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Se Eu Tivesse Te Conhecido Antes
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Se Eu Tivesse Te Conhecido Antes
E-book298 páginas4 horas

Se Eu Tivesse Te Conhecido Antes

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Sobre este e-book

A médica Isabel segue plena pela vida sem esperar que um envolvimento amoroso, além do que tem com o marido, possa acontecer. A nova amizade a faz embarcar numa viagem de introspecção e reflexão aos 40 anos de idade. Ela passa a viver uma promessa em Paris enquanto lida com trabalho, família e amigas. Ela tem novos olhos pousados sobre si e encara o futuro de forma nunca pensada.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de ago. de 2022
Se Eu Tivesse Te Conhecido Antes

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    Se Eu Tivesse Te Conhecido Antes - E. Abbott Linke

    E. Abbott Linke

    SE EU TIVESSE TE CONHECIDO ANTES

    Interface gráfica do usuário, Texto Descrição gerada automaticamente

    SE EU TIVESSE TE CONHECIDO ANTES

    Para KT, Amy, Isabelle e Alia

    O psiquiatra sempre reconhece os loucos

    pelo fato de exibirem um comportamento

    agitado após a internação

    KARL KRAUS

    CAPÍTULO 1

    UMA FESTA DE CASAMENTO ou ISABEL REFLETE

    A rua sinuosa do caminho de casa oferecia o tempo certo para a transição entre o trabalho e o lar. Para uma sexta-feira recém anoitecida, previu faltarem alguns minutos até a completa transformação entre a médica focada e a mãe paciente. As gotas de chuva no para-brisa a distraíram do incômodo da calça de corte reto, de caimento tão bom enquanto de pé e avassaladoramente irritante no atrito com o assento de couro do carro.

    As luzes da rua mal iluminada corriam pelo vidro com a ajuda da água que se acumulava, porque ela simplesmente não acionava o limpador além do perigosamente necessário. Queria se fechar na introspecção como se meditasse ao volante. Dirigia de forma mecânica enquanto pensava e refletia até o começo dos seus devaneios.

    Ouvia a cantora que estava se tornando uma obsessão. Cada uma de suas músicas contava uma história e elas faziam Isabel tentar escrutinar o passado dos personagens etéreos das letras, se alimentando das frases do refrão e dos agudos eventuais da sua veludosa voz grave. Mr. Rock & Roll. Um resumo básico dos relacionamentos. A eterna possibilidade do que poderia ter sido, caso o acaso não tivesse pregado das suas, sendo que o destino previu isso tudo e todos imaginam poder prever o efeito borboleta.

    Desta vez quase deu tempo para Isabel decifrar o mundo no trajeto entre a clínica e a sua casa, mas a placa que indica a pequena igreja Schoenstatt a faz dobrar à esquerda na viela do seu endereço, nomeado pelo fundador do movimento que leva peregrinos há trinta anos ao local onde quis morar desde que ouviu, na capela que lota com poucas dúzias de pessoas, sobre viver a santidade na vida diária.

    Ela acompanhou, nas visitas que fazia à igreja, o nascimento dos condomínios fechados na região. Visitava cada um que surgia e era possível que estivesse mais presente nas obras que alguns dos arquitetos e engenheiros responsáveis pelas residências que nutriam um sonho fácil de realizar.

    O seu condomínio estava no começo da rua e ajudava não tornar corriqueira a vista do santuário. A placa indicativa era suficiente para mostrar que chegava em casa e para disparar neurotransmissores alentadores à Dra. Isabel se transmutando em mamãe e amor.

    Um problema recente, de pouco menos de dois anos, residia na placa estampada na portaria: Condomínio Residencial Saint-Lazare. Qualquer um poderia deixar passar a referência à movimentada estação de trem de Paris. Alguém mais crente ou teológico traria referências a Lázaro de Betânia, ressuscitado por Jesus. Em Isabel provocava lembranças dele, o seu segredo, o morador das proximidades da Gare, o provedor do renascimento do amor e quem disse, em palavras gravadas digitalmente, Te Espero em Paris.

    Ela tem uma promessa em Paris.

    De pouco factível como exigia e demonstrava a realidade, de idílico e fantasioso ela se realizava no pensamento. Era um plano B em espera, uma opção se tudo der errado, um consolo para quem completou uma década de balzaquiana e vislumbra inconscientemente a menopausa. Não tem como tudo dar errado, pois seus filhos têm dez e doze anos e ela vem desfrutando dos esforços maternos ao ter uma família razoavelmente bem postada nos trilhos.

