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Por um Ensino de Geografia dos (as) Educandos (as)-Camponeses (as): Uma Experiência de Educação do Campo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Por um Ensino de Geografia dos (as) Educandos (as)-Camponeses (as): Uma Experiência de Educação do Campo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
Por um Ensino de Geografia dos (as) Educandos (as)-Camponeses (as): Uma Experiência de Educação do Campo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental
E-book651 páginas8 horas

Por um Ensino de Geografia dos (as) Educandos (as)-Camponeses (as): Uma Experiência de Educação do Campo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

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Sobre este e-book

O livro Por um ensino de Geografia dos/das educandos(as)-camponeses(as): uma experiência de Educação do Campo nos anos iniciais do ensino fundamental propõe uma reflexão acerca da importância de se construir um ensino de Geogra a voltado para a realidade dos educandos-camponeses. Por ter sido escrito a partir do olhar de um educador dos anos iniciais do ensino fundamental, seu conteúdo torna-se marcante e sua linguagem dialoga com os anseios dos educadores que lecionam nesse nível da educação básica. Este livro é uma excelente fonte de erudição e discernimento para entender quem são esses sujeitos, quais são suas necessidades de aprendizagem e como podemos pensar pedagogicamente a Geogra a Agrária no ensino fundamental de uma maneira inclusiva, interdisciplinar, dialética, dialógica, crítica, contra-hegemônica, libertadora, emancipatória e propositiva.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de ago. de 2022
ISBN9786525018041
Por um Ensino de Geografia dos (as) Educandos (as)-Camponeses (as): Uma Experiência de Educação do Campo nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

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    Por um Ensino de Geografia dos (as) Educandos (as)-Camponeses (as) - Rodrigo Simão Camacho

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    A todos(as) os(as) meninos e meninas do campo,

    estudantes e docentes da escola pública,

    que nos proporcionaram entender a complexidade

    do diálogo entre diferentes saberes

    a fim de que pudéssemos construir uma pedagogia

    sob os princípios da práxis libertadora-emancipatória.

    AGRADECIMENTOS

    Pretendo dividir meus agradecimentos em dois momentos diferentes. O primeiro é o da realização da pesquisa de mestrado, que possibilitou a transformação em livro. O segundo, por sua vez, é o do lançamento em livro, que se deu cerca de 15 anos após a realização da pesquisa.

    Neste primeiro momento, agradeço:

    Aos meus pais, Adelina e José, pela experiência concedida, carinho, dedicação e atenção durante todos esses anos, que fizeram com que eu conseguisse alcançar meus objetivos.

    À Prof.ª Dr.ª Rosemeire Aparecida de Almeida, por sempre ter apoiado, acreditado no meu trabalho e orientado com dedicação desde as primeiras linhas escritas.

    Aos sujeitos-estudantes da quarta série C dos anos de 2005, 2006 e 2007, em Paulicéia-SP, da escola Emef Raquiel Jane Miranda. Obrigado pela colaboração e, principalmente, pela troca de experiências.

    Aos(às) educadores(as) e educandos(as) da escola Emef Raquiel Jane Miranda, que colaboraram para que esta pesquisa fosse produzida. Espero que o livro seja-lhes útil de alguma maneira.

    Aos(às) amigos(as) de infância e adolescência, que, mesmo distantes e sem a oportunidade de ler o que escrevi, foram de grande importância para o meu processo de construção enquanto ser social. Especialmente, aos amigos de Franco da Rocha-SP e Francisco Morato-SP, das escolas públicas e do meu bairro, Jardim Bandeirantes, onde, juntos, compartilhamos as dificuldades e as experiências do modo de vida da periferia.

    Aos(às) amigos(as) do Centro Específico para Formação de Aperfeiçoamento do Magistério (Cefam) de Franco da Rocha-SP e de Tupi Paulista-SP (turma do fundão), por tudo que vivenciamos em um momento muito especial de nossas vidas.

    Aos(às) amigos(as) da graduação em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Três Lagoas-MS (especialmente a turma do fundão), em que compartilhamos nossas experiências e, juntos, construímos grande parte do nosso conhecimento científico adquirido.

    Aos(às) amigos(as) do mestrado em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Aquidauna-MS, pela ajuda, parceria, incentivo e discussões teóricas que me auxiliaram na compreensão da pesquisa.

    Aos(às) amigos(as) de Tupi Paulista-SP, sempre presentes nas horas de lazer e, também, nas discussões pela busca de uma sociedade emancipada.

    Aos(às) amigos(as) de Aquidauana-MS, pela amizade e hospedagem solidária desde a prova de seleção até disciplinas cursadas. Também, pelas discussões teóricas.

    A todos(as) os(as) amigos(as), colegas de trabalho e companheiros(as) de luta.

    Aos meus tios(as) e primos(as), pelo companheirismo, amizade e apoio.

    A todos(as) os meus professores e professoras da educação básica das escolas estaduais em que estudei: terceira escola de Tupi Paulista-SP; Prof. Bueno de Azevedo Filho e Prof. José de Bezerra Sanches, de Francisco Morato-SP; Cefam de Franco da Rocha-SP; e Cefam de Tupi Paulista-SP. Pois me ajudaram a construir os primeiros passos que me propiciaram dar continuidade aos meus estudos e chegar até aqui.

