O Caranguejo Do Saara
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O Caranguejo Do Saara - Julio Cruz Neto
SUMÁRIO
PERCURSOS DO RALI DAKAR 1999 | 2000
UM PRIVILÉGIO E TANTO
UM OÁSIS PACATO DEMAIS
MOCTAR MOCTARI E O RATO SEM CABEÇA
ATÉ O ANO QUE VEM
, DISSERAM OS BANDIDOS
UM CARANGUEJO NA CONTRAMÃO
RACISMO ÀS AVESSAS
UM TÁXI PARA SETE
JORNALISTAS PRA QUÊ?
RETA FINAL
RESULTADOS DAS COMPETIÇÕES 1999 | 2000
LINHA DO TEMPO
O RALI DA MORTE
Relatar viagens oralmente não é o meu forte. Nunca consigo passar todas as impressões que gostaria, das coisas que vi e vivi. Superar essa limitação foi o maior estímulo para escrever este livro. Porque era impensável não dividir essa experiência, não compartilhar esses roteiros tão raros, inusitados, que agência de turismo não faz. Quantos têm a chance de cruzar o Saara acompanhando o maior rali do mundo?
Eu tive esse privilégio em duas oportunidades: no Granada-Dakar, de 1º a 17 de janeiro de 1999, e no Dakar-Cairo, de 6 a 23 de janeiro de 2000.
Foram viagens realizadas com toda a infraestrutura necessária, portanto, não espere relatos dramáticos, exagerados, de alguém que se considera o maior dos aventureiros porque passou esses períodos acampando no deserto com um avião à disposição, três refeições diárias, internet, GPS para se localizar, colegas brasileiros e estrangeiros sempre dispostos a ajudar e prosear, além de roupa suficiente para suportar o frio. No final dos anos 80, quando os pilotos brasileiros Klever Kolberg e André Azevedo começaram a disputar o Dakar de moto, carregando tudo nas costas e tendo só bússola e planilha para achar o caminho, era uma coisa. Desde então, o rali mudou muito.
Por isso, o barato deste livro é outro. É mostrar como é a experiência de acompanhar uma prova dessas, como são os lugares por onde passamos, quem são os moradores, como vivem, como reagem (mal e bem) à passagem da caravana. É um relato de viagem, com muita reflexão sobre o que encontrei pelo caminho. É um olhar mais focado em quem está sempre lá do que no pessoal que usa aquele ecossistema privilegiado para realizar suas aventuras. Reconheço que não resisti à tentação de pesquisar algumas informações para contextualizar, especialmente sobre temas históricos e geográficos nos quais o jornalista José Eduardo Barella deu uma força. Mas, de maneira geral, não me pautei pela tradicional necessidade jornalística de encontrar causas e consequências para tudo. Não era necessário. As memórias, estimuladas pelas fotos e blocos de anotações, até hoje amarelados pela poeira e pelo tempo, foram suficientes para contar esta história. Pitadas de imaginação completaram a receita.
Foram coberturas que estagiário nenhum sonha ter a oportunidade de fazer. Mal tinha começado no extinto Jornal da Tarde, com 21 anos, e surgiu a chance de cobrir o Rali dos Sertões. Precisavam de alguém que topasse ir de São Paulo até Natal sacolejando num jipe, comendo o que houvesse pelo caminho, rodando o dia todo, dormindo pouco e dando um jeito de mandar pelo menos uma matéria por dia. Topei na hora. Foi um ótimo aperitivo e voltei pensando no Dakar, mas sem muita esperança. Dependia de convite dos pilotos, o que era provável, e dependia também de o editor me escolher, o que era mais difícil, porque havia repórteres mais experientes querendo cobrir. No final, deu tudo certo. Nove meses depois de começar a trabalhar numa redação de jornal e um mês depois de me formar, eu partia para o maior rali do mundo, o rali da morte. Era o mais feliz dos focas. Foca, no jargão das redações, é o jornalista em início de carreira.
O rali passou bem mais rápido do que eu gostaria. No dia 26 de dezembro de 1998, estava em Granada, de onde a caravana partiu poucas horas depois da virada do ano, enquanto os espanhóis ainda festejavam a chegada de 1999 nas ruas. Menos de um mês depois, já estava de volta ao caos paulistano, pegando temperaturas recordes dos últimos cinquenta e tantos anos, um clima bem mais incômodo que no Saara. Foi pouco tempo para conhecer uma região tão ampla e cheia de novidades, de surpresas gratas e outras nem tanto. Entre Granada e Dakar, as altas montanhas da cadeia do Atlas, no Marrocos, o deslumbrante deserto da Mauritânia, a fértil região do rio Níger, no Mali, as infinitas mobiletes