Histórias De Bombeiros
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Pré-visualização do livro
Histórias De Bombeiros - Mariza Lima / Edson Gonçalves
HISTÓRIAS DE BOMBEIROS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Gonçalves, Mariza Lima
Histórias de Bombeiros / Mariza Lima Gonçalves,
Edson Gonçalves. – São Caetano do Sul, SP :
Ed. dos Autores, 2022.
Bibliografia.
ISBN 978-65-00-43771-3
1. Bombeiros militares – Biografia 2. Corpo de Bombeiros Militar – Brasil 3. Defesa civil e gerenciamento de desastres e crises 4. Histórias de vidas 5. Relatos pessoais I. Gonçalves, Edson.
II. Título.
22-108618 CDD-363.37092
Índices para catálogo sistemático:
1. Bombeiros militares : Memórias autobiográficas
363.37092
Aline Graziele Benitez – Bibliotecária – CRB-1/3129
Isabela Ferreira - Designer de capa
HISTÓRIAS DE BOMBEIROS
Mariza Lima Gonçalves
Edson Gonçalves
Sumário
PREFÁCIO
ADVERTÊNCIA
COLABORADORES
1 – TRAGÉDIAS
ESPÍRITO DE BOMBEIRO
UMA GRANDE LIÇÃO DE VIDA
o primeiro SERVIÇO APÓS A formaTURA DE BOMBEIRO
AS ESQUINAS DA VIDA
FALTOU ALGUÉM!
FATALIDADE MÚLTIPLA
DESABAMENTO DE IGREJA
INCÊNDIO NO EDIFÍCIO DA CESP NA AVENIDA PAULISTA
EXPLOSÃO DE CALDEIRA
Inauguração de Cemitério em Caraguatatuba
Um salto no Joelma
As coincidências existem?
Alemoa
O QUE MAIS IMPORTA NA VIDA
2 – MULHERES
O CURSO CERTO
BOMBEIRAS VOLUNTÁRIAS
POR QUE DECIDI SER BOMBEIRA
3 - NAS HORAS DE FOLGA
Escutando o Incêndio
RESGATE NA ESTAÇÃO
SEMPRE ALERTA!
GUARDA-VIDAS DE FOLGA
O PERIGO MORA PERTO
Bombeiro de Táxi
4 – AVENTURAS
JORNADA DE SALVAMENTO
A COBRA FUGITIVA
RESGATE QUASE IMPOSSÍVEL
INACREDITÁVEL
5 – COISAS ESTRANHAS
VIDA DIFÍCIL
FALTA DE SOLIDARIEDADE
SIMULADOS OU PREVISÕES?
PODE ACREDITAR QUE É VERDADE
Profissionalismo acima de tudo
6 – ENGRAÇADAS E CURIOSAS
O LOUCO
OS BOMBEIROS NÃO DESISTEM
PELO BEM DO SERVIÇO VALE QUALQUER ESFORÇO
A ÚLTIMA MISSÃO
CUMPRA-SE A LEI
UM RESGATE INCOMUM
MENSAGEM CENSURADA
MUDANÇA RÁPIDA
sonho E REALIDADE
QUEM NÃO TEM CÃO CAÇA COMO GATO
Impossível saber
EXTINÇÃO DE INCÊNDIO E PREMIAÇÃO
O que é pior?
InícIo inesquecível
7 – CURTAS E BREVES
A CAMINHO DO JOELMA
NEM SEMPRE O QUE VALE É A BOA INTENÇÃO
CADA COISA EM SEU LUGAR
QUEM RI POR ÚLTIMO RI MELHOR
COM OU SEM EMOÇÃO?
Vazamento de Cloro
ACIDENTE COM CARRETA DE GLP
Coincidências?
MUITO CAPACETE BRANCO
ACIDENTE AÉREO NÃO DIVULGADO PELA IMPRENSA
UM BAITA
DE UM CABO AÉREO
Inferno na Torre OU INCÊNDIO VISTO DA TORRE?
