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Lucena
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E-book211 páginas2 horas

Lucena

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Sobre este e-book

Mois Benarroch é o melhor escritor sefardita de Israel. Haaretz

 

 

Lucena. Uma cidade que já não voltará a ser o que foi, uma cidade dos judeus e muçulmanos no século XI, viva que pertencia a um país extinto no exílio há muitas vidas atrás, Sefarad. Lucena, uma vibrante e cosmopolita urbe onde duas religiões conviviam num equilíbrio aceite por todos até que se iniciou o eterno exílio.

Lucena. Um homem que viveu mil anos num exílio forçado pela sua própria existência, atravessando toda a história do seu povo, a diáspora do mesmo, a história de Espanha, Marrocos e a de Israel, a bem dizer, a nossa história.

Lucena. Um livro que nos dá na forma de poemas, histórias e contos que parecem aleatórios, uma visão aberta, livre e critica sobre o exílio forçado dos sefarditas, obrigados a deambular por terras e cidades que nunca foram suas como Lucena foi; a esperança de um estado para todos os judeus mas onde não se vislumbra o realizar dessa ideia, onde ainda existe uma disfarçada humilhação aos oriundos de Tetuão, outra terra que faz parte da história de Lucena.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de set. de 2022
ISBN9798215961940
Lucena
Autor

Mois Benarroch

"MOIS BENARROCH es el mejor escritor sefardí mediterráneo de Israel." Haaretz, Prof. Habiba Pdaya.

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    Lucena - Mois Benarroch

    Traduzido para Português por

    Carlos Miguel Ribeiro Abalamatos

    "Algum dia voltaremos, mas já tinham regressado.

    E se eles têm que ir, seria chegar a um lugar

    a onde também estariam a voltar."

    Esther Bendahan Cohen

    O PASSADO É UM CONTO que muda sem parar.

    Mois Benzimra

    A todos os que caíram no caminho, nem dez gerações vos esqueceram, os vossos pés cansados e o vosso olhar observam como seguimos em frente. Se foste ao mar como se ficaste em terra, se voaste nos ventos ou viveste na chama eterna. Levaremos a vossa memória para onde formos.

    É A ÚLTIMA HORA, SARA

    Ahora das gaivotas .

    São muitas, belas e de todas as cores.

    Amei-te.

    Sim, eu sei. Ninguém me amou como tu.

    Nem amarei nenhuma mulher como te amei. És o meu último amor.

    Feliz, abandono agora este mundo. Deixei que me amasses como só tu sabias.

    As gaivotas saberão levar-te em paz.

    Não quero ir, ainda não. Necessito de estar mais tempo contigo.

    Quero que me ames mais uma hora, mais um ano, mais um século.

    A INQUISIÇÃO

    Isaac Benzimra estava cansado, muito cansado. O trabalho, os filhos, a mulher, o stress no banco, o carro novo, as prestações, a hipoteca e tudo mais. Agora tinha tudo o queria ter: uma grande mansão nos arredores da Cidade do México, num dos bairros mais prestigiados da cidade, um Volvo novo (trocou o BMW), uma bela mulher que após duas cirurgias que lhe deixaram os seios como os de uma jovem de quinze anos, dois filhos sortudos que estudavam num colégio, um escritório no centro da cidade, numa palavra, tudo. Tudo e nada era a frase que ressoava na sua cabeça sem parar, dia e noite. Às vezes se tornava em tudo é nada, dia e noite, em sonhos, durante a conversa com um cliente, o que será de ti, Isaac, o que será de Isaac Benzimra, o que será da sua vida, da sua mulher, dos seus filhos. 

    Queria abandonar tudo, o trabalho, os filhos, a hipoteca, a amante, as prostitutas caras, as viagens a Miami, a roleta em Las Vegas e o escritório no deserto. Queria abandonar tudo. Mas em vez disso, um dia disse à sua esposa: "Vou de viagem a Espanha, já reservei os bilhetes. No domingo, depois da missa, voamos para Málaga, vou ao país dos meus antepassados, Melisa. Entende, preciso encontrar lá o sentido da minha vida em Granada. Em Lucena ou em Granada, necessito entender, vou ao país de onde veem todas as minhas desgraças.

