O processo de regionalização em saúde no Estado do Amapá: avanços e desafios
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Sobre este e-book
As Redes de Atenção à Saúde (RAS) são fundamentais para a coordenação e a integração dos serviços e ações de saúde, assim como para a integralidade e a qualidade do cuidado à saúde, representando a organização do conjunto de serviços com diferentes densidades tecnológicas, estruturas de apoio técnico, logístico e de gestão que visam garantir a integralidade do cuidado às populações de uma região de saúde.
No Estado do Amapá, as primeiras discussões sobre o Processo de Regionalização iniciaram em 2002 com a aprovação do Plano Diretor de Regionalização – PDR visando à organização e Gestão da Atenção à Saúde garantindo aos usuários o acesso às ações e serviços de saúde.
Nessa perspectiva, este livro objetiva descrever o processo de Regionalização em Saúde no Estado do Amapá desde os primeiros passos até os dias atuais e ainda apresentar uma proposta de Plano de Intervenção Macrorregional das Redes de Atenção à Saúde baseado em um diagnóstico situacional e levantamento de prioridades sanitárias no território e indicadores de saúde.
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O processo de regionalização em saúde no Estado do Amapá - Cintia do Socorro Matos Pantoja
CAPÍTULO 1 – ASPECTOS HISTÓRICOS DA REGIONALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE NO BRASIL
As primeiras propostas de descentralização e de participação civil, de forma geral e na saúde em particular, começaram a ser formuladas a partir da segunda metade da década de 1950. Foi na III Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1963, que se apresentou a proposta de municipalização dos serviços de saúde e a promoção de técnicas de planejamento ascendentes no setor saúde (ESCOREL; TEIXEIRA, 2008).
É certo que a descentralização não era um ideal apenas dos movimentos democratizantes, mas fazia parte das recomendações dos organismos internacionais, como forma de melhorar a alocação de recursos e na criação de sistemas de accountability (OLIVEIRA, 2007).
Foi na Assembleia Nacional Constituinte de 1987 que a descentralização passou a ser entendida como uma estratégia de democratização e de incorporação de novos atores, estando fortemente atrelada ao movimento municipalista que tomou força a partir do processo de redemocratização do país (DUARTE et al., 2015).
O modelo organizativo do sistema de saúde brasileiro baseado na regionalização foi instituído na Constituição Federal de 1988 e legislação complementar, destacando-se a Lei nº 8.080/90, que dispõe no seu artigo 7º sobre a regionalização e hierarquização da rede de serviços e a capacidade de resolução dos serviços e a capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência.
De acordo com Lima et al. (2012) a descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS) na década de 90 refletiu projetos econômicos e sociais de ideologias e finalidades distintas, acoplando-se ao desenho federativo proposto na Constituição Federal de 1988.
As relações verticais foram priorizadas, tendo como foco a transferência de poder decisório, responsabilidades gestoras e recursos financeiros da União para os Estados e, principalmente, para os municípios. Mesmo considerando os movimentos de centralização legislativa e fiscal da função Estatal, o período é testemunha da implantação de um modelo em que milhares de governos municipais adquiriram uma atuação abrangente no campo da saúde (LIMA et al., 2012).
No entanto, a fragilidade do planejamento regional das estratégias de descentralização do SUS comprometeu sua adequação às múltiplas realidades brasileiras. Com isso, não houve uma diversificação de políticas e investimentos que melhor relacionassem as necessidades de saúde às dinâmicas territoriais específicas visando à redução da iniquidade no acesso, na utilização e no gasto público em saúde (LIMA et al., 2012).
As Normas Operacionais Básicas (NOB) editadas pelo Ministério da Saúde e Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) vieram com o objetivo de normatizar o SUS, estabelecendo as orientações para implementação do SUS e superar as lacunas constitucionais relacionadas à organização. Ao longo dos últimos 30 anos diversos atos normativos foram editados pelo Ministério da Saúde com o objetivo de orientar o processo de descentralização no SUS, conforme apresentado no Quadro 01.
Quadro 1: Atos Normativos do processo de Regionalização.
Fonte: Autores (2022).
A NOB 91 introduziu a relação direta do Ministério da Saúde com as Secretarias Municipais de Saúde através de convênios de municipalização, convênios que transformavam os serviços de natureza pública - municipais - em prestadores ressarcidos financeiramente de acordo com a produção. Introduziu, também, critérios de transferências de recursos do Ministério da Saúde somente por remuneração da produção de serviços, inibindo a autonomia gestora dos governos locais. Isto porque os recursos de assistência à saúde, quando creditados para as unidades ambulatoriais e hospitalares prestadoras de serviços, não podiam ser executados diretamente pelos municípios/secretarias de saúde (BRASIL, 1991). Pela NOB 91, os municípios eram transformados em entidades produtoras de procedimentos de assistência médica, igualando-se àquelas de natureza privada e filantrópica (MARQUES; MENDES, 2003).
A NOB 93 (BRASIL, 1993) estabelece a relação entre o grau de municipalização correspondente à condição de gestão do sistema local de saúde e sua responsabilidade no SUS. Direcionou-se ao resgate do processo de descentralização do sistema ao estabelecer três níveis de autonomia de gestão infranacionais, ou seja, condições de gestão incipiente, parcial e semiplena. Foi pactuado também que a descentralização deveria ser um processo lento e gradual, com liberdade de adesão por parte das unidades federadas e que as instâncias locais de governo se habilitariam institucional e tecnicamente a adquirir maior grau de autonomia de gestão (UGÁ; MARQUES, 2005).
A NOB 96, editada em 05 de novembro de 1996 por meio da Portaria GM/MS nº 2.203 (BRASIL, 1996), objetivou consolidar e aprofundar os avanços na direção da descentralização e previa duas formas de gestão para o subsistema por pré-pagamento: a gestão plena de atenção básica e a plena do sistema de saúde, que substituiriam todas as disposições anteriores. Para a gestão plena de atenção básica, cabia ao município elaborar a programação municipal dos serviços básicos, gerenciar as unidades laboratoriais próprias, prestar ou acompanhar os serviços relacionados à atenção básica e executar as ações básicas de vigilância sanitária e epidemiológica. Era obrigatório comprovar o funcionamento do Conselho Municipal de Saúde, operar o Fundo Municipal de Saúde e ter um Plano Municipal de Saúde. Satisfeitas tais condições, os benefícios alcançados incluíam a obtenção das transferências diretas dos recursos federais ao município, bem como o de ter as unidades básicas de saúde no território do município, estatais ou privadas, subordinadas à gestão municipal (TREVISAN; JUNQUEIRA, 2007, p. 898).
O processo de municipalização da saúde se consolidou a partir da NOB de 1996, sendo o município o responsável imediato pelo atendimento das necessidades e demandas de seu povo e das exigências de intervenções saneadoras em seu território (BRASIL, 1996). Esta NOB, ao mesmo tempo em que determina relações de independência do município como gestor pleno, inibe sua autonomia no papel de gestor único do sistema local ao introduzir a adoção de incentivos, campanhas e recursos financeiros à implantação de programas federais - Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF), não definidos no âmbito local (PREUSS,