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Flechas partidas em tempos de guerra
Flechas partidas em tempos de guerra
Flechas partidas em tempos de guerra
E-book471 páginas7 horas

Flechas partidas em tempos de guerra

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Sobre este e-book

Um diário, escrito originalmente em guarani por autores desconhecidos, narra os conflitos entre a Espanha e Portugal pela posse do Rio Grande do Sul no século 18. Esse é o contexto no qual diversos personagens históricos traçam os seus destinos. Dentre eles, destacam-se os indígenas guaranis. Inicialmente, guerreiros nas muralhas da Colônia de Sacramento e povoadores das terras missioneiras, suas flechas se partiram contra os metais das tropas portuguesas e espanholas, em Caiboaté, num crepúsculo da história missioneira. Posteriormente, participaram ativamente no povoamento do sul do Brasil, inclusive na jovem cidade de Porto Alegre. A narrativa se encerra com a conquista lusa dos Sete Povos das Missões.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de ago. de 2022
ISBN9786556231327
Flechas partidas em tempos de guerra

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    Flechas partidas em tempos de guerra - Arno Alvarez Kern

    capa do livro

    CONSELHO EDITORIAL EDIPUCRS

    Chanceler Dom Jaime Spengler

    Reitor Evilázio Teixeira | Vice-Reitor Manuir José Mentges

    Carlos Eduardo Lobo e Silva (Presidente), Luciano Aronne de Abreu (Editor-Chefe), Adelar Fochezatto, Antonio Carlos Hohlfeldt, Cláudia Musa Fay, Gleny T. Duro Guimarães, Helder Gordim da Silveira, Lívia Haygert Pithan, Lucia Maria Martins Giraffa, Maria Eunice Moreira, Maria Martha Campos, Norman Roland Madarasz, Walter F. de Azevedo Jr.


    Conforme a Política Editorial vigente, todos os livros publicados pela editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (EDIPUCRS) passam por avaliação de pares e aprovação do Conselho Editorial.


    Folha de rosto do livro: Flechas Partidas Em Tempos De Guerra. Arno Alvarez Kern. EDIPUCRS, Porto Alegre, 2021

    © EDIPUCRS 2021

    CAPA Thiara Speth

    IMAGEM DA CAPA Indígena das Missões Jesuíticas (Chiquitano): Aguinaldo Muquissai Massavi. Cocar, arco e flecha do acervo da coleção etnográfica do NAI (Núcleo de Assuntos Indígenas) da UNEMAT. Foto de Ione Castilho Pereira.

    EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Maria Fernanda Fuscaldo

    REVISÃO DE TEXTO Caroline Ferrari

    Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


    K39f   Kern, Arno Alvarez      

    Flechas partidas em tempos de guerra [recurso eletrônico] /

    Arno Alvarez Kern. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre :

    EDIPUCRS, 2021.

    1 Recurso on-line (403 p.)

    Modo de Acesso:  

    ISBN 978-65-5623-132-7

    1. Rio Grande do Sul - História. 2. Brasil – História – Colônia

    do Sacramento, 1680-1828. I. Título. 

    CDD 23. ed. 981.65


    Lucas Martins Kern – CRB-10/2288

    Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.

    Todos os direitos desta edição estão reservados, inclusive o de reprodução total ou parcial, em qualquer meio, com base na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, Lei de Direitos Autorais.

    Logo-EDIPUCRS

    Editora Universitária da PUCRS

    Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 33

    Caixa Postal 1429 - CEP 90619-900

    Porto Alegre - RS - Brasil

    Fone/fax: (51) 3320 3711

    E-mail: edipucrs@pucrs.br

    Site: www.pucrs.br/edipucrs

    Para Maria Lúcia.

    Agradecimentos

    A pesquisa que deu suporte a este livro foi desenvolvida ao longo de minhas atividades universitárias nos campos da arqueologia e da história. Ela se tornou-se mais intensa e direcionada para a redação final, de outubro de 2017 a dezembro de 2019. Agradeço a todos com os quais tive o prazer de trocar ideias, principalmente meus alunos de graduação e pós-graduação. Foram inestimáveis os comentários, críticas e sugestões dadas por colegas pesquisadores, júniores e sêniores, que se encontram destacados na bibliografia. Amigos e familiares leram a primeira versão e a final deste livro, dando valiosas colaborações: Diderot Velloso, Peter Elbling, Ione Castilho, Kelli Bisoim. Um agradecimento especial a Maria Helena Bastos por ter feito uma leitura detalhada e crítica do original. A colaboração mais valiosa foi a de minha esposa Maria Lúcia Bastos Kern, por ter dialogado tantas vezes comigo, pelo apoio constante, pela leitura atenta e a revisão detalhada. O livro é dedicado a ela, com toda a justiça.