    Aos meus professores e às minhas professoras da graduação em Geografia da UFMS, campus de Três Lagoas-SP, e da pós-graduação (mestrado) em Geografia da mesma universidade, campus de Aquidauana-MS, por me indicarem os caminhos a serem percorridos.

    No segundo momento, para além das pessoas que eu já agradeci, agradeço também:

    Aos docentes e colegas do Programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT/UNESP, campus de Presidente Prudente-SP, onde realizei meu doutorado.

    Aos colegas de trabalho e orientandos(as) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) — onde trabalho na licenciatura em Educação do Campo (Leduc), no Programa de Pós-Graduação em Educação e Territorialidade (PPGET), ligado à Faculdade Intercultural Indígena (Faind), e no Programa de Pós-Graduação em Geografia, ligado à Faculdade de Ciências Humanas (FCH) — e aos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas, onde trabalho no Programa de Pós-Graduação em Geografia.

    Aos(às) colegas e orientandos(as) que participam do grupo pesquisa do CNPq que eu coordeno — Grupo de Estudos, Pesquisas e Projetos em Geografia, Educação do Campo e Questão Agrária (GeoEduQA) — e, também, aos colegas da Rede DATALUTA e do GeoAgrária da UFMS, campus Três Lagoas.

    De maneira, especial, à minha companheira e professora, Jaqueline Machado Vieira, com quem convivo diariamente há mais de oito anos e que, portanto, divide comigo as conquistas, os desafios e planos futuros. Agradeço pelo carinho, companheirismo, apoio e incentivo para que eu continue minha trajetória enquanto educador e pesquisador que faz do seu trabalho instrumento de justiça social. Sem você, tudo isso seria uma tarefa mais árdua.

    A todas as pessoas que colaboraram de maneira direta ou indireta para que o trabalho pudesse ser realizado.

    Nosso dia vai chegar

    Teremos nossa vez

    Não é pedir demais:

    Quero justiça

    Quero trabalhar em paz

    Não é muito o que lhe peço

    Eu quero um trabalho honesto

    Em vez de escravidão

    Deve haver algum lugar

    Onde o mais forte não

    Consegue escravizar

    Que não tem chance

    De onde vem a indiferença

    Temperada a ferro e fogo?

    Quem guarda os portões da fábrica?

    O céu já foi azul, mas agora é cinza

    O que era verde aqui já não existe mais

    Quem me dera acreditar

    Que não acontece nada

    De tanto brincar com fogo

    Que venha o fogo então...

    (RUSSO, Renato. Fábrica, 1986)

    Eu quero uma escola do campo

    Que tenha a ver com a vida com a gente

    Querida e organizada

    E conduzida coletivamente.

    Eu quero uma escola do campo

    Que não enxerga apenas equações

    Que tenha como chave mestra

    O trabalho e os mutirões.

    Eu quero uma escola do campo

    Que não tenha cercas que não tenha muros

    Onde iremos aprender

    A sermos construtores do futuro.

    Eu quero uma escola do campo

    Onde o saber não seja limitado

    Que a gente possa ver o todo

    E possa compreender os lados.

    Eu quero uma escola do campo

    Onde esteja o símbolo da nossa semeia

    Que seja como a nossa casa

    Que não seja como a casa alheia.

    Eu quero uma escola do campo

    Que não tenha cercas que não tenha muros

    Onde iremos aprender

    A sermos construtores do futuro.

    (SANTOS, Gilvan. Construtores do Futuro)

    Não vou sair do campo / Pra poder ir pra escola / Educação do Campo / É direito e não esmola

    (SANTOS, Gilvan. Não vou sair do campo)

    PREFÁCIO

    Por uma Geografia escolar dos camponeses...

    Considero esta a falha mais grave de nossa Geografia/nosso ensino: desprezar o ser histórico da Geografia e, consequentemente, o ser histórico do aluno. Acolhê-los seria, de certa forma, redefinir a relação mesma de ensino-aprendizagem, construir o caminho do conhecimento, da descoberta, a partir da realidade vivenciada pelo aluno. Aí estariam, professor e aluno, descobrindo e recriando a ciência geográfica.

    (RESENDE, 1989, p. 20)

    A pesquisa que dá origem a este livro é resultado da dissertação de mestrado em Geografia, intitulada O Ensino da Geografia e a Questão Agrária nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, de Rodrigo Simão Camacho, defendida em 2008, junto ao Programa de Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Aquidauana. Como orientadora desse trabalho, inevitável não indagar acerca do significado de publicar em formato de livro a pesquisa, 12 anos após sua realização. E encontro resposta na própria tarefa de escrever este prefácio, uma vez que é no interior desta pesquisa que estão os elementos da sua imprescritibilidade e, portanto, atualidade.

    O nexo explicativo desse entendimento tem relação direta com a problemática de estudo perseguida pelo autor à época – vejamos em suas palavras:

    [...] repensar a prática educativa e o ensino da Geografia hoje, a fim de construirmos uma educação que ofereça a oportunidade de o educando ter a sua realidade inserida em sala de aula e que sua vivência participe do processo educativo. É por isso que está sendo construída a Educação do Campo, uma educação revolucionária, que tem a finalidade de reterritorializar o conhecimento, trazendo a cidadania aos habitantes da área rural.