    Melisa olhou para ele, muito preocupada e lhe lembrou que tinha um assunto muito importante no tribunal relacionado com a empresa internacional de computadores Lacroft.

    De fato, mas eu tenho um sócio, certo? Não tenho direito a férias? Se continuo assim vou rebentar, rebentar Melisa. Imediatamente, como um menino brincando na escola, se deixou cair na enorme cama redonda que estava no centro do quarto.

    Temos dívidas, disse Melisa, e se for ele quem responde aos assuntos, ficará com a maior parte das comissões. Lembras-te do acordo que fizeste com ele, com o teu bom coração, quando não tinha nada? Amigo, ah, amigos, gostaria de ver se ele te ajudaria se não tivesses nada.

    Haverá sempre, haverá sempre dinheiro e haverá dívidas, e bancos que me darão crédito e cartões de crédito com um grande plafond para que gastes mais. Sabes quanto crédito temos nos nossos vinte e cinco cartões? Cartões de ouro, de platina, o Super American Express, o Visa V.I.P. Platina, qual outro?, nem me recordo, ah, sim, o Diners Supersonic, sabes quanto? Dois milhões de dólares, você gasta, gasta, sabemos que é uma mula de trabalho e que trabalhará como um burro para pagar.

    Certo, Melisa se rendeu perante a estranha situação em que o seu marido a colocara. Percebo que realmente necessitas de umas férias. Iremos a Málaga.

    Devo dizer-te ficaremos alojados num hotel barato, estou farto de luxos e de tantas estrelas. Num hotel de três estrelas, um barato.

    Tu? Estás prestes a falir ou o quê? Queres ir para um hotel de três estrelas? Mas quando tinhas vinte anos não te sentias confortável em hotéis que custassem menos de quatrocentos dólares por noite! Talvez o melhor fosse ires ao médico, ao psiquiatra, não tirar férias.

    Sabia que isso ia acontecer, não quero ir para nenhum desses hotéis que te fazem entrar no casino para te sacarem o dinheiro, ou daqueles que te lambem o rabo para que lhes dês duzentos dólares de gorjeta. Quero algo sóbrio, coloca roupa simples na mala.

    Eu não tenho roupa simples.

    É muito simples. Pegas em cem dólares e vais comprar algumas coisas baratas, que te façam parecer a mulher de um funcionário, não a de um advogado importante.

    Isso já é demais, certo? Demais. Irei viajar com os meus vestidos, não menos de três malas. Vou começar a prepará-las, não sei se terei tempo. Pedirei à minha amiga Luisa que me ajude.

    Isaac voltou a ouvir aquela voz, tudo é nada.

    Tudo é nada, disse à sua mulher.

    Devo levar o vestido vermelho? Aquele do decote? O que achas? Talvez não seja o mais conveniente, certo, terei de ir comprar uns vestidos.

    Isaac entrou no seu carro, se sentia realmente incomodado – Tudo é nada. Aumentou o volume do disco dos Rolling Stones em que eles cantam Angie, pôs-se a cantar com eles e isso o ajudou um pouco, mas quando a canção terminou, voltou a ouvir, tudo é nada. Desta vez parou. Aquela voz tinha uma presença mais forte que nas vezes anteriores, como se não viesse da sua cabeça, mas como se alguém sentado no banco detrás lhe dissesse tudo é nada.