    SUMÁRIO

    Capa

    Conselho Editorial

    Folha de Rosto

    Créditos

    Agradecimentos

    ENTRE A FICÇÃO E A HISTÓRIA

    PRIMEIRA PARTE

    SEGUNDA PARTE

    TERCEIRA PARTE

    REFERÊNCIAS

    SOBRE O AUTOR

    EDIPUCRS

    ENTRE A FICÇÃO E A HISTÓRIA

    Os acontecimentos históricos narrados neste texto têm início quando os tiros dos canhões da artilharia ressoaram na muralha e nos bastiões da Colônia de Sacramento, em 1736. Soldados espanhóis e os guerreiros guaranis dos povoados missioneiros tentaram conquistar a cidade defendida por tropas portuguesas. Eles continuam, duas décadas depois, quando milhares de flechas guaranis se partiram contra os metais das tropas portuguesas e espanholas, num crepúsculo da história missioneira banhado pelo sangue de mais de mil guerreiros indígenas mortos. O ocaso das missões é marcado pelo conflito de três exércitos na Batalha de Caiboaté, na guerra que indígenas guaranis fizeram contra os reis de Espanha e Portugal.

    Com a derrota, as suas aspirações utópicas morreram no campo de batalha. Aos guaranis restaram poucos caminhos. Um deles foi fugir para as florestas onde suas aldeias tinham tido origem. O outro foi migrar para as cidades espanholas e portuguesas, ou seja, rumo às raras aglomerações urbanas que nasciam na região do Rio da Prata. Tratava-se, em todos os casos, de um recomeço. Nas florestas, prevaleceu uma volta à cultura tradicional e uma perda gradual das referências à cultura europeia. Nas terras lusas, acompanhando as tropas da coroa de Portugal, significou uma imersão no povoamento que se realizava no Rio Grande, juntamente com famílias lusas de ilhéus dos Açores e com os escravos africanos. Falando o português, disfarçados com camisetas coloridas de suas equipes de futebol preferidas, seus descendentes ainda hoje circulam incógnitos pelas ruas de Porto Alegre.

    O diário, pretensamente um documento de época, se apresenta como sendo uma narração que tem como objetivo dar voz aos guaranis, importantes personagens participantes das guerras platinas, desde a experiência missioneira dos jesuítas até o início do povoamento do Rio Grande de São Pedro. O objetivo do texto foi, portanto, permitir o testemunho dos indígenas guaranis missioneiros, que perderam seu mundo em Caiboaté.

    Entretanto, ele não se limita a isso. Os autores destes diários e narrativas, pretendem evitar que a memória dos acontecimentos desapareça com o tempo e permaneça ignorada de todos. Eles procuram salvar uma memória do que parece furtivo e inacessível do passado histórico. E que, provavelmente, desaparecerá se não for documentado.

    Não é tudo o que se passou que interessa aos seus autores. Eles não estão interessados nas curiosidades ou nas anedotas pregressas. Escolhem o que julgam importante para esclarecer o passado e iluminar aquilo que está obscuro na compreensão de seu presente. E sabem que só assim as suas narrativas terão valor.

    Estas páginas têm um cenário: as paisagens do Continente do Rio Grande de São Pedro, na bacia do Rio da Prata. É uma cenografia do ambiente onde habitantes platinos (aldeões guaranis, caçadores charruas e minuanos, escravos de origem africana, portugueses e espanhóis) são personagens reais a desfilar a suas grandezas épicas e suas misérias trágicas, suas esperanças e seus fracassos.

    Este texto poderia ser apresentado como sendo um documento histórico excepcional, pela sua raridade: ter sido escrito em guarani do século 18. Sua linguagem seria a denominada língua geral dos habitantes do Brasil atlântico.

    As memórias registradas nas páginas manuscritas estariam embasadas não apenas no que foi visto ou ouvido, mas principalmente no que foi vivido e sentido por seus autores. Mais do que simples recordações, os acontecimentos são apresentados num relato que busca ser o mais verossímil e objetivo possível de suas longas trajetórias de vida.

    As narrativas históricas produzidas na Idade Moderna são denominadas relações, memórias ou cartas. Pouco a pouco, destacam-se os diários de viagens, escritos principalmente no século 19. Elaborada por intelectuais, trata-se de uma narrativa sempre muito próxima de seu autor, pois ele é um participante e quase sempre uma testemunha ocular. Suas histórias foram vividas integralmente e percebidas claramente pelos seus sentidos.

    Os textos utilizam o testemunho de outros participantes, que teriam igualmente presenciado os acontecimentos narrados. Trata-se de uma época em que são pouco acessíveis os ainda raros os arquivos de fontes escritas. Inexistem ainda amplas coleções de documentos materiais arqueológicos. O afastamento dos autores das narrativas de suas fontes documentais impede que o leitor verifique sempre a veracidade de suas afirmações. Acreditar na palavra de seus autores, como evidências em uma situação de exclusividade, não seria cair em uma armadilha? Muitas vezes precisamos confiar, sem abandonar o espírito crítico, nas boas intenções dos autores e na validade de suas interpretações. E saborear a satisfação de poder contar com uma fonte de informações sobre uma época em que os dados são escassos ou inexistentes.

