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As multas nos Tribunais de Contas e o excesso de dissuasão:  limites ao exercício do direito administrativo sancionador
As multas nos Tribunais de Contas e o excesso de dissuasão:  limites ao exercício do direito administrativo sancionador
As multas nos Tribunais de Contas e o excesso de dissuasão:  limites ao exercício do direito administrativo sancionador
E-book326 páginas3 horas

As multas nos Tribunais de Contas e o excesso de dissuasão: limites ao exercício do direito administrativo sancionador

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Sobre este e-book

Resultado da minha dissertação de mestrado em Direito Público, defendida em 2020 na Universidade FUMEC, em Belo Horizonte, este livro visa compreender como os órgãos de controle externo aplicam multas, notadamente aquelas emanadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), que considero possuírem o condão de sintetizar a realidade brasileira, pela quantidade de controlados que abrangem e porque participam ativamente do controle de receitas e despesas (recursos da União, Estados e municípios) de diversos cantos do Brasil.
Para tanto, fundamento-me numa perspectiva do direito administrativo sancionador que suplanta a noção de que a penalidade deva ser imputada pela simples ilegalidade praticada por seu infrator, atrelada às teorias dissuasórias com vistas a prover a boa governança e a accountability dos controlados.

As sanções aplicadas pelos tribunais de contas, segundo doutrina majoritária e a jurisprudência pátria, possuem natureza administrativa, motivo pelo qual é relevante aprofundar no tema, desde uma retrospectiva histórica do direito administrativo sancionador.

A obra está dividida em quatro capítulos e as considerações finais. Optei por dispor as notas ao fim de cada capítulo, de modo a tornar a leitura mais fluida e ao mesmo tempo facilitar a consulta.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de mar. de 2023
ISBN9786525276878
As multas nos Tribunais de Contas e o excesso de dissuasão:  limites ao exercício do direito administrativo sancionador

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    Pré-visualização do livro

    As multas nos Tribunais de Contas e o excesso de dissuasão - Eric Mafra

    capaExpedienteRostoCréditos

    Dedico este livro aos meus filhos, Lucas e Mateus, que desde tão pequenos tiveram de exercitar a paciência, especialmente nas inúmeras horas em que estive no trabalho e desenvolvendo essa pesquisa. Amo vocês do fundo do meu coração. À minha mulher, Aline, pelo carinho e apoio em toda nossa jornada. Te amo. Quero viver mil anos mais com você.

    Aos meus pais, Erix e Vânia, que sempre me incentivaram e possibilitaram a busca de meus sonhos. À minha irmã Carla, pelo suporte de sempre.

    A todos os meus amigos e colegas de trabalho, pela inspiração e pela constante troca de ideias.

    "O sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos [...] Quase sem tocar o corpo, a guilhotina suprime a vida, tal como a prisão suprime a liberdade, ou a multa tira os bens."

    Michel Foucault

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    APRESENTAÇÃO

    Resultado da minha dissertação de mestrado em Direito Público, defendida em 2020 na Universidade FUMEC, em Belo Horizonte, este livro visa compreender como os órgãos de controle externo aplicam multas, notadamente aquelas emanadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), que considero possuírem o condão de sintetizar a realidade brasileira, pela quantidade de controlados que abrangem e porque participam ativamente do controle de receitas e despesas (recursos da União, Estados e municípios) de diversos cantos do Brasil.

    Não pretendo aqui propor metodologia no âmbito do direito administrativo sancionador em geral; apenas refletir sobre o seu papel no âmbito das cortes de contas, que vem ganhando nova abordagem teórica.

    Para tanto, fundamento-me numa perspectiva do direito administrativo sancionador, que suplanta a noção de que a penalidade deva ser imputada pela simples ilegalidade praticada por seu infrator, atreladas às teorias dissuasórias com vistas a prover a boa governança e a accountability dos controlados.

    Esta obra, além desta Apresentação, está dividida em quatro capítulos e as considerações finais. Optei por dispor as notas ao fim de cada capítulo, de modo a tornar a leitura mais fluida e ao mesmo tempo facilitar a consulta.

    As sanções aplicadas pelos tribunais de contas, segundo doutrina majoritária e a jurisprudência pátria, possuem natureza administrativa, motivo pelo qual é relevante aprofundar no tema, desde uma retrospectiva histórica do direito administrativo sancionador. Daí abordar a temática no primeiro capítulo.