A VISITA AO JAZIGO
Ressuscitação ou Reanimação cardiopulmonar?
O QUE É MAIS DIFÍCIL?
Bêbado só atrapalha
O BOMBEIRO E O SANTO
LOUCO ARMADO DE FACÃO
AVIAÇÃO DE CAÇA
8 – RECRUTAS
O BATISMO
SE VIRA, VELHO!
Que vergonha
ESTREANDO COM LOUVOR
TROTE NO ESTRANGEIRO
A GREVE DOS BOMBEIROS NA VISÃO DE UM SENTINELA
TEM CERTEZA QUE ELE ESTAVA MORTO?
Pagando micos
MERGULHADOR EM PERIGO?
Acidente de trânsito digno de filme
9 – ANIMAIS
A CURIOSIDADE QUASE MATOU O GATO
COBRAS
O PAPAGAIO
MÁQUINAS PERIGOSAS
VACA EM POÇO ABANDONADO
ALPlNISTA ARREPENDIDO
AQUI É MEU TERRITÓRIO!
ENRASCADA
AUXILIAR NA SEGURANÇA DE BOMBEIROS
VAI QUE A LEOA É MANSA!
ELEFANTA ATACA HOMEM NO ZOOLÓGICO
O TENENTE E O CÃO
A VÍTIMA: UM CAVALO
CAPTURA DE JACARÉ NO CENTRO DA CIDADE
O homem e seu cão
CUMPRA SEMPRE AS ORDENS RECEBIDAS
Três gatos em uma árvore
10 - DIVERSAS
ESCOLHAS
INTUIÇÃO
A CRIAÇÃO DO RESGATE
SUA VIDA É FORMIDÁVEL
O TRADICIONAL PANETONE DO PAULO MARQUES
COM JAPONA OU SEM JAPONA?
É PRECISO MUDAR O FOCO
Bombeiro sente medo?
O BOMBEIRO PALHAÇO E MÁGICO
A PRIMEIRA VEZ A GENTE NUNCA ESQUECE
CHEGADA NO MOMENTO EXATO
AFOGAMENTOS E RECONHECIMENTO
O PROBLEMA FOI SOLUCIONADO?
A SUICIDA
Em qualquer emergÊncia, mantenha sempre a calma
ACIDENTE NO QUARTEL
ACIDENTE EM SERVIÇO
CAIXINHAS DE SURPRESA
Oito minutos
SALVA POR UM TRIZ
MARCAS QUE FICAM
COMEMORAR É MUITO IMPORTANTE
A Ocorrência mais marcante
LEMBRANÇAS
LÁ EM CASA TEM UM BOMBEIRO
UM CORPO
CURIOSIDADE
CONVITE
CANÇÃO DO CORPO DE BOMBEIROS DE SÃO PAULO
PREFÁCIO
Com uma imagem própria na Sociedade, os Bombeiros são vistos como alguém diferente, meio mágico, meio faz-tudo
. Talvez porque normalmente rumem para os locais em que os demais buscam se distanciar. Ou porque se apresentam para tarefas em situações nem sempre normais
.
Este livro mostra, num universo maior, que ser Bombeiro não decorre simplesmente de terminar um curso e, a partir dele, pôr em prática as habilidades aprendidas. A formação de um Bombeiro passa pela presença em tragédias, desconfortos, situações imprevistas, alguns sustos e muitas situações desconhecidas do público em geral, as quais moldam esses homens e mulheres e a Organização que os acolhe. Por trás do uniforme, dos equipamentos, existe toda uma narrativa que gera a tradição que os conduz, apoia, e por vezes acalenta, com causos que são contados e recontados, em especial quando os veteranos
se encontram.
Acertos e deslizes viram História e histórias. Servem para instrução e papos descontraídos. Transformam-se em fundamentos de ação e em simples motivos de riso. Criam personagens.