    Como muitas narrações de intelectuais, com uma mente de cientistas do século 18, o texto pode fazer referências ao contexto histórico local e às antiguidades encontradas. Ou seja, os vestígios arqueológicos de sua época. As suas descrições dos hábitos indígenas e dos elementos de sua cultura material – não apenas dos guaranis – é uma evidência também das preocupações dos seus autores com as etnias do passado.

    Somente nos séculos 17 e 18, a história começa a ser vislumbrada e definida por suas características científicas. O saber histórico deve basear-se tanto quanto possível em fontes documentais, escritas ou materiais. Passa a ser uma obrigação a utilização de um raciocínio lógico e objetivo.

    Para a publicação atual de um documento escrito em guarani, no Século das Luzes, inúmeras modificações teriam que ser realizadas. A edição de uma narrativa antiga em língua atual exigiria a modernização do discurso. Ou seja, a sua adaptação do guarani do século 18 ao português atual, falado ou escrito. Grafia, pontuação, conceitos: muitas adaptações seriam necessárias para a modernização de um texto com tais características. Essa seria a razão do aparecimento de termos e conceitos atuais mesclados aos da época.

    A narrativa do texto é organizada cronologicamente a partir de 1736 até o nascer do novo século. A sequência cronológica dos acontecimentos é o eixo da narrativa do diário. O leitor é considerado como um confidente, convidado a acompanhar as trajetórias de seus autores ao longo do tempo, suas descobertas, aventuras e desventuras.

    Este tipo de documento, pelas suas características, lembra os exemplares conhecidos da historiografia do Século das Luzes, na Idade Moderna. Ele antecede o que conhecemos como a história científica do início do mundo contemporâneo. Apesar de conter inúmeras referências históricas, não é a apresentação dos resultados de uma pesquisa histórica tradicional. São ausente, por exemplo, as citações das referências bibliográficas, hoje obrigatórias em qualquer trabalho acadêmico.

    Esse texto apresenta uma série de características do diário de viagens, que começa a ser típico dessa época. A viagem é sempre uma etapa importante na produção do conhecimento. Os diários deveriam ser minuciosos, para evitar que se perdessem informações ainda desconhecidas. Sua publicação era uma obrigação, pois seu objetivo era a divulgação dos novos saberes à sociedade.

    O texto tenta representar, antes de mais nada, um relatório sobre aspectos que seriam ainda desconhecidos, em parte ou totalmente, sobre uma região. Muitas perguntas são respondidas pela análise de hipóteses. Mesclando informações do contexto histórico com dados autobiográficos dos pretensos autores, elabora-se uma memória descritiva, na qual não podem faltar explicações e tentativas de interpretação.

    Para alguns historiadores atuais, este tipo de narrativa, escrita na primeira pessoa, deve ser sempre examinada com muito cuidado, com desconfiança e mesmo com ceticismo. Julgam que o texto pode estar viciado pelo subjetivismo. Eles geralmente produzem seus textos escrevendo na terceira pessoa, para ser mais objetivos. Entretanto, podemos perceber, pela leitura crítica deste diário, que neste caso isso não seria totalmente verdade. Os autores parecem ter sido testemunhas autênticas de uma época pouco conhecida. Como arquivos e museus são ainda raros no século 18 o leitor terá que ser mais condescendente com os pretensos autores.

    No diário, os acontecimentos são narrados segundo uma ótica que é deliberadamente definida. Trata-se de interpretar o que aconteceu sem a filiação ao ponto de vista dos espanhóis ou dos portugueses. A narrativa tenta compreender a razão dos atos dos indígenas a partir dos seus próprios testemunhos.

    Nesse tipo de obra, com alguma atenção, é possível reconhecer onde terminam as referências à história e começa a imaginação ficcional. O texto não tem por objetivo nos apresentar uma típica produção literária, pois está plenamente fundamentado na produção historiográfica. Não tem comentários poéticos, metáforas ou a análise detalhada dos sentimentos dos personagens. O seu objetivo não é simplesmente a anexação da história ao campo da literatura. Pelo contrário, a preponderância é sempre a do texto histórico.

    A produção científica historiográfica ou arqueológica sobre o passado do Continente do Rio Grande de São Pedro é divulgada pelos pesquisadores aos seus pares da universidade através de livros e de revistas especializadas. Pode igualmente ocorrer a divulgação desses resultados da pesquisa para um número maior de leitores em publicações, sem que se apresentem maiores referências às metodologias e teorias que foram utilizadas. Finalmente, também ocorre tentando atingir a um público mais amplo, através da ficção do romance. A relação entre os três modos de divulgação das informações nos colocam alguns problemas, muito complexos. Os três tipos de produção textual são da maior utilidade para a sociedade e atingem muitas vezes públicos muito distintos.