    Por alinhavar num mesmo plano epistemológico o Ensino de Geografia, a Questão Agrária, a Educação do Campo e a Transformação Social, esta pesquisa é marco da Geografia dos camponeses em Mato Grosso do Sul.

    Para entender o alcance dessa afirmação, importante historicizar esse momento desde 1998 no tocante ao debate a respeito da Educação do Campo, particularmente em Mato Grosso do Sul.

    O Movimento da Educação do Campo é fruto de um contexto mais amplo com a realização, em 1998, da I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, em Luziânia-GO – ponto de referência da luta dos movimentos sociais por uma Educação do Campo.

    A mobilização dos Movimentos Sociais e Universidades consolida o projeto de que os povos do campo têm o direito de serem educados no lugar onde vivem; uma educação que seja construída por e com eles; pensada desde seu lugar de origem e vinculada a seus valores, saberes, culturas. Uma educação que valorize, respeite e reforce a relação com a terra, o modo de vida e a identidade desses homens e mulheres, jovens e velhos, adolescentes e crianças (CALDART, 2002). Culminando na aprovação, em 2002, das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.

    No cenário regional, a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) iniciam o processo de aproximação com a Reforma Agrária por meio da aprovação, em 1999, do projeto Universidade Cidadã: uma parceria na educação de jovens e adultos em assentamentos de Mato Grosso do Sul. O referido projeto objetivava promover a alfabetização e acelerar a escolarização nas áreas de Reforma Agrária.

    O início da década de 1990 é marcado pela expansão no número de assentamentos em Mato Grosso do Sul num contexto nacional de luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) pela Educação do Campo na área das Políticas Públicas – Direito dos Povos do Campo, Dever do Estado. Essa crescente pressão dos movimentos sociais de luta pela terra, pela desapropriação dos latifúndios, e formação dos assentamentos rurais, permite uma conjuntura de conquistas para a Educação do Campo no MS: em 2001, é criado o Comitê da Educação Básica do Campo no MS; em 2003, conquista-se a Deliberação n.º 7111 do Conselho Estadual de Educação/MS, que dispõe sobre o funcionamento da educação básica nas Escolas do Campo (PEREIRA; ALMEIDA, 2008).

    Nesse sentido, destaque para a realização, na UFMS, do primeiro curso de especialização em Educação do Campo (2009-2011) na modalidade a distância – reofertado em 2012-2014 e 2014-2016. Nessa última oferta, com inclusão da região do Bolsão, com abertura de dois polos de ensino (Três Lagoas e Paranaíba).

    Em 2008, na recém-criada Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), essa modalidade de atendimento à população do campo, em especial dos assentamentos rurais, é conquistada com a implantação do curso de graduação Licenciatura em Ciências Sociais, fomentado pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra/MS) e os movimentos sociais de Mato Grosso do Sul. O segundo e terceiro cursos na UFGD, nessa perspectiva de contribuir com a formação continuada no campo, foram no formato de especialização, a saber: ProJovem Saberes da Terra – que objetivou a formação de professores de Educação de Jovens e Adultos (EJA), e Estudos de Gênero e Interculturalidade, que iniciou em outubro de 2011 e terminou no segundo semestre de 2013.

    A pesquisa de Rodrigo Simão Camacho se insere nesse estradar de construção da Educação do Campo no MS, possuindo estreita sintonia com o enfrentamento dos desafios e perspectivas da Pedagogia do Movimento.

    Em 2013, coroando essa trajetória regional, a UFMS e UFGD implantam o curso de licenciatura em Educação do Campo. E a coerência metodológica de Rodrigo Simão Camacho lhe permitiu um lugar nessa história: a aprovação, em concurso público, para a vaga de professor efetivo na Faculdade Intercultural Indígena/FAIND-UFGD para atuar na Educação do Campo.

    Essa trajetória de Rodrigo Simão Camacho merece ser destacada. Na epígrafe deste prefácio citei um trecho do livro de Márcia Spyer Resende, A Geografia do Aluno Trabalhador, não por acaso. Embora Rodrigo Simão Camacho não tenha utilizado esse referencial na construção de sua pesquisa, tem com esses escritos profunda ligação. Tanto pela proposta de ensino de Geografia, a partir da geograficidade dos alunos, como pela sua própria história, uma vez que foi na condição de estudante trabalhador, oriundo das camadas populares, que realizou seus estudos no curso de licenciatura em Geografia e no mestrado em Geografia, ambos na UFMS.

    Na trajetória de orientadora, tive muitas satisfações e sou grata a todos que concluíram seus estudos sob minha orientação. O autor deste livro é um desses contentamentos e, talvez, o mais emblemático considerando o impacto social da sua formação. Nesse sentido, destaco que tive a oportunidade de participar de toda sua formação acadêmica (da graduação ao pós-doutoramento). Na graduação em Geografia na UFMS, campus de Três Lagoas, desenvolveu, como voluntário, sua primeira pesquisa sob minha orientação. No período de 2006-2008, orientei sua dissertação de mestrado. Fui sua coorientadora no doutorado em Geografia, período 2010-2014, junto à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Unesp-FCT, onde defendeu a tese intitulada Paradigmas em Disputa na Educação do Campo. No período 2014-2015, supervisionei seu estágio de pós-doutorado junto ao PPGGeo UFMS/campus de Três Lagoas.

