O Pesadelo Do Sonho Sem Fim
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O Pesadelo Do Sonho Sem Fim - Rafeal Ceadric
A deserta estrada de terra conduzia a um casarão perdido acima da colina, logo após a travessia de uma precária ponte. Um lago de águas calmas ladeava o imóvel, tornando nítida a imagem de um pequeno barco ancorado à margem num cais. Encontrava-se aberto o portão de madeira envelhecida da propriedade, encorajando-me a adentrá-la. Passava das cinco horas da tarde, portanto logo a noite tomaria conta daquele refúgio. A moradia na cor preponderantemente cinza possuía oito janelas dianteiras e parecia abandonada devido ao demasiado consumo do tempo. Após três insistentes batidas na única porta, ninguém surgiu do outro lado. Por uma das janelas frontais podia-se visualizar um pouco da decoração presente no interior do imóvel. Havia alguns móveis recobertos por extensos panos brancos e contaminados pela poeira. Um secular relógio cuco marcava onze horas fazia muito tempo. Numa das paredes aparecia um quadro onde figurava um homem vestido de preto, uma mulher num traje longo da mesma cor e uma criança de olhos arregalados. Soprou um forte vento vindo do lago. Do lado direito do velho imóvel observei um poço, feito de pequenos tijolos agrupados um sobre o outro em formato circular. Do solo úmido à abertura do poço contei cinco palmos de altura. Diante da borda curvada, tentei enxergar o fim do buraco. Vi apenas a escuridão. Apanhei uma pedra e a joguei no poço, na expectativa de ouvir o barulho causado pelo impacto do objeto contra a água ou o fundo. Nada escutei depois de um longo tempo. Contornei o poço pelo caminho e vi adiante uma fila de arbustos dentro de um campo gramado. Sob as árvores frutíferas havia um discreto jardim contendo flores de crisântemos azuis. Mais ao fundo do terreno, ainda abaixo das frondosas árvores, apareciam algumas estruturas rígidas isoladas acima da grama, feitas de material em formato retangular e de textura plana. A dureza dos objetos demonstrou que eram confeccionados em mármore. Eram lajes encobrindo túmulos, possivelmente oriundos dos entes familiares que pereceram naquele lugar esquecido. Uma das lápides estava defronte a uma sepultura aberta na terra. A cova vazia conduzia às profundezas. Ao me aproximar da peça de mármore, vi um nome inscrito em letras esculpidas na pedra. Quando tentei recuar, fui surpreendido pela inesperada companhia de uma desconhecida mulher de olhos claros. Faltou-me voz naquele instante. Ela estendeu um dos braços e me ofereceu a mão. Eu senti frio.
LAÇOS
Um dos dois elevadores encontrava-se em manutenção fazia muitos dias, impossibilitando a opção de escolha. A fila diante da outra porta metálica acumulava seis pessoas naquela manhã de terça-feira. Contados três minutos de paciente espera, a porta cortada ao meio abriu-se para os lados opostos, permitindo a entrada do sexteto em seu interior quadrático. O peso máximo admitido naquele limitado espaço era de seiscentos e quarenta quilos, informava uma pequena placa indicativa instalada acima do painel eletrônico. A caixa fechou-se. Um rapaz alto trajando roupas sociais foi o último a adentrá-la. Ele apertou um dos botões brancos e o número oito acendeu-se.
Como de costume, Fernando Agamenon Santine chegou às 7h30 ao escritório onde trabalhava, situado no último andar de um antigo prédio localizado no centro histórico da cidade. O relógio de parede marcava dez minutos adicionais. O mesmo serviço burocrático de sempre o esperava de braços abertos. Eram relatórios e planilhas repletos de dados que clamavam serem analisados criteriosamente, antes de partirem para o deferimento da chefia imediata. Ele sentou-se em sua cadeira de estofado na cor violeta e ligou o computador de tela plana. O calendário de papelão posicionado à direita do teclado indicava o mês de abril. Aquela semana repetitiva apenas se iniciava.
Fernando Santine era um moço carismático e sereno. Sua carteira de motorista recém renovada conferia-lhe vinte e quatro anos de vida. Dali a um mês completaria um quarto de século, diziam seus amigos. O que fiz nestes vinte e cinco anos de existência?
— costumava-se perguntar ultimamente, não recebendo a adequada resposta de si mesmo.