    Não existe, por exemplo, um limite muito preciso e bem definido entre estes tipos de textos, mas sim uma fronteira fluída. Isso pode ocorrer no mesmo texto, algumas vezes entre um capítulo, ou parágrafo, e outro, e mesmo entre uma frase e outra. Entretanto, todos pretendem que os personagens a que se referem, bem como os acontecimentos narrados, se situem no passado. Nos textos da Idade Moderna, trata-se sempre de um passado vivido pelos homens, como testemunhos. Há uma preocupação em evitar os anacronismos, principalmente por serem materiais de historiadores.

    A diferença entre essas narrativas é que a ficção cria personagens e situações em que eles desenvolvem as suas ações. Nela, inventa-se uma intriga que em geral envolve personagens idealizados. O autor de um romance histórico necessita do saber histórico e busca continuamente informações entre os historiadores. Entretanto, a recíproca não é verdadeira, pois o historiador não necessita e não deve fazer apelo aos personagens e aos contextos imaginados pela ficção.

    Não se trata, igualmente, de uma biografia tradicional, narrando a vida de indivíduos, do nascimento até a morte. Pretende-se evitar que a história do povoamento do Rio da Prata seja contada apenas pela ótica dos vencedores. Em nenhum momento o texto ignora a visão dos demais participantes, sejam importantes figuras dessa história ou não. O seu objetivo é o de preservar para o futuro uma série de observações da natureza e dos homens, salvando do esquecimento vivências, memórias e informações históricas e pessoais.

    As narrativas do Século das Luzes tentam apresentar um quadro amplo de informações preciosas sobre uma natureza singular: o relevo, o clima, a flora e a fauna, ou seja, o reconhecimento de novas terras. Mas também detalham uma nova humanidade: os hábitos e os costumes de homens ainda desconhecidos, os acertos e desacertos de novas relações sociais. Terminaram por criar novas formas de catalogar bem como descrever tudo que viam ou sobre o que ouviam falar. Tratava-se sempre de uma reconfiguração dos saberes europeus, face a um novo mundo ainda em grande parte desconhecido.

    As recentes escavações arqueológicas, realizadas em Porto Alegre, foram as responsáveis pela descoberta de uma cultura material de excepcional qualidade e uma extraordinária riqueza de informações sobre o passado da cidade. Arqueólogos fizeram também sondagens no antigo cemitério da cidade, junto à Igreja Matriz da capital. Poderiam ter ali realizado uma descoberta sensacional, pelo inusitado do tipo de fonte histórica: um volume manuscrito, assinado por dois testemunhos da nossa história, até então desconhecidos na historiografia oficial?

    Esse documento estaria em uma sepultura anônima, provavelmente de um dos seus autores. Documento manuscrito em papel, extremamente frágil, teria sobrevivido por estar protegido por uma forte e resistente capa de couro, fechada integralmente e encerada em sua face externa, como era usual neste período. Isso teria evitado a penetração da humidade nas páginas internas. A partir da sua descoberta, poderíamos nos perguntar: quem seriam os autores do manuscrito?

    Segundo o diário, eles parecem ter sido uma indígena herborista guarani de nome Maria Ivoti e seu marido, um médico luso-brasileiro de nome João Francisco Loureiro. Por que suas presenças não ficaram registradas nas fontes históricas portuguesas ou espanholas? As informações do diário deveriam ser suficientes para comprovar a existência e a jornada desses dois personagens? Nas páginas deste texto existem inúmeras informações sobre seus autores.

    Maria Ivoti seria uma legítima indígena missioneira, nascida em São João, em data desconhecida. Não seria uma índia qualquer, mas sim uma guarani que se destaca por ser letrada (o que é raro) e uma enfermeira herborista. Ou seja, uma especialista em elaborar remédios a partir de ervas curativas e medicinais de origem fitoterápica, produzidos sobretudo da flora local, para as necessidades da época.

    Segundo o texto, sua inteligência e seu trabalho teriam sido reconhecidos e valorizados já em vida, inclusive pelos missionários jesuítas de seu povoado de origem. O seu conhecimento como enfermeira e a sua condição de letrada mostram duas novas facetas de um ñande reko (modo de vida) missioneiro no qual o papel das mulheres ultrapassa o protagonismo de genitora de pequenos curumins guaranis e produtora de alimentos na horticultura. Trata-se de uma mulher em evidência em seu povoado missioneiro de origem e também em Porto Alegre, na época uma das mais jovens cidades do Brasil meridional luso.

    Maria Ivoti é uma das autoras desta narrativa. Esse seu protagonismo não indicaria que as mulheres nem sempre se resignaram aos papéis tradicionais, de mãe e esposa, que os homens lhes atribuíram na sociedade colonial do Rio da Prata?