    Atualmente, tenho a grata satisfação de dividir com ele o espaço profissional junto a dois programas de pós-graduação, a saber: Programa de Mestrado e Doutorado em Geografia da UFMS/campus de Três Lagoas e Programa de Mestrado em Educação e Territorialidade (PPGET), da Faculdade Intercultural Indígena, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

    Acredito que esse estradar acadêmico de Rodrigo Simão Camacho, e de muitos outros orientandos, é indicativo do poder formativo da Universidade e do sentido afetivo da nossa profissão, como lembra Rubem Alves em A Alegria de Ensinar:

    Ensinar

    é um exercício

    de imortalidade.

    De alguma forma

    continuamos a viver

    naqueles cujos olhos

    aprenderam a ver o mundo

    pela magia da nossa palavra.

    O professor, assim, não morre

    jamais…

    Reitero que o resgate da trajetória acadêmica do autor faz sentido pela intrínseca relação com sua inquietude investigativa e desejo de intervenção na realidade. Esse fluxo entre autor e obra é resultado das escolhas de pesquisa, uma vez que a busca de entender como viviam os estudantes-camponeses de 1.ª a 4.ª série, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Raquiel Jane Miranda, em Paulicéia/SP, e o significado dessas relações socioespaciais para o ensino de Geografia se fez a partir do chão da sala de aula – em que atuava como professor do ensino fundamental.

    Soma-se a esses elementos explicativos o contexto em que vivemos de crises do capital, ataques à democracia e pandemia da Covid-19. Nesse cenário, o flagelo da pobreza alimentar é horizonte triste da classe trabalhadora, o que dá relevo decisivo ao debate da alimentação como setor essencial. Porém, vivemos uma disputa em relação a essa essencialidade. De um lado, a comida como negócio, de outro, o direito à alimentação saudável e produção sustentável, defendida pelo MST, por exemplo.

    Logo, entendermos a importância da Reforma Agrária, da Educação do Campo e da Agricultura Camponesa parece ser central para a construção de alternativas, inclusive para o ensino de Geografia. Nessa direção, a contribuição deste livro se faz fundamental.

    Três Lagoas, outono de 2020.

    Dia em que o país registra a triste marca de 29 mil mortos por Covid-19 e o governo eleito participa de atos contra a democracia.

    Prof.ª Dr.ª Rosemeire Aparecida de Almeida

    Departamento de Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul campus de Três Lagoas

    APRESENTAÇÃO

    Construímos neste livro uma reflexão acerca da possibilidade de a Educação, principalmente da Educação do Campo, e do Ensino da Geografia, serem pensados enquanto instrumentos da práxis de transformação social, tendo em vista a emancipação das classes subalternas e a superação da sociedade capitalista. Buscamos, portanto, romper com a educação reprodutora/domesticadora/neoliberal e estabelecer como proposição a construção de uma Educação Libertadora/Emancipatória a partir da realidade dos educandos-camponeses da escola pública.

    Fizemos, também, uma reflexão acerca da questão agrária no Brasil, tendo em vista que a concentração fundiária é um problema que se iniciou no período colonial e, atualmente, está relacionada com a internacionalização da economia brasileira. Situação que envolve o agronegócio-latifundiário de um lado e o campesinato de outro, despertando diferentes interpretações teóricas acerca dessa problemática, tanto por parte dos intelectuais quanto da mídia.

    Neste debate, torna-se indispensável a discussão da luta da classe camponesa pela/na terra na sociedade capitalista em busca de seu processo de recriação e resistência à territorialização do capital no campo e à sujeição de sua renda ao capital. Processos que têm sua gênese a partir do movimento de reprodução desigual e contraditório do capital no campo.

    Defendemos a necessidade de construção de uma Educação do Campo para trabalhar pedagogicamente com as especificidades das populações do campo¹, respeitando seus saberes-fazeres populares/sociais² e auxiliando na luta contra a territorialização do capital no campo e a sujeição da renda camponesa ao capital. Essa necessidade ocorre na medida em que os povos do campo sempre foram subalternizados devido à existência de um modelo de desenvolvimento socioeconômico que valoriza o agronegócio-latifundiário e o espaço urbano como símbolos da modernidade/avanço/progresso.

    Historicamente, no processo de construção do sistema de educação formal no Brasil, sempre tivemos uma educação rural reprodutora/domesticadora que objetivou formar para a submissão, preparando mão de obra barata para o capital urbano e para o agronegócio-latifundiário, reproduzindo as relações sociais vigentes que são, por sua vez, opressoras, exploradoras e excludentes. Logo, há necessidade de construção de uma Educação Emancipatória das populações do campo.

    Num mundo capitalista globalizado se faz necessário entendermos a produção do conhecimento científico geográfico, bem como a produção do espaço geográfico dentro dessa lógica. Nesse sentido, é imprescindível pensarmos em uma Geografia e um ensino de Geografia que possibilitem a leitura da realidade de maneira crítica e transformadora, que permitam romper com a ideologia neoliberal e o processo globalitário (globalização capitalista, verticalmente, imposta de maneira totalitária) capitalista excludente. Por tanto, defendemos a necessidade de se construir uma Geografia escolar fundamentada nos pressupostos teórico-metodológicos do materialismo histórico e dialético.