    A promessa em Paris é seu autoengano emocional para fugir da rotina, uma vaidade secreta que não pode durar mais de dez minutos na garagem de casa porque já descobriram que ela chegou.

    — Mãe, mãe! Eu preciso de cartolina pro trabalho da escola!

    Isabel desce do carro e beija seu filho mais novo imediatamente, como tem como padrão ao chegar ou sair, acalmando-o enquanto sobem a escada. A Isabel paciente é testada ao comparar a mensalidade da escola ao pedido do trabalho das férias em um papel grosso de medidas desproporcionais. Como se não exigissem uma lista extensa de materiais a cada semestre.

    Ela era pequena quando a mãe a avisou para não correr ao pai, chegando tarde da fábrica, para reclamar, como se fosse realmente urgente, da mesma necessidade fútil. O mundo evoluiu para smartphones e a escola ainda pede cartolinas.

    — Eu tenho algo...

    — Esses papéis de flipboard são mais que suficientes. Colei três para ficarem grossos. Problema resolvido! Concorda, amor? – disse o marido do patamar superior.

    O filho esperava sua aprovação. O marido clamava por ela. O filho mais velho também estava ali, aguardando sua opinião.

    — Sim! Claro!

    — E vamos colar na placa de compensado que temos... em algum lugar ela está... e amanhã vamos achar...estamos no meio das férias ainda, filho! – continuou o marido. – Ah, a Taís já chegou –, emendou para a esposa.

    Isabel ainda não se convenceu que pode deixar os meninos sozinhos em casa. Neste ano, a cada compromisso que eles têm, ela imagina ser a primeira noite para não chamar a babá. Durante o dia, por pouco tempo, eles se viram. À noite, como neste evento de casamento, envolvendo bebida, melhor garantir não só o período noturno como a manhã seguinte. Sem falar que o caçula adora a Taís. Quando vocês vão sair de novo para a Taís poder ficar comigo? E ainda a vantagem de ela poder se arrumar com tranquilidade.

    — Não podemos voltar muito tarde porque amanhã trabalho – diz o marido –, tanta coisa para fazer...

    A história era conhecida. Ele não lidava bem com o tempo. Sempre ocupado com algo por fazer, quase nunca fazendo efetivamente alguma coisa. Como Isabel sabe que tudo tem o lado bom, ele a ajuda muito. Pai muito presente, ela recorria a ele em doses quase diárias, mas sempre tinha que ouvir das suas atribulações. A verdade é que nos últimos anos ele resolveu suas questões profissionais e ela fora obrigada a aceitar os seus compromissos, mesmo que incluíssem uma partida de golfe.

    Chegaram no gracioso clube de campo para o casamento da filha do ex-sócio do sogro com folga de horário e o salão ainda não enchera. Isabel manteve a estola de pele no corpo e caminhou à varanda que dava para a piscina. Seus pensamentos se agarravam à referência de clube de campo, imaginando uma época em que o lugar era afastado. Se a cidade completou trezentos e vinte e dois anos, aquele lugar não poderia ter mais de cem. O que para ela transforma em recente tudo o que se vive e sabe de si.

    Quatro anos antes ela estava ali, com Regina, vendo a amiga contrair núpcias numa história paradoxal que mistura romance e casuísmo com aquilo que o destino reserva às pessoas boas. A festa de casamento de Regina foi repleta de alegria e desconfiança. No meio termo da mulher de trinta anos e a coroa de quarenta, comentou-se à boca pequena que era a última chance de ela ser mãe. Foram vistas expressões de alívio na família da noiva, vindas de quem achava que ela ficaria para titia. Nada disso atrapalhou a comemoração e Isabel vivenciou uma festa das mais felizes da sua vida. E foi naquela varanda, no auge da banda, quando os amigos carregam o noivo e as amigas voltam a ser meninas ao som de músicas dos anos oitenta, que Isabel gravou o som da sua voz: Fugindo das fotos constrangedoras?

    De repente não havia mais como infringir o avanço do tempo e continuar na memória de quatro ou dois anos antes, pois outra voz a trouxe de volta para o presente, pronunciando prosaísmos como saudade, bom te ver, você tá bem? está frio aqui, vamos entrar, estamos na mesma mesa que vocês.

    Acabou por ser conduzida pela conhecida que a toma como amiga para dentro do salão ricamente decorado, agora cheio de pessoas bem-vestidas que ecoam, clara ou furtivamente, amenidades, maldades ou vantagens. Isabel, num estremecimento catatônico, manteve a postura e o sorriso ao passar pelas mesas e avistar, com ternura, o marido esbelto sendo o centro das atenções de um grupo que o rodeava.