    No Capítulo 2, apresento a evolução do papel tradicional do controle externo da administração pública, que passou a englobar amplas atividades com enfoque em resultados e na efetivação de direitos fundamentais, em conjunto com os controlados e a sociedade.

    No Capítulo 3, chegamos juntos à reflexão sobre as penas aplicadas e sua finalidade, utilizando-me de ponderações de alguns autores que as justificam no âmbito do direito criminal – aplicável ao direito administrativo e à esfera controladora.

    No Capítulo 4, retomo análise da jurisprudência do TCU e do TCEMG para apontar contradições nas decisões e ressaltar a importância da previsibilidade, da dosimetria e da individualização das penas na aplicação de sanções administrativas.

    Encerrando esta obra, nas considerações finais, com base na pesquisa empreendida na minha dissertação de mestrado e na minha atuação como servidor do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), levanto algumas possibilidades de como os tribunais de contas poderiam evitar o excesso de dissuasão, com parâmetro razoável para a aplicação das mencionadas penalidades, de modo que se reduza a arbitrariedade nas referidas decisões administrativas.¹

    Boa leitura!

    PREFÁCIO

    A gestão administrativa é das tarefas mais complexas do Estado, pois requer decisões que ultrapassam escolhas meramente técnicas. Tais escolhas relacionam-se com demandas da esfera política e esbarram, não raras vezes, com a reserva do possível, do ponto de vista financeiro-orçamentário, com a urgência e calamidade públicas.

    Além disso, o sistema normativo do direito administrativo é constituído por emaranhado de normas, de difícil aplicação e harmonização. Em que pese a ordem jurídica fornecer ao gestor as mais diversas ferramentas para fazer face às mencionadas adversidades, nem sempre as práticas administrativas enquadram-se nas regras preestabelecidas, tal como concebidas.

    Diante da infração do sistema jurídico, seja no âmbito contábil, financeiro, orçamentário, operacional ou patrimonial, é necessária a incidência do direito sancionador, para restabelecer as situações de violação ao status quo ante, para fim punitivo ou dissuasório. Neste último caso, a sanção tem perspectiva notadamente pedagógica, a fim de desencorajar a prática de atos administrativos que agridam a juridicidade.

    A violação ao sistema jurídico tem ainda o condão de acionar uma série de mecanismos de controles da administração pública, internos e externos, no intuito de restabelecer as orientações normativas dadas pelo ambiente democrático.

    Inobstante a necessidade de reprimir as violações do direito mencionadas, é preciso ainda considerar os direitos fundamentais, concebidos pela Constituição da República, que protegem os acusados em geral e lhes assegura o devido processo administrativo, contra o exercício arbitrário do poder punitivo estatal.

    A ausência de critérios e parâmetros razoáveis para a aplicação de penalidades aos agentes que se relacionam com a aplicação do direito administrativo levanta a necessidade de investigar como reduzir a arbitrariedade dessa espécie de direito sancionador.

    É nesta quadra do pensamento jurídico que Eric Botelho Mafra se propôs a investigar as linhas mestras do direito administrativo sancionador no âmbito dos tribunais de contas e os efeitos que a atividade de controle externo podem gerar na gestão administrativa. Afinal, o investigador questiona: quais os limites da atuação dos órgãos de controle na imputação de multas? O exercício do poder sancionatório, de forma arbitrária, cria relação desequilibrada junto a seus controlados? Esse modus operandi afasta-se da perspectiva constitucionalizada e democrática esperada dos órgãos de controle externo?

    Na tentativa de responder questões tão tormentosas, o trabalho demonstra que a recém-editada Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB) representa limites importantes ao exercício da atividade de controle, vez que, conclui o trabalho como achado relevante na área, não se deve sancionar por mera retribuição à ilegalidade praticada, isto é, por qualquer infração perpetrada pelo gestor de recursos públicos.

    Tributária da perspectiva que já se aplica na esfera penal, a imposição de sanções deve ser, nas palavras do autor, a ultima ratio dos órgãos de controle externo. E, mesmo para fins dissuasórios, deve ser garantista aos jurisdicionados de boa-fé, para não desaguar em paralisia decisória – o que poderia prejudicar muito mais os bens jurídicos protegidos e o próprio interesse geral da coletividade.