Quem é Bombeiro vai encontrar neste livro muitas histórias conhecidas e talvez se lembrar de outras, que poderá oferecer para futuros textos. Quem não é terá uma visão que remete ao dia a dia, às tarefas e ocorrências, e também às situações diferentes
das que está acostumado a ouvir sobre esses profissionais.
Conseguirá enxergar o homem/mulher Bombeiro
, e não o Bombeiro imagem
, pois esse último, meio super-homem, não chora, não ri, não morre. Encontrará o Bombeiro destemido, não porque não teme, mas porque vence seus medos normais, que sabe rir e brincar, que conhece a fragilidade da vida, e aprende como poucos profissionais a exata dimensão daquilo que é ou não emergência, que é ou não urgente. E que sabe como poucos o valor da equipe e do companheirismo.
Nos textos adiante a Mariza e o Edson salvam e nos brindam com uma imensa gama de narrativas, até então pura cultura oral.
Resta-nos ler, rir, emocionar-nos, admirar-nos e agradecer-lhes, desejando muito que seja o primeiro de uma série.
Walter Negrisolo
Cel Veterano do Corpo de Bombeiro da PMESP
Curso de Bombeiro para Oficiais 1970/71
Mestrado e Doutorado pela Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP)
ADVERTÊNCIA
A ideia inicial para a criação desta obra, foi a de registrar algumas histórias contadas por Bombeiros, principalmente de ocorrências de incêndio, salvamento, e resgate que, além de trágicas e marcantes, fugiram à rotina envolvendo situações criativas, atípicas, pitorescas, curiosas, diferentes e algumas vezes até cômicas. Buscou-se também assinalar alguns fatos de caserna, impressões pessoais e questões emocionais relacionadas ao Serviço de Bombeiro.
A intenção foi produzir um livro interessante, curioso, leve e não calcado somente em dados técnicos ou temas trágicos.
As histórias foram escritas ou contadas também por parentes (esposas, filhos, irmãos) de Bombeiros que se envolveram em alguma situação relacionada ao assunto.
Diz o ditado que: quem conta um conto aumenta um ponto
, mas todos os colaboradores que narraram as suas histórias garantem que elas foram baseadas em ocorrências e fatos reais, e se desenvolveram principalmente no estado de São Paulo, em especial a partir da década de 60.
Em algumas histórias, os nomes dos personagens correspondem à realidade. Em outras, foram propositadamente modificados e, algumas vezes, omitidos para evitar transtornos ou algum possível constrangimento.
Os narradores das histórias se alternam: ora estão em primeira pessoa, tanto do singular quanto do plural e em outras histórias se distanciam e narram na terceira pessoa. Às vezes no presente, mais frequentemente no passado. Cada narrativa tem a sua característica e, assim, respeitou-se, tanto quanto possível a originalidade do narrador sem, entretanto, podar a liberdade literária dos autores.
Mais de duas centenas de notas de rodapé foram inseridas para ajudar o leitor comum a compreender os termos técnicos, nomes de ferramentas, equipamentos, siglas, jargões e gírias da caserna normalmente usados pelos Bombeiros.
O desafio maior foi tentar compilar, além de ocorrências interessantes, um pouco das expressões, experiências, sentimentos e cultura de uma profissão.
Mariza Lima Gonçalves Edson Gonçalves
Todos os recursos obtidos com a venda desta edição serão destinados à FUNDABOM – Fundação de Apoio ao Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, entidade sem fins lucrativos, que tem por missão promover e difundir a produção do conhecimento cultural e científico na área de emergências e apoiar, de modo efetivo, o Corpo de Bombeiros de São Paulo.