    João Francisco teria, provavelmente, nascido por volta de 1710. Segundo informações do diário, seria o filho mais jovem do casal Francisco Loureiro e Maria Álvares, portugueses que se instalaram em Santos. Está documentado que Francisco Loureiro foi efetivamente médico da Santa Casa de Misericórdia dessa cidade. João Francisco estaria envolvido nos preparativos do Tratado de Madrid devido à influência de seu irmão, um personagem conhecidíssimo de nossa história, o diplomata Alexandre Loureiro de Gusmão. Esse caçula da família Loureiro possuiria conhecimentos científicos de medicina, obtidos na formação acadêmica em Paris e no trabalho com seu pai. No território missioneiro teria adotado o nome afrancesado de Jean-François Laurier, mas seu verdadeiro nome João Francisco Loureiro seria uma homenagem a seu pai. Cita o irmão mais velho Bartolomeu Loureiro de Gusmão e os seus conhecimentos sobre balões. Os dois irmãos Loureiro, Alexandre e Bartolomeu, aparentemente anexaram Gusmão ao seu sobrenome de família, e homenagem a um mestre jesuíta que tiveram na Bahia.

    João Francisco teria chegado ao Brasil meridional com a esquadra destinada a salvar a Colônia da Sacramente, em 1736. Neste mesmo ano teria conhecido e se apaixonado por Maria Ivoti. Os dois teriam casado e vivido como marido e mulher em São João, no território missioneiro, até 1756. A partir dessa data, os dois teriam passado a viver nos territórios portugueses do Brasil meridional, na pequena aglomeração urbana denominada de Porto dos Casais, depois Porto Alegre.

    O diário permite supor que eles seriam dois desses inúmeros atores da história que povoaram o continente do Rio Grande de São Pedro, sem deixar vestígios e sem que ninguém tenha percebido a sua existência. Mesmo em uma história tão documentada como a do povoamento do Rio da Prata, como podem ter ficado ocultos? Sabemos que esse anonimato ocorreu com os nomes de centenas de famílias de portugueses e com milhares de guaranis e de escravos de origem africana que povoaram o Continente de São Pedro do Rio Grande, ao longo dos séculos 17 e 18.

    Esses dois personagens se apresentam como sendo os autores de uma narrativa que reconstitui os atos e fatos relativos aos guaranis. O diário, assim, teria servido para lhes dar vida e transformá-los em personagens históricos, ao lado de Gomes Freire de Andrade e de Sepé Tiarajú? Cabe ao leitor responder.

    Vidas conhecidas e vidas desconhecidas compõem essa narrativa histórica que nos permite descobrir, como se estivéssemos em uma viagem, algumas dimensões negligenciadas do nosso passado.

    Arno Alvarez Kern

    PRIMEIRA PARTE

    O TROAR DOS CANHÕES

    1.1 Rumo ao Rio da Prata

    O pequeno barco se chocou violentamente contra a muralha de pedras que emergia entre as ondas.

    Gritávamos desesperados:

    - Homens ao mar!

    Mas apenas ouvíamos o uivar do vento e a explosão das ondas contra as rochas como resposta.

    A nossa frágil embarcação inicialmente se partiu ao meio. Uma parte permaneceu sobre os rochedos. O resto se fragmentou em pedaços e desapareceu no mar, levando consigo os marinheiros. A última imagem que tive deles foi a de seus olhos arregalados pelo medo.

    Os navios da esquadra que nos havia deixado ali já deveriam estar muito longe e não voltariam mais. E nenhum barco viria para nos auxiliar, antes que a tempestade amainasse. Os lobos marinhos e as gaivotas da ilha haviam desaparecido, como se jamais tivessem existido.

    Se a minha entrada no Continente do Rio Grande de São Pedro deveria ter sido discreta e silenciosa, devido ao sigilo que deveria encobrir as minhas ações, este naufrágio inesperado punha tudo a perder. As atividades previstas pareciam ter chegado ao seu fim antes mesmo de começar. Minha própria vida estava em sério risco e a Ilha do Lobos parecia ser o túmulo da missão de que fora incumbido. Desmaiei com o choque contra as pedras e não vi nem escutei mais nada.

    Como chegara até ali, correndo o risco de acabar com a minha vida?

    Nesse ano de 1736 a Colônia de Sacramento fora submetida uma vez mais ao bloqueio naval e ao cerco por terra, pelas guarnições militares espanholas de Buenos Aires e de outras cidades da região, bem como pelas tropas auxiliares de centenas de guaranis missioneiros. Os indígenas pertenciam às milícias dos povoados jesuíticos, armados pelo rei da Espanha e treinados pelos padres. O comando geral das tropas era do Govenador do Rio da Prata, Dom Miguel de Salcedo. O cerco e o bloqueio isolavam a cidade lusa, por terra e por mar, impedindo o acesso aos rebanhos de gado das fazendas próximas e a chegada de alimentos. O bastião luso era, mais uma vez, o ponto nevrálgico da discórdia entre as coroas ibéricas. E ameaçava cair.

    Reunidos em dezenas de embarcações, com bandeiras tremulando ao vento e ostentando as cores portuguesas, os reforços deveriam rumar para o Atlântico meridional. A esquadra, vinda da metrópole em segredo, fez uma demorada escala no Rio de Janeiro.