    Considerando ainda o fato de que o controle de resultados melhor se coaduna com as alterações promovidas na Constituição da República, nas últimas décadas, manter o enfoque burocrático do controle visando ao mero descumprimento de normas legais extrapola os limites normativos e não resulta efeitos positivos nas condutas gerais dos gestores.

    Para demonstrar a consistência dessas teses, o trabalho levantou decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), aferindo-se como se dá a atividade sancionatória desses tribunais.

    E, com base em considerações teóricas e dados empíricos, o estudo também propôs que os diplomas normativos que regem a processualidade das cortes de contas, como a lei orgânica dos tribunais e seus regulamentos, devem conferir maior racionalidade à metodologia de aplicação de sanções, visando evitar todos os efeitos deletérios do direito sancionador, no âmbito da gestão administrativa, já mencionados.

    A consistência do trabalho e seus achados representam passo importante na reflexão dos papéis do direito sancionador no âmbito da atividade de controle externo dos tribunais de contas sobre a atividade administrativa. São também um convite para que o leitor se debruce sobre a inquietude que o texto apresenta, de não se conformar com o exercício do poder punitivo haja vista as garantias constitucionais asseguradas aos jurisdicionados.

    Uma excelente leitura a todos!

    Maria Tereza Fonseca Dias

    Professora Associada do Departamento de Direito Público da

    Universidade Federal de Minas Gerais

    SUMÁRIO

    Capa

    Folha de Rosto

    Créditos

    CAPÍTULO 1 O DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO PENAL

    RETROSPECTIVA HISTÓRICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR: DO ARBÍTRIO AO SISTEMA GARANTISTA

    ILÍCITOS PENAIS X ILÍCITOS ADMINISTRATIVOS: UMA ABORDAGEM DAS PRINCIPAIS TESES SOBRE O TEMA E AS SUAS CRÍTICAS

    A TESE DA AUTONOMIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR

    SANÇÃO ADMINISTRATIVA COMO FERRAMENTA INSTITUCIONAL NA DISSUASÃO DO CONTROLADO

    CAPÍTULO 2 ATRIBUIÇÕES E APLICAÇÃO DE SANÇÕES NOS TRIBUNAIS DE CONTAS BRASILEIROS

    DISTINÇÕES PRELIMINARES

    OUTRAS DISTINÇÕES

    APRECIAÇÃO DAS CONTAS DE GESTÃO E DE GOVERNO

    RESPONSABILIZAÇÃO-REPARAÇÃO E RESPONSABILIZAÇÃO-SANÇÃO

    MULTA-SANÇÃO E MULTA-COERÇÃO

    CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA CONTEMPORANEIDADE E TRIBUNAIS DE CONTAS COMO ÓRGÃOS INDUTORES DA BOA GESTÃO PÚBLICA

    CAPÍTULO 3 O PAPEL DAS MULTAS NA ESFERA CONTROLADORA E A APLICAÇÃO DE SANÇÕES NA JURISPRUDÊNCIA DO TCU E DO TCEMG

    A MATERIALIDADE NA IMPUTAÇÃO DE SANÇÃO PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS

    QUANDO SE PRATICA ATO IRREGULAR QUE DEVE SER OBJETO DE SANÇÃO?

    ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO TCEMG E DO TCU

    CAPÍTULO 4 PREVISIBILIDADE, DOSIMETRIA E INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA NA APLICAÇÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS PELAS CORTES DE CONTAS

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS

    ANEXO

    APÊNDICE

    NOTAS

    Landmarks

    Capa

    Folha de Rosto

    Página de Créditos

    Sumário

    Bibliografia

    CAPÍTULO 1 O DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO PENAL

    Neste capítulo introdutório, meu objetivo é mostrar a evolução das sanções administrativas ao longo do tempo para entender como elas são aplicadas no âmbito de alguns países europeus, na própria Comunidade Europeia e no Brasil.