    Para atingir nossos objetivos de auxiliar no processo de construção de uma educação condizente com a realidade do campo, precisamos entender quem são esses sujeitos do campo que estudam no ensino fundamental (anos iniciais), ou seja, precisamos compreender a realidade desses estudantes-camponeses³ (infância camponesa). Dessa maneira, vamos conhecer como são as relações socioespaciais desses sujeitos-estudantes por meio de fontes orais e escritas, pensando no tripé trabalho, lazer e escola que constitui a multidimensionalidade de sua realidade socioterritorial vivida, para que, assim, possamos construir uma educação que entenda os sujeitos do campo e suas especificidades.

    Vamos conhecer, também, alguns trabalhos produzidos por eles em sala de aula que expressam suas visões de mundo e o seu modo de vida. A partir destes, podemos pensar em metodologias de ensino-aprendizagem que possam, a partir da realidade local concreta desses sujeitos sociais, constituir reflexões em outras escalas, problematizando e estabelecendo as seguintes relações dialéticas entre: saberes-fazeres populares/sociais e técnico-científicos; saberes locais e saberes universalizados; campo e cidade; classes e frações de classes sociais/territoriais; espaço local e espaço global; tempo e espaço; diferentes escalas de espaço (multi-escalaridade) e de poder (multiterritorialidade); diferentes modos de vida e territorialidades; relações de trabalho capitalistas e não capitalistas; modelos de desenvolvimento capitalistas e não capitalistas.

    Refletimos, também, a partir da opinião dos/das professores(as)⁴ dos anos iniciais do ensino fundamental a respeito da questão agrária, da Educação do Campo e do Ensino de Geografia, tendo em vista que os/as educadores (as)⁵ são peças fundamentais para a construção de um processo educativo transformador. Por isso, necessitam de uma formação que permita ler a realidade para além do discurso neoliberal, compreendendo o espaço social dos seus educandos e possibilitando que estes possam adquirir uma consciência crítica que lhes dê autonomia intelectual de observar, analisar, questionar, propor e transformar a realidade.

    A primeira característica marcante desta pesquisa é o fato de que colocamos em movimento a pedagogia da práxis em que há uma relação dialética entre teoria e prática. Esse fato só foi possível porque pesquisador e professor eram os mesmos sujeitos, permitindo a ação-reflexão-ação no chão da sala de aula, ao mesmo tempo que a pesquisa-ação⁶ era realizada. A formação do pesquisador no magistério com habilitação para os anos iniciais do ensino fundamental e a graduação em Geografia permitiram um diálogo profícuo e pouco exercitado do Ensino de Geografia nos anos iniciais no ensino fundamental, tendo em vista que os professores de Geografia não atuam nesse nível da educação básica. A Geografia nesse nível escolar permite atuar de maneira interdisciplinar formando para a compreensão dos aspectos naturais e sociais do espaço, que é um dos seus objetivos.

    A segunda característica marcante é a realização prática da proposição dialética freiriana de elaborar um conhecimento que seja, concomitantemente, de denúncia e anúncio. Isso quer dizer que buscamos fazer a reflexão crítica e compreender os limites concretos que apresenta uma escola da cidade que trabalha com sujeitos sociais camponeses, todavia tivemos uma postura propositiva ao apresentar procedimentos metodológicos que possibilitem pensar em práticas pedagógicas que se aproximem dos objetivos formativos da Educação do Campo.

    Dessa forma, produzimos uma pesquisa que procurou ser, ao mesmo tempo, teórica e prática (práxis). Buscamos pensar os problemas e, na prática, propor soluções. Assim como nos ensina Paulo Freire (1981), trabalhamos na perspectiva de, em nossa prática, como docente/pesquisador, contribuirmos por meio da denúncia, expondo os nexos causais dos fenômenos investigados, mas também, propiciando o anúncio, ou seja, a proposição de soluções coletivas envolvendo a práxis de todos os sujeitos inseridos no processo.

    Fomos, concomitantemente, sujeito/objeto desta pesquisa e, aproveitando a condição privilegiada de ser professor e pesquisador, testamos o limite como possibilidade. Fizemos da sala de aula nosso lugar de trabalho e de esperançar, a oficina onde ensaiamos aquilo que pensamos fora dela.

    O resultado está nesta longa e interminável escrita, que não poderia ser diferente, pois juntar teoria e prática não permite reducionismo. Se fomos prolixos, perdão aos leitores. Foi a ânsia de mostrar os problemas, o abismo, e não terminar nele, ser capaz de voltar e buscar o caminho.