    Quando chegou ao escritório, a sua secretária disse que Luisa já lhe tinha ligado cinco vezes. Não ligou. Como de costume, não lhe devolveu nenhuma chamada. Tinha vários compromissos, mas pediu à secretária que os cancelasse. Ela pensou que ele quisesse alguma coisa com ela, como da última vez que ele tinha cancelado todos os compromissos. Isaac era um amante maravilhoso. Apesar das tensões, quando tocava numa mulher, incluindo a sua, se libertava por completo. As suas mãos acariciavam o corpo da mulher com tanta ternura que nenhuma se pode esquecer. Algo pouco comum entre os advogados. Mas não. Desta vez Isaac se trancou no seu escritório e não falou com ninguém. Desceu as persianas até metade e pediu à secretária que não lhe passasse nenhuma chamada e nem entrasse por nada. Assim passou toda a sexta-feira, aturdido no escritório, tentando com todas as suas forças se livrar do tudo é nada, acendeu alguns Cubanos, embora lhe causassem dificuldades respiratórias, não conseguia deixar de os fumar.

    Isaac dizia a si mesmo, Isaac, quem és, Isaac?

    Primeiro disse o seu nome, falando consigo mesmo. Por um lado, pensava que todos os psiquiatras acreditariam que estava louco, mas por outro, cada vez que ouvia o seu nome a sair da sua garganta, se sentia bem.

    No sábado dormiu até tarde, pediu à sua esposa que não lhe passasse nenhuma chamada, nem sequer de um amigo. Só lhe pediu que pusesse muitas cuecas na mala, para que não acontecesse como da última vez que foram ao Hawai, em que ele ficou sem cuecas e não conseguiu encontrar em nenhuma loja os boxers que gosta. O mais importante são muitas cuecas, insistiu outra vez.

    Depois de comer fez uma sesta, e quando despertou, Melisa disse-lhe que pedira uma limusine para ir ao aeroporto no dia seguinte. Mas disse logo: Para que precisamos de uma limusine? Basta um táxi, por uma semana seremos pobres, que achas?

    De modo algum, disse Melisa, se queres, sê tu pobre, eu vou de limusine. Não me casei contigo para ser pobre, para isso tinha casado com Móis, o poeta. Ele me amava mais do que tu, e até agora não comprou um carro, não tem dinheiro para nada.

    Gostaria de saber o que é feito desse drogado, acho que era um pouco maricas.

    Asseguro-te que isso não é verdade. Talvez tivesse um pouco fora, ou louco, ou o que quiseres, mas não era maricas.

    Algumas das minhas amigas diziam que não lhe interessava muito o sexo, mas o que isso importa? Apenas tomei uma tequila com ele, vomitou depois do carajillo e não o voltei a ver.

    Aquelas miúdas me odiavam porque ele só me queria a mim.

    Certo, como queiras, pede uma limusine, não importa, vamos de ‘limu’. Tanto faz.

    Isaac queria deixar tudo – o dinheiro, as limusinas, a mulher, os filhos, a hipoteca, o escritório, a cidade – inclusive a vida. Mas a vida não o queria deixar. A vida se cravava como um espinho na garganta – seguros de vida de milhões de dólares –, sempre pensou que valia mais morto do que vivo, mesmo sem entender a lógica disso tudo. Vivo, o seu passivo era de meio milhão de dólares, e se morresse o seu seguro de vida subiria para três milhões de dólares. A sua mulher e os seus filhos ficariam com dois milhões e meio. Que lógica tinha isso? Porque é que uma mulher não mata o seu marido se ele já ganhou o suficiente para o seguro de vida? Basta fazer alguma coisa ao carro para que tenha um acidente convincente. Isaac começou a pensar em todo o tipo de teorias segundo as quais em cinquenta porcento dos acidentes de trânsito são assassinatos e o resto da percentagem não desprestigiada são suicídios. Parece muito mais respeitável morrer num acidente de carro do que meter uma bala na cabeça. Tudo é nada. Na verdade, ele não pensava de todo no suicídio. Apesar de não ser praticante, era crente e a sua mãe lhe tinha incutido o sentido do castigo por detrás da morte por suicídio e o medo do inferno.

