Analfabetismo e alfabetização: representações de professoras alfabetizadoras
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Sobre este e-book
Para explorar essas representações, a autora apoia-se na concepção defendida por Henri Lefebvre, segundo o qual, para que se compreendam as representações dos sujeitos sobre a realidade, é necessário conhecer sua vida cotidiana. É nesse espaço que os sujeitos constroem suas representações, a partir de suas vivências pessoais e de seu grupo social. Adotando essa abordagem, a investigação etnográfica traz a conhecimento do leitor o contexto sociocultural da comunidade e as práticas pedagógicas, desenvolvidas pelas professoras no processo de alfabetização de quilombolas jovens e adultos.
A escolha dessa comunidade dá ao livro uma dimensão extremamente relevante, pela importância histórica da sua descendência do Quilombo dos Palmares, conferindo à obra uma identidade singular, expressa no modo de vida, nas práticas culturais e nos processos de ensinar e aprender imbricados no cotidiano. Pesquisadores, gestores educacionais, profissionais e estudantes da área de educação encontrarão um corpo de conhecimentos – sobre Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo e Educação Quilombola - que possibilitará aprofundar a reflexão sobre a formação de professores, na perspectiva de contribuir para mudanças nas políticas e práticas formativas que tragam melhoras efetivas à realidade das populações atendidas.
Marina Graziela Feldmann
Doutora em Educação
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Analfabetismo e alfabetização - Maria Reneude de Sá
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
À minha mãe, Verônica Francisca, in memoriam, pela mulher corajosa, determinada e generosa que ela foi e pelo amor que devotou, do seu modo particular, a nosso pai e a cada filho.
Ao meu irmão Rubens, in memoriam, pelo seu entusiasmo pela vida, sua vontade de ser feliz e fazer feliz sua mulher e seus filhos.
À Larissa, minha netinha, in memoriam, que, mesmo tendo uma passagem tão breve por este planeta, deixou sua luz em nossas vidas.
A todos, minha saudade eterna.
AGRADECIMENTOS
A meu pai, Ademar, pela sua capacidade de sonhar, sua alegria, seu bom humor e seu gosto pela vida, que nem o Alzheimer conseguiu destruir.
À Fátima, minha irmã, pela sua generosidade com familiares, amigos e outros seres, em especial, com nosso pai e comigo, a quem ela acolheu e nos dedica os cuidados mais preciosos.
A meus irmãos e demais irmãs: Ernani e Osmir, Ivone e Aparecida, pelo amor que nos une e a certeza de contarmos sempre uns com os outros.
A meu cunhado Maurílio e às minhas cunhadas Ana Lúcia, Antônia e Suzi, pela dedicação e empenho em manter suas famílias unidas.
A meus filhos, Patrícia Maria e Enrique Eduardo, pelas oportunidades de aprendizagem que me proporcionam, desde seus primeiros dias de vidas, e a seus respectivos companheiros, Márcio Bruno e Vanessa Cristina, dos quais espero que perseverem na construção da felicidade.
À minha neta, Maria Luiza, por despertar em mim, sertaneja tosca, sentimentos de ternura e amor incondicional.
A meus sobrinhos: Acácia, Artur, Beatriz, Felipe, Gabriel, Igor Alexandre, Luciana, Rubens Allan e Verônica, pelo carinho que me devotam, em retribuição ao amor que tenho por eles.
A meus sobrinhos-netos: Felipe Sá, Athos Alexandre e Allana, por darem continuidade à nossa família.
À Eliete Santiago, pela amizade fraterna que nos une há mais de 40 anos e por sua disponibilidade, tanto nos bons momentos quanto nos mais difíceis.
APRESENTAÇÃO
Instalando-se no Brasil desde a colonização, o analfabetismo vai se tornando, progressivamente, um problema histórico. Além da negação de um direito constitucional, conferido a todos os cidadãos, a condição de analfabeto compromete o exercício da cidadania no mundo contemporâneo. Sua existência inquieta pesquisadores das ciências sociais e humanas, que buscam realizar estudos na perspectiva de contribuir para sua compreensão e enfrentamento.