    Não foi assim no casamento de Regina. O clima era muito mais leve. Os convidados não eram tão formais e seu marido não tinha uma alta roda para exercer seu poder de elite curitibana. Seus ares aristocráticos chamam atenção. Isabel não sabe se ele é realmente belo ou se tem apenas uma estrutura corporal perfeita para portar ternos. Não fica feio em qualquer outra roupa, mas aparenta ser um lorde inglês em trajes de gala. Enverga o paletó nos ombros largos, fechando e abrindo o botão ao se levantar e se sentar, como se fosse a roupa mais natural para se usar.

    Isabel está confortável com a ideia de futuro, se tudo correr normalmente, de envelhecer ao lado dele. Mantendo o ritmo será um senhor charmoso, sem barriga e cada dia mais sociável. As suas manias não a incomodam. As dela, pensa, podem um dia ser motivos justificáveis para ser trocada por uma mulher mais jovem. A probabilidade existe, mas ela compara a alguém ganhar na loteria sem ter feito a aposta. Ela sabe que a vaidade dele vai até o limite de receber um pouco de atenção, qualquer que seja o gênero da audiência. E tampouco precisa de uma grande plateia. Uns poucos bastam. Um carro novo também é suficiente. Isabel se preocupa, sim, com o grande desejo de ter um barco de verdade. Um iate onde ele receberia os amigos e conversaria num ambiente do qual não se pode fugir.

    E os seus desejos? – perguntou-se. A vontade de pintar sumiu há anos, depois de obter a sensação libertadora do fracasso. Poderia fazer mais uma tentativa à beira do Sena. Uma loja de vinhos é um negócio a não ser descartado, pois o tema a interessa. A infinidade de regiões, uvas e rótulos escondidos na garrafa, a serem adivinhados a partir de pistas de cor, corpo, aroma e sabor, do jeito que os franceses nascem sabendo, dão margem para que ela se aprofunde no hobby e esqueça as malditas degustações onde lhe faltavam adjetivos diferentes e adequados para exprimir o que não sentia. Um curso em Bordeaux faria bem o papel de férias se elas fossem mais longas.

    Um sonho verdadeiro, dos que ficam na parte inocente do cérebro, a porção sempre tolhida pelo córtex pré-frontal e que emerge do álcool e dos devaneios, remete ao tempo de faculdade e morreu ao não ser aprovada numa prova de seleção. Na época, seu pai, seu marido – ainda noivo – e quiçá todos seus entes queridos acharam melhor ela seguir para a residência de neurologia do que se empregar como pesquisadora. A questão financeira foi colocada na balança. E ainda não foi removida. Com dois filhos para criar e planejar o futuro e gastos supérfluos considerados básicos no meio em que vive, Isabel discorre sobre o assunto muito raramente e na maioria das vezes apenas consigo mesma. Se bem que pesquisa e inovação estão na pauta de várias universidades francesas como Paris Descartes, Pierre et Marie-Curie, Paris-Diderot, Paris Sud...

    Uma certa insatisfação acompanha Isabel após a conquista de família, trabalho e saúde em entrosamento. Não só o seu núcleo de casa, quanto seus pais, irmãos, sogros, cunhado e os respectivos filhos vivendo como uma geleira imponente que solta muito pouco de si no mar. Se tudo está tão bem, talvez só possa começar a se despedaçar. No caminho da geleira ao mar, enquanto é ela quem está na beirada, se sente pronta para se tornar um bloco de gelo independente.

    Ela é um iceberg que quer ser água. É uma massa imponente, bonita e perigosa, com toneladas de dedicação escondidas, vagando como se nunca fosse acabar, mas ciente dos icebergs derreterem em poucos anos, não temendo a sensação de se misturar. É mais uma música a se imiscuir nos seus pensamentos e fazê-la entender a letra como mensagem direta a ela. Cantarola junto com KT Tunstall tocando baixinho nos alto-falantes.

    Se Isabel somar os anos de casada com os anos de namoro, aparece na sua mente um enorme número vinte. Metade da sua vida com ele. É pouco quando compara com seus pais caminhando para as bodas de ouro. A mãe passou setenta por cento da vida com seu pai. É uma conta que só vai aumentando e não conseguirá se repetir com outro alguém. Desta feita, não há nada mais para refletir. Do jeito que está não está ruim, um pequeno desgaste na relação junto à atribulação de mãe e pai. Ela jamais botará a culpa nas crianças. Seria uma desculpa ridícula.

