Cientistas Portugueses
De David Marçal
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Sobre este e-book
David Marçal
Doutorado em Bioquímica pela Universidade Nova de Lisboa. Redactor científico na Ciência Viva e coordenador da rede GPS (Global Portuguese Scientists). Autor de centenas de artigos na comunicação social, de espectáculos, de programas de rádio e de televisão sobre ciência e de livros de divulgação científica, nomeadamente o ensaio “Pseudociência”, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
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Cientistas Portugueses - David Marçal
Cientistas portugueses
Em Portugal, a ciência desenvolveu-se de forma rápida e inédita nas últimas décadas. Temos hoje mais investigadores científicos do que nunca (e cerca de metade são mulheres), cujo trabalho tem muito mais impacto do que antes. Mas o seu estatuto profissional diminuiu. Só uma ínfima minoria dos doutorados consegue entrar para os quadros de uma universidade. Para os outros, a vida é semelhante à de um futebolista: têm de estar no clube certo em cada momento, poucos atingem um elevado grau de reconhecimento e a sua carreira pode estar acabada antes dos 40. Este livro traça um retrato vívido de quem faz investigação científica por cá. O que os motiva a ficar no país ou a partir? Como conjugam a paixão pela ciência com a vida pessoal? Eis do que falamos quando nos referimos aos cientistas portugueses.
David Marçal
Doutorado em Bioquímica pela Universidade Nova de Lisboa. Redactor científico na Ciência Viva e coordenador da rede GPS (Global Portuguese Scientists). Autor de centenas de artigos na comunicação social, de espectáculos, de programas de rádio e de televisão sobre ciência e de livros de divulgação científica, nomeadamente o ensaio Pseudociência
, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Retratos*
* A colecção Retratos da Fundação traz aos leitores um olhar próximo sobre a realidade do país. Portugal contado e vivido, narrado por quem viu – e vê – de perto.
Cientistas portugueses
David Marçal
logo.jpglogo.jpgLargo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 7.º piso
1099-081 Lisboa,
Portugal
Correio electrónico: ffms@ffms.pt
Telefone: 210 015 800
Título: Cientistas portugueses
Autor: David Marçal
Director de publicações: António Araújo
Revisão de texto: Rita Cabral
Design: Inês Sena
Paginação: Guidesign
© Fundação Francisco Manuel dos Santos e David Marçal, Fevereiro de 2019
O autor desta publicação não adoptou o novo Acordo Ortográfico.
As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade do autor e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada ao autor e ao editor.
Edição eBook: Guidesign
ISBN 978-989-8943-55-2
Conheça todos os projectos da Fundação em www.ffms.pt
Glossário
O sonho
Os milhões
A bolsa ou a vida
A paixão pela ciência
GPS — Global Portuguese Scientists
O oásis
O salto
Os bêbados conhecidos
Os não-canónicos
A meio caminho
Agradecimentos
Glossário
Bolsa — Forma ultra-precária de contratação de investigadores científicos. Não dá direito a subsídio de desemprego ou ao regime geral de Segurança Social. Nem sequer é legalmente considerada trabalho.
Bolsa ERC — Não é uma bolsa de investigação científica. Tradução do inglês grant, é o financiamento atribuído para um projecto de investigação concedido pelo European Research Council, habitualmente no valor de alguns milhões de euros.
Bolseiro — Beneficiário/vítima de uma ou várias bolsas sucessivas de investigação científica.
Doutor — No contexto científico é um indivíduo que tem um doutoramento. No contexto médico é alguém com bata branca e estetoscópio. Se tiver um problema de saúde deve preferir obviamente os do segundo tipo.
Doutoramento — Trabalho de investigação conducente à obtenção do grau de doutor por extenso (em vez de simplesmente «Dr.»). Habitualmente dura quatro anos em Portugal e termina com a defesa de uma tese perante um júri, vestido como se estivessem todos num filme do Harry Potter.
ERC — European Research Council. É uma espécie de Liga dos Campeões da ciência. Permite aos investigadores ir buscar milhões para projectos de investigação. Mas só está ao alcance de muito poucos.
