio pela paixão por uma nova profissão?

    E eis que 26 gotas de adoçante resultaram em um livro saborosíssimo! Não acredita? Leia essa deliciosa obra cometida pela Fabiane, a chef autêntica, e diga-me se tenho razão ou não. Um livro para ser devorado.

    Padrão é a palavra mais ouvida e de maior impossibilidade de ser alcançada na gastronomia. Todos os dias ela é perseguida dentro de uma cozinha, e nós cozinheiros corremos atrás dela como o cachorro atrás do rabo.

    Nossa sorte é que até os cachorros menos espertos preferem comer um pedacinho de frango, roubado da tábua do cozinheiro, a comer o pote de ração padronizada.

    Este livro é um pedacinho de frango.

    Fabiane Mendes Grudzinski

    PARTE 1

    Descobertas

    Como nasceu a chef, e como me descobri chef

    Fazer justiça é uma atividade carregada de significados presos a muitos relativismos. E fazer justiça consigo mesmo é ainda mais difícil. Aqui começo a história de como eu me descobri uma chefe de cozinha e assim consegui ser mais justa com todas aquelas aspirações que brotam dentro da gente sem controle nem escolha.

    Você faz justiça ao que espera da sua vida? Depois do que passei, descobri que é um trabalho constante, em que usamos a sinceridade para limpar o caminho para as coisas que realmente importam.

    Assim foi: meu trabalho começava pelas nove horas da manhã, junto com um café solúvel bem doce, guardado em uma térmica desde às sete horas. Na sala cheia de livros e pastas, eu tinha um quadro que havia pintado. A imagem era de um combate em que se viam homens montados, lanças apontando para todos os lados, poeira e sangue. Era o que eu via, mas poderiam ser também manchas de tintas que lembravam uma guerra ou algo abstrato. Escolhi esse quadro para representar minha atividade porque nunca gostei muito dos quadros da Balança da Justiça com a deusa Themis.

    Nesta sala passava boas horas do meu dia digitando cartas para pessoas que atrasavam o pagamento de aluguel. Na verdade, a cada início de mês, eu só trocava os nomes dos destinatários. Alguns recebiam mais de uma vez, mas não recebiam por muito tempo. Assim era o meu trabalho no último ano do século passado, em 1999. Algumas cobranças sem esperança de êxito também enchiam as pastas sobre a minha mesa.

    Recebia, em minha sala, visitas por conta das cartas. Clientes eram poucos, e às vezes só tinham errado a porta mesmo.

    As conversas eram sempre difíceis, pela minha falta de experiência ou pela complexidade emocional de se justificar uma dívida. Fechar a porta da minha sala era a parte fácil. Fechar os olhos para o desespero que, por vezes, entrava naquela sala, já não era tão simples.

    Conhecer o devedor e sua história era bem diferente que descrever os meses em aberto de aluguel no papel. Nesses momentos buscava olhar para o meu quadro de guerra e lembrar que eu estava em outro lado, e infelizmente a batalha tinha que ser vencida.

    Assim seguiam meus dias. Às vezes mais leves e, por muitas vezes, pesados. Na minha sala, ameaças eram mais ouvidas do que palavras de conforto. Talvez isso me incomodasse e não me confortasse.

    Advoguei até ter meu primeiro filho, Francisco. Depois parei tudo ou tudo que enfrentei me fez achar uma desculpa e parar.

    Vou resumir como me direcionei a esta parada.

    Logo antes do parto, no bloco cirúrgico estava eu rodeada de médicos. Eu que sempre corro deles, atrasando exames e revisões, agora estava cercada. Não tinha como fugir. Meus olhos percorriam toda sala, mas sempre fixados na caixa preta com números que marcavam meus batimentos cardíacos. Quanto mais subiam, mais apavorada eu ficava. Olhava para o teto e imaginava que assim baixariam. Metade do meu corpo anestesiado levitava sobre a maca e a outra metade que eu sentia estava em posição crucificada. Prestes a ser uma mulher completa, encontrava-me partida e amedrontada segurando a mão de meu marido. Ele também estava divido. Olhava o que acontecia na minha barriga aberta e no meu olho, acalmando-me com um sorriso nervoso de quem também passava pela primeira vez por essa.

    Naquela sala de parto, no dia 18 de julho de 2003, ouvi pela primeira vez o choro de duas vidas: o do meu filho e da mãe que acabava de nascer junto, eu.

    Envolto em panos, um bebê me foi apresentado. Eu continuava presa e crucificada, o medo e a alegria percorriam todo meu corpo. Aquele corpinho era muito quente, senti o calor dele sobre o meu. Uma sensação maravilhosa. O filho sonhado já não estava mais na barriga. Agora era real. Seu corpo afastava-se do meu pela primeira vez. Novamente olhei para o teto, enquanto lágrimas escorriam. Acho que depois dormi ao som de instrumentos.

    Acordei com minha vida duplicada. Eu passava a ter duas bocas para alimentar, duas bundas para limpar e dois corpos para manter a vida. Sem entender, sozinha com meu filho em meus braços, senti o quanto teria que aprender.

    Tudo parecia novo, em minha casa, na minha vida profissional, no meu corpo e pensamentos. O mais certo e justo, para nós dois, era, naquele momento, adiar o retorno ao trabalho. Precisava entender as duas vidas novas.

    Não acreditava que seria uma boa mãe. E tenho certeza que não consigo ser todos os dias. Sinto-me aliviada porque tento e tenho consciência que não consigo.