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    Sumário

    1

    INTRODUÇÃO 27

    2

    PERSPECTIVAS PARA OS ESTUDOS DA QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL NO SÉCULO XXI:

    O AGRONEGÓCIO-LATIFUNDIÁRIO VERSUS A AGRICULTURA CAMPONESA 37

    2.1 – Concentração fundiária: um problema histórico brasileiro 37

    2.2 – A questão agrária no modo de produção capitalista 41

    2.2.1 – O processo de monopolização do capital e a territorialização do capital monopolista no campo 43

    2.3 – O campo na internacionalização da economia do Brasil: a barbárie moderna do agronegócio-latifundiário versus a reforma agrária 46

    2.3.1 – O agronegócio-latifundiário e suas implicações socioambientais: o modelo agrário/agrícola brasileiro 51

    2.3.2 – Os bio (agro) combustíveis e a substituição da matriz energética mundial 55

    2.4 – A agricultura das populações/povos do campo: garantia de soberania alimentar e de preservação da

    sociobiodiversidade nacional 59

    2.5 – Concepções teóricas acerca do estudo da questão agrária no Brasil 66

    2.5.1 – A tese do movimento desigual e contraditório no desenvolvimento capitalista no campo brasileiro 72

    2.6 – O campesinato: uma classe em movimento 76

    2.6.1 – Os movimentos socioterritoriais do campo: o MST e a luta pela terra e na terra 85

    2.6.2 – O MST e a reforma agrária: os camponeses versus os latifundiários do agronegócio e o poder ideológico da mídia burguesa 89

    2.6.3 – O processo de espacialização e de territorialização da luta pela/na terra do MST 96

    3

    POR UMA EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA PARA A EMANCIPAÇÃO DAS CAMADAS SUBALTERNAS 99

    3.1 – Educação: uma produção inerente ao ser humano 99

    3.2 – A educação formal e suas implicações reprodutoras 101

    3.3 – Educação e ideologia neoliberal: as tendências pedagógicas conservadoras 105

    3.4 – Educação e transformação social: Paulo Freire e sua Pedagogia Libertadora 114

    3.5 – Por uma educação formal transformadora: instrumentalizando os sujeitos para a mudança social 118

    3.6 – A possibilidade e a necessidade da mudança social 121

    3.7 – A educação e a produção do espaço geográfico 123

    4

    POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO: UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA 125

    4.1 – Por uma reterritorialização do saber: a necessidade de construção de uma Educação do Campo 126

    4.2 – A Educação do Campo: um projeto emancipatório construído em conjunto com os sujeitos do campo 130

    4.3 – Pressupostos teórico-metodológicos que constroem a Educação do Campo 136

    4.4 – Educação do Campo: um direito assegurado pela lei 139

    4.5 – A Educação do Campo: uma forma de resistência do campesinato à expropriação e ao êxodo rural 143

    5

    A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO E O ENSINO DA GEOGRAFIA NO SÉCULO XXI: A GEOGRAFIA NA ESCOLA COMO INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL 151

    5.1 – O campo: uma totalidade inclusa em relações globais 151

    5.2 – Produção do espaço social/geográfico e das relações socioespaciais: relações de trabalho sociedade/natureza 152

    5.3 – O trabalho e a produção/organização espacial no modo de produção capitalista: espaço de reprodução do capital 155

    5.4 – O território como categoria de análise geográfica 160

    5.5 – A Geografia escolar: um instrumento de transformação social 164

    5.5.1 – O materialismo histórico e dialético como pressuposto teórico-metodológico do ensino da Geografia:

    a Geografia Crítica/Dialética em sala de aula 169

    5.5.2 – O ensino da Geografia nas séries/anos iniciais do ensino fundamental 176

    5.6 – Geografia e ideologia: aparência e essência 178

    5.7 – O ensino da Geografia e a questão agrária em sala de aula: por uma Geografia escolar dos camponeses 181

    6

    PESQUISA REALIZADA NA ESCOLA RAQUIEL JANE MIRANDA NO MUNICÍPIO DE PAULICÉIA-SP 187

    6.1 – O Município de Paulicéia 187

    6.2 – A estrutura fundiária do município de Paulicéia atualmente 192

    6.3 – A escola Emef Raquiel Jane Miranda 194

    6.4 – Entrevistando os sujeitos-estudantes da 4.ª série do ensino fundamental: conhecendo suas opiniões 195

    6.5 – Pesquisa com os sujeitos-estudantes da escola Emef Raquiel Jane Miranda em 2006 203

    6.6 – Trabalho em sala de aula no ano de 2006 207

    6.6.1 – O filme: Os dois filhos de Francisco 207

    6.6.2 – Os boias-frias dos canaviais em Paulicéia 209

    6.7 – Pesquisa e atividades desenvolvidas em sala de aula em 2007 210

    6.7.1 – Entrevistando pais e alunos: conhecendo sua realidade e compreendendo o espaço como uma totalidade construída pelos sujeitos 211

    6.8 – Geografia Agrária e Educação Artística: ilustrações 2006-2007 217

    6.9 – Conhecendo os estudantes-camponeses do município de Paulicéia/SP: trabalho, lazer e escola 220

    6.10 – Experiências vividas em acampamentos e assentamentos do Incra pelos camponeses-estudantes:

    entendendo as relações de recriação camponesa 242

    6.11 – Ouvindo os/as docentes da escola Emef Raquiel Jane Miranda no município de Paulicéia em 2006 249

    8

    CONSIDERAÇÕES FINAIS 273

    9

    REFERÊNCIAS 285

    ANEXOS 293

    1

    INTRODUÇÃO

    O século XXI é marcado por muitas mudanças, a principal delas é a consolidação do processo de globalização que atinge o ser humano, inclusive em suas subjetividades. O processo de globalização atual é marcado pelo lucro e acúmulo de capital, visto que a globalização, por meio da evolução da técnica, da ciência e da informação, veio dar as condições necessárias para a difusão do capital em escala global. Fazendo com que este período histórico seja o ápice da internacionalização do capital. Esse processo produz um período histórico diferente de tudo que a humanidade já vivenciou, pois, pela primeira vez, temos relações socioeconômicas unificadas mundialmente (SANTOS, 2001).