Aquele emprego decente não o agradava. Apenas números, tabelas e gráficos. Somas, multiplicações, divisões e subtrações. Somente comparações entre valores, equivalências comportamentais numéricas. Definitivamente, a matemática não estava no seu sangue. Fernando Santine preferia outros ramos do conhecimento em detrimento da aritmética e de suas múltiplas aplicações no campo administrativo, econômico ou contábil.
A ocupação desinteressante não o satisfazia, contudo era o único trabalho que dispunha. Antes de chegar ao escritório naquele dia ensolarado, ele havia notado a presença de dois desempregados pedindo esmola na calçada do prédio. Num lapso de momentânea divagação, imaginou-se ali fazendo parte daquele grupo de desfavorecidos, caso não dispusesse de um parco contracheque mensal. Minha profissão, sob o ponto de vista da escolha pessoal, é um lixo. Mas não posso me dar ao luxo de descartá-la.
, refletiu ele na ocasião, tendo oferecido algumas moedas aos miseráveis.
— Obrigado e Deus lhe pague. — agradecera o mais velho deles. — Que cheiro horrível de fumaça. — comentara o pobre homem, enquanto separava as moedas grandes das pequenas.
— É resquício do incêndio ocorrido no prédio vizinho. Trágico incidente! — rememorara o segurança da área, postado defronte a eles.
— Obrigado pelas moedas. — dissera o segundo desempregado a Fernando Santine. — Eu não sei o significado de resquício, mas concordo que se tratou de um trágico acidente.
— Resquício significa resto ou fragmento. — explicara Fernando Santine na ocasião, compreensivo, tendo oferecido mais uma moeda ao desinformado indivíduo.
Meia hora depois da temporária solidão no escritório, a Fernando Santine fizeram companhia o patrão e mais três colegas de trabalho, dentre os quais Mascarenhas Dias, seu mais próximo companheiro de labuta. Luana Trindade e Robervaldo Félix ficavam do outro lado do corredor central, um defronte ao outro. Eles produziam as informações contábeis posteriormente crivadas por Fernando Agamenon Santine e pelo superior hierárquico deles. Tratava-se do chefe Ericson Luzardo, um homem alto, forte e exigente, qualidades naturais e inerentes à maioria dos chefes. Ele acomodava-se numa poltrona maior, situada num local estrategicamente instalado num canto da sala onde havia uma janela, permitindo-lhe que conferisse a vista externa repleta de concreto, padrão da modernidade urbana. O teimoso cigarro Carlton dificilmente desgarrava-se dos dedos da sua mão direita.
As dez horas de trabalho diário passaram-se como se tivessem passado vinte. Quando Mascarenhas Dias aproximou-se de Fernando Santine, mostrando-lhe o relógio de pulso digital, o moço de camisa branca de mangas compridas respirou aliviado.
— Eu estava tão concentrado a ponto de quase me esquecer de bater o ponto. — comentou Fernando Santine.
— Nosso trabalho requer bastante atenção. Vamos?! O bar do Jonas nos espera. — retrucou Mascarenhas Dias.
— A minha cabeça está doendo um pouco, mas vou acompanhá-lo ao bar. Eu não me referia ao trabalho. Minha concentração era noutra coisa. Fatos nada corriqueiros, pensamentos distantes. Quando chegarmos ao bar eu lhe explico.
— Pensamentos distantes? É a sua cara, Fernando. Vive no mundo da lua. Vamos logo. Hoje eu estou sedento por cerveja. — asseverou Mascarenhas Dias, mostrando a indiscreta barriga sob a camisa de mangas curtas.
— Os dois colegas de trabalho saíram do escritório antes que as luzes fossem apagadas. Enquanto Mascarenhas Dias dirigia o carro, Fernando Santine olhava para o horizonte pela janela do veículo, pensativo. Os edifícios passavam ao longo do caminho, um a um, sendo posteriormente substituídos por prédios menores, à medida que se distanciavam do centro da metrópole.
— Engraçado, Mascarenhas. Esses prédios ficam todos vazios ao cair da noite, melancólicos. Amanhã tudo voltará ao normal. Às vezes a noite é triste. — refletiu o bom moço.
— O que tem de engraçado nisso, Fernando? Sempre foi assim. As pessoas trabalham durante o dia porque o dia é claro. A noite não é triste. Você está precisando relaxar. Já estamos chegando ao bar. — ponderou o amigo mais velho.
— Não me referi à noite como antagonismo do dia. Nem sei explicar direito. As luzes se apagam e a escuridão passa a prevalecer. Os sons que acompanham a claridade desaparecem e surge uma sonoridade própria da noite, um