    A vida profissional precisou de licença maternidade, e foi aí que parei de advogar. Vestidos bem cortados e saltos foram trocados pelo pijama que passava a ser meu novo traje de cama, mesa e banho. Era tão prático. Eu não pensava no que usar, só abria a gaveta e vestia o pijama do dia.

    Cortei o cabelo antes do parto, e ficou tão curto que por um bom tempo não precisava mantê-lo lavado. Já nem sabia para onde tinha ido minha vaidade. Acho que pediu licença maternidade também. Hoje compreendo que foi uma reação de sobrevivência e da natureza. Meu tempo tinha outro destino e dono.

    Nos momentos em que meu filho aquecia meu peito e coração, questionei-me sobre a minha felicidade e fui sincera. Não estava mais feliz com minha vida profissional.

    Gostava das aulas de direito, mas a prática era muito distanciada da teoria. Saudades eu tinha era das discussões e posicionamentos jurídicos que poderiam ser levantados a cada movimento processual. A beleza estava nesses momentos, e foram eles que me fizeram crer que tinha feito uma boa escolha profissional.

    As motivações da escolha se perderam. Acreditava que concursos e bom salário seriam a garantia da felicidade e orgulho para meu pai e família. Nada disso fazia sentido. Portanto, não me sentia feliz.

    Avaliei todas as escolhas e renúncias que tinha provado ou iria provar com meu filho nos braços. As renúncias eram maiores e não justificavam de forma justa as escolhas anteriores. Então decidi não ser mais advogada, pelo tempo que fosse necessário. Acho que pela primeira vez usei a tal da balança da justiça.

    Há um bom tempo vinha me sentindo perdedora, mesmo quando era vencedora. Eu ganhava pouco e quem perdia, perdia muito. A batalha retratada no quadro da minha sala de advogada para mim, naquele momento acabava, ou pelo menos um pedido de paz surgia naquele caos visual.

    Acredito que o meu fracasso em persistir advogada foi não entender ou aceitar qual era o meu trabalho, ou quem sabe entender que esse não servia para ser o meu trabalho.

    Seguia pelas manhãs de pijama, com meu filho em meus braços, questionando-me sobre felicidade. A tarde colocava um abrigo (pijama social) e tênis e, com o Francisco no carrinho, passeava por toda cidade.

    Estava livre do vestido, do salto e do cabelo penteado. Mais que isso, não me sentia seduzida a voltar a usar. Descobri que a maternidade, além de ter um leve toque de cor de rosa, tem o marrom, cor de muitas fraldas.

    Francisco, meu filho, tinha nome de santo, mas até completar seus quatro meses de vida não honrou essa santidade. Chorava sem parar, cólicas que nunca passavam. A amamentação como deveria ser não aconteceu e o leite em pó foi a solução e causa de mais problemas. Ele chorava até no banho, só parava quando dormia. Eu também chorava. A maternidade não era como eu imaginava. Levamos esse tempinho para acertar a mão. As noites eram dias e os dias às vezes intermináveis. Mas segui firme, todos os dias eu queria ser uma mãe melhor, e em alguns eu consegui.

    Vó Hilda com meu primeiro filho Francisco

    Grudzinski de Borba

    No ano seguinte eu continuava gorda. Sofria de uma obesidade que não se cura com dieta. Nem sei como consegui. Mas estava acompanhada não só do Francisco. Na barriga minha filha Joana, que nasceria em outubro de 2004. Um ano e três meses é a diferença de idade deles. Assim que passaram aqueles quatro meses de terror com o Francisco, voltei a ter vida e engravidei. Não contente com o pouco agito, em 2010 o terceiro filho. Vou falar mais adiante dele. Esse até a criatividade para o nome me faltou. Tornou-se o terceiro dos Antonios: Antonio Manoel de Borba Neto.

    Das tantas sopas que preparei para meus filhos, um no colo e outro no carrinho, ou os dois no carrinho, comecei a gostar da cozinha de um modo diferente. Dei tanta moranga para o Francisco que ele arrumou um tom amarelado de pele. A dedicação especial à qualidade e ao fazer começou a chamar minha atenção e os resultados foram prazerosos. Com eles conheci uma recompensa diferente das que recebia antes como estudante e profissional das ciências jurídicas.

    Muitos jantares e a vontade de aprender algo novo e ir além me levaram a Flores da Cunha, em 2006. Fiz um intensivo de cozinha básica com aulas de cortes, caldos, molhos e pré-preparo de tudo. Chefs da Itália me ensinavam a fazer risoto, e foi duro. Eu sempre passava o arroz arbóreo do ponto al dente. No quarto risoto, já bastante desmoralizada, consegui.

    Um filho de três e uma filha de dois anos me esperavam na volta dessa minha colônia de férias gastronômicas. Minha sogra e marido entenderam o quanto a cozinha começava a me fazer bem. Ao voltar, pedi afastamento da OAB, não queria perder a carteira que na época já custava uma difícil prova. Solicitei licença maternidade, e nem eu imaginava por quanto tempo seria. Perguntava-me todos os dias: o que eu seria além de mãe? Quando eu esquecia, as pessoas faziam questão de relembrar. Perguntavam-me: quando vai voltar a trabalhar? Vai voltar?

    A mentira estava ficando com as pernas cada vez mais curtas e acabava para mim.

    Bom, mas o que transforma uma advogada em chef de cozinha?

    Com certeza é um processo com longas raízes.

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