Este livro aborda o analfabetismo da população brasileira, especialmente, de jovens e adultos na faixa etária de 15 anos ou mais de idade. A delimitação deve-se ao propósito de examinar o analfabetismo como problema, numa perspectiva histórica, analisando-o no contexto de descumprimento do direito constitucional, que garante a todos os brasileiros o acesso, aos 6 anos de idade, ao Ensino Fundamental, concluindo-o aos 14 anos de idade, estando, assim, aptos a ingressarem no Ensino Médio.
O estudo foi desenvolvido por meio de uma análise das representações de professoras alfabetizadoras de camponeses quilombolas jovens e adultos, sobre analfabetismo e alfabetização, considerando o contexto socioeconômico e cultural das professoras e alfabetizandos, a formação docente e a prática pedagógica das referidas professoras no processo de alfabetização.
O tema do analfabetismo vem sendo objeto de estudo ao longo da minha vida acadêmica. Em pesquisa anterior¹, cujo foco de análise é a questão pedagógica abordada no contexto das políticas educacionais, investiguei a visão de camponeses, egressos de programas de alfabetização de jovens e adultos, sobre as razões que os levam a buscar, insistente e reiteradamente, matrícula em classes de alfabetização de jovens e adultos, porém, quando conseguem acesso, em pouco tempo, a maioria as abandona sem ter adquirido, pelo menos, habilidades mínimas de leitura e escrita.
Entre as suposições apontadas pela pesquisa, constatei que a insistência dos camponeses na busca de matrícula em classes de alfabetização deve-se à percepção da necessidade de conhecimentos letrados em sua vida cotidiana, conforme concluo nas considerações finais do trabalho:
[...] conhecimentos letrados são percebidos pelas camadas populares rurais como necessários ao melhor desempenho de atividades práticas na vida cotidiana. São atividades relacionadas, predominantemente, ao trabalho no contexto atual de desenvolvimento do meio rural brasileiro, em áreas onde conhecimentos científicos e processos tecnológicos foram incorporados à produção econômica. Essa necessidade relaciona-se, também, às expectativas da família camponesa em melhorar sua qualidade de vida.²
Essa percepção parece justificar o abandono das classes de alfabetização pelos camponeses, na medida em que eles constatam que os processos de ensino não estão lhes proporcionando as aprendizagens almejadas, levando-me a supor que:
[...] se os processos escolares possibilitarem o atendimento às suas expectativas e necessidades, os camponeses, além de buscarem acesso à escola, nela permanecerão para concretizar as aprendizagens desejadas e esperadas, apesar de condições pessoais adversas, tais como: pouca disponibilidade de tempo, cansaço, preocupações com a família e o trabalho, distância da escola e, até mesmo, problemas de saúde. Isto leva à suposição de que os camponeses perdem a motivação, se desinteressam e abandonam os processos de escolarização porque percebem que não estão se concretizando as aprendizagens desejadas e esperadas³.
Desse modo, sem desconsiderar os efeitos negativos de fatores de ordem socioeconômica sobre a escolarização das camadas populares, as suposições registradas nesta obra evidenciam relação direta entre o insucesso dos programas de alfabetização de jovens e adultos e fatores pedagógicos referentes aos processos de ensino, decorrentes, provavelmente, do tipo de políticas de educação destinadas à educação básica da população jovem e adulta no Brasil, que não garantem as condições necessárias ao processo de escolarização.
Em termos gerais, concluo que as próprias políticas educacionais têm contribuído para a manutenção do analfabetismo no Brasil:
[...] é possível afirmar que as políticas de educação inclusas nas políticas sociais desenvolvidas pelo Estado brasileiro, especialmente aquelas destinadas às populações jovens e adultas, produzem a exclusão escolar por meio de um processo de inclusão marginal, dada a forma perversa como têm promovido a exclusão escolar⁴.