    Entretanto, acreditamos que, ao contrário do que prega a ideologia⁷ neoliberal, esse processo não é irreversível, pois é possível transformar a globalização atual em um sistema não mais centrado no capital, mas no ser humano. Pois, o discurso ideológico da globalização procura disfarçar que ela vem avigorando a riqueza de uns poucos e aumentando a pobreza e a miséria de milhões (FREIRE, 1999). Construir uma outra globalização significa, portanto, uma ruptura com o modelo neoliberal de globalização atual, centralizado na maximização dos lucros e exploração do ser humano pelo capital.

    Daí a importância de rompermos com a ideologia fatalista neoliberal que quer nos impor a existência de uma realidade imutável, desconsiderando a possibilidade e a necessidade da transformação social. Tentando impedir que os sujeitos sejam produtores/construtores/transformadores da realidade. Negando, assim, a dialética da realidade, ou seja, o processo totalizante, dinâmico, desigual e contraditório de construção/reconstrução da realidade em diferentes tempos e espaços.

    A ideologia dominante, que é fatalista e neoliberal (FREIRE, 1999), tem o objetivo de tornar opaca os fatos para que não consigamos entender a essência da realidade, tentando naturalizar a desigualdade como se fosse produto de uma entidade metafísica, escondendo o caráter excludente/classista/contraditório das relações socioespaciais organizadas e condicionadas pelo modo de produção capitalista. Essa obstacularização para o entendimento da realidade causada pela ideologia dominante, cumpre a função de manter as estruturas sociais vigentes via procedimentos jurídicos, políticos, religiosos, educacionais etc.

    Por isso, sempre tivemos no Brasil uma educação funcionando como aparelho ideológico do capitalismo, inculcando valores cujo objetivo é reproduzir essa ideologia fatalista/neoliberal para assim contribuir na manutenção do status quo dos detentores do poder. A educação ideologicamente produzida no modo de produção capitalista se transforma em mais uma arma que auxilia no processo de dominação e domesticação da elite com relação aos oprimidos, assegurando a reprodução de nossa sociedade estratificada/classista. Mantendo a classe subalterna obediente e submissa para vender a sua mão de obra ao capital e, assim, possibilitando que a burguesia continue acumulando capital e se reproduzindo enquanto classe dominante.

    Considerando que parte do processo de conscientização ou não do sujeito ocorre na escola, à educação e ao ensino da Geografia cabe a tarefa fundamental de auxiliar nesse processo. Tendo em vista que a educação e a ciência não são neutras, nossa posição é de produzir uma ciência e uma educação que seja voltada para a transformação social, auxiliando os oprimidos em sua luta pela emancipação. Por isso, há necessidade de participarmos do processo de superação da consciência ingênua e formação de uma consciência crítica, de que nos fala Paulo Freire (1983), que permita ao indivíduo ler a realidade em sua essência para além do discurso ideológico neoliberal/fatalista dominante.

    Para isso, então, se faz necessário romper com a ideologia neoliberal, e fazer da práxis educativa, não mais uma prática reprodutivista e domesticadora atrelada ao poder dominante, mas uma ação/reflexão revolucionária/humanizadora/libertadora/emancipatória/contra-hegemônica. Transformando-o não mais em um sistema de produção/reprodução de mão de obra para o capital, mas, que permita a reflexão crítica sobre a realidade de maneira em que o indivíduo possa atuar como um ser ativo, criando/recriando-a.

    Ao longo do texto faremos uma apresentação da nossa proposta de construção de uma educação emancipatória/libertadora com as classes subalternizadas do campo. Dentre as possibilidades, discutiremos, especificamente, a Educação do Campo, seus limites/avanços/desafios de efetivação prática na educação básica, tendo em vista a superação das condições de subalternidade das populações/trabalhadores do campo.

    Nessa direção, nossa pesquisa está relacionada com a reflexão acerca da intencionalidade da práxis educativa, tendo em vista que a educação, como qualquer outra prática social, não é neutra. O ser humano como ser sociopolítico produz ações com o objetivo de romper ou de reforçar o modelo socioeconômico vigente. Daí a necessidade de assumirmos uma postura contra a sociedade desigual que está em vigência e auxiliar no processo de ruptura do modo de produção capitalista.

    Portanto, há necessidade de refletirmos a respeito das consequências negativas existentes nas relações entre sociedade e natureza que estão subordinadas ao modo de produção capitalista. Esse modo de produção possui como essência a exploração do trabalho e da terra para a produção/reprodução/acúmulo/centralização do capital. Suas consequências podem ser visualizadas no êxodo rural, desterritorialização das populações do campo, segregação socioespacial, miserabilidade, fome, violência, desemprego, destruição ambiental, discriminação de minorias, perseguição aos militantes de movimentos sociais etc.

    A única alternativa viável é a superação das estruturas de alienação/dominação/opressão/exploração. Entendemos que a educação é um dos instrumentos capazes de auxiliar no processo de ruptura com a ordem vigente e de construção, por meio de seus sujeitos, de outro modelo socioeconômico, que tenha como princípio fundamental o ser humano, e não o mercado. Superando os mecanismos de alienação/exploração/coisificação/opressão do ser humano inerente ao modo de produção capitalista.