    RETROSPECTIVA HISTÓRICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR: DO ARBÍTRIO AO SISTEMA GARANTISTA

    No Estado Absolutista, o poder sancionador se concentrava nas mãos do rei e o Estado, na figura de seu governante, exercia o poder punitivo de modo mais abrangente possível (que, aliás, iria desde restritivas de liberdade até beneficiadoras desse direito), não se limitando a qualquer espécie de controle. Não havia, em princípio, a ideia de uma separação do injusto ‘policial’ e do injusto penal. Estes estariam atrelados ao arranjo das concepções da época como objeto da segurança interior, que se cifrava unicamente na índole de aplicação na prática do poder soberano.²

    A partir do Estado liberal, com o surgimento e a consolidação dos ideários revolucionários e da concepção, no âmbito da filosofia política, de separação de poderes, a administração pública passa a atuar segundo um rol de atribuições previamente definido e passa-se a enxergar, com maior clareza, a prerrogativa de aplicação de sanções administrativas, diferentes das penais, em que ocorre progressiva abolição do poder sancionador geral da Administração pública mediante a jurisdicionalização dos ilícitos de polícia.³

    As revoluções liberais, assim, já na segunda metade do século XVIII, procuraram estabelecer contornos e delineamentos ao poder punitivo estatal, com a definição de um direito penal e processual penal garantista, estratégia voltada também a abarcar, pelo regime penal, as infrações antes inseridas no Estado de Polícia,⁴ submetendo-as ao controle do poder judiciário, e não mais, unicamente, ao arbítrio da administração.⁵

    Na maioria dos países europeus, como princípio fundamental do Estado de Direito, especialmente na França⁶, Itália⁷ e Alemanha,⁸ teria ocorrido um amplo processo de jurisdicionalização da repressão,⁹ em que os ilícitos administrativos teriam sido realocados sob a atribuição de um juiz criminal.¹⁰ ¹¹

    Tal situação perdura apenas até a consolidação do fenômeno denominado por alguns de publicização,¹² que se constituiu pela presença cada vez maior do Estado no cotidiano, regulando as relações dos seus cidadãos. Seu início data da Primeira Guerra Mundial, com a chamada legislação bélica, levando à expansão da intervenção pública em setores antes reservados à autonomia do particular como em outros campos¹³ que produziram modificações, inclusive, na técnica legislativa e nos tradicionais sistemas normativos.

    Ocorreu, assim, verdadeira proliferação da legislação penal especial, que produziu o que se denominou de hipertrofia do direito penal, gerando sobrecarga de trabalho do judiciário – e, consequentemente, sua ineficiência. Na Alemanha, inclusive, incrementou-se a legislação penal especial, notadamente nos últimos anos da República de Weimar e no período nacional-socialista, devido a necessidade de uma rígida planificação econômica ante as exigências da política belicista.¹⁴

    No período pós-Guerra, o Estado passa a cumprir função ainda mais ampla, destinada a cuidar e assegurar o bem-estar da comunidade. Com a assunção de uma série de setores que antes eram conduzidos pela iniciativa privada nos campos social e econômico, que marca o Estado social,¹⁵ as sanções administrativas passam a ser utilizadas para viabilizar tais atividades.

    Diante dos traumas causados pelo conflito e em razão da necessidade de se intervir de forma marcante para se garantir o chamado Estado de Bem-Estar Social, Welfare State, além de incrementar a eficiência e efetividade administrativas, deu-se início ao fenômeno da despenalização, especialmente com a Lei para a simplificação do direito penal econômico (Gesetz zur Vereinfachung des Wirtschaftssírafrecht, de 29 de junho de 1949), que se destinava a substituir os inúmeros ilícitos então instituídos atrelados à legislação econômica. Nesse contexto, as condutas delitivas de menor relevância social, denominadas ilícitos de bagatela, ou Bagatelldelikte, reati bagatellari, tornaram-se atribuição da administração pública. Ao judiciário, reservou-se apenas a repressão aos delitos mais graves, cujos bens jurídicos seriam de maior relevância.¹⁶

    Tal fenômeno também abarcou áreas muito diversas e extensas do ordenamento jurídico alemão. Atreladas ao setor econômico estão a Lei de 26 de junho de 1949, a Lei de 27 de julho de 1957 sobre a concorrência, a Lei de 28 de abril de 1961 sobre comércio exterior e a Lei de 11 de março de 1957 sobre o controle de preços. A Abgadeornung, de 23 de março de 1976, destaca-se na ordem tributária alemã; o Baundesbaugesetz, de 18 de agosto de 1976, no setor urbanístico; a Lei de 18 de agosto de 1976 dispõe sobre ilícitos administrativos relacionados ao meio ambiente; e, finalmente, a Lei de 16 de novembro de 1970 trata do setor automobilístico, completamente despenalizado.¹⁷