Abordar o analfabetismo e o processo de alfabetização sob o ângulo das práticas pedagógicas deve-se à compreensão, fundamentada em trabalhos sobre o tema⁵, da relação existente entre o fazer pedagógico do professor (prática de ensino) e sua visão (concepções) sobre questões que envolvem esse fazer (representações).
Na pesquisa, que dá origem a este livro, adotei uma abordagem metodológica de pesquisa qualitativa, com investigação etnográfica⁶, realizada por meio de contato direto com o campo de pesquisa, na convivência com uma comunidade quilombola.
A pesquisa foi realizada no município de União dos Palmares, no Estado de Alagoas, que foi escolhido em virtude de minha vinculação profissional com a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), associada ao propósito de, com este estudo, produzir conhecimentos capazes de contribuir para a definição de políticas educacionais que conduzam à superação do analfabetismo e à elevação dos níveis de escolaridade da população alagoana, tendo em vista que o estado tem registrado, historicamente, os mais elevados índices de analfabetismo do Brasil, especialmente, nas áreas rurais.
No contexto do município de União dos Palmares, escolhi a comunidade quilombola de Muquém para realizar a investigação etnográfica. Essa escolha deveu-se, especialmente, à sua descendência do Quilombo dos Palmares, fato que lhe confere características singulares na sua organização e vida cotidiana.
As marcas da cultura do Quilombo estão no modo de vida das comunidades quilombolas existentes na região, entre elas, a comunidade de Muquém, sediada num povoado próximo à Serra da Barriga, onde existiu o referido Quilombo, por, aproximadamente, cem anos, entre os séculos XVI e XVII.
Direcionar o foco deste estudo para um espaço limitado e um contingente específico de uma população foi o motivo principal que me levou a adotar uma abordagem de pesquisa que me possibilitasse investigar os contextos material e simbólico do lugar e da vida da comunidade: sua origem, sua história, sua organização socioeconômica, seus meios de vida, costumes, crenças, visões de mundo, modos de educar as novas gerações e de dar continuidade à cultura de seus ancestrais. Fatores que caracterizam aquela comunidade conferindo-lhe uma identidade própria, diferenciada de outros contingentes populacionais campesinos da mesma região.
Os dados da investigação etnográfica me possibilitaram contextualizar a análise das representações das professoras sobre analfabetismo e alfabetização. O estudo mostra que, por meio de suas representações, construídas a partir de várias fontes de conhecimento, as professoras buscam explicações que respondam a suas inquietações em sala de aula, ao mesmo tempo que procuram justificar suas práticas pedagógicas e os resultados de aprendizagem, expressos no desempenho escolar dos alfabetizandos.
Este livro compõe-se de quatro capítulos. No Capítulo 1 – Trajetória da pesquisa, exponho uma síntese da fundamentação teórico-metodológica que orientou este estudo e descrevo o desenvolvimento da pesquisa empírica, explicitando os procedimentos adotados, com o objetivo de dar conhecimento ao leitor do caminho percorrido, passo a passo, no processo de investigação.
No Capítulo 2, discuto o problema do analfabetismo no Brasil por meio de uma abordagem histórica, sob a ótica do descumprimento do direito constitucional, que assegura a todos os brasileiros o acesso à escolarização básica. Abordo, ainda, a formação do professor na visão de pensadores progressistas. Examino concepções e modalidades de formação, sua normatização na legislação educacional brasileira e a formação específica do professor da educação de jovens e adultos.
No Capítulo 3, é relatado o contexto da pesquisa empírica, compreendendo uma caracterização do município de União dos Palmares, sua origem histórica, o cenário socioeconômico atual e o atendimento escolar à população de jovens e adultos, incluindo uma síntese do Programa Brasil Alfabetizado e seu funcionamento no referido município.
Ainda no Capítulo 3, apresento uma síntese da vida cotidiana da comunidade de Muquém, com dados da investigação etnográfica, a partir da convivência que mantive com aquela comunidade. Procuro destacar aspectos que contribuam para a análise que desenvolvo, no capítulo seguinte, das representações das professoras.