Estímulo ao Emprego Científico — Um conjunto de medidas que visam a contratação de doutorados através de contratos de trabalho, em vez de bolsas. Os primeiros concursos abriram em 2018.
FCT — Fundação para a Ciência e Tecnologia. É de onde vem o dinheiro para a ciência em Portugal. Por infelicidade acronímia há também três «Faculdades de Ciência e Tecnologia», pertencentes às universidades do Algarve, de Coimbra e Nova de Lisboa. Neste livro, FCT significa sempre a Fundação.
GPS — Global Portuguese Scientists. A rede de investigadores portugueses espalhados pelo mundo. Se precisar de um cientista, pode encontrar nessa rede muitos e bons.
IF — Investigador FCT. Um programa lançado em 2012 para contratar investigadores doutorados por cinco anos, através de concursos nacionais, abertos anualmente. Acabou em 2015.
PREVPAP — Programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na administração pública. A sua aplicação às carreiras de investigação e docência no ensino superior é controversa.
Pós-doc — Investigador doutorado, contratado com uma bolsa de investigação, para fazer um trabalho científico, dito de pós-doutoramento. É o inverso do vinho: quanto mais anos passam, pior é.
Pós-doutoramento — Período de investigação após o doutoramento e antes de o investigador ter um emprego a sério. Sabe-se sempre quando começa, o problema é que às vezes não se sabe mais nada.
Posições Ciência — Um programa de contratação de investigadores doutorados, financiado pela FCT, com concursos locais, abertos em cada instituição. Era giro porque se podia ganhar mais do que um e depois escolher. O chato é que só existiu em 2007 e 2008. Quem nasceu em anos incompatíveis com a candidatura teve azar.
O sonho
Manhã chuvosa no final de Maio, encontramo-nos de manga curta no estaleiro naval de Belém. O Nuno queria mostrar-me o barco dele, que estava assente em duas grandes poleias para trabalhos de manutenção. Diz-me que o patilhão por cima das nossas cabeças pesa mais de uma tonelada:
«Isto baixa muito o centro de gravidade, dá mais estabilidade, não é como aqueles ali que abanam muito.»
Sorridente, mas ligeiramente aborrecido, tinha acabado de saber que o arranjo do motor iria demorar mais duas semanas, por causa de duas peças que tinham de vir do Japão. Lamenta-se, sem desmanchar o sorriso orgulhoso:
«Isto é um veleiro e o que dá mais despesa… é o motor!»
O casco estava impecável, pintado de novo, branco até à linha de água e vermelho acima. A limpeza do fundo tem que se fazer uma vez por ano.
«Tinha muitas algas?», pergunto.
«Algas…», ri-se à gargalhada.
«Tinha uma caldeirada!»
Mostra-me no iPhone a fotografia de uma colónia de mexilhões confortavelmente instalada na porta do leme, sem qualquer consideração pela hidrodinâmica. Já tinham sido desalojados.
«Para o ano limpo eu isto», diz-me, «peço a máquina de pressão emprestada ao meu sogro.»
Mais tarde irá confidenciar-me que o barco nem sequer é a sua maior extravagância. São as viagens que faz com a família várias vezes por ano. Gasta nisso mais do que no barco. Sublinha bem-disposto:
«Também não vamos de mochila às costas.»
Salta à vista que está de bem com a vida. O Nuno tem um doutoramento em bioquímica, tal como eu. E acha piada saber que ganha mais do que um reitor. Se trabalha muito? Diz-me olhos nos olhos:
«Bem, é segunda-feira e estamos aqui… e isto não é trabalho.»
Mas, no passo seguinte, diz que trabalha mais do que desejaria. Não como as outras pessoas, das nove às cinco. O Nuno é o bioquímico que eu conheço que mais dinheiro ganha com o seu trabalho. Na sua página de Facebook está constantemente a instar outros a perseguirem os seus sonhos, enquanto partilha fotografias das suas viagens e relatos de aventuras oceânicas à vela. Jantares de gala, cruzeiros, folclore de culturas distantes, praias paradisíacas e até uma fotografia da sua