Ilhas da Ria
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Sobre este e-book
Maria José Santana
Maria José Santana nasceu em 1976, é jornalista. Começou nas rádios e nos jornais locais, colaborando,desde 2005, com o jornal Público. Em 2014, inspirada pelaligação de Ílhavo, onde nasceu e reside, à pescado bacalhau, lançou o primeiro livro, Até Que o Mar Nos Separe. Cresceu à beira da ria, e é também juntoàs suas margens, no lugar que Eça de Queiroz classificou como «um dos mais deliciosos pontos do globo», que vive.
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Ilhas da Ria - Maria José Santana
Prólogo
Olhada no mapa, parece um rasgão na terra, ou uma ferida por cicatrizar no nosso perfil atlântico.
Na realidade, não é a terra que cede, mas o mar que recua, lentamente. Há mais de dez séculos que os cordões litorais aí sedimentados formaram uma laguna enorme, a maior da nossa costa: 47 quilómetros na sua extensão máxima, no sentido norte-sul; sete quilómetros no sentido oeste-este; 11 mil hectares de superfície, dos quais seis mil permanentemente alagados, espartilhados entre dois distritos, Aveiro e Coimbra.
O que ali se gerou foi mais do que um acidente geográfico ou morfológico. Ao longo de muitos séculos, a laguna serviu de estrada, de caminho sobre as águas, fixou gentes e memórias, criou uma cultura singularíssima, a um tempo terrestre e marítima. Anfíbia, talvez; lacustre, certamente.
A ria de Aveiro foi estudada por geógrafos eminentes, por geólogos que nela surpreenderam uma formação original, antiquíssima, com mais de 1000 anos, por etnógrafos e por romancistas apaixonados pela vivência peculiar dos que ali se fixaram, a olhar o mar, entre ilhas e ilhotas recortadas na confluência de três canais — de Ovar, de Ílhavo e de Mira — onde desaguam quatro rios — Vouga, Antuã, Boco e Cáster.
O nome não é consensual. Suzanne Daveau, ao chamar a atenção para a escassa dimensão do caudal do Vouga, parece ter fixado, em definitivo, que seria impróprio falar em «haff-delta»; Amorim Girão, Orlando Ribeiro ou Fernandes Martins usam o termo «ria», hoje consagrado, ainda que alguns considerem mais rigoroso falar em «laguna». «Barra», outro nome usado, familiar, corresponde apenas, na pureza dos conceitos, à embocadura, ao específico ponto de intersecção entre a água interior e exterior, à laguna e ao mar. Se quisermos, aos dois mares, apartados por uma nesga de terra, tal é a envergadura da laguna, quase um oceano por direito próprio.
Vocábulos à parte, o certo é que ali se gerou e existe uma rede hidrográfica ímpar no panorama português, horizonte e património de memórias, mas também, assim o esperamos, estrada de acesso a um futuro mais digno para todos os que a ria habitam e dela fazem a sua principal fonte de sustento.
Introdução
Aqueles que nasceram à beira das suas margens jamais ousariam negar a sua importância. É a partir das suas águas que muitos garantem o seu sustento, numa relação que vem de longe e que já teve ramificações entretanto desaparecidas. Os forasteiros, por seu turno, não conseguem passar ao lado da beleza que ela emana em cada um dos seus recantos. Canais, esteiros, cales, ilhas, ancoradouros e pequenas praias que têm tanto de belo como de labiríntico. Um espelho de água que se estende de forma emaranhada, acessível apenas àqueles que se habituaram a tratá-la por tu, adivinhando-lhe as manhas.
A ria de Aveiro é considerada uma das mais belas formações do litoral português, e, mais do que a fama, também tem tido o proveito. É habitada por dezenas de espécies de aves, algumas delas relativamente raras e mais difíceis de encontrar. Das suas águas saiu, durante décadas, o fertilizante natural (moliço) que garantia bons cultivos. Foi, e ainda é, fértil nesse cristal natural que nos tempera a vida, o sal. Um cenário idílico que não tem parado de inspirar artistas, gentes das letras, dos pincéis, do barro e de outras