    Os navios estavam sobrecarregados. Durante dias os marinheiros haviam distribuído a carga nos porões das grandes naus. O armamento embarcado era composto de canhões, mosquetes, espadas e pistolas. Os projéteis para essas armas de fogo estavam distribuídos em caixas de madeira: bolas de ferro para os canhões, balas de diversos calibres para os mosquetes e pistolas. Havia ferragens para os armeiros, que trabalhavam na manutenção das armas de fogo. A pólvora fora armazenada em dezenas de barricas hermeticamente fechadas. Equipamentos para a manutenção dos navios incluíam artefatos para a calafetagem dos cascos e para o conserto das velas, implementos de carpintaria para os componentes em madeira. Foram providenciados centenas de tonéis com água, vinagre, vinho, cerveja e aguardente. Alimentos foram embarcados armazenados em caixas, barricas e sacos de algodão: carne salgada e seca ao sol (charque e peixes secos, como o bacalhau), toucinho, queijos, castanhas, passas de uva, azeitonas, farinha de milho e de mandioca, açúcar, sal, grão de bico, legumes e frutas frescas (bananas, laranjas, limões, limas, maçãs, batatas, mandiocas, espigas de milho, uvas verdes), biscoitos de centeio, cevada e trigo. Animais vivos foram trazidos a bordo em engradados apropriados: galinhas, cabras, pombas. Redes e anzóis foram reservados para a pesca de peixes frescos em alto mar. Muitos cavalos de oficiais foram embarcados, com suas selas e seus arreios de couro. Para cozinhar a bordo, em fogões móveis no convés dos navios, foram previstos lenha, grandes panelas, colheres de pau de diversos tamanhos, sal e temperos.

    No camarote do capitão e do mestre de navegação foram guardados os mapas terrestres e as cartas náuticas, bem como os instrumentos necessários para a navegação astronômica (globos, compassos, lunetas, relógios do sol, tratados náuticos, bússolas).

    Subiram pelas rampas de acesso os marinheiros, sodados e oficiais com suas mochilas, pertences pessoais e uma rede de dormir para cada um.

    Vindo de Portugal, eu me encontrava em meio a essas tropas armadas que visavam manter a bandeira lusa tremulando no extremo meridional das terras portuguesas na América do Sul. Era também uma oportunidade para rever o Brasil, minha terra natal, depois de tantos anos de estudos na Europa e trabalhos no setor da diplomacia da corte portuguesa. Minha missão, entretanto, era muito diversa daquela da esquadra de navios que partiriam dos portos de Lisboa e do Rio de Janeiro. Eu não podia revelar as verdadeiras intenções do meu objetivo, a não ser para Gomes Freire de Andrade, designado pelo rei como governador, desde 1733. Quando aportamos no Rio de Janeiro, ele havia retornado das Minas Gerais para a reunião da junta de governo que elaborou a estratégia das ações que seriam desenvolvidas no Rio da Prata.

    Enquanto aguardava uma entrevista que solicitara, caminhei pela cidade para a conhecer melhor. A baía onde ela se localiza é a maior que já conheci, protegida dos ventos pelas montanhas que a cercam. Nela podem fundear dezenas de grandes navios, inclusive os de guerra. Sua entrada é protegida por duas elevações fortificadas. De um lado fica a Fortaleza de Santa Cruz, equipada com 60 canhões. De outro lado, há o Forte de São João, com 20 canhões. Sobre um rochedo baixo, mais para o interior dessa baía, existe uma terceira defesa: o forte quadrado da Lage, com 30 canhões. Foi construído após o ataque dos piratas franceses que saquearam a cidade. O cruzamento dos tiros desses três locais fortificados protege plenamente a sua entrada.

    A cidade se encontra em uma pequena planície quase quadrada. É delimitada por três elevações, onde se situam a residência episcopal, o convento dos beneditinos e o dos jesuítas. Tive a oportunidade de ver as novas obras que a embelezavam. O Aqueduto da Carioca já havia sido concluído. Estavam ainda inacabadas as obras do novo Palácio do Governo, com a Casa da Moeda em anexo, e os prédios da Alfândega. Fiquei encantado com as paisagens da cidade e os contrastes entre o mar e as montanhas. Os dias eram luminosos, o céu de um azul puro.

    O Rio de Janeiro que visitei é uma vila mestiça, um padrão típico da cidade colonial. Caminhando pelas suas ruas, em poucos dias, me habituei a ver diferentes tipos de homens, religiões e culturas misturadas. Poucos brancos, muitos índios e centenas de africanos, alguns recém-chegados ostentando ainda suas tatuagens na face. Mais do que isso: todos entrelaçados pela miscigenação. Segundo informações que me forneceram, quase a metade de seus habitantes era de mestiços.

    Perambulando pelas suas ruas, encontrei uma multidão de tipos humanos diferentes: uma confraria de negros libertos, rumando em procissão para a sua Igreja do Rosário; alguns vendedores de leite, mandioca, milho e abacaxis; um barbeiro ambulante; diversas negras vendedoras de flores diante de uma igreja; dois escravos carregando uma cadeirinha com uma dama da elite colonial; três vendedores de aves, dois com galinhas e outro com perus; duas companhias de soldados marchando para seu quartel, uma de negros africanos e outra de indígenas tupis.