    O alicerce ideológico à realização de tal despenalização perpetrada na Alemanha é a doutrina do direito penal administrativo desenvolvida por James Goldschmidt, que se verá a seguir. A base dessa doutrina era a obra de Erik Wolf – com posteriores elaborações de Eberhard Schmidt, conforme também se demonstrará adiante –, que pregava a distinção substancial dos ilícitos penais e administrativos, mas, ao fim, propunha a aplicação dos critérios e princípios do direito penal à apuração e o emprego de sanção para as infrações administrativas.¹⁸

    A Itália, por sua vez, acompanhou os passos alemães no fenômeno da despenalização. A Lei de 3 de maio de 1967 introduziu Modificações no sistema sancionador das normas em matéria de circulação por carreta e dos regramentos provinciais e comunitários. Em seguida, introduziu-se no ordenamento jurídico italiano a Lei de 9 de outubro de 1967, sobre Sanções para os infratores das normas de polícia florestal, atrelada à proteção ao meio ambiente. Seu objetivo era substituir antigas penas aplicadas por juízes criminais a delitos leves por sanções de multa impostas pela administração. Por fim, de caráter mais geral, aprovou-se a Lei de 24 de dezembro de 1975, que estendeu o processo despenalizador a todas as contravenções castigadas somente com a pena pecuniária, que culminou, assim, na Lei de 24 de novembro de 1981, denominada Modificações no sistema penal. Essa lei introduz, em seu capítulo 1º, uma disciplina unitária, no plano substancial e procedimental, aplicável a todas as infrações para as quais está prevista a sanção administrativa de pagamento de uma quantia em dinheiro,¹⁹ modelada essencialmente conforme princípios e esquemas de natureza penal com limitadas intrusões civilísticas,²⁰ tendo sistematizado, portanto, o direito administrativo sancionador e conferido à administração todas as condições para seu exercício na Itália.²¹

    Já na Espanha, o desenvolvimento do direito administrativo sancionador não se deu como na Alemanha e Itália. Ali, ocorreu a segregação da sanção administrativa a partir do fenômeno da despenalização.²² Adotou-se, portanto, diferentemente, a partir de 1923, período da ditadura de Primo de Rivera, modelo de Estado intervencionista que intensificou a aplicação das potestades sancionadoras da administração – e aplicada pela administração, que não se utilizava do sistema eminentemente garantista advindo do direito penal –, motivo pelo qual se evidencia clara independência da atividade sancionadora administrativa da penal.²³ Há, ainda, a aplicação de tais penalidades de forma ilimitada no período da ditadura franquista, entre 1939 e 1975, quando não se utilizava de tais princípios garantistas do direito penal.

    Tal fato levou a potestade sancionadora a experimentar notável desenvolvimento no âmbito da administração pública espanhola,²⁴ especialmente após a redemocratização – que, desde então, foi tratada pela doutrina e jurisprudência quase exclusivamente sob a ótica da construção doutrinária focada na elaboração de um sistema eminentemente garantista, da qual Eduardo García de Enterría²⁵ é um dos expoentes.²⁶

    Utilizou-se, nesse período, de forma maciça e com o objetivo de justificar a aplicação de tais garantias, o discurso teórico de transposição de garantias e princípios do direito penal e processual penal, sob o fundamento de que o ordenamento punitivo do Estado deve conter garantias similares àquelas existentes no âmbito criminal, sob pena de violação às liberdades e à segurança jurídica, ínsitas ao Estado de Direito.²⁷

    Partiu-se, só então, da premissa de que as infrações administrativas não se distinguem ontológica nem substancialmente das penais²⁸ e de que o ordenamento punitivo seria um só. Nas palavras de García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández:

    Essa situação [caracterizadora de um Direito de Polícia], determinada pela formação histórica desse poder administrativo, por sua evolução independente como um simples instrumento de efetividade coercitiva, sem outras considerações, em razão

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