    Na tarde de sábado dormiu tanto que à noite não tinha sono. Às duas da madrugada já estava dando voltas pela casa e esperando pelo momento de subir para o avião. Acontecia-lhe sempre o mesmo com as viagens, ficava muito tenso antes de um voo.

    O quê? Não vamos em primeira classe? Não achas que isso é demais? Dez horas de voo com. . . em segunda classe? Não estou de acordo. Pede que nos mudem.

    Senhor Benzimra, houve um engano, disse o primeiro auxiliar de terra da companhia. Parece que houve um erro e o colocámos na classe turística.

    Não, não foi um engano, eu é que pedi.

    Porquê? Por acaso a nossa primeira classe não é confortável para si?

    Não é isso, simplesmente queria surpreender a minha mulher.

    Melisa interviu. Uma boa surpresa, é certo que me surpreendeste, agora senhor. . . -Olhou para o crachá de identificação na jaqueta- senhor Gonzáleez, por favor resolva esse assunto.

    Sim, senhor González." Ele lhe fez o típico piscar entre dois homens que partilham um segredo. Mas nenhum dos dois sabia do que se tratava.

    Isaac estava cansado e o seu cansaço o ajudou a dormir toda a viagem. Durante o voo, a sua esposa bebeu muito champanhe e comeu muito caviar. Olhava com desprezo para o seu marido dormindo porque não aproveitava os prazeres do voo em primeira classe.

    Chovia muito em Málaga quando aterrou no aeroporto que nasce do mar. Chuva, uma benção, disse Isaac.

    Sim, uma benção mas não quando estou de férias, afirmou Melisa.

    Isaac alugou um carro e foram para o hotel

    Melisa se sentiu dececionada com aquele hotel que nem serviço de quarto tinha. Eu gosto dos hotéis que te recebem com uma garrafa de champanhe.

    Não sei se estás comigo só pelo dinheiro ou também pelo dinheiro. Há mais alguma coisa que te interesse?

    Sim, o sexo contigo.

    Sorriu por cortesia, não esperava aquela resposta. Mas fizeram amor. Melisa gostava de sentir as mãos dele no seu corpo, embora fizessem menos amor que em anos anteriores. Estava satisfeita porque tinha relações sexuais com o seu marido coma uma frequência de pelo menos uma vez por semana, algo que não acontecia a nenhuma das suas amigas, que muito facilmente podiam contar o número de cópulas anuais com os dedos de uma mão.

    Passaram o dia na cama. Amanhã vou a Córdova.

    Não é um pouco longe?

    Vou sair às seis da manhã. Quero lá chegar cedo. Tens de vir comigo, vou à aldeia dos meus antepassados, a Lucena. Sabes que antigamente Lucena era conhecida com a cidade dos judeus?

    Mas tu não és judeu, és cristão.

    Sou judeu e cristão.

    Eu vou ficar aqui. Passearei junto ao mar, farei umas compras em Málaga e descansarei. Que faças uma boa viagem.

    Às três da madrugada, ambos deambulavam pelo quarto, despertos como se fosse meio-dia.

    Tive um sonho, um sonho estranho. Sonhei que se faziam todo o tipo de mudanças genéticas no homem, que de início se cometiam muitos erros e nasciam muitos seres estranhos e para que os erros não fossem vistos, os deixavam numa aldeia afastada do resto do mundo. Andei ás volta por aquela aldeia e vi homens com genitais femininos nos joelhos, ou pessoas com mãos nas orelhas, outras com os intestinos de fora, muitas com apenas um olho ou três pés. . . e então acordei.

    Bom, são medos de Málaga.

    Uma vez quis ser escritor, já o sabes, antes de começar a estudar Direito. Existem muitos escritores que estudam direito e depois abandonam a profissão. Talvez deva realizar o meu sonho eme converter em escritor. Agora ou nunca.

    E do que viveríamos?

    "É muito simples. Posso vender o meu escritório por pelo menos um milhão de dólares e

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