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Como Cada Um De Nós
Como Cada Um De Nós
Como Cada Um De Nós
E-book119 páginas1 hora

Como Cada Um De Nós

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Sobre este e-book

A questão da existência de um ser superior que nos domina, a morte silenciosa de um homem, os acertos de conta nas periferias do país, o cansaço do sexo, e suas traições,são alguns dos temas tratados nos 49 contos de Avelino Alves, também autor de os cães não têm ano novo , publicado há dois anos pela Amazon. O autor, formado em Jornalismo, escreve para o teatro desde 1990 e já tem 11 peças escritas, algumas encenadas e premiadas em festivais pelo país.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de abr. de 2019
Como Cada Um De Nós

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    Como Cada Um De Nós - Avelino Alves

    como cada um de nós

    contos

    avelino alves

    2019

    Primeira versão dos fatos, 8 A gente faz justiça, 1 0 Confidências a Ruth, 1 1

    A melancolia que não me deixa nunca, 1 3

    Preparação para o

    desassossego, 1 5

    Não adianta, mano, tem dia que quando escurece é só breu mesmo, 18

    É madruga, mano velho, 2 1

    [ 2 ]

    Quando nos tocamos, já sabemos que nossos sexos estão cansados, 2 5

    Faca, 2 7

    Os abajures distraem o tédio, 29

    Nós não vamos dar a vocês nenhum tipo diferente de velório, 3 2

    Vacilei com a Gislayne, comadre Nita, justo um anjo, 3 5

    Meu limite é quando ela chupa e chora ao mesmo tempo, 37

    [ 3 ]

    Da árvore que plantei, espio, 39

    Limpo os dentes podres com teus fios de cabelo, 4 1

    O amor que subtrai, 4 4

    Se fosse de verdade, a gente se chupava, 46

    Como cada um de nós, 49 Guarda-roupa, 76 Estimação, 77 Vômito, 78

    ., 82

    [ 4 ]

    Forca, 85 Celular, 86 Chinelos, 87 Ficha, 87 Capão, 90

    Dia qualquer no parque, 93 Pequenas coisas, 9 8

    Terceira e última chance, 1 07 Última carta para Dora, 1 13 Não existe poesia possível n a

    água que sai da torneira, 1 19

    [ 5 ]

    Tem uma hora em que nem os lustres suportam, 1 26

    Por saber que vou morrer, hoje me degolo, 1 33

    Esses peritos podem te foder com um retrato falado, 1 41

    Bom dia para morrer, 1 50 O bom começo, 1 53 Nuclear, 1 58

    O encontro das nuvens, 1 60 O sorriso de Alejandro, 1 64 Dudula, 199

    [ 6 ]

    Confusos, os escorpiões

    abandonaram meu corpo, 2 06

    As coisas sem importância do amor, 208

    O par de sapatos, 215

    Lúcio morde a maçã, 2 18 Passos, 2 21

    O gatinho, 2 23

    O lugar deles, 2 25

    Homens perdidos em campos de flores, 2 28

    [ 7 ]

    Primeira versão dos fatos

    Era para que vivêssemos pelo menos dois dos sete dias destinados por deus aos homens, mas até nestes morríamos. O que não era para ser. E era. E não tínhamos explicação para isso. De ser. Ser não sendo não costuma frequentar somente os casarões, os triplex, as coxas perfumadas das moças e os bagos, tratados a talco, dos rapazes .

    Ser não sendo é lama, sovaco, viela, esgoto, rato, cão sarnento, ranho de criança, operário com o pau na mão, pudim de cachaça, esporrada no vento. Daí nossa tragédia. Nossa danação. O nosso silêncio varado de dor, tiros, escuridão, facadas, martírios.

    E daí também o nosso grito, o nosso carnaval, a nossa gargalhada, os brindes

    [ 8 ]

    que erguemos porque últimos. Para que deus não ouça e não possa interferir. E daí a alegria que sentimos, temerosos em descobrir que não a sentimos porque não existe, fora no ponto úmido de nossos sovacos.

    A inexplicável alegria dos dias cheios de poeira ou barro, mesma coisa nas periferias, mas diferente nos Jardins, onde mesma coisa é o ter sendo pobre. A alegria, eu dizia, a alegria que contagia a todos – os tristes, inclusive – que continuam uns tristes mais alegres. Ao contrário dos outros, os nós, que continuamos alegres. Alegres, mas navegando destinados ao naufrágio, dentro de um rio de fados que negamos, mas que, porra, é nosso. Nosso e para sempre.

    [ 9 ]

    A gente faz justiça

    Diante da multidão enfurecida, baixou a cabeça. E nada mais viu, que lhe arrancaram os olhos, amputaram as mãos e deceparam os pés. A turba trabalhou com precisão de ourives no pau e no cu. E no final ninguém sabia o que era um e o que não era outro. Confundiram roupa e carne quando alguém freou o carro e deu cavalos- de pau para enlouquecer as provas. Assim ficou para que ninguém tivesse que ficar de novo.