www.fundabom.org.br
COLABORADORES
Agradecimento especial aos Bombeiros abaixo citados (em ordem alfabética), que colaboraram voluntariamente na produção desta obra fornecendo textos, gravações, detalhes, versões e sugestões:
Adilson de Toledo Souza – Cel
Alfonso Antonio Gill – Cel
Antonio dos Santos Antonio – Cel
Antonio Joaquim de Oliveira Júnior – Cel
Antonio Maldonado – 1º Sgt
Augusto Carlos Cassaniga – Cap
Celso Eduardo Guidete – Maj
Celso Matias dos Santos – 3º Sgt
Daniel Lima Gonçalves – Cap
Edson Brasil Teodoro – Cel
Edson Sampaio – Cel
Eduardo Boanerges Soares Barbosa – Maj
Eduardo Vieira Cristo – Ten Cel
Frank Itinoce – Cel
Itaici Ciríaco de Carvalho – Cel
Jaime Viana – Ten Cel
João Batista de Castro Rapaci – Cap
João Sidney de Almeida – Cel
João Antonio Brás Neto – Cel
José Antonio de Freitas – 2º Ten
Luciana Soares Guenca – Cap
Luiz Roberto Carchedi – Cel
Marco Antonio Geraldini – Cel
Milton Aparecido dos Santos – Cel
Nilton Divino D’Addio – Cel
Odilon Pinheiro Magalhães – Cel
Olinto Neto Bueno – Cel
Orlando Rodrigues de Camargo Filho – Cel
Paulo Gonçalves – 3º Sgt
Paulo Humberto Serafim Leite – 1º Sgt
Paulo Lopes de Freitas – Cel
Paulo Rodrigues de Moraes – 1º Ten
Pedro Antonio Carlini Pereira de Souza – Cel
Reinaldo Antonio Stalba – Cel
Roaldson Jocenildo de Melo – Maj
Roberto Alboredo Sobrinho – Cel
Roberto José Minozzi Nogueira – Cel
Rogério Bernardes Duarte – Cel
Sérgio Gonzales Franco – 1º Sgt
Sidney Teixeira da Silva Braga – Cel
Silas Varela Sendin – Cel
Tamara Cristina Rossatti – Sd
Taneo Campos – Cel
Thiago Pinheiro Duarte – Cap
Valter Carrasco Júnior – 2º Ten
Wagner Bertolini Júnior – Cel
Walter Negrisolo – Cel
Wilson de Oliveira Leite – Cel
1 – TRAGÉDIAS
ESPÍRITO DE BOMBEIRO
No dia 3 de março de 2020 por volta da 01:30h da madrugada, recebi um telefonema. Era o Supervisor de Serviço¹ dizendo:
- Estamos com uma ocorrência em andamento, na qual dois Bombeiros do seu Subgrupamento foram soterrados.
De maneira instintiva eu repeti, em voz alta, o que tinha acabado de ouvir, acordando a minha esposa e minha filha. Para o meu desespero eu não podia fazer nada, pois estava ilhado em Praia Grande. Não conseguiria, naquele momento, sair de casa e me deslocar ao Guarujá, pois todos os caminhos estavam alagados ou interditados.
Naquele momento, a única coisa que eu podia fazer era entrar em contato com os Bombeiros de folga, que moram no Guarujá e pedir para que eles se deslocassem ao Morro do Macaco Molhado para tentar ajudar os dois irmãos Bombeiros, até a chegada de apoio de viaturas e efetivo de outras cidades.
Hoje eu fiquei sabendo que um destes Bombeiros, de folga, largou a sua casa, que estava totalmente alagada, e não pensou duas vezes em ajudar o irmão de farda. Assim como ele, vários outros atenderam a solicitação e deixaram suas famílias para dar o apoio necessário.
Consegui sair de casa às 03:30h da madrugada e cheguei ao Morro do Macaco Molhado próximo das 05:00h e o que eu vi lá, certamente, foi uma das cenas mais tristes da minha vida. Um dos Bombeiros, o Cabo Rogério de Moraes Santos já havia sido retirado, infelizmente sem vida, mas um de nós ainda estava lá e, além dele, outras pessoas ainda estavam soterradas².