Analiso, no Capítulo 4, as representações das professoras alfabetizadoras da comunidade de Muquém sobre analfabetismo e alfabetização, estabelecendo relação com a vida cotidiana da comunidade, a formação docente das professoras e suas práticas pedagógicas na alfabetização de camponeses quilombolas jovens e adultos. E, finalizo expondo algumas considerações decorrentes do estudo realizado.
PREFÁCIO
Analfabetismo e alfabetização: representações de professoras alfabetizadoras é um trabalho que dá enorme alegria ter em mãos, e me honra prefaciá-lo por várias razões. Entre outras, a materialidade de um compromisso político e a contribuição acadêmica e social relevantes, que passam a circular em forma de livro por muitas mãos, escutas e olhares.
Recebi o convite para formular este prefácio como um presente e, ao mesmo tempo, uma distinção que ultrapassa o formalismo institucional. Ele reúne um conjunto de significados que tecem as aproximações entre a autora e esta leitora. Traz traços identitários como gênero, raça, território, geração, engajamento político e pedagógico, percursos históricos, acadêmicos e profissionais e a identificação nas utopias que nos movem.
A pesquisadora Maria Reneude de Sá fez da educação seu campo de atuação profissional e de prática social voltando-se, particularmente, para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) na sua multidimensionalidade. Na verdade, a EJA para a professora Reneude se constitui em área de formação profissional, atividade de ensino e extensão, além de objeto de pesquisa.
Neste livro, suas preocupações epistemológicas ganham corpo com a discussão sobre o analfabetismo e a alfabetização de adultos, marcas históricas da educação brasileira e, de modo particular, na população pobre e negra, cuja concentração ainda ocorre nas regiões Norte e Nordeste. A pesquisadora articula três grandes desafios da educação básica: a Educação do Campo, a Educação de Jovens e Adultos e a Educação Quilombola.
Foi na aproximação com a realidade construída e vivida por mulheres e homens, crianças, jovens e adultos, em um território quilombola, que a autora buscou compreender as condições e as situações que produzem o analfabetismo e a alfabetização, a partir das representações construídas pelas professoras. Nessa empreitada intelectual, possibilitou a voz de sujeitos estudantes e professoras campesinas que buscaram em suas lembranças, em suas práticas, lideranças e nas relações cotidianas, mostrar como políticas e práticas constituem dinâmicas de organização e vivências de aprendizagens. A observação direta nos espaços de aprendizagens, o seu olhar e escuta atentos, numa visão de globalidade, possibilitaram a apreensão do e no movimento político-pedagógico de modos de afirmação ou negação do direito à educação.
Com essa preocupação, a pesquisadora dialoga com vozes que ecoam dos dispositivos legais e pedagógicos nos espaços de aprendizagens para além da sala de aula. As questões do analfabetismo de jovens e adultos no Brasil, na sua relação com a alfabetização, ganham centralidade e são abordadas a partir das representações de professoras camponesas, em uma comunidade quilombola.
O Muquém, um pequeno povoado rural do município de União dos Palmares (Alagoas), habitado por uma comunidade descendente do Quilombo dos Palmares, sem ser isolado da globalidade, foi o locus da produção do conhecimento sobre as representações que constroem as professoras alfabetizadoras sobre o analfabetismo e a alfabetização. Esse povoado tornou-se o espaço privilegiado para as leituras de realidade e a articulação das concepções epistemológicas e metodológicas, assim como das políticas e gestão da educação.
A leitura desta obra se constitui numa possibilidade de circular com a autora nos tempos e nos espaços, apreendendo práticas culturais, saberes sociais e educacionais construídos, mobilizados e utilizados no trabalho de escolarização. Isto é, a apreensão e a análise das relações entre cultura e educação.
Em outros termos, a autora trata, neste livro, do analfabetismo e da alfabetização a partir das representações de professoras, numa perspectiva dialética e contextualizada. Por isso, para compreender as políticas e as práticas pedagógicas docentes ela se aproximou da dinâmica da vida dos sujeitos campesinos que, ao mesmo tempo, são moradores/as da