    Por conseguinte, sem defendermos nenhum idealismo ingênuo e simplista da educação como única forma para a salvação da humanidade, ou como o motor principal da transformação social, concordamos com Paulo Freire de que a educação deve ser um dos instrumentos (não o único ou principal) de libertação/humanização, auxiliando em uma mudança social.

    Sendo assim, essa transformação poderá vir pela emancipação das camadas subalternas, em um processo de conscientização que ultrapassa os muros da escola. Portanto, estamos baseados na interpretação de que os sujeitos é que são agentes construtores da realidade e que essa realidade é parte de um movimento dialético, produzido historicamente a partir das possibilidades e necessidades concretas, e a educação se encontra inserida juntamente com as outras dimensões que compõem a totalidade social em movimento.

    Buscamos, nesse sentido, repensar a práxis educativa e o ensino da Geografia hoje, a fim de construirmos uma educação que ofereça a oportunidade de o educando ter a sua realidade territorial inserida na escola e que sua vivência, seus saberes-fazeres, participe do processo educativo. A educação é uma dimensão inerente ao ser humano, que ultrapassa os muros da escola, por isso a realidade do aluno (a)⁸, que é mais ampla do que os saberes escolares, deve estar presente em sala de aula.

    Há necessidade de se reterritorializar os saberes-fazeres do campo. Produzir a práxis pedagógica numa perspectiva condizente com a realidade territorial camponesa, ou seja, a partir da lógica territorial da classe camponesa, para que eles se entendam como os sujeitos da produção de seu território e, logo, de sua própria educação. Possibilitando aos sujeitos do campo geografar/territorializar e temporalizar/historicizar as relações socioespaciais, uma vez que estes se tornam agentes ativos e conscientes do processo de construção de sua realidade.

    É por isso que está sendo construída coletivamente a Educação do Campo, uma educação revolucionária, que tem a finalidade de reterritorializar o conhecimento, trazendo a cidadania às populações do campo. A educação no campo nunca foi construída de maneira dialógica com os sujeitos. Por isso, a perspectiva dialogal, crítica e critizadora (FREIRE, 1983) da educação freiriana é um pressuposto da Educação do Campo. O anti-diálogo educacional e a posição domesticadora da Educação Rural, levou ao alto número de analfabetos no campo, pois nunca houve realmente uma política pública construída de forma dialógica e crítica para atender as necessidades educacionais das suas populações. A ideologia dominante cristalizou a posição de que para os habitantes do campo qualquer coisa estava de bom tamanho.

    A elite, detentora do poder, principalmente no campo, sempre impôs, desde a colonização do Brasil, o discurso ideológico de que aprender a ler e a escrever para os camponeses seria inútil e desnecessário. Dessa forma, pensar, ler, escrever e refletir seria somente necessário aos habitantes do espaço urbano. Reforçando uma premissa inerente ao modo de produção capitalista que é a separação entre trabalho manual e trabalho intelectual. Dessa maneira, essa elite dominante sempre quis nos fazer pensar que o camponês não precisa de escola, que para mexer com a terra não precisa saber ler e escrever, e nem pensar e refletir.

    Desde a colonização do Brasil tivemos uma educação domesticadora pensada pelas elites, cujo único interesse é de continuar se perpetuando no poder e, assim, reproduzindo a desigualdade social. As formas reprodutoras de educação fizeram com que historicamente se produzisse uma educação voltada para preparar pessoas úteis ao modelo de produção industrial urbano, ou seja, mão de obra barata na cidade. Nessa concepção, uma educação dos camponeses não tem utilidade para o sistema capitalista.

    A educação rural sempre apresentou a cidade e o agronegócio-latifundiário⁹ como sinônimos de desenvolvimento/modernidade, construído pelos vencedores, e a agricultura camponesa como arcaica, inútil e em vias de extinção. Essa posição naturalizou o êxodo rural e perpetuou a lógica de que ou os moradores do campo vão para cidade estudar ou, então, estudam no campo para ir morar na cidade.

    Na contra-hegemonia, a Educação do Campo é construída junto com seus sujeitos e a partir de suas necessidades. Produzindo-se, assim, um conhecimento dialogicamente com os de baixo, numa concepção de libertação e resistência. Tentando superar as condições precárias educacionais, nas quais se encontram as populações do campo, na atualidade. Buscando romper com a domesticação e a submissão presentes na educação rural.

    Por isso, a Educação do Campo tem origem nos problemas concretos enfrentados pelos camponeses e, consequentemente, na busca de soluções por parte dos movimentos socioterritoriais¹⁰ (FERNANDES, 2000, 2005) do campo, impedindo que o capitalismo destrua/desterritorialize o campesinato ou mantenha-os à margem da sociedade, precarizados e subalternizados. Possuímos uma realidade de exclusão social e educacional das populações do campo, em que a prioridade dada ao agronegócio-latifundiário tem levado ao aumento da sua pobreza e subalternidade ao capital. Diante dessa situação, a Educação do Campo busca a negação dessa lógica destrutiva, auxiliando seus sujeitos no processo de luta contra a territorialização do capital no campo e contra a sujeição da renda

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