O lugar de meninas e meninos no contexto da sala de aula da educação básica
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O lugar de meninas e meninos no contexto da sala de aula da educação básica - Waldenice Maria de Mendonça Pereira
CAPÍTULO 1 – TRAJETÓRIA SÓCIO-HISTÓRICA INFANTIL
1.1 CONCEPÇÃO DE CRIANÇA DO SÉCULO XII AO SÉCULO XIX
Durante muito tempo, as crianças foram retratadas como adultos miniaturizados, sem as características morfológicas da infância. Não havia uma representação realista da criança ou idealização da infância, de sua graça ou da redondeza de suas formas, muito pelo contrário, o que havia era a criança sendo apresentada em uma escala reduzida, com musculatura e trajes dos adultos, sem nenhuma expressão ou traços específicos de sua faixa etária. Desse modo, nesse mundo de representação, a especificidade infantil era desconhecida. Só recentemente chegou-se à compreensão de que ela não é um adulto miniaturizado.
Pesquisas realizadas por Philippe Ariès (1981) transmitem uma ideia de como meninas e meninos, durante muito tempo, eram percebidos pelos adultos da sociedade objetiva europeia. Sendo assim, no que diz respeito à concepção de criança, utilizamos o trabalho desse autor e historiador francês, que pesquisou, durante 40 anos, atitudes sociais em face da vida, da loucura e da morte – objeto de sua investigação a fim de demonstrar a lenta evolução ao longo do período compreendido entre os séculos XII e XIX.
Ele pesquisou também sobre meninas, meninos e a família, fazendo uso de velhos diários familiares, testamentos, igrejas, túmulos e pinturas do mesmo período, desenvolvendo, lentamente, um quadro bastante transparente da concepção de criança e família vigentes à época.
Segundo o autor, a sociedade objetiva daquela época não percebia a infância e a adolescência como fases específicas do desenvolvimento humano. Por consequência, a criança era vista como um adulto miniaturizado. A infância era uma fase de transição, logo ultrapassada, e cuja duração era reduzida a seu período mais frágil. Um sentimento superficial de infância era reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida. Assim que ela apresentava condições de viver sem a solicitude constante de sua mãe – ou de sua ama, no caso de famílias abastadas –, ingressava no mundo dos adultos, partilhando de seus trabalhos e de seus jogos, transformando-se imediatamente em um homem jovem, sem passar pelas fases do que hoje, modernamente, entende-se por adolescência e juventude. A criancinha muito pequena e muito frágil para se misturar à vida dos adultos não era sequer considerada como ser humano.
É interessante notar que, a transmissão, às meninas e aos meninos, tanto dos conteúdos da socialização secundária, quanto daqueles referentes à socialização primária, não era assegurada nem controlada por sua família biológica, no caso das famílias que tinham posses econômicas e materiais. Quando elas ou eles conseguiam superar as primeiras necessidades fisiológicas e sobreviver, eram logo afastadas ou afastados de sua mãe e de seu pai, passando a conviver com outra família e em outra residência. Sua educação era informal, garantida pela aprendizagem dos conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais que circulavam a partir da sua convivência com as pessoas mais jovens e com os adultos. Elas e eles adquiriam os conteúdos que necessitavam saber ajudando as pessoas mais velhas.
As missões dessa nova família adotante eram a conservação dos bens materiais, a prática comum de um ofício, a ajuda mútua cotidiana e a proteção da honra e da vida. As trocas afetivas e as comunicações sociais se davam num ambiente integrado por vizinhas (os), amigas (os), amas (os), criadas (os), idosas (os), mulheres, homens e outras crianças.
Contudo, Ariès observou que, no século XIV, já havia uma tendência em admitir a existência de uma personalidade específica, com suas particularidades próprias a meninas e a meninos. Essa mudança de atitude permitiu à criancinha gozar do primeiro sentimento de infância, que ele chamou de paparicação
, em que a criança, por sua ingenuidade, gentileza e graça, acabava se tornando fonte de distração e relaxamento para os adultos. Esse sentimento foi inicialmente cultivado por mulheres (mães ou amas), encarregadas de cuidar de meninas e meninos, e não se limitava apenas às pessoas com posses materiais. As crianças cujas famílias eram desprovidas de bens materiais também gozavam desse afeto. Porém, em contrapartida a este, surgiu o sentimento de exasperação
, lá pelo final do século XVI e, sobretudo, no século XVII, provocado por reações de pessoas rabugentas
, que não suportavam a atenção que até então era dispensada a esses seres tão