Em meio a tanta tristeza e destruição uma coisa positiva se destacou: a força e união de todos os Bombeiros. Vi Bombeiros de folga, de férias, Bombeiros de outros Grupamentos, entre eles alguns Guarda Vidas, Bombeiros Veteranos e Bombeiros de serviço, do dia anterior, que se recusaram a ir para casa, para encontrar as vítimas e o nosso irmão, o Cabo Marciel de Souza Batalha. Vi também Bombeiros Civis, Brigadistas, moradores ou apenas voluntários, prontos a ajudar.
Não tínhamos a mínima noção da quantidade de pedras e lama que haviam descido morro abaixo, muito menos do perigo que estávamos correndo com risco de novos deslizamentos. Naquele momento pipocavam
as informações de outros deslizamentos com vítimas na Baixada Santista. Mas, mesmo diante de um cenário de tantas incertezas, todos estavam prontos para e em condições de
³, pois entre as vítimas, um dos nossos precisava muito da nossa ajuda.
Após tomadas algumas decisões, com base em informações de alguns moradores, começamos a escavação manual. Dias depois tivemos a noção de que seria praticamente impossível encontrarmos as vítimas apenas cavando manualmente.
O sentimento que moveu todos os Bombeiros que saíram de suas casas ou que permaneceram, mesmo após o término do seu turno de 24 horas, é o que chamamos de espírito de Bombeiro
. O extremo espírito de Bombeiro
também tiveram nossos irmãos Cabo Moraes e Cabo Batalha que, mesmo com tantos motivos para fugir, decidiram entrar para verificar se não havia ficado ninguém para trás, mesmo que com o sacrifício da própria vida!
Um Bombeiro de verdade não se faz com selfies
ou frases de efeito postadas em redes sociais. Um Bombeiro de verdade vai de encontro ao perigo, para garantir que todos saiam seguros. Um Bombeiro de verdade aparece nas situações mais desfavoráveis e arriscadas e, mesmo quando todos já perderam as esperanças, saca do bolso uma luva e com uma pá começa a fazer a diferença.
Tenho muito orgulho de trabalhar com pessoas honradas no Corpo de Bombeiros, no 6° Grupamento de Bombeiros e, principalmente no meu Subgrupamento. Seria impossível nominar todas as pessoas que ajudaram nas buscas, mas naquele primeiro dia me lembro muito bem de todos os Bombeiros que, de alguma maneira, atuaram para amenizar o sofrimento dos familiares das vítimas e para encontrar os nossos heróis que estavam soterrados. A todos vocês fica o meu sincero respeito e admiração.
A vida segue e, após superada a dor da perda, restará a saudade e as lembranças dos bons momentos. Que jamais percamos o espírito de Bombeiro
, pois é ele que realmente nos faz ser diferenciados!
(Thiago Pinheiro Duarte)
UMA GRANDE LIÇÃO DE VIDA
Quando um Capitão que estimo muito telefonou me consultando para ir para Branquinha, no estado de Alagoas, a fim de apoiar em uma ocorrência de alagamento que havia afetado diversas cidades, eu aceitei prontamente, mas não imaginava o que viria pela frente. Era junho de 2010 e boa parte do planeta acompanhava a Copa do Mundo.
Quando desliguei o telefone me senti alvoroçado, pois sabia que aquela não seria uma ocorrência qualquer, e sim uma das maiores ocorrências de minha carreira. Eu tinha vontade de participar de uma ocorrência deste tipo desde que entrei para o Corpo de Bombeiros, e minha hora tinha finalmente chegado.
Tomei as providências necessárias para juntar e preparar os equipamentos necessários e, após vários percalços administrativos e políticos, finalmente embarcamos em cinco Bombeiros, em um voo cedido por uma companhia aérea, com destino a Maceió. Os demais integrantes da Equipe permaneceram em SP pois não tínhamos conseguido transporte para todos até aquele momento.