    É se justificando que Isabel afasta o pequeno incômodo de olhar para o marido e não sentir o farfalhar de borboletas no estômago, o mesmo que Regina ainda tem pelo marido, que se for para pensar é fácil, com apenas quatro anos de casados e sem filhos. Ela se culpa por incluir novamente os filhos na história, pois seu dever é aproveitar a festa por ser um espaço e um momento isento de crianças.

    Então se fez presente no monólogo da conhecida buscando a hora certa de falar alguma coisa: Me conte da casa nova de praia!

    — De frente pra baía com rampa de barco. Chega de ter que ir pro Iate Clube. Vamos marcar de vocês nos visitarem qualquer final de semana desses.

    Mais um assunto que faz Isabel perder o fio da meada das conversas e se perder em conjecturas. Se fosse para visitar esse casal, algo improvável, como bem sabem as duas, Isabel teria que ir junto andar de barco, ou ficaria na casa ouvindo a jovem senhora falar sem parar. Na cabeça dela, se o marido comprasse um, não se via navegando sem a família. Imagine um bando de gente indo ter com eles e ela tendo que receber num espaço confinado. Claro que Isabel gosta de entreter os amigos e vai, sim, passear com todos aqueles que estão na lista boa, que é possível chegar a uma centena. Inclusive avistou uma da lista. Acha que é ela, e por isso se lembra da consulta a marcar no oftalmologista para rever o grau das lentes de contato.

    — O que você estava fazendo lá fora?

    — Ai, me desculpe! Tenho que dar um oi para uma amiga.

    Isabel percorreu o salão em passos rápidos e curtos, em função do salto e do vestido longo.

    — Oi! Que bom que você veio! Por que não me falou?

    — Menina, eu vi com quem você tava falando! Já tava indo lá te salvar!

    — Falou que não viria...

    — Meu sogro não tá legal, você sabe. Tá nas últimas. Tá sedado agora, aí a gente achou que seria bom dar uma saidinha. Olha o coitado, ali. A doença do pai acabou com ele. Mas até que tá lidando bem... Também foi bom deixar as crianças com a minha mãe, que dessa vez acha que a gente merece um descanso. E isso aqui, na testa?! – Isabel recebe apalpadelas no rosto – Botox bom, hein?!

    Dos males, o menor. Bem menor. Quase nenhum mal, mas Isabel revê a manutenção da amiga na lista. A festa não prometia. Normalmente ela não teria problemas em confraternizar num casamento com poucos conhecidos. Ela acha que deu azar nas pessoas que encontrou e também que algo mudou dentro dela.

    De repente Isabel não tinha para onde correr e fez o possível para entrar na dança dos papos fúteis e de quando em quando ouvir alguma frase mais pura e inocente que mostrava um cérebro desarmado da sociedade em estado permanente de competição. Ela se considera capaz de separar as defesas do ego da mesquinharia, da especulação, procurando pessoas seguras sem excesso de vaidade, as que emanam boas energias por serem autossuficientes, plenas, presentes na festa por ser uma confraternização de amigos e parentes de um casal a partilhar sua alegria.

    Um ou dois décimos comparece para isso. Os demais, quando a patuscada é boa, entram no clima, e no final todos os embriagados não terão do que se arrepender no dia seguinte. Assim é que Isabel começou a introduzir assuntos leves, elogios sinceros, piadas infames e um belo sorriso seguido de uma risada gostosa. Mesmo tendo que se esforçar no início, o andar da carruagem fluiu e ninguém mais sentiu os solavancos.

    Esperou os convidados de mais idade deixarem o salão e mais um pouco para ter certeza que a hora de ir embora não mostrasse descontentamento ou uma hipotética questão íntima. Deu as primeiras dicas ao marido e no final teve que apelar para os afazeres dele no sábado para conseguir ir.

    A paz reinava em casa. Taís dormia no sofá com a TV ligada. Acordou com a serenidade de quem não teve trabalho com os meninos tendo vindo para a missão descansada e pronta para atendê-los. Também Isabel estaria se fosse necessário, mas com a babá paga, o melhor a fazer era se enfiar na cama, ler, dormir e dormir.

    — Que cara é essa? Eu conheço essa cara. – disse o marido enquanto se preparavam para se deitar.

    — Pode ser a mesma cara desse motivo que você diz que conhece, mas certamente é outro.

    — Então tem alguma coisa.

    — Tem, mas não é nada demais.

    — Quer falar?