    Uma semana depois de minha chegada ao Rio de Janeiro, num dia de calor e sol intenso, raro para a estação invernal, tive uma reunião com Gomes Freire, para entregar a carta de apresentação de meu irmão, Alexandre de Gusmão, secretário do monarca português D. João V. Expliquei os motivos de minha vinda ao Brasil e porque deveria participar da expedição de socorro.

    Ele me encaminhou com um bilhete de apresentação ao comandante das tropas de desembarque, o brigadeiro José da Silva Pais. Nessa nova reunião, tornei a destacar a importância de minha missão: espionar e relatar à coroa lusa as últimas ações realizadas pelos espanhóis, relacionada ao povoamento da região platina. A ideia era fazer um mapa geral de todo o território, o que nunca havia sido feito, bem como os levantamentos topográficos possíveis, nos territórios dos povoados novos, estabelecidos por missionários jesuítas com indígenas guaranis. Eram prioritários sete deles, localizados em terras que julgávamos serem lusas: Santo Ângelo, São João, São Miguel, São Lourenço, São Luiz, São Nicolau e São Borja.

    Trocamos algumas ideias sobre o contexto do Rio da Prata e os interesses portugueses na região. Silva Pais sabia muito bem que os espanhóis estavam instalando pequenas cidades, com missionários jesuítas e milhares de indígenas guaranis, nos vales dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai. No século passado, algumas destas povoações chegaram a ser estabelecidas nas proximidades de São Paulo, na terra chamada de Guairá. Expulsos pelos bandeirantes, elas vieram se instalar no coração do Rio Grande de São Pedro, entre 1620 e 1630. Atacadas pelos bandeirantes novamente, elas tinham buscado refúgio na margem direita do Rio Uruguai. A criação do Bispado do Rio de Janeiro pelo papa, com jurisdição desde o Espírito Santo até o Rio da Prata, em 1676, tinha sido utilizada como instrumento para justificar a expansão lusa em direção à América Meridional.

    Silva Pais lembrou que Manuel Lobo havia estabelecido, em 1680, o núcleo urbano da Colônia de Sacramento, com a finalidade de neutralizar o avanço do Império Espanhol e demarcar por esta ação uma tomada de posse do território pretendido. Acredita que Portugal perdeu tempo desde então. Após a fundação da Colônia de Sacramento, o povoamento espanhol mais uma vez se estava estabelecendo na margem esquerda do Rio Uruguai. Fundaram-se os sete povoados com índios guaranis e instalaram-se estâncias de gado que iam até o litoral. Os indígenas desses povoados estavam armados e se suas milícias avançassem pelos vales dos Rios Paraná e Paraguai, alcançariam o coração dos domínios lusos, no Brasil central. Em seguida, em 1724, fundaram os espanhóis Montevidéu, ameaçando a expansão portuguesa que, a partir do sul do Brasil, deveria ocupar as terras do litoral e do interior, até atingir toda a margem esquerda do Rio Uruguai e do Rio da Prata.

    Fui muito enfático na minha argumentação sobre a necessidade de serem tomadas urgentes medidas:

    -Sabemos que, sem ocupar efetivamente essas terras, as nossas pretensões luso-brasileiras ficam enfraquecidas e podemos perder toda a região do Prata.

    Confidenciei a Silva Pais que o plano de meu irmão previa uma cláusula, ainda em segredo, para um futuro tratado de limites: a troca da Colônia de Sacramento pelos Sete Povos das Missões Jesuítico-guaranis, na margem esquerda do Rio Uruguai. Para meu irmão, o limite sul dos domínios portugueses seria a foz do Rio Grande de São Pedro, destinado agora a ser um rio-fronteira, pois era uma baliza natural. Sabíamos que estas atividades espanholas na região colocavam em sério risco as diretrizes de nossa política do uti possidetis (direito de posse), que deveria nortear a elaboração do novo tratado a ser assinado com a Espanha. Ele tinha a certeza de que essa política iria resolver em definitivo os conflitos entre os dois povos ibéricos a nível mundial, em todos os continentes.

    Silva Pais escutava em silêncio, pensativamente. Mas concordou comigo quando afirmei:

    -A fundação espanhola de Montevidéu e de tantos povoados missioneiros jesuítico–guaranis é comentada na corte lusa com alguma superficialidade e muito descaso. Para a maioria da elite cortesã, o que acontece nos confins do império não parece ter muita importância. É apenas um conflito de interesses menor, em uma área muito afastada e sem grandes recursos. Para outros, anticlericais e inimigos dos jesuítas, não nos devemos preocupar, pois é uma tentativa frustrada de antemão. Segundo eles, os indígenas são bárbaros que não podem ser civilizados. Afirmam que somente os jesuítas não percebem isto e irão fracassar nos seus intentos.

    Após uma pausa, continuei:

    -Para a diplomacia portuguesa, entretanto, a perda dos domínios na Ásia durante o domínio espanhol, tornou a ocupação das regiões amazônica e platina uma necessidade para o futuro do reino.