    À tarde, um caixão lacrado foi velado em silêncio, por poucos, e o enterro foi feito às pressas no finalzinho do dia.

    A noite do bairro dormiu um sono de sobressaltos, cortado apenas pelo funk que subia de uma viela, onde menina s

    [ 10 ]

    rebolavam e rapazes distraíam suas ereções.

    Durante a madrugada os galos não cantaram e pela manhã mais um corpo de mulher, com as calcinhas arriadas, jazia numa encruzilhada. Envergonhadas, as mulheres não saíram de casa naquele dia e os homens, ao

    comprarem pão, não se

    cumprimentaram em respeito ao morto errado.

    Confidências a Ruth

    Ruth, você é a razão por que sou feliz . A frase, quase uma flecha, percorreu os cômodos e, às cegas, estilhaçou, no quarto, o coração da mulher que estendia o lençol. Estranhou o berro do

    [ 11 ]

    elogio, que atribuiu ao aroma do café recente.

    Passou o dedo num vinco teimoso do lençol – prova alguma – e achou melhor terminar a cama depois. Buscou no rosto o encanto de menina, perdido na comissura do tempo, e caminhou a passos rápidos de mulher prestes a ser feliz.

    Assim o encontrou. As mãos sobre a mesa, uma espalmada sobre a toalha e a outra segurando a asa da xícara perdida. Parecia dormir, mas ela sabia que não. Quis gritar, podia invocar a vizinhança inteira, molharia com suas lágrimas de pânico, se não fosse tímida, o homem partido. Achou melhor não ali, onde tinha agora o tempo para os dois.

    Serviu-se também de uma xícara, botou duas colheres de açúcar e começou a

    [ 12 ]

    mexer, vendo um redemoinho que sabia vir dos seus pressentimentos. Estava feliz e apascentada com a vida. Finalmente ele mandara um aceno. Pousou a mão direita sobre a mão amada. Conversou ali sobre tudo,

    inclusive os perrengues e os

    desbarrancos. Lancetou o coração. Sentia-o seu como haveria de sentir até seu último suspiro.

    Ligaria para os filhos depois.

    A melancolia que não me deixa nunca

    Sentado no sofá da sala de minha casa ouço que a madrugada é varada por um silêncio repleto de barulhos. Na cozinha busco um gole de água para matar uma sede que vem do coração. No fogão, minha mãe canta. Só eu ouço.

    [ 13 ]

    Uma canção da minha infância ritmada pelo aroma do café recente. Em algum lugar desta casa, na penumbra, diviso um sábado qualquer perdido na minha infância. Meu pai capina ao redor da casa. Os golpes da enxada faz em cadência com a melodia de minha mãe. A plenos pulmões canta que alguém deixou alguém em algum lugar e nunca mais voltou. Os versos de minha mãe espantam meus tormentos e a enxada do meu pai treslouca o mato.

    Passa por mim o meu irmão mais velho. E também mais triste. E também mais só. Seu vulto deixa por onde passa um rastro de colônia recente. O meu irmão vai sair e não me levará ao baile. Está perfumado para os beijos que nunca deu, para os abraços que negou e para as mulheres que o abandonaram.

    [ 14 ]

    Estão todos mortos. Perco-me em uma esquina em que pedi para ser deixado. Volto para cama. Meus vivos dormem a sono solto. Deito. Não concilio o resto de noite e o meu coração bate descompassado. Pela casa o barulho de meu pai, minha mãe e meu irmão. Um deles, não sei quem, me traz um café que sorvo com o susto da infância. Não sei que manhã me espera. Começo a chorar.

    Preparação para o desassossego

    Os beirais e marquises desta cidade insana, apodrecidos pela urina e merda de pombos, despencam impunes, reforçando a indiferença dos homens e irritando a rotina dos pálidos e

    [ 15 ]

    desatentos recolhedores de corpos do IML.

    Por isso não ande como quem resvala, espreita, bisbilhota, escorre pelas paredes, numa barata imitação dos mijos e dos escarros.

    Tampouco é prudente a inconsciente escolha pelo meio-fio, sempre sujeito ao escorregão que o arremessa para o ruído e desatenção dos carros e seus motoristas varados de ódio, solidão, desassossego e segredos. Jamais caminhe em meio a esta balbúrdia como quem se equilibra, piscando com um olho para a morte e com outro para a apatia dos pombos e seus arrulhos,

    quase cânticos, de desmedida

    mediocridade.

    Ir ao encontro do que não se sabe, ou sim, pelo meio da calçada, é para os que

    [ 16 ]

    trepam com hora certa, seguram o vômito e deitam ordens aos intestinos para não serem traídos. Para os que acreditam na vida após a morte, tomam doses diárias de remédios previamente prescritos por parvos e que, tão néscios quanto estes, acreditam que a cura é apenas uma questão de disciplina, mas que, todos sabem mas não dizem, mais agrava o quadro que o estabiliza.

    A calçada é uma referência, inútil como

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