    — Não. Mas se é para dizer alguma coisa, não compre um barco, por favor. E se não for para dizer nada, tem um congresso em Paris que estou a fim de ir.

    — Quando é?

    — Daqui um mês e meio. Você não tem que ficar com os meninos no feriado do Sete de Setembro. – Isabel sente uma contração involuntária do corpo do marido assim que deixa claro que ela vai sozinha, mas ele retrucou afirmativamente.

    — As crianças na Disney e você em Paris. Ótimo... dependendo de quanto tempo você demora para voltar.

    — Coisa de uma semana, dez dias. Se der certo para você, acho que estou precisando...

    — De férias da família?

    — Não fale assim. – Isabel não sente culpa por não ficar com o marido enquanto os filhos viajam. – É de uma oxigenação profissional, de umas compras e uns passeios. De uma conversa íntima comigo mesma. E não, não tem nada a ver com aquilo que aconteceu.

    — Não gostou da festa? — foi o marido mudando o rumo da conversa e Isabel, mesmo não querendo entrar neste assunto, sabe que é melhor que os outros que estavam por vir.

    — Gostei, mas não muito. Deu para perceber, né? A mulher do teu amigo na nossa mesa. A de vestido azul. Ela me suga as energias. Não é uma conversa que se tem com ela. É uma enunciação de vantagens e justificativas. Uma pena essa menina só se preocupar com dinheiro.

    — Entendi o papo do barco...

    Isabel buscou indícios de insatisfação no rosto dele. Nada.

    — Mas tudo bem. Também achei a festa meia-boca. Não foi como a da Regina e do Alex. E pensar que foi há três anos.

    — Bem isso! Quatro. Fiquei lembrando o tempo todo. Fiquei nostálgica.

    CAPÍTULO 2

    O CASAMENTO DE REGINA ou ONDE TUDO COMEÇOU

    O frio da noite anterior permanecia pela manhã e era previsto não deixar Curitiba pelos dez dias seguintes. A promessa de nova neve na cidade, trinta e seis anos depois, voltava a ser tema do noticiário. Quase todo ano especulações sobre a precipitação cristalizada enchiam as pessoas de esperança, receio e assunto. O céu não fornecia informação alguma a dar apoio à meteorologia.

    Regina nasceu naquele dia de 1975 e a falta de aquecimento nas casas não era tão diferente passadas mais de três décadas. As camadas de roupa e cobertor da era pré-edredom mantiveram vivos os cidadãos da capital mais fria do país, ainda hoje temerosos da hora do banho. A vantagem do bebê Regina era ter tudo novo, sem cheiro de naftalina.

    A Isabel do dia da neve morava há poucos meses, o seu tempo de vida, numa casa ampla de três pavimentos na Rua Xavier da Silva, tão difícil de ser aquecida quanto qualquer apartamento voltado para o sul, com a pequena melhoria de ter o seu quarto voltado para o norte. Todavia, as árvores no terreno, inclusive uma Araucária, filtravam um bom tanto do sol e mal barravam o vento.

    Regina acordou no ambiente de temperatura controlada do quarto do dia da noiva do mesmo hotel da noite de núpcias. Isabel acordou no pavimento climatizado da sua casa, o dos quartos, e se agasalhou para descer ao andar de baixo, das salas e da cozinha, onde deixam o ar-condicionado desligado durante a noite.

    Algumas casas são melhores que as de antigamente, mas ainda não são totalmente preparadas para as semanas de frio intenso. Nas suas viagens bancadas por laboratórios farmacêuticos para a Suíça, enfrentou problema diametralmente oposto nos dias de calor em Zurique em hotéis que simplesmente não têm ar frio, só calefação.

    Os efeitos do sexo – amor carnal do marido crente de ter tomado a iniciativa – motivava o casal. Ela despertou ansiosa pelo dia. Ele permaneceu apagado e espalhado na cama. Os meninos fizeram check-in nos avós no sábado, no horário regulamentar de após as quinze horas. Seriam quatro diárias como parte das atividades de férias, na mesma casa, no mesmo quarto, na mesma data de Isabel e a neve de Curitiba.

    As amigas se encontraram no café da manhã do hotel e após múltiplos parabéns de um lado e diversos obrigados de outro, aproveitaram a melhor das frutas: a que está cortada em pedaços compatíveis com comer e conversar. Café com leite, ovos mexidos e uma animação semelhante de quando mochilaram na Europa ou lagartearam na Praia Mole invadiu o espírito unificado das duas e as lágrimas foram inevitáveis.

    — E se a gente fugisse?

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