Ao chegar lá, o Capitão que comandava a Operação definiu que precisávamos de transporte aéreo até o local do desastre. Fiquei pensando como iríamos conseguir aquilo sem recursos financeiros. Seguimos, então, para a Base do Exército dentro do Aeroporto, onde um Capitão nos recepcionou e disse que poderia nos ajudar levando-nos até as cidades afetadas.
Depois de algum tempo, fomos até o helicóptero, que estava em condições ruins. Nele havia somente um banco, que era o do piloto. Tanto o tripulante quanto nós, Bombeiros, ficávamos sentados no piso da aeronave.
Ao decolar, eu iria marcar os pontos de interesse no GPS⁴, e acabei ficando com a fonia da aeronave, que permitia a comunicação minha com o piloto e com o tripulante. Durante o trajeto, por várias vezes o tripulante teve que alertar o piloto sobre a presença de urubus no ar, que poderiam causar a queda da aeronave. A quantidade de urubus era muito grande, devido à enorme quantidade de animais mortos em decorrência do alagamento.
No caminho, podíamos ver que as águas tinham arrancado tanques das usinas de álcool que, ao descerem o rio, destruíram todas as pontes que o atravessavam, dificultando todos os acessos.
Ao sobrevoar a cidade de Branquinha, o Capitão que comandava a operação me pediu para que solicitasse ao piloto se seria possível pousar a aeronave, pois aquela era, certamente, a cidade mais afetada pelas chuvas. Quando fiz a pergunta ao piloto, ele respondeu:
- Posso pousar, mas não posso ficar muito tempo no solo. No máximo uns cinco minutos.
Quando repassei essa informação ao Comandante da Operação, que estava no meu lado no helicóptero, ele me disse algo que eu realmente não esperava:
- Fala para ele que não precisa esperar não. Pode pousar e ir embora. A gente dá um jeito de voltar.
Confesso que fiquei surpreso. Estávamos sem muita estrutura de apoio. Eu já tinha passado por vários sufocos
⁵ na carreira, mas confiava nos Bombeiros que estavam comigo.
Quando passei o pedido do Comandante ao Piloto, ele me indagou:
- Deixar vocês aí? Tem certeza? Eu não vou poder voltar depois, hein!
Quando afirmei a ele que sim, que podia deixar nossa equipe naquele lugar arrasado pela natureza, ele só disse uma coisa:
- Meu irmão, vocês são f*** mesmo, hein!
Essa afirmação teve um tom engraçado e ao mesmo tempo assustador, pois vinha de alguém que tinha noção do que iríamos enfrentar.
Após sairmos do helicóptero, que pousou no que restava da cidade, a lama já estava por todos os lados. Quando ele se afastou, um silêncio mortal tomou conta do local.
- Agora é de verdade, pensei.
Quando chegamos no que restara do centro de Branquinha, o cenário era assustador. Pouca coisa havia ficado intacta, depois das fortes chuvas. O cenário era composto de casas destruídas ou prestes a desmoronar e muita, muita lama. O volume das águas foi tanto que chegou a arrancar os trilhos de uma estrada de ferro do chão e os retorceu de forma inacreditável.
Andamos pela cidade à procura de algum rastro de poder público para que pudéssemos nos juntar a ele, mas tudo que encontramos foi a Prefeita cercada de umas cinquenta pessoas, todas querendo resolver suas situações particulares. Conversamos com ela e sugerimos que juntasse seus Secretários e demais funcionários da Prefeitura, para que pudéssemos organizar as ações de Busca e Salvamento e demais ações de Defesa Civil. Depois de andar na rua principal, com lama até a altura da canela, organizamos uma pequena reunião, em que definimos algumas missões para cada um dos setores da Prefeitura.
Após a reunião, definimos algumas prioridades juntamente com os funcionários da Prefeitura e combinamos de nos encontrarmos no mesmo local no final da tarde para acompanhar o desenvolvimento das ações de cada um. Ao sair da reunião, o Comandante da Operação