Salmos do prisioneiro
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Salmos do prisioneiro - Jaime de Magalhães Lima
Jaime de Magalhães Lima
Salmos do prisioneiro
Publicado pela Editora Good Press, 2022
goodpress@okpublishing.info
EAN 4064066406653
Índice de conteúdo
Capa
Página do título
Texto
COIMBRA.
F. FRANÇA AMADO, EDITOR.
* * * * *
Salmos do Prisioneiro
Composto e impresso na Tipografia F. França Amado, rua Ferreira Borges, 115—Coimbra.
Jaime de Magalhães Lima
Salmos do Prisioneiro
COIMBRA
F. FRANÇA AMADO, EDITOR
1915
* * * * *
Mentiu-me a liberdade, foi blasfemia! Foi engano, foi ilusão, e atraiçoou-me, atraiçoando a fé que me dá a vida!
Vou levado de rastos neste mundo, guerreiro que nasci para ser vencido. Se movo o braço para combater por sonhos arrojados que o levantem, logo o sujeitam e mo fazem escravo as prisões de que em vão tento livrar-me—prisões de amor, abençoado carcere, onde sofre e se alegra o coração, onde se humilha prêso a toda a terra e onde se exalta erguido a céus eternos e ao Deus que rege a terra e rege os céus.
A piedade, a dôr, remorso e fé, perdão, esperança, a esmola e a contricção, e a ilusão e a mágoa e o desengano, tremores da consciência que dúvida, as lágrimas de afecto e aquelas outras, candentes e de fogo, em que o êrro chorou arrependido; e o silêncio, que eu temi, que eu amei e que busquei para todo me entregar ao seu poder; e a mudez que diz mais que a voz mais alta, e a sedução da morte, quanto anseio a minha alma pressentiu;—e quanta formosura nos afaga e quanta sombra nos aterra e prostra, a água clara do regato límpido, a luz do dia, a verdura do prado, e toda a austeridade da montanha, severa, grande e rude, imperturbável, e o inflamado terror da tempestade, e o mar e as suas ondas tormentosas, e os pômos rescendentes de perfume; a rosa, e a criança; e os olhos que fascinam; e a graça que incarnou na juventude, e a nobreza que é a graça de velhice:—venceram-me, prenderam-me!…
E sempre que me ergui para libertar-me, sempre escravo caí do seu encanto; e no meu peito ouvi salmos de amor, louvando os ferros que o apertavam e louvando o Senhor que lhos mandava; e o meu peito os cantou e repetiu, sorrindo à sorte que o rendeu cativo.
I
Da lívida tormenta, que em nuvens repassadas do seu luto turva o dia amoroso de setembro, cai sôbre a terra a chuva maternal a dar seu leite às seivas minguadas e a dar aos pômos tumidos a unção de um derradeiro e salutar frescor.
Realça na levada alvas espumas; redobra no açude o seu cantar; banha em cristal a rama dos carvalhos; a veiga reverdece; e o pinheiral, que àlêm sofria a sêde entre os penhascos donde, heroico, brotou a desmentir-lhes sua infecunda aspereza abandonada, serenamente bebe o refrigério, como sofreu sereno a crueldade da ardência do