    E reforcei:

    -Essas são terras que julgamos e queremos lusas.

    Silva Pais lembrou que a situação ficara muito perigosa para Portugal e para os moradores do Brasil, quando foi criada uma milícia formada por indígenas guaranis, equipados com quase mil armas de fogo, capaz de obstaculizar a expansão lusa para o Prata. Esta milícia mostrou a sua eficácia quando venceu os bandeirantes na batalha de Mbororé, no Rio Uruguai. Numa batalha que durou três dias, quase mil e quinhentos homens entre bandeirantes luso-brasileiros e índios tupis haviam sido mortos ou expulsos, derrotados pelas tropas de 4.000 guaranis missioneiros.

    Eu concordei. Ele tinha toda a razão. Devíamos tomar medidas mais efetivas.

    Os rumores em Lisboa e as informações que nos chegavam do Brasil falavam de mais de cem mil guaranis, instalados nas trinta incipientes cidades, povoando as terras para os espanhóis. Os boatos iam mais longe e se referiam também vagamente a minas de ouro e prata na região. Agora, com o ataque espanhol à Colônia de Sacramento, corríamos também o risco de perder esta praça-forte avançada, fundada face à cidade colonial espanhola de Buenos Aires.

    Procurei esclarecer meu interlocutor que a preocupação da diplomacia da corte portuguesa era muito grande em relação aos nossos domínios da América do Sul.

    -Estamos muito atrasados na ocupação das terras meridionais brasileiras. É necessário promover o povoamento com a instalação de novos colonizadores do reino, além daqueles das ilhas da Madeira e dos Açores, o que poderia proteger o Brasil de ataques espanhóis vindos do sul. Está em disputa uma área do tamanho da península ibérica. Para isto, temos que obter mais informações de fonte segura. Este fato explica a missão a mim confiada por meu irmão. O ataque à Colônia de Sacramento apenas apressou a colocação em prática de nosso plano.

    A estratégia da ação portuguesa ficou definida por Gomes Freire de Andrade e a junta de governo em reunião no Rio de Janeiro, naquele inverno cálido de 1736. Decidiu-se pelo envio da esquadra de oito navios, para socorrer a Colônia de Sacramento ameaçada de eminente ocupação. As tropas de desembarque, sob o comando de José da Silva Pais, tinham como objetivo levar ajuda e defender os interesses da expansão portuguesa na margem esquerda da foz do Rio da Prata. Também se pretendia atacar Montevideo, eliminando assim o controle espanhol sobre a margem esquerda do rio. E, finalmente, se planejava instalar uma fortificação e uma cidade para defender a foz do Rio Grande de São Pedro, preparando-se para a defesa das terras portuguesas e o povoamento do Brasil meridional.

    Cristóvão Pereira de Abreu iria se instalar na barra do Rio Grande com 160 homens de Laguna e paulistas, entre eles Francisco Pinto Bandeira, para preparar a chegada das tropas de Silva Pais e apoiar as ações previstas por Gomes Freire de Andrade. Uma guarda deveria ocupar também dois locais mais ao sul, conhecidos como Chuí e Taim.

    Tanto em Portugal, como no Brasil, estávamos preparando cuidadosamente a nossa contraofensiva. A minha ação estava associada principalmente a este terceiro objetivo, pois decidíramos iniciar daí a minha expedição exploradora.

    A esquadra tornou a partir, juntamente com as embarcações brasileiras, plenamente equipadas. Nos dias anteriores à partida do Rio de Janeiro, tiveram os suboficiais que buscar muitos marinheiros e soldados nas tavernas e prostíbulos junto ao porto.

    O capitão de mar-e-guerra Luiz Abreu Prego comandava a esquadra. Silva Pais comandava os soldados veteranos da metrópole e jovens recrutas das Minas Gerais: 1.100 homens distribuídos nos oito navios.

    Nosso comandante pertencia a uma nova geração de oficiais que estavam surgindo em Portugal: engenheiros militares formados pela Aula de Fortificações. Ele havia sido um dos mais talentosos alunos. Além de ser capaz da elaboração de projetos de construções militares, se destacara como ótimo administrador. Assim como aumentar o reforço às defesas da Colônia de Sacramento, seu objetivo era muito claro: dar início ao processo de povoamento e de defesa militar das terras do sul do Brasil.

    E a esquadra partiu com salvas de canhões dos fortes da entrada da baía do Rio de Janeiro e ventos generosos enfunando as suas velas.

    Após uma escala em Laguna, para renovar os depósitos de água e de víveres frescos, os navios da esquadra haviam tomado novamente o rumo do sul.

    Ao se aproximar do Rio Mampituba, que marca o limite norte do Continente de São Pedro do Rio Grande, o brigadeiro Silva Pais convocou-me para uma reunião. Era importante, para avançar os conhecimentos sobre o Continente de Rio Grande de São Pedro, obteremos mais informações sobre o seu litoral. Tornava-se

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